Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Relatório:
A...., divorciado, residente ….., propôs a presente acção declarativa, com processo comum, na forma ordinária, contra:
B....e mulher, C...., casados, residentes no Bairro Novo, freguesia de …….,
Peticionando a declaração de que o prédio urbano, sito na Estrada do Pinheirinho, freguesia de Pinheiro de Ázere, concelho de Santa Comba Dão, inscrito na respectiva matriz urbana, sob o artigo 1014, e incorporado no prédio rústico inscrito sob o artigo 7591 da mesma freguesia, pertence ao casal que foi constituído por si e por sua ex-esposa, D...., cuja intervenção principal activa também requereu, e a condenação dos réus a reconhecerem isso mesmo, bem como a restituírem o identificado imóvel, devendo, ainda, cancelar eventuais registos que tenham feito relativamente ao mesmo.
Para tanto alegou, em síntese, que:
- Ele e a sua ex-mulher, D...., são donos do prédio rústico, sito no Bairro Novo, limite de Pinheirinho, freguesia de Pinheiro de Ázere, concelho de Santa Comba Dão;
- Em 1985, iniciaram, nesse prédio rústico, a construção de um prédio urbano, tendo ele pago todo o material e mão-de-obra;
- Aquando do processo de inventário, para separação de meações, que se seguiu ao seu divórcio e da chamada, esta, enquanto cabeça-de-casal, não relacionou o indicado prédio urbano, referindo que o mesmo era propriedade do réu marido, filho de ambos;
- Na sequência da reclamação por si apresentada, a cabeça-de-casal, apesar de não negar que os materiais e mão-de-obra incorporados na construção foram pagos por ambos e que a casa em questão foi feita em terreno do, então, casal, alegou que a mesma fora doada, por conta da legítima, ao, aqui, réu, seu filho, o que levou a que fossem remetidos para os meios comuns.
Os RR. contestaram, sustentando, em súmula, que a casa foi construída no prédio rústico, então, propriedade do autor e da chamada, com o consentimento e auxílio de ambos, os quais, até aos desentendimentos que conduziram ao seu divórcio, sempre proporcionaram ao réu e ao irmão deste, seus filhos, uma vida desafogada.
Deduziram reconvenção, alegando, em síntese, que:
- O autor e a chamada adquiriram o prédio rústico acima referido, com o fim de dele serem desanexados dois lotes de terreno, para os dois filhos de ambos ali construírem as suas habitações;
- Nessa sequência, em 1983/1984, o autor e a chamada delimitaram, com estacas cravadas no solo, uma parcela de terreno daquele prédio rústico, com a área de 917,5 m2, para que nela o réu marido construísse a sua casa, propondo-se ajudá-lo;
- Com a colaboração dos pais, outros familiares e amigos, o réu iniciou a construção da sua futura habitação;
- Os pais do réu marido é que foram pagando os materiais necessários;
- Porém, a fase dos acabamentos decorreu já exclusivamente a expensas suas (deles réus);
- O autor e a chamada não aceitaram que lhes devolvessem as quantias por eles despendidas na obra;
- Na construção dessa casa despenderam, pelo menos 10.000.000$00;
- Essa construção, cujo valor real se cifra entre 10.000.000$00 e 10.500.000$ $00, aumentou o valor do lote de terreno em 11.417.500$00, pois que este, antes, não valia mais que 917.500$00;
- Assim, têm o direito de adquirir a propriedade do referido lote de terreno, por acessão industrial imobiliária;
- Na sequência do processo de inventário subsequente ao divórcio do autor e da chamada, o prédio rústico que engloba o lote de terreno foi adjudicado a esta.
Concluíram no sentido da improcedência da acção e da procedência da reconvenção, peticionando, em consequência, a condenação do autor e da interveniente a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre o indicado lote de terreno e o prédio urbano nele construído, bem como o cancelamento de quaisquer registos que tenham, entretanto, sido feitos relativamente a eles.
O autor impugnou a factualidade alegada na reconvenção, acrescentando que o valor da casa é substancialmente inferior ao que tinha todo o prédio rústico, antes da construção daquela, o qual foi licitado pela chamada por cerca de 18.000 contos.
Concluindo pela improcedência da reconvenção.
Tendo sido admitida a intervenção principal da mencionada D...., esta veio a apresentar articulado próprio, corroborando, no essencial, a versão dos factos alegada pelos réus, aceitando que eles têm direito de adquirirem por acessão industrial imobiliária a propriedade sobre o referido lote de terreno, mediante o pagamento do valor deste, que aceita ser de 917.500$00.
Terminou pugnando pela improcedência da acção.
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Por sentença de fls. 491 a 512, o pedido reconvencional foi julgado parcialmente procedente, sendo o autor e a interveniente condenados a reconhecerem o direito de propriedade dos réus/reconvintes sobre a parcela do identificado prédio rústico onde se encontra implantado o prédio urbano também acima identificado, por via da acessão industrial imobiliária e mediante o pagamento à interveniente D...., sua actual e exclusiva proprietária, do valor de 1.249,00 €, actualizado de acordo com os índices de preços no consumidor calculados pelo INE.
