Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
464/08.4TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: PERÍODO EXPERIMENTAL
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
SUSPENSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
DURANTE PERÍODO EXPERIMENTAL
Data do Acordão: 10/08/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 104º, 105º, 106º E 108º, AL. DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – Nos termos do artº 108º, al. d), do Código do Trabalho, nos contratos de trabalho a termo de duração igual ou superior a seis meses, o período experimental tem a duração de 30 dias.

II – O período experimental corresponde ao tempo inicial de um contrato de trabalho, durante o qual a entidade empregadora e o trabalhador têm a possibilidade de ponderar o seu interesse ou não na manutenção do contrato em causa, podendo qualquer deles provocar a sua cessação sem obrigatoriedade de invocação de justa causa, sem necessidade de aviso prévio, em regra, e sem que daí advenha, salvo acordo em contrário, uma obrigação de indemnização a cargo do denunciante (artºs 104º, nºs 1 e 2, e 105º, nº 1, do Código do Trabalho).

III – Em caso de suspensão do contrato durante o período experimental (p.ex., por doença ou devido a faltas justificadas) pode dizer-se que tal período também se suspende pelo mesmo tempo (ou seja, esse tempo não releva para a contagem do período experimental) – artº 106º, nº 2, do C. Trabalho de 2003.

IV – A denúncia do contrato de trabalho pode ter lugar mesmo durante o período de suspensão do contrato, já que o artº 331º, nº 2, do C. T. de 2003 é, nesse aspecto, claro ao referir que a suspensão não obsta “a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais”.

Decisão Texto Integral:
Autor: A...
Ré: B...


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. O autor instaurou contra a ré a presente acção declarativa sob a forma de processo comum pedindo que, sendo reconhecida ilicitude de despedimento, a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 9.000,00 correspondentes aos créditos laborais vencidos pela cessação ilícita do contrato de trabalho a termo, bem como os subsídios de alimentação, de natal e de férias que se vencerem desde a data da propositura da acção e até ao trânsito da decisão que julgue ilícito o despedimento promovido pela ré, bem como ainda a quantia de € 3 000,00 a título de danos morais, com juros de mora.
Para tanto alegou, em síntese:
Que celebrou com a ré um contrato a termo pelo período de 6 meses, com início no dia 27 de Julho de 2007. No dia 03 de Agosto de 2007 foi vítima de um acidente de trabalho tendo estado de ITA – incapacidade temporária absoluta – até ao dia 07 de Novembro de 2007, dia em que lhe foi dada alta médica. No dia 11 de Setembro de 2007 recebeu uma carta registada com A/R da ré, enviada no dia 10, na qual lhe comunicava a denúncia do contrato, por entender estar dentro do período experimental. O contrato encontrou-se suspenso desde o dia 03 de Agosto a 11 de Novembro de 2007, tendo-se reiniciado no dia 12 de Novembro de 2007. Que a ré o despediu o autor ilicitamente pelo que deve indemnizá-lo na quantia de € 4500,00. Que nunca pagou ao autor os proporcionais relativos a férias, subsídio de férias e de Natal. E como foi despedido quando se encontrava incapacitado deve a ré proceder a uma indemnização de € 9 000,00.
A ré contestou, alegando em síntese que o autor não tem direito a qualquer indemnização, uma vez que o contrato foi denunciado durante o período experimental, cujo prazo se suspendeu com o acidente sofrido pelo autor.
Concluiu pela improcedência da acção.

Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos.

É desta decisão que, inconformado, o autor vem apelar.
Alegando, conclui:
1) Em todo o processo consta que o Autor assinou o contrato no dia 03 de Agosto de 2007 e que nesse mesmo dia, sofreu um acidente de trabalho, que o incapacitou temporariamente, portanto o autor, praticamente, não desempenhou funções para a Ré;
2) Como consta dos autos, ainda o Autor se encontrava incapacitado, de forma absoluta, para o trabalho e de baixa médica, estando em casa, quando recebeu a carta que o informava que estava despedido;
3) O Autor, após a recepção da carta de despedimento, ficou emocionalmente afectado e passou, junto com a sua família, por um período de grave carência económica;
4) A Ré teve um procedimento abusivo ao despedir o autor, no início, do período experimental;
5) Pelos elementos constantes nos Autos é facilmente perceptível que o despedimento do Autor foi ilícito, mesmo estando este a cumprir o período experimental.

