Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2042/06.3TBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: NUNES RIBEIRO
Descritores: ARRESTO
BENS DE TERCEIRO
Data do Acordão: 03/20/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA – 3º J.
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 619º DO C.CIVIL, 406º E 407º DO C.P.CIVIL
Sumário: A lei admite que, excepcionalmente, possam ser executados bens de terceiro, do mesmo modo que admite, excepcionalmente, também, o seu arresto. É o que sucede por força do estatuído no nº2 do art.619º do C.Civil e nº 2 do art.º 407º do C.P.Civil, relativamente a terceiros que hajam adquirido bens do devedor, desde que a respectiva transmissão tenha sido objecto de impugnação judicial ou, quando ainda não impugnada, se demonstre a probabilidade da procedência da impugnação.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


O Banco A..., com sede na Rua ..., no Porto, deduziu, ao abrigo do disposto no artº 406º e segs. do Código Processo Civil, como preliminar da acção de impugnação pauliana que se propõe instaurar, procedimento cautelar de arresto contra B... e esposa C..., por si e na qualidade de representantes legais dos seus filhos, caso a menoridade ainda se mantenha, D... e E..., todos residentes na Rua ...., em Leiria, para garantia do crédito que afirma ter sobre os primeiros.
Alegou, em síntese, que é credor dos dois primeiros requeridos, pelo valor global de € 490.057,41, proveniente de livranças por eles avalizadas, encontrando-se já pendentes os respectivos processos executivos; que no âmbito destes processos apenas logrou obter penhora sobre o usufruto de um prédio já onerado com hipotecas a favor de terceiro, frustrando-se a penhora relativa ao usufruto da fracção “R”, correspondente ao 4.º andar esquerdo do prédio sito na Avenida ...., Alcobaça, por os aí executados e agora 1ºs requeridos terem renunciado gratuitamente ao usufruto, por escritura pública de 30-8-2004, a favor dos ora 2ºs requeridos seus filhos, já, portanto, depois de constituídas e vencidas as suas responsabilidades; que 1ºs requeridos não têm outros bens e que, tendo eles já demonstrado que se encontram a alienar o seu património, é legítimo crer que também se venham a desfazer do identificado bem; e, por último, que vai instaurar a competente acção de impugnação pauliana.
Pediu, em consequência, o arresto do usufruto sobre a fracção “R” do identificado prédio.
Após a produção da prova oferecida, a M.ma Juiz proferiu decisão, indeferindo a providência requerida.
Inconformado, o requerente interpôs o presente agravo, cuja alegação conclui da forma seguinte:
1. O Banco é credor dos Requeridos B... e mulher C... pelo valor global de €. 490.057,41, proveniente de livranças, já executadas judicialmente;
2. No âmbito dos processos executivos não logrou penhorar bens suficientes para garantir o seu crédito, pois apenas foi possível a penhora sobre o usufruto de um prédio, já onerado com hipoteca a favor de terceiro para garantia de créditos deste até cerca de €. 60.000,00;
3. Por escritura de 30.08.2004 os referidos Requeridos B... e mulher C... renunciaram gratuitamente a favor dos seus filhos, os também Requeridos D... e E..., do usufruto sobre uma fracção autónoma, a que atribuíram o valor de €.106.000,00;
4. A renúncia é posterior aos créditos e da mesma resultou manifesta diminuição da garantia patrimonial do seu crédito, até porque desconhece outros bens;
5. É de presumir a procedência da acção de impugnação pauliana e, face à sua demora naquela e ao comportamento anterior dos Requeridos, há o risco sério da dissipação do bem, daí o justo receio que justifica o arresto;
6. O arresto é o meio adequado à salvaguarda dos direitos do Requerente;
7. A impugnação pauliana não tem como objectivo que o bem objecto da impugnação “volte” a integrar o património dos devedores mas apenas tornar ineficaz relativamente ao credor impugnante o acto que envolveu a diminuição patrimonial, podendo por isso executar esse bem no património do obrigado à restituição;
8. A decisão sub judice deve ser revogada, pois fez errada apreciação da matéria de facto e aplicou mal o direito, violando as disposições dos artºs 610.º e segs., em particular o 619°, nºs 1 e 2 do Código Civil e os artºs 406º e segs., em particular o 407. °, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as se dignem suprir e caso não se verifique a reparação do agravo, deve ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que decrete o peticionado arresto, como é de direito e JUSTIÇA.