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O autor recorreu da sentença, pretendendo a anulação do julgamento e a sua repetição, nos termos do disposto no art. 712º do Cód. Proc. CiviL, de forma a permitir que a decisão a proferir se pronuncie sobre o pedido principal formulado na petição inicial, tendo alegado e retirado as seguintes conclusões:
1ª Em 18-11-1998, o recorrente deu entrada de acção judicial, com vista ao reconhecimento, a seu favor e da interveniente D.... (com quem era casado, à data dos factos), do direito de propriedade sobre o imóvel identificado no art. 6º da p. i. – melhor, do prédio urbano (moradia) a que se reportam os arts. 5º e 6º da p. i. e o documento de fls. 18;
2ª Tal imóvel não havia sido arrolado, em sede de Inventário, pela cabeça-de-casal, D...., com base na alegada existência de um direito de propriedade, sobre o mesmo, a favor do réu, B...., filho do casal;
3ª O processo em apreço esteve suspenso, por motivos imputáveis ao, aqui, recorrente, por força da renúncia ao mandato, apresentada por dois dos seus ilustres mandatários;
4ª Tais suspensões cessaram com a constituição de novos mandatários, sendo certo que o subscritor da presente peça, subscreveu articulado apresentado nos autos, em 23-02-2005;
5ª O despacho de saneamento e condensação do processo, inicialmente proferido, a fls. 281, foi substituído por um outro, alterando o inicial, a fls. 323, reconhecendo o Meritíssimo Juiz a quo o circunstancialismo supra descrito (cessação da suspensão da instância, com todas as suas consequências), de forma a aproveitar, daí em diante, a matéria alegada pelo A., nos articulados por si apresentados;
6ª Em consequência, deveria a sentença recorrida ter-se pronunciado, também, sobre o pedido formulado pelo apelante, no sentido de lhe ser reconhecido (a si e à interveniente D....) o direito de propriedade sobre a casa construída na parcela de terreno, melhor identificada nos autos;
7ª Ao ter omitido qualquer juízo sobre a questão principal dos autos e que motivou a propositura da acção em apreço, a sentença recorrida incorre na nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do art. 668º do C.P.C;
8ª Deve, pois, ser remetido o presente processo ao Tribunal de 1ª instância, nos termos do disposto no art. 712º do C. P. Civil, para que se proceda à repetição do julgamento, de forma a permitir que a sentença a proferir se pronuncie sobre o pedido principal, formulado na p. i.
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Os réus/recorridos apresentaram contra-alegações, em que referindo a tormentosa tramitação dos autos, determinada por questões patrocínio do autor, mas esquecendo-se dos despachos de fls. 323 e seguintes, 390 e 391, das actas da audiência (fls. 471 a 477 e 478 a 481) e das respostas aos quesitos (fls. 482 a 488), concluíram que o autor/apelante não tem o mínimo de razão.
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Foi proferido despacho nos termos do art. 668º, 4, do Cód. Proc. Civil, na redac- ção anterior ao Dec.-Lei nº 303/207, de 24/VIII, entendendo-se que não foi cometida qualquer nulidade – cfr. fls. 563.
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O recurso foi admitido como apelação, com efeito devolutivo.
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Foi cumprido o disposto no art. 715º, 3, do Cód. Proc. Civil.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II. Questões a equacionar:
Uma vez que o âmbito dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 690º, 1, e 684º, 3, do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Dec.-Lei nº 303/207, de 24/VIII), importa apreciar as questões que delas fluem. Assim, «in casu», há que equacionar as seguintes:
- Da invocada nulidade da sentença;
- Da pretensão do autor;
- Da reconvencão.
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III. Fundamentação:
A) Factos provados:
1. Por escritura pública de compra e venda, celebrada no dia 7 de Setembro de 1979, E....e outros, declararam vender a A...., casado, no regime de comunhão de adquiridos, com D...., que, por sua vez, declarou comprar, pelo preço de mil e cem contos, um terreno com oliveiras, no Bairro Novo, limite de Pinheirinho, freguesia de Pinheiro de Ázere, a confrontar do Norte com Ana Castanheira, do Nascente com o comprador e outros, do Sul com a estrada, e do Poente com Joaquim Augusto Pais e outros, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 7591 e omisso na Conservatória do Registo Comercial de Santa Comba Dão - entretanto, nela descrito, na ficha nº 02482/19062001;
2. Há mais de 30 anos, por si e por seus antepossuidores que utilizam o autor e a D.... o prédio mencionado em 1., agricultando-o, melhorando-o e colhendo dele os respectivos frutos, ininterruptamente, à vista de toda a gente e agindo na convicção de estarem a exercer um direito próprio, sem ofensa do de terceiros;
3. Encontra-se inscrito a favor do réu, sob o artigo 1014 do Serviço de Finanças do concelho de Santa Comba Dão, freguesia de Pinheiro de Ázere, o prédio identificado como “casa destinada a habitação, com a área coberta de 185,60 m2 e descoberta de 594,40 m2, que confronta do Norte com A...., do Sul com Estrada de Pinheirinho, do Nascente com António Ventura de Sousa, e do Poente com António de Almeida, omisso na Conservatória de Registo Predial - entretanto, nela descrito, na ficha nº 02633/31102002;
4. Em 1985, iniciou-se, no prédio mencionado em 1, a construção de uma casa;
5. Para proceder à construção mencionada em 4, foi solicitada licença camarária pelo réu marido, tendo-se iniciado o respectivo processo no nome deste;
6. O autor e a interveniente, então sua esposa, contribuíram monetariamente para o custeio de parte dos materiais e da mão-de-obra necessários, para a construção da casa mencionada em 4, e ajudaram na edificação da mesma;
