Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1043/08.1TBFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
NULIDADE
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
CONTRATO DE ADESÃO
OBRIGAÇÕES
CONCEDENTE DE CRÉDITO
LIVRANÇA
INVALIDADE
RELAÇÃO SUBJACENTE
RELAÇÃO IMEDIATA
MÁ FÉ PROCESSUAL
Data do Acordão: 03/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 6º, Nº 1, 7º, Nº 1 E 4, DO DL Nº 359/91, DE 2109, E ARTºS 5º E 6º DO DL Nº 446/85, DE 25/10; ARº 17º LULL; ARTº 542º, Nº 2, DO NCPC.
Sumário: I – Tendo-se provado que, aquando da assinatura, pelo ora Embargante, dos documentos para requerer financiamento bancário para a aquisição do veículo, não lhe foi entregue qualquer exemplar ou duplicado dos mesmos, tendo-se provado, também, que, só posteriormente, a acompanhar a carta, datada de 13 de Fevereiro de 2007, que o C... lhe dirigiu, veio, o “duplicado para o cliente” do contrato de crédito a que foi atribuído o nº..., datado de 07.02.2007, agora já preenchido nos campos referentes às condições particulares, o que não se verificava quando o embargante subscreveu o respectivo formulário, e não tendo o Embargado ilidido a presunção estabelecida no artº 7º, nº 4, do Decreto-Lei n.º 359/91, importa concluir que lhe é imputável a apontada omissão de entrega e, por força do disposto nos artºs 6º, nº 1 e 7º, nº 1, desse mesmo Decreto-Lei, declarar nulo o contrato de crédito em causa.

II - No contrato de crédito ao consumo, porque o consumidor se limita a aderir ao ali estipulado sem prévia negociação, sendo, por isso, um contrato de adesão, está também sujeito ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais consagrado no DL nº 446/85, de 25 de Outubro, com as posteriores alterações dos DL nº 220/95, de 31 de Agosto, e DL nº 249/99, de 7 de Julho, instituído para protecção do consumidor, contraente mais fraco e desprotegido.

III - Assim, recai sobre o concedente do crédito, enquanto parte que se prevalece de cláusulas contratuais gerais, o dever de comunicar o conteúdo das cláusulas na íntegra aos contraentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. Devendo esta comunicação, nos termos do art. 5.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei n.º 446/85, ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. Trata-se de assegurar o exercício efectivo e eficaz da autonomia privada, o qual pressupõe uma vontade bem formada e correctamente formulada do aderente e, assim, uma informação completa e verdadeira das cláusulas insertas nos contratos.

IV - Declarado nulo o contrato de crédito, não pode subsistir o título executivo - livrança - que tinha como causa subjacente, precisamente, o incumprimento, pelo ora Embargante, desse contrato (pressupondo, por isso, a respectiva validade).

V - Efectivamente, a livrança, em função dos princípios cambiários da literalidade e abstracção, é independente da “causa debendi”.

Porém, quando, como é o caso, se encontra no âmbito das relações imediatas, já não valem tais princípios cambiários, podendo-se discutir relação jurídica subjacente ao título.

VI - A condenação por litigância de má fé tem de se ancorar em factos comprovadamente praticados no processo, ou nele apurados, relevantes para a sorte da lide, de onde resulte que a conduta do litigante - que se exige praticada com dolo ou negligência grave -, integra um dos comportamentos tipificados nas várias alíneas do artº 542º, nº 2, do NCPC.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:[1]

I - Relatório:

 A) - 1) - Por apenso à execução, para pagamento de quantia certa, que, com base em livrança, foi intentada, em Abril de 2008, pelo “Banco C..., S.A.” contra P..., residente na Rua ..., veio este executado, em 15/04/2015, opor-se à execução, mediante embargos, invocando, para o efeito, o disposto nos arts. 728.º e seguintes do (novo) CPC, alegando, para o que agora importa:

 - «[…] a livrança dada à execução foi subscrita por ele no âmbito e por causa do contrato de crédito a que o C... atribuiu o nº ..., é inexequível.

Acrescenta que, no início do ano de 2007, pretendeu adquirir um veículo automóvel usado de Marca Seat Ibiza, modelo GT-TDI do ano de 2002. Contactou, então, R..., a quem tinha já recorrido anteriormente para o ajudar nos tramites inerentes à aquisição de um outro veículo automóvel, solicitando-lhe a sua colaboração quer para procurar o veículo automóvel que pretendia quer para o ajudar a obter o crédito para aquisição do mesmo. Decorrido algum tempo, o dito R... informou-o que não estava a ser fácil encontrar um veículo com as características que pretendia, sugerindo-lhe, contudo, que fossem tratando da documentação inerente à obtenção do crédito bancário, por forma a que, uma vez encontrado o automóvel pretendido pelo ora embargante, se tornasse mais célere o processo de aquisição do mesmo.

Assim, o ora embargante assinou vários documentos cujo teor não lhe foi explicado e que se encontravam por preencher, designadamente o formulário do contrato de crédito, no âmbito das “Condições Particulares”, limitando-se, o ora opoente, a neles apor a sua assinatura, tendo, naquelas circunstâncias, entregue a R... e L... todos esses documentos, a quem forneceu ainda toda a sua identificação e identificação do NIB através do qual, uma vez concretizado o negócio em causa e obtido o sobredito financiamento, seria efectuado por débito directo o pagamento das prestações inerentes.

Posteriormente, recebeu uma carta do C..., datada de 13 de Fevereiro de 2007, a felicitá-lo pela celebração do contrato de crédito, carta essa acompanhada de um documento contendo as “informações do empréstimo” e o respectivo “plano de pagamentos, o “duplicado para o cliente” do contrato de crédito a que foi atribuído o n.º..., datado de 07/02/2007, agora já preenchido nos campos referentes às condições particulares, o que não se verificava quando o ora embargante subscreveu o respectivo formulário, a “nota informativa sobre os termos e condições do seguro de protecção ao crédito” e “inquérito de qualidade”.

Para seu espanto, do dito “duplicado para o cliente” do contrato de crédito constava como “marca e modelo” do automóvel a referência a um “Audi A3 Diesel”, sem que, contudo, se encontrasse preenchido o campo respeitante à identificação da respectiva matrícula e sendo certo que não era um veículo com essas características que o ora embargante pretendia adquirir.

Como entidade vendedora constava a sociedade comercial D..., Lda., da qual L... era e é sócia gerente, pelo que estava vedado ao ora embargante utilizar o valor financiado na compra de um veículo a outro fornecedor que não fosse o constante do contrato.

Todavia, entre aquela sociedade e o ora embargante não havia sido transaccionado qualquer veículo automóvel.

Sucede que L..., em 11 de Abril de 2007, depositou um cheque na conta n.º... do Banco E..., titulada pelo embargante, de montante igual à prestação referente ao mês de Abril, ou seja no valor de € 336,52.

Indignado com o sucedido e sentindo-se vítima de uma fraude, em 10 de Maio de 2007 deu ordem ao seu banco para cancelar a autorização para débito na sua conta das prestações inerentes a tal contrato de crédito, sendo que durante o mês de Maio de 2007 e durante o mês de Junho de 2007 remeteu ao C... comunicações a explicar toda a situação, pedindo que se considerasse sem efeito o contrato de crédito em causa, uma vez que não tinha adquirido à D..., Ldª nem um veículo de marca e modelo Audi A3 Diesel nem qualquer outro.

