Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4028/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VITOR
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
Data do Acordão: 02/07/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º, 1, A) E 5.º, 1, C) DA LEI 60/98 DE 27/08 E ARTIGOS 1847.º, 1869.º; E 1863.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Só cabe ao autor, em acção de investigação de paternidade, a prova da exclusividade das relações sexuais no período legal da concepção, quando não for possível fazer a prova directa do vínculo biológico por outros meios, nomeadamente o exame serológico
2. Apesar de se considerar “praticamente provada” a paternidade quando o resultado dos exames sanguíneos assume valores superiores a 99,73%, não estão excluídos outros meios de prova

3. Num caso em que o exame serológico atinge os 99,99999% e não se prove qualquer facto que possa afastar tão elevado grau de probabilidade, a paternidade deve ser comprovada.

Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

O Ministério Público veio nos termos do disposto no artigo 3º nº 1 alínea a) e 5º nº 1 alínea c) da Lei 60/98 de 27/8 e nos artigos 1 847º, 1 869º, 1 873º todos do Código Civil, em representação do menor A..., residente com a mãe na Rua dos Moinhos Velhos, em Mira de Aire de Porto de Mós e contra B..., casado, empresário, residente em Covas, S. Bento, Porto de Mós, intentar acção de investigação de Paternidade em que pediu que na procedência da mesma, se reconheça o menor em causa como filho do Réu, ordenando-se em consequência o averbamento de tal paternidade e da avoenga daí resultante ao assento do nascimento daquele.
Alegou para tanto e em resumo, que o Réu manteve com a mãe deste relações sexuais de cópula completa durante os primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento do menor, e que mantiveram essas relações com carácter de exclusividade, ou seja que a mãe do A..., durante esse período de tempo apenas manteve relações sexuais com o demandado B..., referindo-se como suporte de alegação que em exame hematológico realizado às pessoas do menor, da mãe e de B... deu como resultado, segundo a escala de Hummel uma taxa de probabilidade de 99,999998% que corresponde a uma paternidade praticamente provada.
Regularmente citado para contestar, o Réu B... veio fazê-lo pedindo a final a absolvição do pedido e dizendo que não pode ser ele o pai do menor A..., porque nunca manteve relações de sexo com a mãe daquele e porque desde 30.8.1976 que é estéril e impotente, terminando a sua contestação pondo em dúvida o exame hematológico realizado sob a forma de pergunta “aristotélica” (vd. art. 11 da contestação), e ainda fazendo alusões ao comportamento da mãe do menor A... e às testemunhas por ela arroladas, nominando-as da “mesma laia” e reclamando-se ele de uma “laia” diferente como marido legítimo e produtor de harmonia conjugal.
O Ministério Público, na réplica mantém o alegado na petição inicial, concluindo como aí, impugnando a matéria de excepção, a protestada impotência e esterilidade do Réu B..., e anotando como despropositadas e ofensivas as expressões utilizadas pelo demandado para se referir à mãe do menor e às testemunhas arroladas.
Oportunamente foi proferido despacho saneador que considerou a instância válida e regular nos seus pressupostos objectivos e subjectivos; fixaram-se os Factos Assentes e elaborou-se a Base Instrutória.
Arrolada prova, o MP juntou aos autos o relatório do exame hematológico realizado e o Réu B... requereu exame pericial que foi realizado tendo-se junto aos autos relatório do mesmo, a fls. 162 a 166.
Designada data para realização de julgamento, veio o mesmo a realizar-se com observância de todo o formalismo legal, conforme consta da respectiva acta.