7. Na altura em que se iniciou a construção da casa referida em 4, o autor era emigrante;
8. Os pagamentos das contribuições monetárias aludidas em 6 foram efectuados na sua maioria pelo réu marido;
9. O descrito em 8 ocorreu por o autor se encontrar no estrangeiro;
10. O processo de licenciamento de obras mencionado em 5 foi autuado em nome do réu marido sob o nº 182/85.
11. O autor e a interveniente tinham o objectivo de desanexar do prédio identificado em 1, pelo menos, um lote de terreno com destino à construção da casa de habitação do réu marido, filho mais velho do casal por aqueles, então, constituído;
12. Antes do início da construção da casa mencionada em 4, o autor e a interveniente delimitaram, com estacas cravadas no solo, uma parcela de terreno no prédio identificado em 1;
13. A parcela referida em 12 situava-se junto à estrada;
14. A parcela referida em 12 tinha e tem a área útil de 842,6 m2;
15. O autor e a interveniente disseram ao réu marido que a dita parcela se destinava a construir a casa de habitação deste e que o ajudariam a construir a mesma;
16. Depois de separada de facto do prédio mencionado em 1, a parcela de terreno, para construção urbana, referida em 12, passou a ter a área útil de 842,6 m2 e a confrontar do Norte, actualmente, com César Duarte França e D.... Jorge da Silva, do Sul com estrada de Pinheirinho, do Nascente com António Ventura de Sousa, e do Poente com António de Almeida;
17. A partir do mencionado em 12, e para além do daí referido, o réu marido, o autor e a interveniente passaram a limpar tal parcela, roçando as silvas e as ervas, colocando arame, procederam à abertura de caboucos para implantação dos alicerces da dita casa destinada ao réu marido;
18. Após o referido em 17, iniciou-se a construção da casa com o enchimento dos alicerces;
19. A construção da dita casa de habitação continuou até à colocação do telhado;
20. Pelo menos parte das madeiras da dita casa foram aplicadas e polidas por Adelino Coimbra, avô da ré mulher;
21. Os acabamentos da dita casa prolongaram-se por vários anos;
22. O pai da ré mulher efectuou pelo menos parte das marcações para passagem dos tubos;
23. Foram os réus que procederam à abertura dos “roços” para introdução das canalizações da água, electricidade e esgotos;
24. Foram os réus que executaram as canalizações da água e dos esgotos;
25. Foram os réus que efectuaram grande parte das pinturas;
26. Foram os réus que aplicaram as louças das casas de banho;
27. Foram os réus que aplicaram as torneiras;
28. A construção da dita casa foi efectuada na parcela com a área útil de 842,6 m2 aludida em 3;
29. Tal construção ficou dotada da área coberta de 185,60 m2;
30. E ficou dotada da área útil descoberta de 657 m2;
31. As obras de construção da casa dos réus foram executadas por várias fa- ses;
32. A casa só ficou com condições para ser habitada, no princípio do ano de 1993;
33. A partir do princípio de 1993, os réus passaram a habitar na casa em questão;
34. A partir de 1993, e não obstante o constante de 33, as obras de acabamentos interiores continuaram;
35. E tais obras de acabamentos interiores foram exclusivamente suportadas a expensas dos réus;
36. Quando o autor e a interveniente deixaram de contribuir monetariamente para a construção da dita casa de habitação, foram os réus que passaram a assumir todos os custos necessários aos acabamentos da mesma;
37. Após o casamento dos réus, ambos passaram a contribuir com os salários de ambos, para os encargos dos acabamentos da casa;
38. Em 1993/1994, os réus auferiam de salários e gratificações quantia mensal não concretamente apurada;
39. Os réus contraíram um empréstimo junto de familiares para suportarem as despesas inerentes aos acabamentos da sua casa de habitação e a mobilarem;
40. As contribuições monetárias do autor e da interveniente aludidas em 6, ascendem a montante não concretamente apurado;
41. O projecto e a concepção da dita casa foram da iniciativa dos réus;
42. A maioria da correspondência camarária sobre o projecto foi dirigida e reportada à pessoa do réu marido;
43. Em 2 de Agosto de 1991, o processo de licenciamento de obras da dita casa foi averbado em nome do autor;
44. O descrito em 43 ocorreu, por aquele ser o dono do terreno;
45. E ocorreu por os serviços técnicos da Câmara Municipal verificarem que no processo não havia qualquer prova do direito de propriedade sobre o terreno a favor do réu, requerente do licenciamento.
46. O instrumento de fls. 106 destinava-se a permitir a intervenção do aí referido Miguel Jorge de Sousa para, em nome do autor e da, então, sua esposa, transmitirem, de forma gratuita a favor do réu, a parcela na qual este construiu a sua casa;
47. O autor e o réu marido subscreveram o escrito junto a fls. 107;
48. Os seguros relativos à obra de construção da sua casa foram acordados e suportados pelo réu;
49. Na construção da dita casa em mão-de-obra e materiais os réus gastaram quantia não concretamente apurada;
50. O autor e a interveniente acompanharam a construção da dita casa;
51. O descrito em 50 ocorreu, porque, além do mais, o autor e a sua esposa viviam a cerca de 50 m do local;
52. E o autor e a sua esposa nunca manifestaram a mínima oposição a tal construção;
53. Antes da construção da dita casa a parcela de terreno onde a mesma foi implantada valia 1.249,00 €;
54. Com a implantação da dita casa em tal parcela de terreno e por via dela o conjunto formado por ambas ficou com o valor de 72.308.08 €;
55. Por sentença homologatória da partilha proferida em 16 de Junho de 1999 e transitada em julgado no âmbito do Processo de Inventário para Separação de Meações nº 31-A/96 da, então, 1ª Secção do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, foi adjudicado à interveniente D.... o prédio mencionado em 1, conforme se extrai da certidão junta a fls. 291 a 308.
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B) Enquadramento jurídico:
1) Da invocada nulidade da sentença:
Sustenta o autor que a sentença recorrida, ao ter omitido qualquer juízo sobre a questão principal dos autos, que motivou a propositura da acção, ou seja, o pedido por si formulado, incorreu na nulidade prevista no art. 668º, 1, d), do Cód. Proc. Civil.
E tem razão.
Na verdade, na sequência do despacho de fls. 390, o processo prosseguiu não só para a apreciação do pedido reconvencional, mas também da pretensão deduzida pelo autor, sucedendo que, na sentença recorrida, como dela ficou a constar (cfr. fls. 502), apenas se conheceu daquele.
Ocorre a nulidade prevista no mencionado art. 668º, 1, d), quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) ou co-nheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).
