Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
324/09.1TBSRT.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: RECURSO
ANULAÇÃO DE JULGAMENTO
ALEGAÇÕES
NOVO RECURSO
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – CASTELO BRANCO – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 637º E 641º DO NCPC.
Sumário: Tendo a Relação anulado um julgamento, por deficiência no registo da prova, não é processualmente admissível a interposição de recurso da nova sentença por mera remissão para o recurso anterior, em que o recorrente se limita agora a dizer que “dá por integralmente reproduzidas as alegações de facto e direito, bem como os fundamentos do recurso por si apresentado”.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Relação de Coimbra

1.1.- A Autora – H... – instaurou na Comarca da Sertã acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus – F..., E... e G..., Ld.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença condenatória.

Os Réus F... e E... recorreram de apelação.

A Relação, por acórdão de 12/11/2013, com fundamento na irregularidade da gravação do depoimento de parte do Réu F..., decidiu “Julgar procedente a apelação e anular o julgamento, na parte afectada pela deficiência do registo fonográfico, determinando-se a repetição da prova quanto ao depoimento de parte do Réu F...”.

Realizada audiência de julgamento, foi emitida sentença.

1.2.- Os Réus F... e E... juntaram requerimento, no qual declaram “dar por integralmente reproduzidas as alegações de facto e de direito, bem como os fundamentos do Recurso por si apresentado, bem como requerer a junção aos autos da transcrição das declarações do Réu em julgamento”.

Por despacho de 18/12/2014 foi admitido o recurso, como de apelação.

Com vista ao não conhecimento do objecto do recurso, por despacho do relator determinou-se a audição das partes (art.655 nº1  CPC).

1.3.- Por despacho do relator decidiu-se não conhecer do recurso.

1.4.- Os Réus E... e F... reclamaram para a conferência (art.652. nº 3 CPC), alegando, em síntese:

O recurso contém as alegações e conclusões, sendo admissível por remissão, por força dos princípios da simplificação da forma e da prevalência da justiça material (arts.131, 637, 641 nº2 CPC).

A Autora respondeu no sentido da improcedência.

Cumpre decidir, em conferência.


FUNDAMENTAÇÃO

2.1. No despacho reclamado exarou-se a seguinte fundamentação:

“ Ao recurso é aplicável o regime do novo Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6).

O art. 637 do CPC dispõe sobre o modo de interposição do recurso, o qual se interpõe por meio de requerimento, e “contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões dever ser indicado o fundamento específico da recorribilidade“.

E o art. 641 nº 2 b) CPC determina o indeferimento do requerimento de interposição quando “não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões”.

No caso concreto, problematiza-se a questão de saber se é processualmente admissível a interposição do recurso por mera remissão. O “dar por integralmente reproduzidas as alegações de facto e de direito (…)” é, sem dúvida, e com o devido respeito, uma alegação por remissão, contrariamente ao alegado pelo recorrente.

Tal como já se anotou anteriormente, considera-se não ser legalmente admissível a apresentação da interposição do recurso, e designadamente as alegações e conclusões, por mera remissão.

Desde logo porque a lei não prevê alegações e conclusões por remissão, e do art. 637 nº 2 CPC, ao impor a obrigatoriedade das alegações, resulta até a sua proibição. E compreende-se que assim seja, visto que a parte terá que justificar a sua pretensão recursiva, expondo os respectivos fundamentos.

Depois, a alegação por remissão não pode assentar no princípio da simplificação da forma, contido no art.131 nº1 do CPC, enquanto emanação do princípio da economia processual.

A simplificação das formalidades dos actos processuais é aferida segundo um critério funcional, significando que a forma deve ser a que nos termos mais simples melhor corresponda ao fim que pretende atingir. Contudo, ressalva-se a hipótese de a lei prever uma forma específica para o acto, tendo em conta a sua própria natureza e finalidade.

Ora, no caso dos recursos, a obrigatoriedade das alegações e conclusões revela uma exigência específica, de tal modo que a lei fulmina a sua omissão com a não admissibilidade do recurso ( art.641 nº2 b) CPC). Por outro lado, o art.131 CPC reporta-se à “forma” e, em bom rigor, o que está em causa é a substância do acto, ou seja, a justificação para a impugnação da decisão recorrida.

Acresce que constituindo o objecto do recurso a decisão em si mesma, o recurso dos Réus interposto da primeira sentença, e as respectivas alegações, esgotou-se com a decisão proferida, que acabou por ser anulada com a anulação do julgamento, determinado por acórdão da Relação. Uma vez emitida nova sentença, os recorrentes deveriam apresentar novas alegações e conclusões, tanto mais que foi produzido novo elemento de prova, sendo que os apelantes pretenderam socorrer-se também do depoimento de parte do réu, limitando-se, sem mais, a juntar uma transcrição parcial do depoimento, sem dar a conhecer as razões da discordância relativamente à decisão recorrida.

Conforme se decidiu no Ac STJ de 12/9/2006 (proc. nº 06A1986), disponível em www dgsi.pt, “A alegação de recurso, culminando com as respectivas conclusões, tem de ser auto-suficiente, não se compadecendo com a remissão para outra peça, designadamente a alegação produzida em recurso antes julgado”.

Como o despacho de admissibilidade do recurso não é vinculativo (art.641 nº5 CPC), a falta de alegações e conclusões  implica o não conhecimento do recurso (art. 655 CPC).

            3. - Pelo exposto, decide-se:

Não conhecer do recurso.”

2.2. Concordam com a argumentação aduzida.

Os reclamantes convocam o princípio da prevalência do mérito ou seja, aquilo que se pode designar por favorecimento do processo (pro actione), assumindo-se hoje como princípio processual geral, radicado no direito de acesso à justiça (art.20 CRP).

Por isso, na feliz expressão positivada no art.7 do CPTA (aprovado pela Lei nº 15/2002 de 22/2), “ as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.

Contudo, para além de dever ser perspectivado em sintonia com os demais princípios estruturantes, o princípio da prevalência do mérito não vale para os pressupostos dos actos processuais, pois “ a decisão de mérito nunca pode ignorar a ineficácia do acto, nem superar as suas consequências “ ( M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, pág. 86).

Improcede a reclamação.

            2.3. Síntese conclusiva:

            Tendo a Relação anulado um julgamento, por deficiência no registo da prova, não é processualmente admissível a interposição de recurso da nova sentença por mera remissão para o recurso anterior, em que o recorrente se limita agora a dizer que “ dá por integralmente reproduzidas as alegações de facto e direito, bem como os fundamentos do recurso por si apresentado.


DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar improcedente a reclamação e confirmar o despacho reclamado.

2)

            Condenar os reclamantes nas custas.

            Coimbra, 16 de Junho de 2015.


( Jorge Arcanjo )

( Teles Pereira )

(Manuel Capelo)