Pelo despacho de fls. 203 a 207 respondeu-se à matéria constante da Base Instrutória, sem reclamações, e o MP e o réu B... produziram alegações, tendo este último anunciado desde logo a futura interposição de recurso.
Foi proferida sentença que julgou a acção procedente por provada e assim reconheceu que o menor A... é filho do Réu B..., ordenando em consequência o averbamento de tal paternidade e da avoenga paterna daí resultante no assento de nascimento daquele.
Daí o presente recurso de apelação interposto pelo Réu, o qual no termo da sua alegação pediu que se revogue a decisão apelada julgando-se pois a acção improcedente.
Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) Para fundamentação das respostas aos vários quesitos, o tribunal a quo valorou o depoimento das testemunhas Aldina Manuela Costa Ferreira, Jorge José Gomes dos Santos e C... (mãe do A...), depoimento que considerou prestados “com conhecimento directo e com isenção e imparcialidade” revelando “um convívio frequente entre a mãe do menor A... o Réu B... durante, antes e depois do período legal da concepção”.
2) Sem prejuízo de, desde logo haver que ponderar e com o mínimo de senso valorar a isenção e imparcialidade “do depoimento da testemunha C... – óbvia e inevitavelmente parte interessada na decisão a proferir nos presentes autos, sempre teremos que concluir o seguinte:
a) Nenhuma testemunha refere qual a data (ou mesmo o ano em que terá tido início e termo o relacionamento entre a dita C... e o ora recorrente, sendo que apenas esta afirma ter saído com ele mais de uma vez.
b) Com excepção da mãe do menor, nenhuma das outras testemunhas mostrou saber que aquela e o réu mantiveram com regularidade relações sexuais de cópula completa, na maior parte das vezes em casa dela; o seu depoimento não foi além de suspeitas vagas retiradas mais do “diz que disse" do que de qualquer observação directa dos factos (mesmo considerando que, como é natural, não tivessem presenciado qualquer relação sexual.
c) Só o depoimento da C... permite retirar que foi em consequência das relações sexuais que manteve com o Réu durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do A... que este foi gerado e veio a nascer.
d) Nenhuma testemunha afirmou que a mãe do menor apenas com o réu manteve relações sexuais nos mencionados primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do A....
3) Assim, independentemente dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo ora recorrente, cuja credibilidade foi posta em causa pelo julgador por forma minimamente sustentada e ao arrepio de quanto as mesmas referiram em julgamento de forma tão objectiva quanto é possível apreciar, revelando, é certo, um conhecimento não directo dos factos, tal como, de resto, as testemunhas Aldina e Jorge José,
4) O facto é que fica muito claro que, da prova produzida, não é possível considerar provados os quesitos 1, 3, 4, 5, 6, 7 e 8.
5) Verifica-se, assim, uma ausência de regras e critérios na apreciação da prova, determinante de evidente e indesculpável erro na apreciação da prova produzida em julgamento.
6) Daqui resulta que a acção deveria ser julgada improcedente e não provada.
7) Porque, tal como se refere na sentença objecto do presente recurso, uma coisa é a certeza científica; outra, a certeza jurídica.
8) Sendo que as duas têm de compatibilizar-se e complementar-se.
9) Sob pena de o julgamento não passar de uma mera farsa, destinado a cumprir a “formalidade da inquirição das testemunhas”.
10) Os exames periciais não podem ser suficientes e determinantes da definição da paternidade investigada.
Contra-alegou o Ministério Público pugnando pela confirmação da sentença em crise.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTOS.