Na verdade, de harmonia com o art. 660º, 2, também do Cód. Proc. Civil, o juiz deve resolver todas as «questões» que sejam submetidas à sua apreciação (exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), mas só essas, a não ser que outras se perfilem de conhecimento oficioso.
Contudo, as «questões» a ter em conta são as que se reportam às pretensões deduzidas, aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir; isto é, devem entender-se por «questões» as concretas controvérsias centrais a dirimir, sem abarcar os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, embora haja que apreciar todas as pretensões processuais formuladas (pedidos e excepções) e todos os factos em que assentam.
Como se refere no Ac. do STJ, de 25-03-2009, Proc. 09A530, in www.dgsi.pt, essa nulidade pressupõe que se silencie questão que o tribunal deva conhecer, «ex vi» do mencionado art. 660º, 2, não significando que tenha de abordar, de forma detalhada, todos os argumentos ou considerações trazidas pelas partes.
Ora, «in casu», a pretensão formulada pelo autor não foi considerada, por manifesto erro da Mrtmª juíza «a quo» que, ao elaborar a sentença, não teve em conta o despacho de fls. 390 e 391, nem ponderou que, na audiência (presidida por si), fora produzida a prova indicada por aquele (em conformidade com o despacho saneador de fls. 323 a 328), nem que, na decisão sobre a matéria de facto (fls. 482 a 488), ficou a constar factualidade alegada pelo mesmo, que acabou por inserir na fundamentação da sentença.
Nesta conformidade, patenteia-se a nulidade prevista no referido art. 668º, 1, d), do Cód. Proc. Civil, impondo-se declarar a sentença nula.
Todavia, de harmonia com o disposto no art. 715º, 1 e 2, outrossim, do Cód. Proc. Civil, mesmo que o tribunal de recurso declare nula a sentença proferida na 1ª instância, não deixará de conhecer do objecto da apelação, bem como de quaisquer questões acerca das quais o tribunal recorrido tiver deixado de se pronunciar, impondo-se que revogue a decisão impugnada, substituindo-a por outra, ou seja, o tribunal «ad quem», em conformidade com o princípio da economia processual, acaba por se substituir ao tribunal «a quo», conhecendo de todas as questões de que este deveria ter conhecido – cfr. J. O. Cardona Ferreira, «in» Guia de Recursos em Processo Civil, 3ª ed., Coimbra Editora, 2005, p. 95. Na verdade, conforme consta do preâmbulo do Dec.-Lei nº 329-A/95, de 12, no mencionado art. 715º, está consagrada a regra da «substituição da Relação ao tribunal recorrido», considerando-se que «os inconvenientes resultantes da possível supressão de um grau de jurisdição são largamente compensados pelos ganhos em termos de celeridade na apreciação das questões controvertidas pelo tribunal ad quem». E, assim, estatuiu-se que «os poderes de cognição da Relação incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado».
Nesta conformidade, importa conhecer das questões, acima enunciadas, suscitadas pelas partes.
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2) Da pretensão do autor:
Estatui o art. 1331º do Cód. Civil, sob a epígrafe, «acção de reivindicação», no seu nº 1, que «o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence».
Por sua vez, o nº 2 prescreve que: «Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei».
Conforme resulta do mencionado nº 1, a «acção de reivindicação» é uma acção petitória que tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade por parte do autor e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor dela. E, nesta conformidade, são dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condemnatio), por outro.
Não há acção de reivindicação, que é uma acção condenatória e não de simples apreciação ou declaração, se o autor, estando já na posse da coisa, se limita a pedir o reconhecimento do seu direito de propriedade, tornado duvidoso por qualquer circunstância - cfr. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, Coimbra Edi- tora, 1967, Vol. III, p. 100 e 101.
No caso dos autos, o autor, alegadamente, não está na posse do imóvel a que se reporta, tendo formulado os dois indicados pedidos, pretendendo que se condenem os réus a reconhecerem que o casal constituído por si e pela interveniente é dono do prédio urbano incorporado no prédio rústico inscrito na competente matriz predial da freguesia de Pinheiro de Ázere, concelho de Santa Comba Dão, sob o artigo 7591, com a sua consequente restituição.
Obviamente, a acção reivindicação pressupõe que o reivindicante seja proprietá- rio da coisa reivindicada.
De harmonia com o estatuído no art. 1316º o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.
«In casu», está em causa um prédio urbano construído no terreno identificado no nº 1 do elenco de factos provados.
No que respeita a esse terreno, está assente que o autor e a, então, esposa o adquiriram por contrato de compra e venda, em 07-09-1979, sendo certo que a factualidade referida no nº 2 do elenco de factos provados convence de que também o adquiriram por usucapião.
No que tange ao conteúdo do direito de propriedade, o art. 1305º, também do Cód. Civil, estabelece que «o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas».
Porém, como é sabido, existem as mais diversas restrições ao direito de propriedade, quer de direito público, quer de direito privado.
No que respeita às restrições direito privado, são várias as que se perfilam nos arts. 1344º e seguintes do mencionado código, para além das que podem decorrer de outros institutos previstos na lei.
E, quanto aos limites materiais da propriedade de imóveis, importa atentar na parte final do aludido art. 1344º, 1, que leva à exclusão do que esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico.
Ponderados estes tópicos, impõe-se apurar se a moradia (prédio urbano) construída no referido terreno «pertence» ao autor e à interveniente, integrando o seu direito de propriedade, ou se deve considerar-se «desintegrada do seu domínio por lei ou negócio jurídico». É que, provando-se que a mesma «pertence» aos réus, podem estes ter adquirido o direito de propriedade sobre o próprio terreno em que está implantada, por acessão industrial imobiliária (art. 1340º), como alegaram.