A Sra. Juiz recorrida sustentou a decisão sob recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir
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Os Factos
A 1ª instância deu como indiciariamente provados os seguintes factos:
1. No âmbito da sua actividade comercial, o requerente concedeu crédito às sociedades “F...”, “G...” e “H...”.
2. Os requeridos B... e C... Ribeiro declararam dar o seu aval em livranças dadas como garantia do referido em 1.
3. Encontra-se pendente na 3.ª Secção do 1.º Juízo dos Juízos de Execução do Porto, com carimbo de entrada de 02/07/2004, a acção executiva n.º 3570/04.0TVPRT em que é exequente o ora requerente e executados as sociedades comerciais identificadas em 1. e os aqui dois primeiros requeridos, para pagamento coercivo da quantia de € 218.566,70, baseada em livrança com data de vencimento de 07/06/2004.
4. Os executados foram citados no processo referido em 3. no dia 15/07/2004, sendo que por despacho de 16/03/2006 foi ordenada nova citação que em 27/09/2006 ainda não se encontrava efectuada.
5. Nesse processo encontra-se penhorado o vencimento dos executados B... e C....
6. Encontra-se pendente na 2.ª Secção do 2.º Juízo dos Juízos de Execução do Porto, com carimbo de entrada de 28 de Setembro de 2004, a acção executiva n.º19294/04.6TJPRT em que é exequente o ora requerente e executados “G...” e os aqui dois primeiros requeridos, para pagamento coercivo da quantia de € 9.279,45, com base em livrança com data de vencimento de 30/06/2004.
7. Em 25/08/2006, os executados ainda não se encontravam citados e não constava dos autos a existência de penhora sobre quaisquer bens.
8. Encontra-se pendente na 1.ª Secção do 1.º Juízo dos Juízos de Execução do Porto, com carimbo de entrada de 02/07/2004, a acção executiva n.º 3524/04.7TVPRT em que é exequente o ora requerente e executados “H...” e os aqui dois primeiros requeridos, para pagamento coercivo da quantia de € 262.211,26, com base em livrança com data de vencimento em 05/05/2004.
9. O requerido B... foi citado para a acção referida em 8., a 22/10/2004, e a requerida C... em 25/10/2004.
10. No âmbito das diligências de penhora efectuadas pelo Sr. Solicitador de Execução relativamente à execução n.º 3524/04.7TVPRT apenas se logrou obter a penhora sobre o usufruto de um dos dois prédios nela nomeados, nomeadamente, sobre o prédio urbano sito na Quinta do Vale do Arnede designado por lote 15, na freguesia de Barosa, concelho de Leiria, descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º 389 da freguesia de Barosa e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 976.
11. Sendo que a penhora sobre o usufruto sobre a fracção “R”, correspondente ao 4.º andar esquerdo do prédio sito na Av. X..., Alcobaça, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o n.º 504, São Martinho do Porto e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artº 2211/R, foi recusada, uma vez que fora previamente cancelado o usufruto a favor dos aqui dois primeiros requeridos.
12. Por escritura pública outorgada a 30 de Agosto de 2004, no Cartório Notarial de Azambuja, os aqui dois primeiros requeridos declararam renunciar, gratuitamente, ao usufruto sobre a fracção identificada em 11., sendo que atribuíram a tal direito o valor de cento e seis mil euros.
13. Encontram-se inscritas sobre o imóvel identificado em 10., duas hipotecas, tendo uma como montante máximo assegurado a quantia de 12.110.000$00 e outra 105.000$00.