O Tribunal deu como provados os seguintes,

2.1. Factos.

2.1.1. Em 25 de Setembro de 1994 nasceu A..., filho de C... – al. A dos Factos Assentes;
2.1.2. Desde data indeterminada situada no ano de 1990, o Réu B... frequentava a residência da mãe do menor e por vezes deslocava-se com ela – resposta ao quesito 2º;
2.1.3. Desde a data referida no quesito segundo, o Réu B... e a mãe do menor passaram a manter um com o outro, com regularidade, relações sexuais de cópula completa – resposta ao quesito 3º;
2.1.4. Relações que mantinham na maior parte das vezes em casa da mãe do menor - resposta ao quesito 4º
2.1.5. Tal relação manteve-se ininterruptamente até final do ano de 1995 - resposta ao quesito 5º;
2.1.6. Foi em consequência das relações sexuais mantidas entre o Réu e a mãe do menor que este foi gerado e veio a nascer – resposta ao quesito 6º;
2.1.7. Durante os primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento do menor, a mãe deste apenas com o Réu manteve relações sexuais – resposta ao quesito 7º;
2.1.8. Os conhecidos da mãe do menor e do Réu só a este atribuem a paternidade a A... – resposta ao quesito 8º;
2.1.9. Em 30 de Agosto de 1976 o réu sofreu uma fractura múltipla da bacia e esmagamento com rotura completa da uretra posterior, tendo uretrorragia com grande globo vesical – resposta ao quesito 9º;
2.1.10. Na mesma data foi-lhe executada cistotomia supra-púbica com colocação e um pezzer intra-vesical – resposta ao quesito 10º;
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2.2. Reapreciação da matéria de facto.
Insurge-se o apelante contra as respostas conferidas aos quesitos 1º, 3º, 4º, 5º, 6, 7º e 8º da Base Instrutória.
Previamente à análise desta questão, nunca será de mais salientar que o pedido de reapreciação da matéria de facto não conduz a um novo julgamento, nem pode supri-lo. Na verdade, a prova gravada ou transcrita nunca poderá suprir a abundância de pormenores que a imediação proporciona ao Juiz quando aprecia a matéria de facto; o modo como a testemunha depõe, as suas reac-ções, as suas reticências e a sua mímica, são factos decisivos na formação de uma convicção final e que não podem ser captados pela frieza de meios mecânicos. Assim o Juiz da 1ª instância que julga de facto, goza de ampla liberdade de movimentos ao erigir os meios de que se serve na fixação dos factos provados, de harmo-nia com o princípio da livre convicção e apreciação da prova; as provas são livremente valoradas pelo Juiz sem obediência a regras pré-fixadas – artº 655º do Código de Processo Civil. E essa liberdade de apreciação com base no conjunto do material probatório recolhido pela percepção global é insindicável por esta Relação. Nesta conformidade, o Tribunal de recurso só em casos excepcionais de manifesto erro de apreciação da prova poderá alterar o decidido em 1ª instância; será o caso de o depoimento de uma testemu-nha ter um sentido diame-tralmente oposto ao que foi considerado na sen-tença conjugado ou não com qualquer documento em que se não tenha atentado devidamente e pouco mais.
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Perguntava-se nos aludidos quesitos respectivamente o seguinte:
Quesito 1º: O Réu e a mãe do menor mantiveram desde os inícios do ano de 1990 uma relação pública de namoro?
Quesito 3º: Durante o período desse namoro o Réu e a mãe do menor passaram a manter um com o outro, com regularidade relações sexuais de cópula completa?
Quesito 4º: Relações que mantinham na maior parte das vezes em casa da mãe do menor?
Quesito 5º: Tal relação manteve-se ininterruptamente até final do ano de 1995?
Quesito 6º: Foi em consequência das relações sexuais mantidas entre o Réu e a mãe do menor que este foi gerado e veio a nascer?
Quesito 7º: Durante os primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento do menor, a mãe deste apenas com o Réu manteve relações sexuais?
Quesito 8º: Os conhecidos da mãe do menor e do Réu só a este atribuem a paternidade do A...?

O Tribunal a quo respondeu positivamente aos quesitos 4º, 5º, 6º, 7º e 8º
Respondeu restritivamente e pela seguinte forma ao

Quesito 3º: Provado que desde a data referida no quesito 2º, o Réu B... e a mãe do menor passaram a manter um com o outro com regularidade relações de cópula completa.

Entende o apelante que a prova produzida, nomeadamente a testemunhal não é de molde a permitir uma resposta positiva aos quesitos em causa, pelo que todos deveriam ter obtido resposta negativa.
Vejamos:
- No que toca aos quesitos em análise, as respostas conferidas aos mesmos fundamenta-se no depoimento da testemunha Aldina Ferreira, vizinha e amiga da mãe do menor que muitas vezes constatava que a carrinha do Réu se encontrava junto à casa daquela, tendo-o visto entrar na casa. Essa frequência manteve-se durante a gravidez da mãe do menor e prolongou-se ainda após o nascimento até mais tarde. Refere ainda a testemunha que o relacionamento com a mãe do menor era conhecida das pessoas da localidade as quais atribuem a paternidade ao Réu. Adiantou ainda que a mãe do menor é divorciada sendo todavia certo que já se encontrava separada do marido quando o relacionamento com o Réu ocorreu. As testemunha José Jorge Gomes Santos confirma de um modo geral o depoimento anterior acentuando nomeadamente ser voz comum que o menor é filho da C.... Esta, por seu turno, prestou um depoimento preciso que nos pareceu isento, sendo certo que não encontramos razões para o pôr em causa. Estas testemunhas cujo crédito não foi abalado por qualquer facto palpável, vêm naturalmente os seus depoimentos reforçados pelo resultado do exame serológico cujo relatório, constante de fls. 51 ss, aponta para uma probabilidade de paternidade de 99,99999%, que corresponde a uma paternidade praticamente provada.
Por outro lado a tese do Réu segundo a qual o mesmo ficou estéril e impotente não logrou a menor prova na primeira instância e tão pouco é minimamente sustentável nesta sede.
Nada há pois a alterar ao decidido em 1ª instância quanto à matéria de facto.
2.3. O Direito.

Nos termos do precei-tuado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Pro-cesso Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso deli-mitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformi-dade e conside-rando também a natureza jurídica da maté-ria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- Breve apontamento acerca da evolução da investigação de paternidade; o ónus da prova e jurisprudência à luz da última evolução científica.
- O caso vertente.
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2.3.1. Breve apontamento acerca da mais recente evolução da investigação de paternidade; o ónus da prova e jurisprudência à luz da última evolução científica.