Assim, a decisão da pretensão principal deduzida pelo autor, implica que se averigúe se procede ou não o pedido reconvencional formulado pelos réus, atinente à aquisição, por acessão industrial imobiliária, da parcela de terreno em que está implantada tal moradia. Na verdade, a mesma foi edificada no terreno que, então, pertencia ao autor e à interveniente, à data, sua esposa, sendo certo que, em termos de normalidade deveria presumir-se («paesumptio hominis») que se incorporou nele, passando a integrar o domínio dos mesmos, em conformidade com o princípio (superfícies solo cedit) que subjaz ao mencionado art. 1344º, 1. Mas bem pode suceder que haja fundamentos para os réus/reconvintes imporem a sua desintegração desse domínio, por via do exercício do direito potestativo de adquirirem o terreno em que está implantada, por acessão industrial imobiliária.
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3) Da reconvenção:
a) Da acessão imobiliária:
Com a dedução do pedido reconvencional pretendem os réus a condenação do autor e da interveniente a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre o prédio urbano, por terem procedido à sua construção, a expensas próprias e com ajudas alheias, e sobre a porção de terreno em que foi construído (esta última a destacar do prédio rústico referido nº 1 do elenco de factos provados) que, alegadamente, adquiriram por via da acessão industrial imobiliária, em conformidade com o art. 1340º, 1, do Cód. Civil, propondo-se pagar aos legítimos proprietários do solo o valor que ele tinha antes da construção da moradia em causa, estimado em 917.500$00 ou o que vier a ser decidido.
A acessão constitui, em conformidade com o art. 1316º, um dos modos de aquisição do direito de propriedade.
Dá-se a acessão, quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia - cfr. o art.1325º.
De harmonia com o referido art. 1340º, 1, verifica-se a acessão industrial imobiiliária, quando, designadamente, alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, se o valor que esta tiver trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, adquirindo, nesse caso, o autor da incorporação a propriedade dele, mediante o pagamento (ao anterior proprietário) do valor que o mesmo tinha antes da obra.
Caso o valor acrescentado pela obra seja igual ao que o prédio tinha, estatui o nº 2, que haverá licitação entre o antigo dono e o autor da incorporação.
Por seu turno, o nº 3, estabelece que, se o valor acrescentado for menor, a obra pertence ao dono do terreno, mas ficando obrigado a indemnizar o autor dela pelo valor que a mesma tinha ao tempo da incorporação.
Segundo o nº 4, considera-se que houve boa fé, se o autor da obra desconhecia que o terreno era alheio ou se a incorporação tiver sido autorizada pelo dono deste.
No caso dos autos, a factualidade assente deixa uma réstia de dúvida quanto à questão de saber se a obra incorporada foi ou não da iniciativa do réu ou, pelo, contrário da do autor, ou seja, no que tange ao verdadeiro autor da incorporação. Com efeito, há factos num e noutro sentido. Todavia, existe um conjunto de factos que convencem de que foi o réu quem teve a iniciativa, embora incentivado e apoiado pelos pais (autor e interveniente) e que a construção se destinou à sua futura habitação, como veio a suceder. Militam nesse sentido os elementos fácticos constantes dos nºs 5, 10, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 35, 36, 37, 39, 41, 42, 48, 49 e 52 do elenco de factos provados, sendo muito relevante que a licença de construção tenha sido requerida pelo réu, o respectivo processo haja tramitado em nome dele (nºs 5 e 10) e que o projecto e a concepção tenham resultado da iniciativa dos réus (nº 41).
Assim, ponderando o conjunto desses factos, não será ousado concluir que a iniciativa da obra incorporada partiu mesmo do réu, sendo ele e a mulher os autores da incorporação.
Já no que respeita ao valor global com que os réus concorreram para a construção, os factos provados não permitem fazer qualquer cálculo com um mínimo de rigor.
Na verdade, está assente que o autor e a interveniente, então, sua esposa, participaram na abertura dos caboucos (nº 17) e contribuíram para o custeio de parte dos materiais e da mão-de-obra necessários (nºs 6, 36 e 40), indiciando a factualidade a que se reportam os nºs 18 e 19 que financiaram a construção, pelo menos, até à conclusão do telhado.
No que tange à contribuição dos réus e de outros familiares (em proveito deles), temos que: foi da sua conta a colocação e o polimento de algumas madeiras (nº 20), parte das marcações para passagem de tubos, certamente atinentes a água, esgotos e electricidade (nº 22), a abertura de roços para colocação dessas tubagens (nº 23), a execução das canalizações de água e de esgotos (nº 24), «grande parte» das pinturas (nº 25), a aplicação das louças de casa de banho e das torneiras (nºs 26 e 27) e os acabamentos interiores (nº 35).
Nesta conformidade, impõe-se concluir que o custo da obra incorporada no terreno foi suportado pelo autor e a interveniente, por um lado, e pelos réus, por outro, não tendo sido apurada, com um mínimo de rigor, a contribuição de cada uma das partes - cfr. os nºs 6, 40 e 49.
Numa primeira aproximação, poderia dizer-se que só na parte custeada pelos réus é que a obra integra incorporação sua em terreno alheio, para os efeitos da acessão industrial imobiliária.
Mas importa ponderar se o autor e a interveniente, com os seus contributos (em dinheiro e trabalho), visaram construir para si a moradia ou tão-só ajudar o filho na construção da mesma. Ora, uma boa e articulada ponderação dos factos a que se reportam os nºs 6, 11, 12, 15, 17, conjugando-os com os nºs 18, 18, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 33, 34, 35, 36, 37, 39, 41, 42, 46, 47, 48 e 52, implica a conclusão de que os autores pretenderam ajudar o réu, seu filho, na construção da moradia, a fim de que viesse a instalar nela a sua residência, e doar-lhe o terreno onde a mesma veio a ser construída.