O C..., por cartas datadas, respectivamente de 25 de Maio de 2007 e 30 de Julho de 2007, acusando a recepção de tais comunicações respondeu-lhe, informando-o que o contrato se manteria activo.

O C... bem sabia, não podendo desconhecer, que entre o ora embargante e a D..., Ldª, não havia sido transaccionado qualquer veículo a cuja aquisição se destinaria o montante a financiar, pelo que não poderia subsistir o contrato de crédito em causa, bem sabendo, por consequência, que entre o ora embargante e o C... não havia qualquer acordo de preenchimento da livrança dada à execução. Ainda assim, não se absteve de preencher a livrança que dá à execução, o que fez abusivamente e em manifesta litigância de má-fé.[…]»[2]

Alegou, ainda, que:

- Foi em casa dos seus pais, na presença destes, do referido R... e da mulher deste, L..., os quais eram portadores da aludida documentação - que lhe disseram ser necessária para requerer o pretendido crédito bancário para financiamento de parte do custo do veículo automóvel -, que assinou esses documentos;

- A data que em que assinou esses documentos foi anterior à data (12/02/2007) em que o C... deu como iniciado o contrato - cujo teor, como já acima se referiu, não lhe foi explicado e que se encontravam por preencher, designadamente, na parte do formulário respeitante às “condições particulares”, sendo que esse preenchimento só veio a acontecer posteriormente, no contexto de uma colaboração planificada entre o C... e a D..., Lda., sem que ele, embargante, tivesse qualquer intervenção na respectiva negociação;

- O C... bem sabia, não podendo desconhecer, que à data em que o contrato de crédito em causa foi subscrito pelo ora embargante, não lhe havia sido entregue qualquer exemplar do mesmo;

- Bem sabendo, igualmente, que quando o ora Embargante subscreveu esse contrato, não lhe foi lido nem explicado o respectivo clausulado, nem no que respeita às condições particulares, nem no que respeita às condições gerais.

Terminou assim o seu articulado:

«[…] a) Deve o contrato de crédito n.º... que se junta como Doc. 3 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido ser declarado nulo, devendo a embargada ser condenada a tal reconhecer;

Caso assim não se entenda,

b) Deverá ser declarada a inexistência do contrato de compra e venda de um veículo automóvel cuja aquisição o contrato de crédito n.º... subscrito pelo ora embargante se destinava financiar e por consequência ser este declarado resolvido;

c) Devendo, em qualquer um dos casos, ser declarado ilícito, por abusivo, o preenchimento da livrança dada à execução, e ser declarada a inexistência da obrigação exequenda, ou do título executivo ou ainda a ineficácia do mesmo;

d) Devendo, por consequência, serem os presentes embargos julgados procedentes por provados, e declarada totalmente extinta a execução movida contra o embargante.

e) Deve também a embargada ser condenada a devolver ao ora embargante a quantia de €336,52 que dele recebeu (por débito direto) a título de pagamento da primeira prestação do contrato de crédito em causa.

f) Deve ainda a exequente, ora embargada, ser condenada como litigante de má fé, em multa e numa indemnização ao executado, ora embargante, que deverá consistir no reembolso de todas as despesas que já realizou e que irá realizar no âmbito e por causa do presente pleito judicial, incluindo os honorários da sua mandatária, nos termos conjugados no disposto na al. a) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 453.º do Código de Processo Civil. […]».

2) - Os embargos foram recebidos, tendo o Embargado, na contestação aos mesmos, alegado, em síntese, que:

- No âmbito da sua actividade, a pedido do ora Embargante, celebrou em 12-02-2007, o contrato de crédito n.º..., o qual visou custear a aquisição de um veículo automóvel de passageiros, usado, importado, da marca Audi A3 Diesel e no qual foi convencionado entre as partes o pagamento do valor mutuado em 48 prestações mensais e sucessivas no valor de 336,52€;

- Uma vez que em causa estava um veículo importado, nunca poderia constar na descrição do veículo a sua matrícula;

- Na data da assinatura do contrato, subscreveu o Embargante a livrança n.º..., que serviu de base à execução, sendo que os campos de preenchimento da referida livrança foram deixados em branco, para preenchimento futuro, caso se verificasse o incumprimento;

- Efectuou o pagamento ao fornecedor, nos exactos termos em que o Embargante o solicitou, sendo que a livrança havia sido emitida à ordem da Embargada e entregue a esta, em caução e garantia do bom, integral e tempestivo pagamento de todas e quaisquer responsabilidades e obrigações assumidas no já mencionado contrato;

- Uma vez que o Embargante não procedeu ao pagamento das quantias em dívida, em 24 de Janeiro de 2008, foi preenchida a correspondente livrança pelo valor de € 15.328,44;

- o Embargante foi plenamente informado de todo o conteúdo do contrato de crédito, de todas as suas cláusulas, valores e condições, as quais lhe foram comunicadas e explicadas;

- Foi respeitada a regra relativa à entrega de um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura, nos termos do artigo 6º n.º 1 do DL n.º 359/91, de 21/09.

Terminou pedindo a improcedência dos embargos e a condenação do Embargante como litigante de má fé.

3) - Foi proferido despacho saneador, indicou-se o objecto do litígio, bem assim como os temas de prova, elencando-se, assim, estes últimos:

1. Preenchimento das condições particulares do contrato de crédito n.º ...;

2. Comunicação e explicação ao embargante das condições gerais e particulares do contrato referido em 1.

3. Entrega ao embargante de um exemplar do contrato referido em 1 no momento da sua assinatura.

4. Ausência de declaração de vontade do embargante no sentido de adquirir à sociedade D..., L.da o veículo automóvel de passageiros Audi A3 Diesel, mencionado no contrato referido em 1, e, em consequência, de entrega ao embargante desse veículo.

5. Existência de uma relação de colaboração planificada entre a sociedade D..., Lda. e o embargado, abrangendo o contrato referido em 1.

6. Conhecimento por parte do embargado do narrado em 4.

7. Diligências realizadas pelo embargante junto dos representantes da sociedade D..., Lda. para esclarecer/resolver a situação e insucesso das mesmas.

4) - Realizada a audiência final, veio, em 24/05/2016, a ser proferida sentença pela Instância Central - Secção de Execução - J1, da Comarca de Coimbra (Soure), que, indeferindo as “requeridas condenações por litigância de má-fé”, julgou os embargos totalmente improcedentes.

B) -1) - Desta decisão recorreu o Embargante, que, a finalizar a sua alegação de recurso, apresentou as seguintes conclusões:

...

2) - O Apelado, respondendo às alegações do Recorrente, pugnou pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida, evidenciando, designadamente, no corpo dessa Resposta:

 «[…] Ao contrário do que afirma o Recorrente, este tomou conhecimento de todas as condições do contrato celebrado, tendo as cláusulas contratuais gerais sido explicadas antes da assinatura do contrato.» (7º);

(...)

«Pelo que, não pode o Recorrente vir invocar que desconhece alguma das cláusulas do contrato, bem sabendo, portanto, o Recorrente qual o conteúdo do contrato que assinou.» (8º);

(...)