O apelante insurge-se contra a decisão proferida na primeira instância. E a sua principal argumentação baseia-se no facto de sustentar que o exame serológico não pode ainda ser um elemento concludente em si, sendo necessário provar com precisão e assim sem margem para dúvidas, a exclusividade das relações sexuais no período legal da concepção. Para tanto indica em abono da sua tese um conjunto de acórdãos, na sua generalidade com mais de vinte anos.
A argumentação do Réu ignora toda a evolução científica e jurisprudencial acerca da acção de investigação de paternidade que ocorreu nomeadamente desde a data desses arestos para cá. Na verdade já a reforma do DL 496/77 de 25 de Novembro com as alterações introduzidas no direito da filiação, coincidiu com o início de um surto de progresso assinalável no âmbito das ciências biológicas trazendo consigo uma maior fiabilidade dos exames serológicos, que com o decurso dos anos ultrapassaram o confinamento à mera exclusão da paternidade para se tornarem em relevante e por vezes quase decisivo elemento de fixação de paternidade, oferecendo-nos hoje a escala de Hummel (método de aferição mais usado) valores que sem nunca atingir os 100%, nos dão uma probabilidade de paternidade igual ou superior a 99,73%. A isto acresce ainda mais recentemente o conhecimento do genoma humano tendo vindo os testes de DNA (também através da análise sanguínea) a revolucionar os tradicionais métodos probatórios de investigação de paternidade (testemunhas, semelhanças fisionómicas etc.) (Cfr. estudo do ora relator “Investigação de Paternidade” Breves Notas da sua evolução” publicado na Col. Jur., Ano XI Tomo III STJ, pags. 11 ss, que vimos seguindo de perto.) . Nos alvores da referida evolução científica surge o Assento 4/83 de 21/6/83 que definiu jurisprudência obrigatória consagrando que na falta de presunção legal de paternidade cabe ao Autor em acção de investigação de paternidade a prova de que a mãe no período legal da concepção só com o Réu manteve relações sexuais”. Tal assento consagrou uma das duas teses que então se debatiam na jurisprudência em matéria de ónus da prova na investigação de paternidade: a que bastando-se com o mero relacionamento sexual e cópula fecundante do indigitado progenitor com a mãe no período legal da concepção remetia a exceptio plurium para o âmbito dos factos impeditivos a provar pelo Réu e a outra, que erigindo a prova da exclusividade das relações no período legal da concepção em facto constitutivo do direito do Autor investigante, salienta não bastar para a procedência da acção, a simples prova das relações de sexo do indigitado progenitor com mãe no período legal da concepção em facto constitutivo do direito do Autor investigante, salienta não bastar para a procedência da acção a simples prova das relações de sexo do indigitado progenitor com a mãe naquele período.
No entanto, concomitante ao progressivo avanço dos métodos de investigação biológica, ganhou contornos uma corrente jurisprudencial propugnando uma interpretação restritiva do assento supracitado de molde a entender-se que aquele só será aplicável nos casos em que não for possível fazer a prova directa do vínculo biológico por outros meios, nomeadamente o exame serológico. O grau de certeza deste é, face à exceptio plurium, tanto maior quanto é certo que quando um espermatozóide rompe o óvulo este adquire logo características que impedem que outro ali penetre, a tal ponto que pode sustentar-se que apesar de a mãe do investigando haver mantido antes ou posteriormente relações com outros homens, o certo é que na génese da gravidez esteve um único acto sexual e é este que o exame biológico investiga com maior ou menor êxito. Se a tudo isto acrescentarmos que o resultado dos exames sanguíneos, que pode assumir valores superiores a 99,73%, valor a partir do qual começa a considerar-se a paternidade “praticamente provada”, poderá questionar-se se há ainda espaço para uma intervenção judicial que vá além do papel praticamente homologar desse resultado. É que se bem que o resultado do exame serológico não seja absoluto, não deixa apesar de tudo de nos fornecer uma certeza muito maior, no actual estádio de conhecimentos, da que adviria se nos confinássemos à simples prova testemunhal; e foi praticamente assim, com toda a margem de erro inerente, que antes da evolução técnica registada se decidiu da sorte das acções intentadas. A certeza jurídica então alcançada (que não é absoluta como nas ciências exactas), era de carácter bem mais falível da que pode advir de uma ainda que relativa certeza científica quando levada ao seu máximo grau de probabilidade. Não pertencemos todavia ao número dos que relegam a posição do juiz para um papel meramente homologador do resultado pericial, já que mesmo em casos de resultados periciais percentualmente elevados, há possibilidade de uma certa margem de erro, nela cabendo por vezes factos decisivos (É o caso do exemplo que nos dá Guilherme de Oliveira do Réu que pouco antes da colheita de sangue para análise sofrera uma transfusão de sangue susceptível de falsear a indentidade genética do investigando – Cfr. “Implicações Jurídicas do Conhecimento do Genoma” in RLJ, Ano 128 pags. 327 e 328, podendo mesmo acrescentar-se v.g. ausência do Réu no período legal da concepção e ainda a tese esboçada pelo apelante nesta acção, a esterilidade ou outra anormalidade decisiva do aparelho reprodutor.) . Mas para afora isso, quando o exame pericial for concludente, v.g. com um resultado de paternidade praticamente provada, será pouco o que se pede à prova convencional que possa superar a pequeníssima margem de falibilidade do exame pericial realizado em termos normais, considerando o princípio ii quae difficiliores sunt probationes leviores probationes admittuntur e considerando que a certeza jurídica não tem um carácter absoluto.
É com base nestas considerações que passaremos em revista o caso concreto.
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2.2.2. O caso vertente.