No que respeita à doação do terreno, como não chegou a ser formalizada por escritura pública (cfr. os nºs 11, 12, 15, 46 e 47), é evidente que não ocorreu, tendo-se ficado pela intenção, bem patente nos documentos de fls. 106 e 107 – cfr. o art. 947º, 1, do Cód. Civil.
Já no que concerne ao dinheiro que entregaram ao réu marido para ir pagando o custo da construção, bem como ao valor do seu trabalho que incorporaram nela, a factualidade assente permite concluir que constituíram verdadeiras doações, face às disposições conjugadas dos arts. 940º, 947º, 2, 202º, 1, 203º, 204º e 205º, 1. Na verdade, estamos em face de coisas móveis não sujeitas a registo, entregues ou prestadas pelo autor e pela interveniente, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, em benefício do réu marido, tendo havido tradição das mesmas, aquando da entrega, no que respeita ao dinheiro, ou da sua prestação, no que concerne ao trabalho gratuito.
Assim, importa concluir que a obra (moradia) pertence, «in totum», aos réus, porquanto foi construída com dinheiro e/ou trabalho ofertados pelos pais do réu e por trabalho prestado gratuitamente por familiares da ré, bem como recursos financeiros e trabalho próprios. E, nesta conformidade, desinteressa apurar qual a parte que foi paga pelos réus (ou incorporou trabalho seu e de outros familiares) e a que foi custeada por autor e pela interveniente.
Nesta conformidade, é patente que a obra incorporada na aludida parcela de terreno constitui propriedade dos réus, uma vez que a erigiram, a partir do zero, utilizando os materiais que foram adquirindo (com dinheiro doado pelo autor e pela interveniente e com meios financeiros próprios), trabalho que lhes foi prestado gratuitamente e outro que pagaram. É certo que o modo como os réus adquiriram a propriedade desse imóvel não se adequa a qualquer dos tipificados no art. 1316º do Cód. Civil. Porém, a enumeração aí constante é meramente exemplificativa, havendo outros mo- dos de aquisição da propriedade – cfr., neste sentido, os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, Coimbra Editora, 1972, Vol. III, p. 107, nota 3. Trata-se, obviamente, de uma forma de aquisição originária, em que o adquirente, por via do seu engenho e indústria, ou socorrendo-se do de terceiros, cria «ex novo» a coisa imóvel. A situação, em bom rigor, nada tem de diferente do caso em que um escultor adquire (por compra) um pedaço de mármore e o transforma numa escultura - também aqui a aquisição por contrato se reporta apenas ao material original.
Face ao que fica dito, impõe-se a conclusão de que os réus incorporaram na aludida parcela de terreno uma obra (coisa imóvel) que construíram, cuja propriedade, desconsiderando a possível limitação decorrente dessa incorporação, lhes pertence.
Essa incorporação foi feita em terreno alheio, tendo os réus agido de boa fé, porquanto o réu, foi «ab initio», autorizado, por seus pais, a construir a moradia naquela parcela, nunca eles se tendo oposto a essa construção – cfr. o nº 52 do elenco de factos provados.
Comprovadamente a moradia em causa vale muito mais do que valor que o terreno tinha antes da sua construção (sem a incorporação) – cfr. os nºs 53 e 54 do elenco de factos provados.
Face ao disposto no mencionado art. 1340º, 1, e considerando a situação aqui em causa, são requisitos substantivos da acessão industrial imobiliária:
a) A incorporação de uma construção em terreno alheio;
b) Ter essa construção sido feita com materiais e trabalho do seu autor;
c) Ter o autor da incorporação agido de boa fé;
d) Ser o valor trazido pela obra ao prédio maior do que o valor que este tinha antes.
Em vista do que ficou apurado, verificam-se, no caso destes autos, todos os requisitos (ou pressupostos) da acessão industrial imobiliária.
Pelo que fica dito, importa concluir que os réus adquiriram a propriedade do terreno em que foi edificada a moradia, por acessão industrial imobiliária, tornando-se proprietários dele e da casa nele implantada.
Ora, a procedência, nesta parte, do pedido reconvencional, implica a improcedência dos pedidos formulados pelo autor.
***
b) Da indemnização:
Como resulta do mencionado art. 1340º, 1, a aquisição do terreno por parte de quem nele incorporou a obra, depende do pagamento do valor que o mesmo tinha, antes da realização dela.
Trata-se, obviamente, de uma indemnização pela privação ou restrição ao direito de propriedade do dono do terreno.
No caso dos autos, na sequência da partilha subsequente ao divórcio do autor e da ré, o terreno em causa foi adjudicado à interveniente, pelo que é a esta que deve ser paga a indemnização.
Está assente que a referida parcela de terreno, antes da construção da casa, valia 1.249,00 € - cfr. o nº 53 do elenco de factos provados.
Face ao que consta dos nºs 4, 21, 31, 32, 33, 34 e 43 da factualidade assente, suscitam-se dúvidas quanto à data a que se reporta esse valor, porquanto a casa foi sendo construída ao longo de vários anos, a partir de 1985, sendo certo que, em 1993, ainda não estava acabada. É que a expressão «antes da construção da casa», em bom rigor, deveria significar o momento imediatamente antes da conclusão da obra, o único que é relevante para a aplicação do critério estabelecido no referido art. 1340º, 1, pois só com a ultimação da obra se pode saber o valor que esta trouxe à «totalidade do prédio», embora também importe apurar em que data ela foi iniciada. Mas a indica- da expressão também pode significar «antes do início da construção da casa», como parece que, em concreto, se quis dizer. Porém, essa situação equívoca era evitável se tivesse havido rigor no julgamento da matéria de facto. Com efeito, esse valor resultou do laudo pericial de fls. 367 e 367, datado de 30-07-2004, em que se respondeu ao 2º quesito formulado pelos réus/reconvintes, a fls. 311, no qual se perguntava:
Antes da construção do referido prédio urbano, isto é, considerando a data re- portada ao início da construção, em 1985, qual seria o valor total do lote de terreno onde a mesma foi implantada?