A ré apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado e pronunciando-se pela rejeição da impugnação da decisão de facto.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, defendendo que o recurso não deve merecer provimento.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
Do despacho que decidiu a matéria de facto é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:
1. O autor assinou o contrato de trabalho, a termo certo, com a ré no dia 03 de Agosto de 2007.
2. Tal contrato foi assinado no dia 27 de Julho, dia em que o autor começou a desempenhar as funções por conta e sob as ordens da ré.
3. Tal contrato tinha a vigência de seis meses, tendo um período experimental de 30 dias.
4. O contrato em causa ficou a dever-se a um acréscimo excepcional da actividade da ré.
5. O autor foi contratado com a categoria profissional de aprendiz de operador de máquinas.
6. As funções do autor consistiam naquelas inerentes à categoria profissional e quando necessário carregar e descarregar material das carrinhas, arrumar e varrer o armazém.
7. O vencimento mensal do autor era de € 550,00, acrescido de € 4,40 diários de subsídio de alimentação.
8. No dia 03 de Agosto de 2007 o autor foi vítima de um acidente de trabalho, tendo ficado com uma incapacidade temporária absoluta para o trabalho até ao dia 07 de Novembro de 2007.
9. Durante o período em que esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho o autor efectuou exames e teve diversas consultas médicas.
10. O autor teve alta médica no dia 08 de Novembro de 2007.
11. No dia 11 de Setembro de 2007 o autor recebeu em sua casa uma carta registada com aviso de recepção enviada pela ré, no dia anterior, com o seguinte teor:
“ Vidigal, 27 de Agosto de 2007
Assunto: Caducidade do contrato de trabalho a termo certo na fase experimental
Exmo Sr.
Serve o presente para comunicar a V/Exa. de que esta empresa não irá proceder à continuação do contrato a termo, visto que o presente contrato foi celebrado com início a 27 de Julho de 2007, pelo prazo de 6 meses, tendo um período experimental de 30 dias.
Assim a partir do dia 28 de Agosto de 2007 ocorrerá a caducidade do mesmo, consequente da relação laboral.”
12. A ré não pagou ao autor quaisquer proporcionais relativos a férias, subsídios de férias e de Natal.
13. O autor recebeu da Companhia de Seguros Zurich, S.A. os valores que lhe eram devidos na sequência do acidente de trabalho, desde o mês de Agosto a Novembro de 2007.
14. Em Janeiro de 2008 a companheira do autor auferia a quantia mensal de € 426,00.
15. O autor passou por dificuldades económicas.
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2. De direito
É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil.
Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver se pode equacionar da seguinte forma: se o contrato de trabalho, entre autor e ré, se pode ou não considerar cessado dentro do período experimental e quais as consequências.

Como questão prévia importa analisar da admissibilidade de impugnação da decisão de facto, pelo autor.
Vejamos, quanto a esta questão prévia:
Na impugnação da decisão proferida pela matéria de facto, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição, cumprir o ónus previsto no artigo 685-B do CPC (na actual redacção aplicável), indicando quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizados, que impunham decisão diversa.
Ora, o apelante não incluiu nas conclusões do recurso qualquer referência à impugnação da decisão de facto.
Referiu, contudo, nas suas alegações que o recurso engloba “matéria de facto e de direito”.
Contudo, embora tenha feito nas alegações referência a depoimento de testemunha, não indica concretamente quais os pontos de facto que pretende sejam alterados ou – até – aditados, por erro de julgamento, apoiando-se em concretos meios de prova identificados nos termos impostos pelo nº 2 do referido preceito legal.
Assim, dando razão à posição da ré expressa nas contra-alegações, a impugnação da decisão de facto não pode ser aceite.
Por isso, entendemos rejeitá-la, dela não conhecendo.