Revertendo ao caso sub iudice verificamos que os dois exames serológicos feito ao Réu deram resultados maximamente concludentes, sendo que o último atingiu o máximo da escala, uma probabilidade de paternidade que se cifra 99,99999%, que corresponde a “uma paternidade praticamente provada”. Não conseguiu o Réu apelante provar minimamente os factos impeditivos do direito do Autor que alegara e que neste caso se traduziriam na sua impotência e esterilidade em consequência de um acidente sofrido, sendo certo que a serem verdadeiros tais factos, com facilidade os teria podido comprovar, desde logo através de documentação médica existente acompanhada de perícia médico-legal. Ora sendo assim, os factos dados como provados pelo conhecimento das testemunhas são congruentes com o exame serológico para o estabelecimento da paternidade. Tendo em consideração o elevadíssimo índice de segurança conferido pelo exame serológico e cuja credibilidade não foi abalada por qualquer facto e, bem assim, o mecanismo da procriação supra-exposto, bem se compreende que se dispense a prova da exclusividade das relações de sexo no período legal da concepção, facto que na ausência dos actuais conhecimentos científicos, foi durante muito tempo essencial à imputação da paternidade a um dado progenitor mas que agora a Jurisprudência naturalmente dispensa (Cfr. Acs. desta Relação de de 19-03-2002 (R. 3503/01) in Col. de Jur., 2002, 2, 11. Da Rel. de Évora de 01-06-2000 (R. 562/2000) in Bol. do Min. da Just., 498, 287 e de 17-02-2000 (R. 1099/99).) .
Por outro lado, indiciando-se um relacionamento sexual com a mãe no período legal da concepção, sempre seria possível lançar mão do disposto no artigo 1 871º nº 1 alínea e) do Código Civil, presumindo-se por tal facto a paternidade. Este simples facto seria o bastante, se outros não existissem, para o estabelecimento da paternidade, já que em nenhum momento surge qualquer dúvida sobre a paternidade do investigado ora Réu (Prescindimos assim aqui, porque desnecessárias de considerações sobre a aplicação no tempo da alínea e) do nº 1 do artigo 1 871º do Código Civil..)
Em consequência dos factos provados já se vê que também foi correcta a condenação do Réu na primeira instância como litigante de má-fé. Na verdade o mesmo negou a ausência de relações de sexo com a mãe do menor, que sabia ter mantido, e veio invocar uma situação de incapacidade de procriar, que bem sabia não corresponder à verdade. Assim, preencheu dolosamente a previsão das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 456º do Código de Processo Civil, bem se justificando pois a condenação em 8UC de que foi alvo. Uma acção judicial mobiliza tempo e meios técnicos onerosos que, quando não têm justificação válida, para além de sobrecarregarem o erário público, protelam a apreciação de outras por parte dos tribunais encarregados de as analisar. Compreende-se pois que tais comportamentos sejam sancionados.
Nesta conformidade a apelação improcederá in toto, o que dita a confirmação da sentença.
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3. DECISÃO.

Pelo exposto decide-se o seguinte:
Julga-se a apelação improcedente confirmando-se assim a sentença apelada.
Custas pelo apelante.