«Não só lhe foram explicadas as cláusulas do contrato, como das Condições Gerais contratadas pelo que o recorrente aceitou a adesão ao contrato junto com a Contestação, nos seus exactos termos, para tanto subscrevendo o devidamente identificado Contrato referido na Contestação apresentada pelo ora Recorrido, onde foi aposta a respectiva assinatura.» (9º);

(...)

«Mais se refira que, aquando da subscrição do contrato em causa, ficou o Recorrente com um exemplar do mesmo, não tendo, em altura alguma solicitado qualquer esclarecimento à entidade contraente, que sempre esteve disponível a prestá-lo.» (10º);

(...)

«Mais se diga, a este propósito, que é do conhecimento da Recorrida que foram observados os deveres de informação, de comunicação das condições gerais e que foi entregue aos Autores um exemplar do contrato nos termos dos arts. 5º, 6º e 7º do Decreto-lei 359/91 de 21/09 e 5º e 6º do Decreto-lei 446/85 de 25/10.» (12.º);

(...)

«Mesmo que se considerasse existir qualquer nulidade, o que desde já se nega veemente, sempre esta teria efeitos retroactivos nos termos do art. 289º do Código Civil, o que implicaria a obrigação dos mutuários restituírem o capital mutuado.» (17.º);

(...)

«Não podendo pretender que a nulidade origine a “desresponsabilização” do pagamento do capital que lhe foi concedido, o que afiguraria uma manifesta situação de abuso de direito.» (19.º);

(...)

«E isto na esteira do Assento 4/95 de 28.03.1995 que prescreve “Quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil.” In DR nº 114, I série A de 17/05/1995, p. 2939 e ss. […]». (20.º).
C) - As questões:
Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil[3] (doravante NCPC), o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”[4] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
Assim, a questão a solucionar resume-se a saber se, em face da factualidade que se tenha como provada, se mostra acertada a não condenação do Embargado como litigante de má fé, bem como a improcedência dos embargos, nos termos decididos pelo Tribunal “a quo”.

II - Fundamentação:

A)- Na sentença impugnada consignou-se o seguinte, em sede de decisão da matéria de facto:

«Considerando o objecto do litígio e os temas da prova, consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:

1. A livrança dada à execução foi subscrita pelo embargante no âmbito e por causa do crédito a que a exequente atribuiu o nº ...;

2. No início do ano de 2007 o embargante pretendeu adquirir um veículo automóvel usado;

3. O embargante contactou o Sr. R..., a quem tinha já recorrido anteriormente, para o ajudar nos tramites inerentes à aquisição de um outro veículo automóvel, solicitando-lhe a sua colaboração;

4. Em casa dos pais do embargante, na presença destes e do referido Sr. R..., o embargante assinou vários documentos para requerer financiamento bancário para a aquisição do veículo;

5. O teor desses documentos, que se encontravam por preencher, não foi explicado ao embargante;

6. O formulário do contrato de crédito, no âmbito das “Condições Particulares” encontrava-se por preencher;

7. O embargante entregou os referidos documentos já assinados ao dito R..., a quem forneceu a sua identificação e identificação do NIB através do qual seria efectuado o débito directo das prestações;

8. No momento em que assinou tais documentos não foi entregue ao embargante qualquer exemplar ou duplicado dos mesmos;

9. Posteriormente, o embargante recebeu uma carta do C..., datada de 13 de Fevereiro de 2007, a felicitá-lo pela celebração do contrato de crédito;

10. Essa carta vinha acompanhada dos seguintes documentos:

a) Um documento contendo as “informações do empréstimo” e o respectivo plano de pagamentos;

b) O “duplicado para o cliente” do contrato de crédito a que foi atribuído o nº..., datado de 07.02.2007, agora já preenchido nos campos referentes às condições particulares, o que não se verificava quando o embargante subscreveu o respectivo formulário;

c) A “nota informativa sobre os termos e condições do seguro de protecção ao crédito”;

d) “Inquérito de qualidade”;

11. Do duplicado para o cliente do contrato de crédito ao qual o C... atribuiu o nº..., no campo respeitante às condições de financiamento, constava como “marca e modelo” do automóvel a referência a um Audi A3 Diesel, sem que se encontrasse preenchido o campo respeitante à identificação da respectiva matrícula;

12. O embargante não pretendia adquirir um Audi A3 Diesel;

13. Como entidade vendedora constava a sociedade comercial D..., Ldª, da qual L... era e é sócia gerente;

14. O embargante não teve intervenção na negociação entre o exequente e a D..., Ldª;

15. O embargante não adquiriu qualquer veículo automóvel à D..., Ldª;

16. O C... considerou como data do início do contrato 12.02.2007;

17. O embargante subscreveu tal contrato em data anterior;

18. O embargante constatou que o C... procedeu ao desconto bancário da quantia respeitante à primeira prestação;

19. Em 11 de Abril de 2007, L... depositou um cheque na conta nº ... do Banco E..., titulada pelo embargante, de montante igual à prestação referente ao mês de Abril, no valor de € 336,52;

20. Em 10 de Maio de 2007 o embargante deu ordem ao seu banco para cancelar a autorização para débito na conta com o NIB ... das prestações inerentes a tal contrato de crédito;

21. Durante os meses de Maio e Junho de 2007 o embargante remeteu ao C... comunicações a explicar toda a situação, pedindo que se considerasse sem efeito o contrato de crédito em causa, uma vez que não tinha adquirido à D..., Ldª nem um veículo Audi A3 Diesel nem qualquer outro;

22. O C..., por cartas datadas de 25 de Maio de 2007 e 30 de Julho do mesmo ano, acusando a recepção de tais comunicações, respondeu ao ora embargante nos termos constantes de fls. 17 verso e 18, informando-o que o contrato se manteria activo;

23. O embargante desconhece se a ora embargada entregou a “quantia financiada” à entidade que no contrato de crédito figura como vendedora;

24. A embargada preencheu a livrança dada à execução que se destinava a garantir toda e qualquer dívida emergente do empréstimo concedido;

25. A embargada é uma instituição bancária que se dedica, entre outras actividades, à concessão de créditos a particulares para aquisição de diversos bens de consumo;

26. Os campos de preenchimento da livrança referida em 1 foram deixados em branco para preenchimento futuro, caso se verificasse o incumprimento;

27. A fim de instruir o contrato de crédito, o embargante entregou à embargada cópia do bilhete de identidade e cartão de contribuinte, cheque de banco, comprovativo de morada, recibo de vencimento e consulta de liquidação de IRS;

28. O embargante assinou o contrato de crédito sem o preenchimento do campo destinado à matrícula;

29. A referida livrança foi emitida à ordem do embagado e entregue a este em caução e garantia do bom, integral e tempestivo pagamento de todas e quaisquer responsabilidades e obrigações assumidas no contrato;

30. Em 24.01.2008, foi preenchida a referida livrança pelo valor de € 15.318,44;

31. A resolução do contrato de crédito e preenchimento da livrança foram comunicados ao embargante em 11.01.2008.

Para além das expressões conclusivas, que contenham matéria de direito ou que estejam em manifesta contradição com os factos dados como provados, não se provou que:

1. O veículo referido em 2 dos factos provados era da marca Seat Ibiza, modelo GT-TDI do ano de 2002;

2. L... é esposa do Sr. R... e estava presente na ocasião referida em 4 dos factos provados;

3. O embargante confrontou o identificado R..., indagando sobre as razões pelas quais no contrato de crédito em apreço se tinha feito constar o Audi A3 Diesel;

4. Em resposta, o dito R... disse ao embargante que tal não passava de uma simples referência sem qualquer consequência e que, junto do C..., tinha mandado indicar tal marca e modelo apenas para efeitos de aprovação do crédito;

5. O mesmo R... disse ao embargante que a data da 1ª prestação não passava de um engano, pois enquanto este não tivesse em seu poder o veículo automóvel que pretendia comprar tais descontos não iriam ser realizados;

6. Na sequência do referido em 18 dos factos provados, o embargante contactou o Sr. R..., tendo este informado de que tal iria ser rectificado;

7. O contrato de crédito a que o embargado atribuiu o nº ... visou custear a aquisição de um veículo automóvel de passageiros usado da marca Audi A3 Diesel;

8. O embargado efectuou o pagamento ao fornecedor nos termos em que o embargante o solicitou.».

B) - Diz-se na sentença impugnada:” (...) entre o embargante e o embargado foi celebrado um contrato de crédito ao consumo para a aquisição de um veículo automóvel regulado e disciplinado pelo Decreto-Lei nº 359/91, de 21/09.

E na realidade, dos autos resulta que o Embargante outorgou com o C..., um contrato concessão de crédito, no montante de € 12.726,89, para a aquisição de um veículo automóvel, autorizando que esta utilizasse o crédito assim concedido para “...entrega, por pagamento à Entidade Vendedora, do Bem/Serviço adquirido...” no âmbito do contrato, em conta de depósitos por esta indicada.

Em contrapartida, o ora Embargante obrigava-se a reembolsar o   C... em 48 prestações mensais, o valor do referido montante, bem assim como os juros respectivos e outras despesas, autorizando esta a preencher, qualquer livrança por ele subscrita “...e não integralmente preenchida, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos seus valores, até ao limite das responsabilidades...” por ele assumidas perante o C..., acrescido dos encargos com a selagem do títulos. (cfr. doc nº 3 junto com a petição e Doc nº 1 junto com a contestação.).

A referida livrança foi emitida à ordem do embargado e entregue a este em caução e garantia do bom, integral e tempestivo pagamento de todas e quaisquer responsabilidades e obrigações assumidas no contrato (ponto 29 dos factos provados).

Ora, um tal contrato integra-se, efectivamente, nos chamados contratos de créditos para consumo, regulados, na ocasião (princípios de 2007), pelo aludido DL nº 359/91 (cfr., v.g., artº 1º e nº 3 do artº 12º desse DL), sendo a livrança, que foi assinada pelo Embargante e assim entregue ao Embargado, que depois a preencheu, quando considerou o contrato incumprido e o resolveu, uma livrança em branco, destinada a caucionar e garantir o “...bom, integral e tempestivo pagamento de todas e quaisquer responsabilidades e obrigações assumidas no contrato...” (cfr. pontos 24, 29, 30 e 31, dos factos provados).

Sucede que nas condições particulares do contrato, no campo respeitante às condições de financiamento, constava como “marca e modelo” do automóvel a referência a um Audi A3 Diesel, e como entidade vendedora ficou a constar a sociedade comercial D..., Ldª, o que ocorreu sem a participação do Embargante, porquanto, se deu como provado, que:

- “...o embargante assinou vários documentos para requerer financiamento bancário para a aquisição do veículo” (ponto nº 4);

- “O teor desses documentos, que se encontravam por preencher, não foi explicado ao embargante” (ponto nº 5);

- O formulário do contrato de crédito, no âmbito das “Condições Particulares” encontrava-se por preencher (ponto nº 6);

- O embargante não pretendia adquirir um Audi A3 Diesel (ponto nº 12);

- O embargante não teve intervenção na negociação entre o exequente e a D..., Ldª (ponto nº 14);

Mas, mais se provou que:

- O embargante não adquiriu qualquer veículo automóvel à D..., Ldª (ponto nº 15);

- Durante os meses de Maio e Junho de 2007 o Embargante remeteu ao C... comunicações a explicar toda a situação, pedindo que se considerasse sem efeito o contrato de crédito em causa, uma vez que não tinha adquirido à D..., Ldª nem um veículo Audi A3 Diesel nem qualquer outro (ponto nº 21);

- O C..., por cartas datadas de 25 de Maio de 2007 e 30 de Julho do mesmo ano, acusando a recepção de tais comunicações, respondeu ao ora embargante nos termos constantes de fls. 17 verso e 18, informando-o que o contrato se manteria activo (ponto nº 22);

Ora, embora se tenha provado apenas, que “o embargante desconhece se a ora embargada entregou a “quantia financiada” à entidade que no contrato de crédito figura como vendedora” (ponto nº 23), o certo é que a entrega à vendedora do valor financiado, como vimos, estava prevista no contrato e que o próprio C... alega (artº 84º da contestação) ter transferido, efectivamente, esse valor financiado à “entidade vendedora escolhida” pelo Embargante.

Portanto, não tendo o montante do crédito sido recebido pelo ora Embargante e não tendo este adquirido qualquer veículo à entidade que no contrato está consignada como vendedora e a quem o C... alega ter entregue o montante do crédito, pretende a Embargante, na execução, obter o pagamento coercivo dessa importância (juros e outras despesas), usando a livrança cujo preenchimento completou, sendo que, na realidade, nenhuma aquisição financiou, porque o Embargante nada comprou à putativa entidade vendedora.

Ora, na sentença, começou-se por dizer:

«[…] no caso em apreço, a sociedade D..., Ldª não chegou a vender ao embargante qualquer veículo automóvel, sendo que o embargado nunca chegou a estar na posse de qualquer veículo automóvel, muito menos do Audi A3 Diesel referido no contrato de crédito.

Assim sendo, verifica-se a inexistência do contrato de compra e venda que fundamenta a existência do contrato de mútuo.

E inexistindo contrato de compra e venda, qual é a consequência de tal inexistência no contrato de mútuo celebrado entre as partes? […]».

E concluiu-se:

«[…] Dispõe o artigo 12º, nº 2, do referido Decreto-Lei nº 359/91, que “O consumidor pode demandar o credor em caso de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda por parte do vendedor desde que, não tendo obtido do vendedor a satisfação do seu direito, se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:

a) Existir entre o credor e o vendedor um acordo prévio por força do qual o crédito é concedido exclusivamente pelo mesmo credor aos clientes do vendedor para aquisição de bens fornecidos por este último;

b) Ter o consumidor obtido o crédito no âmbito do acordo prévio referido na alínea anterior”.

(...)

“...o embargante não logrou alegar nem provar, como lhe competia, tal exclusividade, ou seja, não resulta dos factos provados a existência entre o credor, ora embargada, e o vendedor, o acordo prévio referido no artigo 12º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 359/91.

E sendo assim não pode o embargante, como consumidor, opor-se à entidade financiadora, ora embargada, recusando a sua prestação atinente ao contrato de mútuo, invocando a inexistência do contrato de compra e venda.

