Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | HÉLDER ROQUE | ||
Descritores: | CASO JULGADO APENSAÇÃO EXECUÇÃO INSOLVÊNCIA | ||
Data do Acordão: | 07/15/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | ALVAIÁZERE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 497, NºS 1 E 2 E 498º, Nº 1, E 201.º, N.º 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ; ARTIGO 85º E 140.º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE) | ||
Sumário: | 1. Nos limites objectivos do caso julgado e da autoridade que deste dimana estão abrangidas as questões preliminares que constituam um antecedente lógico necessário da parte dispositiva da decisão, pelo que só constitui caso julgado a resposta dada à pretensão concretizada no pedido, veiculada através da causa de pedir subjacente. 2. Ao carácter obrigatório da apensação, que acontece nos processos em que se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente, contrapõe-se a sua natureza facultativa, nas acções executivas em que o insolvente seja parte, sozinho ou com terceiros, mas onde não haja apreensão de bens daquele, dependendo, então, a apensação de requerimento do administrador da insolvência. 3. A omissão da apensação da execução ao processo de insolvência, judicialmente, ordenada, determina uma nulidade processual secundária que, por seu turno, desencadeia a anulação de todos os termos do processo subsequentes à sentença declaratória da insolvência, que daquela dependam, em absoluto. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: A....sociedade por quotas, com sede em Cabaços, Pussos, Alvaiázere, interpôs recurso de agravo da decisão que indeferiu a requerida nulidade do processo, a partir da sentença, a fim de que o Exº Administrador seja notificado no sentido de incluir o crédito da recorrente no passivo da falida “B....terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outra que anule todo o processado, após a sentença de declaração de insolvência, e ordene a apensação do processo invocado aos autos, determinando-se a relacionação do crédito da reclamante no passivo da requerida, e, para o efeito, se convoque nova Assembleia de Credores, formulando as seguintes conclusões: 1ª – Nos termos do artigo 85º, nº 2, do CIRE a execução nº 27/98 deste tribunal, onde existiam bens penhorados da falida não foi apensa ao processo de falência, execução onde a recorrente pedia o pagamento da importância de €8625,04, razão pela qual o Exº Sr. Administrador não reconheceu a existência deste crédito sobre a falida como se impunha, no seu relatório inicial a ser submetido a Assembleia de Credores. 2ª - A recorrente jamais foi notificada para qualquer acto deste processo de falência (artigo 205º do CPC). 3ª – Daí que o douto despacho impugnado tenha violado manifestamente o disposto nos artigos 201º, 202º e 205º do CPC e 85º do CIRE. Nas suas contra-alegações, o Exº Procurador-Adjunto sustenta que o despacho recorrido não viola qualquer preceito legal, devendo ser mantido, assim se negando provimento ao recurso apresentado. O Exº Juiz sustentou a decisão questionada, por entender não ter causado qualquer agravo ao recorrente. Este Tribunal da Relação considera que importa reter, com interesse relevante para a decisão do mérito do agravo, a seguinte tramitação processual: 1 – Na execução ordinária, para pagamento de quantia certa, com o nº 27/98, em que é exequente A…. e executada B…., para pagamento da quantia de 1729166$00, instaurada a 18 de Abril de 1998, que corre no Tribunal Judicial da Comarca de Alvaiázere, foi determinada a penhora do prédio urbano constituído por “lote de terreno para construção urbana, sito na Rua D. Afonso Henriques, Lote nº 1, freguesia da Atalaia, concelho de Vila Nova da Barquinha, inscrito na matriz sob o artigo nº 2181 e registado na Conservatória respectiva, sob o nº 01307”, tendo sido lavrado o respectivo termo de penhora, em 14 de Outubro de 1999 – Documento de folhas 31 e seguintes. 2 – A execução, aludida em 1, foi suspensa, por decisão datada de 17 de Maio de 2006, tendo a agravante reclamado o seu crédito, nos termos do disposto pelo artigo 871º, nºs 1 e 2, do CPC, na execução ordinária com o nº39/99, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca do Entroncamento, onde se encontra o apenso da respectiva reclamação, na qual foi declarada suspensa a execução, por impossibilidade legal do seu prosseguimento, no que respeita à executada B…., em conformidade com o disposto pelo artigo 88º, nº 1, do CIRE – Documento de folhas 31 e seguintes, citado. 3 – A recorrente foi notificada da decisão, aludida em 2, no dia 15 de Setembro de 2006 – Documento de folhas 31 e seguintes, citado. 4 – Na sentença de verificação, reconhecimento e graduação de créditos, datada de 7 de Dezembro de 2006, em consequência da declaração de insolvência de B….”, apenas foram considerados os créditos reclamados pelo “C....”, a “D....”, e o Estado, mas não o da recorrente “A…..” – Documento de folhas 31 e seguintes, citado. 5 - Por sentença, datada de 5 de Abril de 2006, na sequência do pedido formulado pelo “C....”, foi declarada a insolvência de “B….”, e declaradas suspensas as execuções instauradas contra esta, tendo-se solicitado, desde logo, a remessa para apensação dos processos executivos pendentes, nos quais exista penhora sobre os bens da requerida - Documento de folhas 31 e seguintes, citado. *
Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir. Estipula o artigo 85º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), no seu nº 1, que “declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”, preceituando o respectivo nº 2 que “o juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente”. Efectivamente, o processo de insolvência é um processo de execução universal ou de liquidação em benefício dos credores, que tem como finalidade, definida pelo artigo 1º, do CIRE, “…a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”. Trata-se da consagração do princípio da plenitude da instância insolvimentar ou da universalidade do procedimento insolvimentar, no qual, sem consideração pela garantia da penhora, é feita uma graduação geral para os bens da massa insolvente, apenas se respeitando os direitos reais de garantia e os privilégios creditórios, objecto de uma graduação especial, por força do disposto no artigo 140º, nºs 1 e 2, do CIRE, onde terão de estar presentes todos os elementos, activos e passivos, da massa, de modo a que, sem prejuízo da ideia de celeridade que comanda o instituto, não se permita que liquidações parciais e antecipadas sejam susceptíveis de comprometer ou defraudar os interesses dos credores[1]. Assim sendo, encontrando-se em curso, ao tempo da declaração da insolvência, acções em que o insolvente seja parte e onde tenham sido apreendidos os seus bens, serão as mesmas, necessariamente, apensadas ao processo de insolvência. Efectivamente, um dos efeitos processuais da declaração de insolvência consiste na apensação das acções relacionadas com a massa insolvente, mas que não ocorre, automaticamente, porquanto depende, em princípio, de requerimento do administrador da insolvência com esse propósito[2]. Devendo, por via de regra, a apensação das acções ser requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na sua conveniência para os fins do processo, tal não obsta, antes pelo contrário, ao poder-dever do Juiz de, para este fim, nos termos do estipulado pelo nº 2, do artigo 85º, do CIRE, citado, requisitar “…ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente”. Quer isto dizer que, ao carácter obrigatório da apensação, que acontece nos processos em que se “tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente”, contrapõe-se a sua natureza facultativa, nas acções executivas em que o insolvente seja parte, sozinho ou com terceiros, mas onde não haja apreensão de bens daquele, dependendo, então, a apensação de requerimento do administrador da insolvência, muito embora, em caso algum, as execuções possam prosseguir contra o insolvente, mas, tão-só, contra terceiros. Retomando o caso em análise, importa não esquecer que o Exº Juiz do processo, aquando da prolação da sentença que decretou a insolvência de “Construbispos–Construção Civil e Obras Públicas, Ldª”, declarou ainda suspensas as execuções instauradas contra esta, tendo solicitado, desde logo, a remessa para apensação dos processos executivos pendentes, nos quais exista penhora sobre os bens da requerida. Ora, existindo penhora sobre os bens da requerida, na acção executiva contra esta instaurada pela recorrente A....resta concluir, muito, singelamente, que urgia observar essa determinação judicial. E, não tendo sido cumprido, oportunamente, esse passo da sentença, com manifesta repercussão negativa para a situação e interesses patrimoniais da agravante, omitiu-se um acto que a lei prescreve, ou seja, a apensação ao processo de insolvência, susceptível de influir, como, efectivamente, acontece, na correcta decisão da causa, determinante da nulidade processual, a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do CPC. Trata-se, porém, de uma nulidade secundária, cujo prazo de arguição, considerando que a agravante não estava presente, por si ou por intermédio de mandatário, no momento em que foi cometida, deveria ser accionado, a partir do dia em que, depois de cometida, interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas, neste último caso, só quando deva presumir-se que, então, tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência. Tendo-se provado que a recorrente jamais foi notificada para qualquer acto do presente processo, arguiu, tempestivamente, a nulidade em causa, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 201, nº 1, 203º, nº 1 e 205º, nº 1, todos do CPC. Como assim, verificou-se a nulidade decorrente da omissão da apensação da execução ordinária, para pagamento de quantia certa, com o nº 27/98, ao presente processo de insolvência, que determina a anulação de todos os termos subsequentes à sentença declaratória da insolvência, que daquela dependam, em absoluto, em conformidade com o estipulado pelo artigo 201º, nº 2, do CPC.
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CONCLUSÕES:
I - Nos limites objectivos do caso julgado e da autoridade que deste dimana estão abrangidas as questões preliminares que constituam um antecedente lógico necessário da parte dispositiva da decisão, pelo que só constitui caso julgado a resposta dada à pretensão concretizada no pedido, veiculada através da causa de pedir subjacente. II - Ao carácter obrigatório da apensação, que acontece nos processos em que se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente, contrapõe-se a sua natureza facultativa, nas acções executivas em que o insolvente seja parte, sozinho ou com terceiros, mas onde não haja apreensão de bens daquele, dependendo, então, a apensação de requerimento do administrador da insolvência. III – A omissão da apensação da execução ao processo de insolvência, judicialmente, ordenada, determina uma nulidade processual secundária que, por seu turno, desencadeia a anulação de todos os termos do processo subsequentes à sentença declaratória da insolvência, que daquela dependam, em absoluto.
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DECISÃO:
Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar provido o agravo e, em consequência, revogam a decisão recorrida, determinando a anulação de todos os termos processuais subsequentes à sentença declaratória da insolvência, que daquela dependam, em absoluto, devendo o Exº Juiz determinar o imediato prosseguimento da demais tramitação processual que entender pertinente.
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Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público, nos termos do preceituado pelo artigo 2º, nº 1, a), do Código das Custas Judiciais.
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