Ora, tal quesito mereceu do perito a seguinte resposta:
- Valor do lote em 1985: 1.249,00 €
- Valor actual (30-07-2004) do lote: 24.980,08 €.
Assim, importa concluir que o indicado valor de 1.249,00 €, se reporta a uma data não concretamente fixada do ano de 1985, imediatamente anterior ao início da construção da casa.
No que respeita ao momento a considerar para a fixação da indemnização, não há unanimidade na doutrina e na jurisprudência.
Para uns, o momento a considerar é o do início da incorporação, correspondendo a indemnização ao valor que o prédio tinha «antes das obras», não devendo haver lugar a qualquer actualização, podendo, quando muito, terem de ser ressarcidos danos moratórios, caso o devedor tenha incorrido em mora - cfr., nesse sentido, o Prof. Antunes Varela, Acessão Industrial Imobiliária, parecer inserto na CJ(STJ), Ano VI, 1998, Tomo II, p. 5 a 12, maxime p. 10 e 11, e os Acs. do STJ, de 25-03-1996, in CJ(STJ), Ano IV, 1996, Tomo I, p. 153 a 157, e de 17-3-1998, in CJ (STJ), Ano VI, 1998, Tomo I, p. 134 a 138, maxime p. 137. Para os defensores desta tese, a aquisição por a acessão é automática, operando «ope legis», ocorrendo, sem mais, no momento da incorporação, ou seja, o direito consolida-se na esfera jurídica do adquirente, logo que concluídos os actos materiais que traduzem a incorporação, sendo desnecessária qualquer manifestação de vontade dele.
Para uma outra corrente (que se nos afigura maioritária na jurisprudência), a aquisição por acessão configura um direito (potestativo) cuja concretização depende da manifestação de vontade nesse sentido, por parte do respectivo titular, devendo considerar-se a data da declaração da intenção de o exercitar o momento a atender na fixação do montante da indemnização, por ser nessa ocasião que se opera a conversão em dinheiro do valor que a parcela de terreno tinha antes da incorporação – cfr., neste sentido, o conselheiro Quirino Soares, Acessão e Benfeitorias, estudo publicado na CJ(STJ), Ano IV, 1996, Tomo I, p. 20 e 21, os Acs. do STJ, de 05-05-1996, in CJ(STJ), Ano IV, 1996, Tomo I, p. 129 a 132, e de 17-03-1998, in CJ(STJ), Ano VI, 1998, Tomo I, p. 134; da RC, de 13-06-2006, Proc. 1467/06; do STJ, de 06-07-2006, Proc. 05A4270, estes in www.dgsi.pt. Todavia, esta corrente entende que essa manifestação de vontade se traduz num mero momento revelador do exercício do direito, o qual já está previamente constituído, existindo desde a incorporação. E que esse momento é irrelevante no que respeita à aquisição. Por isso mesmo, o valor a que se tem de atender para efeitos de indemnização é o que o terreno tinha à data da incorporação, mas devendo ser actualizado até à data dessa manifestação de vontade.
Entendemos que este segundo critério é o que conduz a uma solução mais justa, por permitir a actualização da indemnização.
Aliás, «in casu», não se apurou quando acabaram as obras – cfr. o nº 34 do elenco de factos provados. Assim, o momento relevante deverá coincidir com a data da notificação ao autor e à interveniente da contestação/reconvenção, a 23-01-1999.
De acordo com este último critério, o valor da indemnização deve corresponder ao que o terreno tinha «antes das obras», entendendo-se este expressão com o sentido de «sem as obras», mas actualizado, com referência à data em que o autor da incorporação manifestou a sua vontade de exercitar o direito potestativo de adquirir o terreno por acessão.
Considerando o indicado critério, «in casu», deveria considerar-se o indicado montante de 1.249,00 €, mas actualizando-o até à referida data de 23-01-1999.
Na verdade, a indemnização que os adquirentes do terreno ficaram obrigados a pagar, ao exercerem o direito de acessão, tem a natureza de uma «dívida de valor», a qual não tem directamente por objecto o dinheiro, sendo antes uma prestação correspondente ao valor intrínseco do bem adquirido, funcionando o seu montante pecuniário apenas um referencial de quantificação ou um meio necessário de liquidação da prestação – cfr., nesta orientação, os Acs. da RC., de 31-01-2006, Proc. 3659/05, e do STJ, de 06-07-2006, Proc. 05A4270, ambos in www.dgsi.pt
Assim, não está em causa uma obrigação pecuniária a que seja aplicável o princípio nominalista a que se reporta o art. 550º do Cód. Civil, devendo tal prestação, na sua expressão monetária, ser actualizada, de harmonia com a oscilação do índice de flutuação de preços, em conformidade com o estatuído pelo art. 551º do mesmo código; ou seja, essa prestação deverá ser actualizada por via da aplicação do índice de aumento de preços no consumidor (taxa de inflação), calculado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) relativamente a cada um dos anos posteriores àquele em que foi determinado o seu «quantum» pecuniário - «in casu», a partir do ano de 1986.
Todavia, mesmo seguindo-se o segundo dos indicados critérios, não se alcançaria a «justa indemnização» pela privação da propriedade. Com efeito, a actualização só poderia fazer-se até à indicada data de 23-01-1999.
Todavia, entendemos que o art. 62º da Constituição da República Portuguesa exige que se vá mais além, interpretando-se o art. 1340º, 1, do Cód. Civil, em conformidade com os seus preceitos. Ora, desde logo, o mencionado art. 62º, 1, garante o direito à propriedade privada. E, o seu nº 2 prescreve que a «requisição» e a «expropriação por utilidade pública» só podem ser efectuadas, mediante o pagamento de «justa indemnização».