Quanto à questão do recurso, ou seja, a de saber da (i)licitude da cessação do contrato por acto unilateral da ré empregadora:
A questão colocada pelo autor é a de saber se a denúncia do contrato no decurso do período experimental foi cometida em abuso do direito, sendo por isso ilegítima e traduzindo-se num despedimento ilícito.
O autor não coloca em causa que a cessação tenha ocorrido no decurso de período experimental. Contesta apenas a licitude da cessação.
A sentença da 1ª instância veio reconhecer que o contrato cessara por iniciativa do empregador durante o período experimental e que, por isso, não ocorrera despedimento ilícito do autor.
Vejamos se assim é:
Nos termos do art. 108º, al. a), do Código do Trabalho, nos contratos de trabalho a termo de duração igual ou superior a seis meses, o período experimental tem a duração de 30 dias.
Na sentença em recurso, discorreu-se assim e, a nosso ver, acertadamente;
Como já se referiu no caso o período experimental é de 30 dias.
O período experimental corresponde ao tempo inicial de um contrato de trabalho, durante qual a entidade empregadora e o trabalhador têm a possibilidade de ponderar o seu interesse na manutenção do contrato em causa, podendo qualquer deles provocar a sua cessação sem obrigatoriedade de invocação de justa causa, sem necessidade de aviso prévio, em regra, e sem que daí advenha, salvo acordo contrário, uma obrigação de indemnização a cargo do denunciante (art. 104º, nºs 1 e 2 e art. 105º, nº 1, ambos do CT).
O período experimental começa a correr com a efectiva prestação do serviço.
Cabe, no entanto, ressalvar que o direito conferido às partes de fazer cessar o contrato de trabalho não depende, como já foi referido, de invocação de justa causa, pelo que qualquer delas pode denunciar o contrato por razões completamente alheias ao desempenho da contraparte.
(…)
No que concerne à contagem do período experimental, deve dizer-se que se aplicam as regras consagradas no art. 279º do Código Civil.
É o início da execução do trabalho por parte do trabalhador que marca o começo da contagem do período experimental. Assim, as próprias acções de formação do trabalhador determinadas pela entidade patronal ou ministradas pela mesma só contam para o período experimental se não excederem metade do mesmo. O legislador pretendeu tornar claro que é condição essencial para a ponderação a efectuar pela entidade patronal e pelo trabalhador, que este exerça o seu labor no local e nas condições em que futuramente o desenvolverá. Seguindo o mesmo entendimento, os dias de falta, ainda que justificadas, de licença e de dispensa, e os dias de suspensão do contrato, não englobam o período experimental (artigo 106º do CT). (…)
No caso, o autor começou a exercer as suas funções no dia 27 de Julho de 2007.
Contudo, no dia 03 de Agosto desse mesmo ano, o autor foi vítíma de um acidente de trabalho, tendo estado numa situação de ITA – incapacidade temporária absoluta para o trabalho – até ao dia 07 de Novembro de 2007. Tal acidente constituiu um impedimento temporário por facto não imputável ao autor, pelo que se tendo prolongado por mais de 30 dias, o contrato de trabalho se suspendeu (artigo 333º, nº 1 do CT). Mas como era previsível que o impedimento ia ter uma duração superior a 30 dias, o contrato considera-se suspenso, mesmo antes do decurso desse prazo (artigo 333º, nº 2 do CT).
Mas mesmo que se entenda ou defenda que não era previsível essa duração, a verdade é que até esse período estávamos perante faltas justificadas ( artigo 225º, nº 2, alínea d) do CT).
Ora, quer num caso, quer no outro, esses dias não são tidos em conta para a contagem do período experimental (artigo 106º, nº 2 do CT).
Significa isto que desde o dia em que o autor começou a exercer a sua actividade – 27 de Julho – até ao dia do acidente – 03 de Agosto – decorreram 8 dias, uma vez que a partir deste dia o autor esteve incapacitado para prestar o seu labor. A ré, como já se deixou exarado, remete ao autor uma carta registada com A/R, que este recebe no dia 11 de Setembro de 2007, a denunciar o contrato, com efeitos a partir do dia 28 de Agosto.