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A esta matéria decide-se aditar, ao abrigo do disposto no artº 712º n.º1 al. b) do C. P. Civil, a seguinte factualidade documentalmente demonstrada nos autos:
14- Aquando da renúncia referida em 12, a nua-propriedade da fracção identificada em 11, pertencia, em comum, aos filhos dos renunciantes e ora 2ºs requeridos.
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O Direito
Como é sabido são as conclusões da alegação que delimitam o objecto do recurso ( artºs 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do C. P. Civil ), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões e conhecimento oficioso.
A única questão suscitada nas conclusões do recurso consiste em saber se a decisão recorrida enferma de erro de aplicação da lei, por, no caso, se mostram preenchidos, ao invés do decidido, todos os requisitos do artº 407º do C. P. Civil necessários à procedência do arresto.
Vejamos então:
O arresto é um meio de conservação da garantia patrimonial do credor, regulado nos artºs 619º e segs do C. Civil e adjectivado nos artºs 406º e segs do C. P. Civil, que tem por função assegurar ao credor a satisfação do seu crédito, garantindo-lhe que virá a encontrar, no património do devedor, bens suficientes para o seu pagamento, quando se apresentar a executar a sentença final proferida na acção principal de dívida, de que o arresto é normalmente dependência. E isto porque, em princípio, só os bens do devedor podem ser executados.
Porém, como a lei admite que, excepcionalmente, possam ser executados bens de terceiro (artº 818º do C.Civil), do mesmo modo admite, excepcionalmente também, o seu arresto. É o que sucede, por força do estatuído no nº 2 do artº 619º do C.Civil e nº 2 do artº 407º do C.P.Civil, relativamente a terceiros que hajam adquirido bens do devedor, desde que a respectiva transmissão tenha sido objecto de impugnação judicial ou, quando ainda não impugnada, se demonstre a probabilidade da procedência da impugnação.
O requerente, no caso, propõe-se impugnar, através da competente acção pauliana, a renúncia gratuita ao usufruto sobre aquela fracção “R” levada a cabo pelos 1ºs requeridos a favor dos 2ºs requeridos seus filhos.
Ora, dispõe o artigo 610º do Código Civil que: “Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade”.
Por sua vez, o artigo 612º do mesmo Código estabelece, no seu nº 1, que: “O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé”.
São, pois, três os requisitos ou pressupostos do exercício da impugnação pauliana, no âmbito das relações imediatas.
Dois pressupostos são gerais: anterioridade do crédito e impossibilidade ou agravamento da impossibilidade de satisfação integral do crédito. O terceiro requisito: a má fé do devedor e do terceiro, só se exige nos actos onerosos, já que se o acto for gratuito a impugnação pauliana procede mesmo que aqueles (devedor e terceiro) se encontrem de boa fé.
E, nos actos que envolvem diminuição da garantia patrimonial do crédito cabem não só os actos de alienação de bens ou de transmissão de direitos, como a renúncia a direitos existentes no património do devedor (Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol II, 7ª ed. pag 453).
Todos estes enumerados requisitos se encontram, a nosso ver, indiciariamente demonstrados nos autos em face do acervo fáctico apurado; o que faz admitir como provável a procedência da acção pauliana que o requerente se propõe instaurar contra os requeridos.
Daí que nada obste, a nosso ver, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, ao deferimento do peticionado arresto.
O agravo merece, portanto, ser provido e, consequentemente, decretada a providência cautelar requerida.

Decisão

Nos termos expostos, concedendo provimento ao agravo, acordam em revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra decretando o arresto do usufruto da fracção “R”, correspondente ao 4º andar esqº do prédio urbano identificado a fls 8 dos autos, notificando-se, oportunamente, os arrestados, nos termos e para efeitos do disposto no artº 385º nº 6 do C.P.Civil, e observando-se o demais previsto na lei.

O requerente suportará apenas as custas devidas em 1ª instância.