Ou seja, no caso dos autos, a inexistência do contrato de compra e venda não afecta a validade do contrato de mútuo celebrado entre as partes, o qual permanece valido e eficaz.[…]».

Ora, salvo o devido respeito, não podemos concordar com este raciocínio, que conduz, salvo o devido respeito, a uma solução injusta, em que pura e simplesmente nunca foi firmado o contrato cuja existência - não dizemos, repare-se, validade - seria a razão de ser do financiamento.

O Tribunal “a quo” perfilhou o entendimento tradicional - mas que, aliás, não o único na matéria em causa -, que parte da Doutrina e da Jurisprudência tem seguido quanto à repercussão, no contrato de crédito ao consumo, dos casos de “incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda por parte do vendedor”, mas, segundo se julga - para além de ter condicionado a solução a que chegou nesse âmbito, em função da consideração da falta da existência, entre o credor, ora embargada, e o vendedor, de um acordo que, salvo o devido respeito, os factos provados antes levam a afirmar (Cfr., v.g., pontos 5, 7, 10, d) e 14, dos factos provados) - a uma situação em que pura e simplesmente não existiu qualquer contrato de compra e venda, o que, salvo o devido respeito, levaria a que se a considerasse não condicionada pela restrição prevista, para casuística diferente, no citado artº 12º.

Não insistiremos neste ponto, pois que, como veremos, não será com base nele que se alicerçará a “ratio decidendi” da procedência que (nos termos que adiante se explicitarão) esta Relação dará aos embargos e, por conseguinte, à Apelação.

Na verdade, em 1ª linha, o Embargante pediu que o contrato de crédito n.º... fosse declarado nulo, devendo a embargada ser condenada a tal reconhecer, devendo ser declarado ilícito, por abusivo, o preenchimento da livrança dada à execução, e ser declarada a inexistência da obrigação exequenda, ou do título executivo ou ainda a ineficácia do mesmo.

E a apontada nulidade do contrato de crédito não foi alicerçada na inexistência do contrato de compra e venda (arrimada nessa inexistência o que o Embargante pediu foi, a título subsidiário, que se declarasse resolvido do contrato de crédito), mas, de modo muito claro, na circunstância de, aquando da assinatura, por parte do Embargante/consumidor, do contrato de crédito ajuizado, não lhe ter sido entregue qualquer exemplar (ou duplicado) do mesmo, nem lhe ter sido explicado o teor do respectivo clausulado, quer no que respeita às condições particulares, quer no que concerne às condições gerais, sendo que, a mera falta de entrega que acima se aludiu, traduz a não observância, por parte do C..., do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do DL n.º 359/91, que o n.º 1 do artigo 7.º do mesmo diploma sanciona com a nulidade do contrato.

Em resultado do estabelecido no nº 4 do referido artº 7º, a inobservância da mencionada entrega presume-se imputável ao credor, sendo, pois, a este, que cumpre a prova de que tal obrigação foi cumprida.

Ora, tal matéria foi comtemplada nos temas de prova e sobre ela foi proferida decisão, desfavorável ao Embargado, na parte da sentença relativa aos factos provados e aos não provados, já que se deu como provado, que:

- Que, aquando da assinatura, pelo ora Embargante, dos documentos para requerer financiamento bancário para a aquisição do veículo, não lhe foi entregue qualquer exemplar ou duplicado dos mesmos, sendo que, só posteriormente, a acompanhar a carta, datada de 13 de Fevereiro de 2007, que o C... lhe dirigiu, vieram, designadamente:

a) Um documento contendo as “informações do empréstimo” e o respectivo plano de pagamentos;

b) O “duplicado para o cliente” do contrato de crédito a que foi atribuído o nº..., datado de 07.02.2007, agora já preenchido nos campos referentes às condições particulares, o que não se verificava quando o embargante subscreveu o respectivo formulário. (cfr. Pontos 4, 5, 8, 9 e 10 dos factos provados).

Ora, uma vez que, da circunstância de não ter chegado a existir o contrato de compra e venda que era suposto ser financiado pelo Embargado a coberto do contrato de concessão de crédito, o Tribunal “a quo” não retirou qualquer consequência negativa para o Embargado, cumpria-lhe conhecer, porque não prejudicada, da questão da nulidade desse contrato por falta da imprescindível entrega, no acto de assinatura, de exemplar ou duplicado e respectivas consequências quanto à livrança que serve de base à execução.

Porém, na parte da aplicação do direito aos factos, a sentença é, em absoluto, omissa quanto à apreciação dessas questões, pelo que se verifica, a nulidade de omissão de pronúncia (artº 615º, nº 1, d), do NCPC) que o Embargante imputa à decisão recorrida, nulidade essa que cumpre a esta Relação suprir, conhecendo ela das questões sobre as quais a 1ª Instância não emitiu decisão (artº 665º, nº 1, do NCPC).

Entendeu-se no Acórdão da Relação de Lisboa, de 05 de Junho de 2008, (Agravo nº 4032/2008-6)[5]: “No contrato de crédito ao consumo, que deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, é imperativa a entrega de um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura (artigo 6º, nº 1 do citado DL nº 359/91), sob pena de nulidade.”.

Efectivamente, preceitua o artº 6º do Decreto-Lei n.º 359/91, no respectivo nº 1: “O contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura.”.

Por sua vez, o nº 1 do artº 7º do mesmo diploma legal estabelece: “O contrato de crédito é nulo quando não for observado o prescrito no n.º 1 ou quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas a), c) e d) do n.º 2, nas alíneas a) a e) do n.º 3 e no n.º 4 do artigo anterior.”.

E o nº 4 desse artº 7º preceitua que “a inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior presume-se imputável ao credor e a invalidade do contrato só pode ser invocada pelo consumidor.”.

Ora, como já se disse, no caso “sub judice” provou-se que, aquando da assinatura, pelo ora Embargante, dos documentos para requerer financiamento bancário para a aquisição do veículo, não lhe foi entregue qualquer exemplar ou duplicado dos mesmos, tendo-se provado, também, que, só posteriormente, a acompanhar a carta, datada de 13 de Fevereiro de 2007, que o C... lhe dirigiu, veio, o “duplicado para o cliente” do contrato de crédito a que foi atribuído o nº..., datado de 07.02.2007, agora já preenchido nos campos referentes às condições particulares, o que não se verificava quando o embargante subscreveu o respectivo formulário (cfr. Pontos 4, 8, 9 e 10 dos factos provados).

Não tendo o Embargado ilidido a presunção estabelecida no artº 7º, nº 4, do Decreto-Lei n.º 359/91, importa concluir que lhe é imputável a apontada omissão de entrega e, por força do disposto nos artºs 6º, nº 1 e 7º, nº 1, desse mesmo Decreto-Lei, declarar nulo o contrato de crédito em causa.

Por idênticos motivos, aos que foram apontados relativamente à não apreciação, por parte do Tribunal “a quo”, da questão que ora se acabou de solucionar, houve falta de pronúncia quanto à invocada falta de cumprimento, por parte do C..., do dever de informação sobre o teor do clausulado no contrato em causa.

Efectivamente, e independentemente do sentido da decisão a proferir quanto a essa questão, o Embargante alegou que, aquando assinou a documentação que lhe disseram ser necessária para requerer o pretendido crédito bancário para financiamento de parte do custo do veículo automóvel, não lhe foi explicitado o respectivo clausulado nem no que respeita às condições particulares, nem no que respeita às condições gerais (artºs 7º, 10º e 41º da petição).

