Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
321-B/2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA JUDICIAL
PRÉDIO
LICENÇA DE CONSTRUÇÃO
FALTA
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 01/30/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA MARINHA GRANDE - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 905º Nº6 DO CPC E DL 281/99, DE 26/07
Sumário: I. A venda judicial de prédio edificado é legalmente admissível mesmo que inexista licença de utilização ou até de construção, pois não lhe é aplicável a proibição cominada no DL nº 281/99 de 26-7.

II. A publicitação da venda deve mencionar a falta de licença de construção ou de utilização, dado que por lei geral o vendedor deve informar ao comprador os vícios do direito a transmitir.

Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:

Relatório:

A... instaurou a acção executiva nº 321/2001 contra B... e outros, tendo sido penhorado um imóvel e ordenada a respectiva venda judicial por propostas em carta fechada.
C... apresentou aos 3-6-2003 a proposta de aquisição do imóvel por € 58 001, mas aos 25-6-2003 a fls. 136 requereu se desse sem efeito tal proposta porque: o anúncio para venda refere que o imóvel é constituído por barracão para comércio e indústria e nessa base fez a proposta, só que no interior é casa de habitação e está ocupada.
Estes autos em separado não mostram qual a decisão tomada sobre esta pretensão, mas mostram ter sido proferido aos 20-10-2003 um despacho –fl. 17 destes autos – que refere ser o alegado a fls. 136 susceptível de integrar a previsão da norma do art. 908º nº 1 do CPC e ordena ex officio a realização de perícia no interior do prédio.
O relatório de perícia faz menção de que o armazém tem 2 pisos (no r/c sala, cozinha, WC, quarto, etc e no 1º piso 4 divisões para escritório), avalia-o em € 60 000 supondo que haja licenciamento (pois refere que não terem sido fornecidos quaisquer cadernetas ou outros elementos) e constata que o imóvel está a ser ocupado por familiar do executado, a filha e o namorado cujo nome indica.
A Câmara Municipal de Leiria informou aos 9-8-2005 a fl. 245 que no Pº de obras nº 267 de 1993 fora aprovado o projecto de arquitectura de arrecadação no dito prédio e que não foi emitida qualquer licença.

O A... requereu aos 21-9-2005 a fl. 248 que se ordenasse nova venda judicial por propostas em carta fechada, com indicação do valor base de € 52 000 e com menção da falta de licença de utilização.

O despacho de fl. 249 indeferiu o requerimento de fl. 248 com fundamento no disposto no art. 1º nº1 do DL nº 281/99 de 26-7.

Deste despacho recorre o exequente, pretendendo a sua revogação e que seja ordenada nova venda do imóvel, com publicitação da inexistência de licença de construção.

Não houve contra-alegação.
Correram os vistos legais.
Nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso.



Fundamentos:

I. Preceitua o art. 1º nº1 do DL nº 281/99 de 26-7: «Não podem ser celebradas escrituras públicas que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas fracções autónomas sem que se faça perante o notário prova suficiente da inscrição na matriz predial, ou da respectiva participação para a inscrição, e da existência da correspondente licença de utilização, de cujo alvará, ou isenção de alvará, se faz sempre menção expressa na escritura».

O preceito legal é claro: as exigências ali referidas são feitas em relação à celebração das ditas escrituras públicas, perante o notário, sem cujo cumprimento tais escrituras não são admitidas. Não é o caso da venda judicial de prédio urbano, pelo que, na falta de outro preceito, tais exigências não são aplicáveis na venda judicial, o que vale por dizer: em processo executivo, é admissível a venda de prédio apesar de inexistir aquela licença de utilização (a que alude o dito art. 1º) ou a licença de construção (a que alude o art. 2º do DL).

