Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | EMÍDIO FRANCISCO SANTOS | ||
Descritores: | PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO PLANO DE RECUPERAÇÃO ENCERRAMENTO SUBSEQUENTE AÇÃO DE INSOLVÊNCIA ADMISSIBILIDADE | ||
Data do Acordão: | 06/28/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 17.º-E, N.º 1, E 17.º-J, 20.º, N.º 1, AL. F), E 218.º, N.º 1, AL. B), DO CIRE | ||
Sumário: | I – O art. 17.º-E, n.º 1, do CIRE – regra própria do processo especial de revitalização (PER), que dispõe sobre os efeitos, durante a pendência deste processo, do despacho de nomeação do administrador judicial provisório sobre as ações para a cobrança de dívidas a instaurar ou instauradas contra a empresa – não é aplicável a uma subsequente ação de insolvência, intentada por credor, quando o PER da devedora já não estava pendente (este considera-se encerrado após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação).
II – Também não constitui impedimento a tal ação de insolvência o facto de o PER ter sido concluído com a aprovação de um plano de recuperação, homologado judicialmente, nem o facto de o pedido de insolvência ter sido deduzido dentro do período previsto no plano para a execução dele. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 352/22.1T8LRA.C1
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
S... com sede a Avenida ..., ..., ... ..., requereu se declarasse a insolvência da sociedade comercial V..., SA., com sede na Urbanização ..., ... .... Para o efeito alegou em síntese: A ré contestou. Na sua defesa alegou em síntese que a requerente não tinha legitimidade para pedir a declaração de insolvência, dela, ré, e que ela não se encontrava em situação de insolvência. Termina a contestação pedindo: Notificada para se pronunciar sobre a excepção de ilegitimidade, a requerente pediu se julgasse improcedente tal excepção. Findos os articulados, a Meritíssima juíza do tribunal a quo julgou extinta a instância por impossibilidade originária da lide. A autora não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse a sentença e se substituísse a mesma por acórdão que ordenasse o prosseguimento dos ulteriores termos do processo de insolvência. Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: alegando: A requerida não respondeu ao recurso. * Síntese da questão suscitada pelo recurso: Saber se, ao julgar que o artigo 17.º-E, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas impedia a autora de requerer a declaração de insolvência da ré, a decisão recorrida incorreu em erro e, em caso de resposta afirmativa, se a mesma é de substituir por decisão que ordene o prosseguimento dos autos para a audiência de discussão e julgamento. * Na decisão tomar-se-á em conta o que foi alegado pela autora na petição inicial e ainda os seguintes factos discriminados na decisão recorrida: 1. Por requerimento apresentado em juízo a 25.03.2015, a aqui requerida requereu processo especial de revitalização que correu termos sob o n.º 1081/15...., no Juízo de Comércio do tribunal judicial da comarca .... 2. Pelo despacho proferido a 27.03.2015 foi nomeado administrador judicial provisório. 3. Na proposta de plano de recuperação apresentada, no âmbito do referido PER, e homologada por sentença proferida a 2/10/2015, transitada em julgado, foi previsto um plano de amortização para os credores comuns por um período de 12 anos, com um período de carência de 12 meses (melhor descriminados no plano de revitalização cuja cópia se encontra junta aos autos). 4. Ainda no âmbito do referido plano, para os credores subordinados, foi previsto o seguinte: “No que concerne aos créditos subordinados referentes às entidades relacionadas, o valor em dívida poderá ser alvo de compensação de saldos entre a Devedora e as mesmas, sendo que, com a elaboração e movimentação destes elementos contabilísticos, levar-nos-á a diminuir substancialmente o Passivo da Value, assim como torna todas as contas em consonância com a realidade actual da Empresa, passando pelo perdão da totalidade dos juros reclamados, vencidos e vincendos, bem como de eventuais indemnizações, despesas e custas solicitadas. Os pagamentos de créditos subordinados só serão eventualmente iniciados depois do integral pagamento dos créditos de todos os credores não subordinados. No caso dos suprimentos e outros empréstimos de accionistas admitimos que os mesmos passem a integrar o Capital Próprio da sociedade”. * Passemos à resolução da questão acima enunciada. A decisão recorrida julgou extinta a instância por impossibilidade originária da lide. Invocou, para tanto, o n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE que, segundo ela, impedia a autora, ora recorrente, de requerer a declaração de insolvência da requerida. Laborou com base nas seguintes premissas: A recorrente contesta a decisão alegando, no essencial, que o artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE não era aplicável ao caso. Assiste razão à recorrente. O artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE é uma regra própria do processo especial de revitalização, que dispõe sobre os efeitos, durante a pendência deste processo, do despacho de nomeação do administrador judicial provisório sobre as acções para a cobrança de dívidas a instaurar ou instauradas contra a empresa. De acordo com o preceito, tal decisão obsta à instauração de tais acções e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação. Ainda que se interprete este preceito no sentido de que, entre as acções visadas por ele, estão as acções de insolvência, o mesmo não é aplicável à presente acção de insolvência porque esta aplicação pressupunha que o processo especial de revitalização a que recorreu a ré, ora recorrida, estivesse pendente quando a autora, ora recorrente, pediu a declaração de insolvência da sociedade V..., SA, quando tal não acontecia. Com efeito, segundo a alínea a) do artigo 17.º-J do CIRE o processo especial de revitalização considera-se encerrado após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação e a decisão que homologou o plano de recuperação da requerida já havia transitado em julgado há vários anos quando foi proposta a presente acção. Segue-se do exposto que o n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE não impedia a autora, ora recorrente, de pedir a declaração de insolvência da ré. Também não constituía impedimento a tal pedido o facto de o processo especial de revitalização ter sido concluído com a aprovação de um plano de recuperação, homologado judicialmente, nem o facto de o pedido ter sido deduzido dentro do período previsto no plano para a execução dele. Vejamos. Em primeiro lugar, resulta da alínea f) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE que qualquer credor pode requerer a declaração de insolvência de um devedor verificando-se o incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º, do CIRE. Apesar de o preceito se referir apenas ao incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, ele é aplicável também ao incumprimento das obrigações previstas em plano de recuperação aprovado em sede de processo especial de revitalização. Depõe neste sentido o facto de ser aplicável ao plano de recuperação o disposto no n.º 1 do artigo 218.º, por remissão n.º 12 do artigo 17.º-F do CIRE. Em segundo lugar, ao dizer que, salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso (leia-se no caso plano de recuperação), a moratória ou o perdão previstos no plano fiam sem efeito quanto a todos os créditos se, antes de finda a execução do plano, o devedor for declarado em situação de insolvência em novo processo, a alínea b) do n.º 1 do artigo 218.º aponta claramente no sentido de que o devedor pode ser declarado em situação de insolvência dentro do período previsto no plano para a sua execução. Por todo o exposto é de responder à questão suscitada pelo recurso no sentido de que a decisão recorrida incorreu em erro ao decidir que o artigo 17.º-E, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas impedia a autora de pedir a declaração de insolvência da ré. Em consequência, há fundamento para revogar a decisão recorrida e substitui-la por outra a determinar o prosseguimento do processo. * Decisão: Julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão que julgou extinta a instância por impossibilidade originária da lide, e em consequência, determina-se o prosseguimento do processo. * Responsabilidade quanto a custas: Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de a recorrida ter ficado vencida no recurso, condena-se a mesma nas respectivas custas. Coimbra, 28 de Novembro de 2022
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