Essa alegação foi comtemplada assim, nos temas de prova:

“2. Comunicação e explicação ao embargante das condições gerais e particulares do contrato referido em 1.”

E quanto a isso, destacamos dos factos dados como provados na sentença:

4. Em casa dos pais do embargante, na presença destes e do referido Sr. R..., o embargante assinou vários documentos para requerer financiamento bancário para a aquisição do veículo;

5. O teor desses documentos, que se encontravam por preencher, não foi explicado ao embargante;

6. O formulário do contrato de crédito, no âmbito das “Condições Particulares” encontrava-se por preencher;

Quid juris?

Como se entendeu no já citado Acórdão da Relação de Lisboa, de 05 de Junho de 2008, no contrato de crédito ao consumo, porque “...o consumidor se limita a aderir ao ali estipulado sem prévia negociação, sendo, por isso, um contrato de adesão, está também sujeito ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais consagrado no DL nº 446/85, de 25 de Outubro, com as posteriores alterações dos DL nº 220/95, de 31 de Agosto, e DL nº 249/99, de 7 de Julho, instituído para protecção do consumidor, contraente mais fraco e desprotegido.”.

Ora, a lei, nos artºs 5º e 6º do referido DL 446/85, impõe um especial dever de comunicação e esclarecimento por parte do contratante proponente.

Assim, recai sobre o concedente do crédito, enquanto parte que se prevalece de cláusulas contratuais gerais, o dever de comunicar o conteúdo das cláusulas na íntegra aos contraentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. Devendo esta comunicação, nos termos do art. 5.º, n.ºs 1 e 2, do Dec. Lei n.º 446/85, ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. Trata-se de assegurar o exercício efectivo e eficaz da autonomia privada, o qual pressupõe uma vontade bem formada e correctamente formulada do aderente e, assim, uma informação completa e verdadeira das cláusulas insertas nos contratos. E, de acordo com o n.º 3 do art. 5.º do Dec. Lei n.º 446/85, o ónus da comunicação adequada e efectiva cabe ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.

Acresce que, nos termos do art. 6.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 446/85, o proponente deve informar o aderente, de acordo com as circunstâncias, dos aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração de justifique. Ou seja, impõe-se que, durante a fase pré-contratual, sejam não apenas comunicadas as cláusulas pré-elaboradas, mas também prestados todos os esclarecimentos necessários ao exercício idóneo da autonomia privada.

Sendo que, nos termos do art. 8.º, als. a) e b), do Dec. Lei n.º 446/85, se consideram excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art. 5.º, ou que tenham sido comunicadas com violação do dever de informação de modo a que não seja de esperar o conhecimento efectivo.

No caso “sub judice” o Embargado, sendo certo que se prevaleceu de cláusulas contratuais gerais, não logrou provar que tenha esclarecido o Embargante quanto ao teor do clausulado no contrato.

Verifica-se, ao invés, que se provou que “o teor desses documentos, que se encontravam por preencher, não foi explicado ao embargante”.

Seria, assim, de considerar excluídas do contrato em causa, por força do disposto nos artºs 5º, nº 3, 6º, nº 1 e 8º, do Dec. Lei n.º 446/85, as respectivas cláusulas contratuais gerais?

A nossa resposta é negativa, por duas ordens de razões.

A primeira resulta da circunstância de o Embargante, embora haja alegado que não lhe foi explicitado, na ocasião da subscrição do contrato, o respectivo clausulado, nem no que respeita às condições particulares, nem no que respeita às condições gerais, não ter requerido que daí decorressem consequências jurídicas específicas, antes arrimando os pedidos que formulou, em particular, o relativo à nulidade do contrato de crédito, no disposto nos artº 6º, nºs 1 e 3 e no artº 7º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 359/91 de 21 de Setembro,[6] disposições estas com contornos e alcance distintos dos citados artºs 5º e 6º do referido DL 446/85.

A segunda razão tem a ver com a precedência, sobre o funcionamento do disposto nos artºs 5º, nº 3, 6º, nº 1 e 8º, do Dec. Lei n.º 446/85, que tem a sanção da nulidade do contrato, que acarreta, por força do disposto nos artºs 6º, nº 1 e 7º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 359/91, a omissão da entrega de um exemplar do mesmo ao consumidor no momento da respectiva assinatura.

De facto, ainda que fosse acertado, no caso, proclamar os efeitos da desconformidade da conduta do C... relativamente aos deveres estatuídos nos artºs 5º, nº 3 e 6º, nº 1 do Dec. Lei n.º 446/85, careceria de sentido essa proclamação relativamente a um contrato que, por uma outra razão, se tinha já de considerar nulo.

Por motivos semelhantes, a concluída nulidade do contrato de crédito, por força do disposto nos artºs 6º, nº 1 e 7º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 359/91, torna despicienda a indagação quanto à nulidade invocada com arrimo no disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 6.º desse mesmo diploma.

Ora, nulo o contrato de crédito, não pode subsistir o título executivo - livrança - que tinha como causa subjacente, precisamente, o incumprimento, pelo ora Embargante, desse contrato (pressupondo, por isso, a respectiva validade).

Atente-se no que se diz no Acórdão da Relação de Lisboa, de 05 de Junho de 2008 (Apelação nº 3795/2008-6): «[…] Cada negócio cartular tem, assim, subjacente um negócio que o explica, que o justifica, que lhe constitui a causa, e que se designa negócio subjacente.

       Quando entre dois intervenientes num título existe uma relação subjacente, é comum afirmar que a sua relação é imediata; quando aqueles não estão ligados por uma relação subjacente, diz-se que a sua relação é mediata. As relações imediatas, na livrança, são as relações existentes entre obrigados cambiários que se encontrem ligados por uma relação subjacente e uma convenção executiva. As relações mediatas são as que se suscitam entre obrigados cambiários que não se encontram ligados por qualquer relação subjacente ou convenção executiva.

       Dispõe o artigo 17º da LULL que “as pessoas accionadas em virtude de uma letra (livrança) não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador (subscritor) ou com os portadores anteriores, a menos que o portador, ao adquirir a letra (livrança), tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor”. Ou seja, e excluindo a parte final do preceito (que para o caso não releva), ao portador que se apresente a cobrar a livrança não podem ser opostas excepções fundadas nas relações extra–cartulares vigentes entre outras pessoas que não o próprio portador e a pessoa a quem ele pede o pagamento da livrança. O que significa que o demandado só pode opor ao portador excepções fundadas em relações extra–cartulares que tenha com o próprio portador. […]».

Efectivamente, a livrança, em função dos princípios cambiários da literalidade e abstracção, é independente da “causa debendi”.

Porém, quando, como é o caso, se encontra no âmbito das relações imediatas, já não valem tais princípios cambiários, podendo-se discutir relação jurídica subjacente ao título.

Em causa está uma livrança, “em branco” aquando a sua subscrição pelo Executada, ora Embargante, para garantia das obrigações por este assumidas no contrato de crédito firmado com o C...