É certo que o mencionado art. 62º, 2, não se reporta à «expropriação por utilidade particular», nem às outras situações que implicam a privação ou a restrição do direito de propriedade. Mas, se numa situação de «expropriação por utilidade pública» (em que está em causa a realização de finalidades que interessam a toda a comunidade ou a uma parte dela) se exige que seja paga uma indemnização justa, em todos os outros casos que implicam desapropriação ou restrição do direito de propriedade (em benefício de interesses particulares), dever-se-á, até por maioria de razão, ter presente o mesmo princípio orientador.
E, porque assim deve ser, entendemos que a prestação devida pelos réus/reconvintes, em virtude do exercício do direito de acessão, deve ser actualizada até à data em que vier a ser paga, como se o terreno tivesse sido objecto de expropriação, só assim se atingindo a «justa indemnização» devida pela perda patrimonial – cfr., neste sentido, Ac. do STJ, de 06-07-2006, Proc. 05A4270, já acima referido.
Ainda, considerando que o montante da indemnização só fica definido na decisão final, não se podendo sustentar que os adquirentes houvessem de a depositar antes, entende-se, de harmonia com o princípio da adequação formal (art. 665º-A do Có- d. Proc. Civil), que se deve fixar aos réus/reconvintes um prazo de trinta dias, após o trânsito em julgado, para depositarem o «quantum» indemnizatório, sob pena de cadu- cidade do respectivo direito, aplicando-se, subsidiariamente, a solução consagrada pelo art. 28º, 5, do Dec.-Lei nº 385/88, de 25/X (Lei do Arrendamento Rural) – cfr. o referido Ac. da RC, de 13-06-2006; o Ac. da RL, de 24-1-2002, CJ, Ano XXVII, 2002, Tomo I, p. 87; e o conselheiro Quirino Soares, estudo acima referido.
***
c) Do cancelamento de eventuais registos:
Peticionaram ainda os réus/reconvintes que se ordene o cancelamento de quaisquer registos prediais que versem sobre a referida parcela de terreno e sobre o imóvel nela construído.
Verifica-se de fls. 254 a 258 e de fls. 263 a 265 que se encontram descritos, na Conservatória do Registo Predial de Santa Comba Dão:
- Na ficha nº 02482/19062001, o prédio rústico a que se reporta o nº 1 do elenco de factos provados;
- Na ficha nº 02633/31102002, um prédio urbano, composto por uma parcela de terreno onde está construída uma casa de habitação de dois pavimentos, a que corresponde o artigo matricial 1014, o qual foi desanexado do prédio descrito na ficha 02482/ /19062001, a fim de ser lavrado registo provisório - obviamente, o indicado prédio urbano é integrado pela parcela aqui litigada.
Como dependência da descrição a que se reporta a mencionada ficha nº 02633/ /31102002, foram registadas, provisoriamente, por natureza, as presentes acção e reconvenção.
Em face destas inscrições registais de que constam as pretensões do autor e dos réus/reconvintes, é muito improvável que hajam sido lavrados, posteriormente, quaisquer outros registos incompatíveis com elas. De qualquer modo, não se vê mal em que se determine o cancelamento, a requerimento dos réus/reconvintes, de eventuais registos que hajam sido lavrados relativamente aos indicados prédios e que se mostrem incompatíveis com o seu direito de propriedade, ora declarado.
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IV. Decisão:
Pelo exposto, decide-se:
1. Anular a sentença recorrida;
2. Julgar a acção improcedente, absolvendo-se, em consequência, os réus dos pedidos formulados pelo autor;
3. Julgar a reconvenção procedente, e, em consequência:
a) Declarar que os réus/reconvintes adquiriram, por acessão industrial imobliária, a parcela de terreno identificada nos nºs 12 (doze) e 16 (dezasseis) do elenco de factos provados, na qual edificaram a moradia que, conjuntamente com ela, integra o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana do concelho de Santa Comba Dão, freguesia de Pinheiro de Ázere, sob o artigo 1014, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Comba Dão, na ficha nº 02633/31102002, a que se reporta o nº 3 (três) também do elenco de factos assentes, parcela essa já destacada, para efeitos matriciais e registrais, do prédio rústico identificado no nº 1 (um) da factualidade provada, inscrito na matriz predial rústica da mencionada freguesia, sob o artigo 7591, e descrito na referida conservatória na ficha nº 02482/19062001;
b) Condenar o autor e a interveniente a reconhecerem os réus/reconvintes como proprietários do prédio urbano identificado na alínea anterior;
c) Condenar os réus/reconvintes a pagarem à interveniente D.... (a quem, entretanto, foi adjudicada a propriedade do referido prédio rústico), no prazo de trinta dias, contados do trânsito em julgado deste acórdão, o montante de 1.249,00 € (mil, duzentos e quarenta e nove euros), valor este a actualizar, a partir do ano de 1986, inclusive, de acordo com o índice anual de aumento de preços no consumidor (taxa de inflação) calculado pelo Instituto Nacional de Estatística;
d) Determinar que, a requerimento dos réus/reconvintes, sejam cancelados os registos que, eventualmente, afectem o seu direito de propriedade sobre o prédio urbano identificado na alínea a), retro.
4. Condenar o autor nas custas da acção e os réus/reconvintes nas custas da reconvenção.
5. Condenar o autor/apelante nas custas do recurso.
A interveniente, D...., não terá de responder pelo pagamento das custas, porquanto não deu causa à acção, nem ao recurso, e não se opôs à reconvenção.
Coimbra, 2009/09/08
/António da Costa Fernandes/
/Teresa Pardal/
/João Moreira do Carmo/
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