Como a denúncia é uma declaração unilateral receptícia só produz efeitos a partir do momento em que o denunciado dela tem conhecimento (artigo 224º do Código Civil), ou seja, no dia 11 de Setembro de 2007.
Poder-se-á por a questão de saber se a mesma é válida estando o contrato suspenso em virtude do acidente de trabalho de que o autor foi vítima. A resposta é positiva (…).
Por estes motivos a cessação do contrato de trabalho levada a cabo pela entidade patronal do autor durante o período experimental, não confere a este qualquer indemnização.
Entendemos estas considerações como ajustadas.
Na verdade, perante a suspensão do contrato pode dizer-se que o período experimental também se suspendeu pelo mesmo tempo (ou seja, esse tempo não conta para a contagem do período experimental – artº 106º nº 2 do Código do Trabalho de 2003).
De forma que quando a ré comunica a denúncia ao autor do modo descrito, sendo essa declaração receptícia, deve entender-se que a mesma operou na data em que foi recebida, no dia 11/9/2007 (e não antes como na carta indicava), ainda no decurso de período experimental.
A denúncia podia ter lugar mesmo durante o período de suspensão do contrato, já que o artigo 331º nº 2 do Código do Trabalho de 2003 é, nesse aspecto, claro ao referir que a suspensão não obsta “a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais”.
Sustenta o autor, contudo, no recurso que a ré não teve tempo de avaliar o trabalho do autor, naquela que é a finalidade do período experimental, já que foi no dia em que foi assinado o contrato e que se iniciou o período experimental que sofreu o acidente de trabalho que determinaram as faltas ao trabalho. Dia esse que defende ser o dia 3 de Agosto de 2007.
Verificamos, contudo, que – para além do que resultou estabelecido como assente na matéria de facto – foi o próprio autor que alegou que o contrato a termo teve início do dia 27 de Julho, como resulta do seu texto escrito, e que foi nesse mesmo dia que iniciou o desempenho de funções. Portanto, muito antes do dia 3 de Agosto.
O facto de só ter assinado o documento que consubstancia o contrato no dia 3 de Agosto não desvirtua a existência de um contrato com termo resolutivo, com início no dia 27 de Julho, a data que dele consta e a data em que iniciou efectivamente funções.
Ou seja, o período experimental teve início no dia do início da execução da prestação do autor (artº 106º nº 1 do Código do Trabalho de 2003), em 27 de Julho.
Assim sendo, verifica-se que até ao dia 3 de Agosto a ré, ao contrário do que defende o autor, teve possibilidade de fazer uma avaliação da actividade prestada pelo autor.
Nada evidencia que, assim sendo, tenha incorrido em abuso do direito ao denunciar o contrato no decurso do período experimental, sabendo-se a latitude com que o pode fazer nos termos da lei.
Não é possível determinar, com base na matéria de facto estabelecida, que só o tenha feito pelo facto do autor ter tido um acidente de trabalho incapacitante.
Como refere o Ex.mo PGA, no seu parecer, tendo em conta a matéria de facto provada e tendo mesmo em consideração a perspectiva jurídica adoptada na petição inicial, nada permite afirmar que o houve abuso de direito no exercício da faculdade de fazer cessar a relação laboral durante o período experimental”.
Consideramos, assim, que o contrato cessou validamente por denúncia no decurso do período experimental e não por despedimento ilícito, sem justa causa ou falta de adequado procedimento, não havendo lugar a qualquer indemnização por parte da ré, quer nos termos gerais, quer nos termos da agravação prevista no artigo 30º da LAT (Lei 100/97, de 13 de Setembro).
Por isso, não é possível considerar procedente a apelação.
Termos em que esta improcederá.
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III- DECISÃO
Termos em que se delibera negar provimento à apelação, mantendo-se a sentença da 1ª instância.
Custas no recurso pelo autor.
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Coimbra,

(Azevedo Mendes)
(Felizardo Paiva)
(Fernandes da Silva)