Consubstancia, tal livrança, título de origem cambiária que se encaixava, à data da instauração da execução, na previsão da al. c), do n.º 1, do art°. 46º, do CPC (cfr. artº 703, nº 1, c), do NCPC), pois que caía no âmbito dos documentos particulares assinados pelo devedor que importam a constituição de obrigações pecuniárias de montante determinado.
Como se diz no Acórdão do STJ de 13/03/2007 (Revista n.º 07A202): «[…] A livrança em branco, cuja admissibilidade resulta dos arts 10 e 77 da LULL, destina-se normalmente a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior, sendo a sua entrega acompanhada de poderes para o seu preenchimento, de acordo com o denominado “pacto ou acordo de preenchimento”.
O contrato de preenchimento é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, o lugar do pagamento, a estipulação de juros, etc.
Tal acordo pode ser expresso ou tácito, consoante as partes estipulem certos termos em concreto, ou apenas se encontrem implícitos nas cláusulas subjacentes à emissão do título.[…]».

A oposição, mediante embargos, à acção executiva fundada em livrança apresenta-se como contra-execução com o escopo da declaração da sua extinção (parcial, ao menos), que pode ser alicerçada, não só nos fundamentos previstos no art.º 729º do NCPC (outrora, no artº 814, n.º 1, do CPC), na parte em que sejam aplicáveis, como também, em quaisquer outros que possam ser invocados no processo de declaração (art.º 731º do NCPC), sendo possível, assim, no caso de o título de crédito dado à execução permanecer no âmbito das relações imediatas - como aqui ocorre - chamar à colação a relação subjacente.[7]
Conforme se salienta no Acórdão da Relação do Porto de 13/3/2003[8], citando-se Teixeira de Sousa - “Acção executiva Singular”, pág. 177 - «Nos embargos de executado, a distribuição do ónus da prova observa as regras gerais sobre esta matéria, pelo que cabe ao executado embargante a prova dos fundamentos alegados (art. 342º, n.º 1, do CC), dado que estes são factos constitutivos da oposição deduzida.».

Ora, o aqui embargante logrou provar a nulidade do contrato de crédito firmado com a Exequente, nulidade esta que, saliente-se, não decorre de vício formal, pelo que, negada a validade do contrato, não pode subsistir como fundamento de legítimo preenchimento da livrança em branco, o incumprimento, pelo Embargante, das obrigações decorrentes desse contrato, afinal nulo.

Do exposto resulta, assim, que a livrança em causa não pode servir de título executivo, o que deixa sem fundamento a presente execução, levando, assim, à procedência dos embargos.

Como se diz no Acórdão da Relação do Porto de 25/10/2012 (Apelação nº 15/08.0TBCDR-A.P2)[9] “no domínio das relações imediatas, a nulidade da obrigação causal produz a nulidade da obrigação cartular.”[10].

Atento o já referido escopo dos embargos de executado, não é neles possível a condenação do Embargado a devolver ao Embargante a quantia que este peticiona.

Também por esse motivo, não se vê os embargos como lugar próprio para ordenar, como pretende o Embargado, que o Embargante, por força do disposto no artº 289.º, nº 1, do Código Civil e do Assento 4/95, de 28.03.1995, devolva “à Exequente a quantia mutuada, acrescida de juros e deduzidas as prestações liquidadas.”

Mas a obstar a essa devolução ainda há um outro motivo: É que não se provou que tenha sido entregue ao Executado qualquer quantia pelo Exequente, tendo este alegado, aliás, de harmonia com o já aludido pedido de autorização constante do contrato, que fizera a entrega do valor financiado à “entidade vendedora”.

Ora, se tal montante foi entregue à putativa vendedora, se o Embargado, como se provou, não adquiriu qualquer veículo, não beneficiando do montante em causa, vai devolver o quê ao Embargado?

A pretender a devolução do montante que entregou à putativa vendedora, terá o ora Embargado de o peticionar a esta, v.g., com base no enriquecimento sem causa.

Atente-se no que se diz no citado Acórdão da Relação do Porto, de 25/10/2012:

«[...] Sobre os efeitos da nulidade declarada, afirma-se na sentença o seguinte:

"De acordo com o disposto no artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil, a declaração de nulidade do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

No entanto, «havendo um contrato de crédito ao consumo cujo produto mutuado se destinou ao pagamento do preço de um veículo vendido por terceiro ao mutuário e tendo o montante mutuado sido directamente entregue ao vendedor, a nulidade dos contratos não obriga o mutuário - que nada recebeu em virtude do contrato de mútuo -, a restituir o montante mutuado, nos termos do art. 289º do Cód. Civil».

Na verdade, tendo a exequente entregue ao vendedor do veículo o montante mutuado, e nada tendo sido entregue ao executado, seria aquele vendedor quem teria de restituir o mesmo montante recebido, pelo que, por força da norma referida, nenhuma obrigação de restituir onera o executado, porquanto não recebeu qualquer quantia e entregou o veículo à exequente.

Subscreve-se esta fundamentação, que reflecte o entendimento que tem sido seguido na jurisprudência e na doutrina (...).

Mas nem parece que haja aqui de cuidar dos efeitos da nulidade declarada na sentença, tendo em conta que esta foi proferida na oposição a uma execução, tratando-se, para mais, de uma execução cambiária, baseada exclusivamente na livrança junta.[...]».

Sustenta o Exequente, por fim, mas sem réstia de razão, que a invocação, pelo Embargante, da nulidade do contrato de crédito, traduz abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium.”

Para o efeito sustenta a ilegitimidade da invocação da nulidade, “caso se verifique um comportamento subsequente comprovativo de que o comprador/consumidor, aceitou a validade do contrato dado à Execução.”.

O abuso do direito (art.º 334º do CC) ocorre quando no exercício de um direito, o respectivo titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Na vertente do “venire contra factum proprium”, traduz-se na conduta contraditória do respectivo titular, ou seja, naquela que criou e objectivamente era susceptível de criar na outra parte a convicção de que o direito em causa não seria por ele exercido e, com base nisso, esta última parte delineou a sua actividade. 

Diz-se no Acórdão da Relação do Porto, de 28/03/2012 (Apelação nº 3585/09.2TBPRD.P1): «[…] A circunstância de o R. ter pago quatro prestações e apenas ter invocado a nulidade do contrato quando foi demandado não basta, sem mais, para que se considere que agiu em termos de se considerar que excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e/ou pelo fim social e económico do instituto o crédito ao consumo.[…]».

O mesmo se dirá no caso “sub judice”, por maioria de razão, atento o menor número de prestações pago pelo Embargante “sem omissão contratual”, até se insurgir, perante o C..., quanto a manter-se o contrato, não obstante nenhum veículo haver adquirido, nenhuma expectativa duradoura criando, junto do ora Embargado relativamente à sua conformação com o contrato.

O Embargante insiste na condenação do Embargado como litigante de má fé, condenação esta negada pela 1ª Instância.

Vejamos.

De acordo com o nº 2 do artº 542º, do NCPC (n.º 2, do art.º 456° do CPC), litiga de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. 

A condenação por litigância de má fé tem de se ancorar em factos comprovadamente praticados no processo, ou nele apurados, relevantes para a sorte da lide, de onde resulte que a conduta do litigante - que se exige praticada com dolo ou negligência grave -, integra um dos comportamentos tipificados nas várias alíneas acima reproduzidas do citado artº 542º, nº 2. 