Este entendimento é reforçado pelo disposto no nº 6 do art. 905º do CPC (aditado pelo DL nº 38/03 de 8-3) que, no referente à venda por negociação particular, contém: «A venda de imóvel em que tenha sido, ou esteja sendo, feita construção urbana, ou de fracção dele, pode efectuar-se no estado em que se encontre, com dispensa da licença de utilização ou de construção, cuja falta de apresentação o notário fará consignar na escritura, constituindo ónus do adquirente a respectiva legalização».
Também este preceito se refere à questão da exigência de apresentação de licença de construção (se edifício em construção) ou de utilização (se já construído) perante o notário—dado que a venda executiva de imóvel por negociação particular culmina em escritura pública e não se faz por decisão judicial—mas para dispensar tal exigência, naturalmente por atenção à necessidade de prover à cobrança coerciva dos créditos.
Já na Divisão II—art. 889º ss do CPC—respeitante à venda judicial não foi aditado, na sequência daquele DL nº 38/03 de 8-3, qualquer preceito semelhante ao do dito nº6 do art. 905º, pois que se trata de venda judicial e não a realizar por escritura pública apesar de o bem a vender ser um imóvel.
Mas se na venda por negociação particular, a realizar perante o notário, a lei admite a venda dispensando a apresentação de licença, por igualdade de razão (se outra não houvesse) a lei teria de ser interpretada no sentido de admitir a venda judicial do prédio dispensando a apresentação de licença, sob pena de ofensa ao princípio da igualdade jurídica de tratamento dos interessados, numa e noutra das situações, sem alguma justificação racional bastante.
De outro modo é de entender que haveria prejuízo apreciável para a satisfação do crédito do exequente. A vingar a posição da 1ª instância, veria presumivelmente prejudicado o seu crédito em razão da falta de licença apenas imputável ao executado.
Em conclusão: a venda judicial de prédio edificado é legalmente admissível mesmo que inexista licença de utilização ou até de construção, pois não lhe é aplicável a proibição cominada no DL nº 281/99 de 26-7.

II. Mas a questão não se restringe à admissibilidade da venda. Estende-se ao aspecto das menções na publicitação da venda, as quais, segundo o recorrente, devem incluir que inexiste a dita licença.
Afigura-se-nos que o exequente tem razão. As menções exigidas no art. 890º nºs 4 e 5 do CPC são um mínimo, nada impedindo que o juiz ordene a menção de outros factos relevantes conhecidos no processo e susceptíveis de influir na venda, sobretudo aqueles sem cujo conhecimento de eventual interessado na compra poderia conduzir à anulação ou nulidade da venda. E é assim que na prática (boa prática) dos tribunais se faz menção da existência de protesto para reivindicação quando o haja, apesar de a lei não exigir de modo expresso tal menção. O mesmo se deve dizer da falta da dita licença, quando os autos mostrem tal falta (afinal os alvarás a existirem devem ser exigidos no acto da penhora, tal como a sua falta pode então ser mencionada no auto).
Tanto assim que o vendedor deve informar ao interessado na compra tudo o que possa ter a ver com vícios do direito a transmitir (cf. art. 905º do CC).
Note-se que a execução visa sobretudo satisfazer o interesse do credor exequente e foi este próprio a requerer nova diligência de venda com indicação de elementos que se harmonizam com a lei, pois que se trata de evitar que a venda seja feita com vício de direito, o qual seria mais tarde invocável pelo interessado adquirente. Tal devia ser desde logo circunstância a ponderar pela 1ª instância.
Segunda conclusão: a publicitação da venda deve mencionar a falta de licença de construção ou de utilização, dado que por lei geral o vendedor deve informar ao comprador os vícios do direito a transmitir.

Decisão:
Pelo exposto, concede-se o provimento ao agravo, revogando-se a decisão impugnada e devendo em consequência tal decisão ser substituída por outra que ordene nova publicitação de venda judicial do imóvel mediante propostas em carta fechada, com indicação da inexistência de licença de construção e dos demais elementos necessários para o efeito.
Sem custas pelo recurso.