Assim, a litigância de má fé, consubstanciada na dedução de pretensão cujos fundamentos o litigante não pode, sem dolo, ou, pelo menos, negligência grave, ignorar (artº 542º, nº 2, a)), não se reconduz ao mero soçobrar duma pretensão, por falta fundamento jurídico bastante, ou por falência da prova atinente aos factos relevantes.
No Acórdão desta Relação de Coimbra, de 19/12/2012 (Apelação nº 31156/10.3YIPRT.C1)[11], escreveu-se: «[…] A circunstância de a parte não ter demonstrado um facto ou factos que tenha alegado, não é, inelutavelmente, sinónimo de violação do dever de verdade, antes constitui, frequentemente, simples consequência do carácter contingente - e mesmo aleatório - da prova[...]».
A litigância de má fé deve deixar incólume o direito das partes de discutirem e interpretarem livremente os factos.
Assim, não é suficiente, para que a parte seja irremediavelmente considerada litigante de má fé, uma qualquer divergência ou desarmonia entre os factos, tal como a parte os descreve e como, ulteriormente, vêm a ser julgados provados e qualificados[…]».[12]

Não se nos afigura que, a defesa, por parte do Embargado, da entrega do exemplar do contrato e do cumprimento dos deveres de informação, tendo-se provado o contrário, seja tradutora de má fé, já que é de ter em consideração que o Embargante alegou - o que, em certa medida resulta dos autos - que:

“...instrui de forma clara e inequívoca os terceiros que vendem bens e serviços aos seus clientes, com recurso a crédito concedido pela mesma, no sentido do cumprimento estrito das regras legais.”;

“...é função de cada colaborador, esclarecer e informar os consumidores sobre o contrato de crédito a celebrar, preencher e fazer assinar os contratos de crédito.”.

Ou seja: O Embargado, para o cumprimento dos apontados deveres, utiliza a colaboração de terceiros, sendo que não está, propriamente no seu inteiro domínio, saber, com rigor, se estes sempre cumprem esses deveres, tendo-se que fiar, nessa matéria, naquilo que esses colaboradores lhe comuniquem quanto ao procedimento que seguiram.

No mais, há, da parte do Embargado, alegações que não provou, argumentos jurídicos que não foram atendidos, mas tudo, afigura-se-nos, dentro de uma lide que não espelha, a nosso ver, qualquer dos comportamentos previstos no artº 542º, nº 2, do NCPC, que levariam a qualificar a conduta do Embargado como litigância de má fé.

Confirma-se, pois, a sentença, no julgamento que fez quanto à litigância de má fé imputada ao Embargado.

Em conclusão: O Apelante decai no que respeita ao pedido de condenação do Embargado a devolver-lhe €336,52, bem como no que concerne ao pedido de condenação deste como litigante de má fé, mas, com respeito aos restantes pedidos formulados na petição de embargos, decide-se:

Declarar nulo o contrato de crédito n.º..., condenando-se o Embargado a isso reconhecer, nulidade esta que acarreta o preenchimento ilegítimo da livrança, que, assim, não é exequível, declarando-se, por isso, totalmente extinta a execução, procedendo, nesta medida, os embargos.

III - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra, na parcial procedência da Apelação, em:

- Declarando, de acordo com o exposto “supra”, a parcial nulidade da sentença, revogar esta em parte, e mantendo-a no restante:

- Declaram nulo o contrato de crédito n.º..., condenando-se o Embargado a isso reconhecer, nulidade esta que acarreta o preenchimento ilegítimo da livrança, que, assim, não é exequível;

 - Na integral procedência dos embargos, quanto ao correspondente pedido, declaram totalmente extinta a execução.

Custas por Apelante e Apelado, na proporção de 5% e 95%, respectivamente.

Coimbra,14/03/2017


 (Luiz José Falcão de Magalhães)

 (António Domingos Pires Robalo)


                                                    (Sílvia Maria Pires)  


[1] No presente acórdão segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2] Transcrito do relatório da sentença impugnada.
[3] Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6.
[4] Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis - tal como os demais do STJ, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -,  em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.
[5] Consultável tal como os demais da Relação de Lisboa que forem citados sem referência de publicação, no endereço “http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase”.
[6] O que é absolutamente claro face ao teor do artº 49º da petição: “De onde resulta a nulidade do contrato de crédito em causa nos termos e por força do disposto no n.º 1 e al. a) do n.º 3 do artigo 6.º e no n.º 1 do artigo 7.º Decreto-Lei n.º 359/91 de 21 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Declaração de Rectificação n.º 198-B/91, pelo Decreto-Lei n.º 101/2000, de 2 de Junho e pelo Decreto-Lei n.º 82/2006 de 3 de Maio.”.
[7] Esta possibilidade de o demandado, encontrando-se o título no âmbito das relações imediatas, invocar a inexistência da relação subjacente, tem sido amiúde afirmada na jurisprudência quanto às letras de câmbio. Cfr., vg. em “http://www.dgsi.pt/jtre.nsf?OpenDatabase”, Acórdão da Relação de Évora de 26/10/2006 (Apelação nº 882/06-3), assim sumariado: «No domínio das relações imediatas é oponível pelo sacado ao sacador a inexistência de uma relação jurídica subjacente à emissão de uma letra de câmbio.»; cfr. tb., com ampla citação de jurisprudência, o Acórdão da Relação de Lisboa de 29/03/2007 (Apelação nº 633/2007-8), consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase”.
[8] In Col Jur, 2003, Tomo 2, pág. 179.
[9] Consultável - tal como os restantes arestos da Relação do Porto, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”.
[10] Este Acórdão agora citado, que trata em situação semelhante àquela que aqui está em causa, também relativa a livrança em branco, enquanto título executivo, está assim sumariado: “I – Na compra e venda financiada coexistem dois contratos distintos e autónomos – um de compra e venda e outro de crédito – em que existe uma ligação funcional entre ambos, servindo o crédito para financiar o pagamento do bem que é adquirido.
II – Trata-se de uma união de contratos em que a relação de interdependência influi na respectiva disciplina, prevista no art.º 12.º do DL n.º 359/91, de 21/9.
III – Servindo o crédito para financiar o pagamento de um bem vendido por terceiro ao mutuário e tendo o montante mutuado sido entregue directamente ao vendedor, a nulidade dos contratos não obriga o mutuário a restituir o montante mutuado, já que nada recebeu.
IV – No domínio das relações imediatas, a nulidade da obrigação causal produz a nulidade da obrigação cartular.
V- Não exprime abuso de direito, por não ser clamorosa e chocantemente violadora das regras da boa fé, a invocação, pelo consumidor, da nulidade do contrato de crédito ao consumo, por falta de entrega de um exemplar da proposta do contrato e pela inobservância dos deveres de informação e de comunicação a cargo do proponente, quando aquele o cumpriu durante substancial lapso de tempo, de modo consentâneo com a sua validade, e o tempo decorrido não foi de molde a criar neste último uma confiança, objectivamente justificada, de que a nulidade não seria invocada.”.
[11] Consultável em “”http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase.
[12] Na mesma linha de entendimento, cfr., por exemplo, o Acórdão da Relação do Porto, de 04/05/2006, Apelação nº 0630766, em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase.