Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2004/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. OLIVEIRA MENDES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO - PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DA COIMA - PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 07/07/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO ORDINÁRIO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 50º-A, N.º1, DO DL433/82, DE 27 DE OUTUBRO
Sumário: O instituto do pagamento voluntário da coima tem por requisitos:
a) O valor da coima aplicável à contra-ordenação cometida, sendo que aquele terá de ser não superior a €1.870,49 e €22.445, 90, consoante o agente seja pessoa singular ou pessoa colectiva;
b) O prazo ou temporalidade do pagamento, sendo que este terá de ser efectuado antes da decisão final prevista no artigo 58º, do DL 433/82, isto é, antes da decisão da autoridade administrativa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.
Na sequência de auto de notícia levantado contra a A..., com sede na B..., foi proferida decisão pela Autoridade da Concorrência que condenou a arguida pela prática de cinco contra-ordenações previstas no artigo 3º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro (venda com prejuízo), na coima de € 12.500 por cada uma delas, sendo que nos termos do artigo 19º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (redacção dada pelo DL 244/95, de 14 de Setembro), foi aplicada a coima conjunta de € 29.928.
Interposto recurso de impugnação judicial pela arguida, no qual pugnou pela sua absolvição e arquivamento dos autos, admitido o mesmo e designado dia para julgamento, certo é que no início da respectiva audiência foi requerido o seguinte pela arguida:
«Vem a recorrente acusada da prática de 5 infracções. Todavia no presente caso foi cometido efectivamente uma única infracção, estando reunidos os pressupostos com concurso aparente de infracções. A arguida requer assim nos termos do art.50º-A do DL 433/82, de 27/10 o pagamento voluntário da coima a fixar necessariamente no montante mínimo de 2.500 euros pela comissão da infracção singular».
Em face do requerido foi decidido, por despacho oral exarado em acta, o seguinte:
«Conforme se refere no requerimento supra julga-se que, analisados os factos imputados pela autoridade administrativa ao ora recorrente, é claro que tais factos consubstanciarão a prática de apenas uma contra-ordenação p. e p. pelo art.º 3º e 5º 2-A do DL 370/93, dado que consideramos ter havido apenas uma resolução delituosa consubstanciada na colocação à venda ao público de produtos por preço inferior da compra efectiva, não relevando em termos de intenção a quantidade de produtos efectivamente colocados à venda nestas condições.
Tal contra-ordenação é punível quando cometida por pessoa colectiva por coima de 2.493,99 euros a 14.063,94 euros, sendo que na decisão administrativa posta em crise foi aplicada à recorrente uma coima de 12.500 euros por cada uma das infracções que se entendeu terem sido promovidas.
Em termos de sanção aplicada encontra-se verificado o pressuposto resultante da conjugação do art.50º-A, n.º1, 17º, n.º 2 e 19º do DL 433/82, de 27/10.
Por outro lado entendemos que quando se refere na primeira das disposições citadas “mas sempre antes da decisão” terá que se entender que tal decisão abrange não só a decisão administrativa como a decisão judicial, tendo havido impugnação judicial, já que o requerimento efectuado consubstancia na sua essência a confissão da prática do ilícito não se vislumbrando motivo pelo qual não poderá o recorrente beneficiar do regime mais favorável resultante de tal disposição sendo certo que o fundamento do recurso poderia ser, exclusivamente, a não concordância com a qualificação jurídica efectuada pela autoridade administrativa.
Neste termos deferindo ao requerido e nos termos das disposições já citadas, decido aplicar à recorrente uma coima única no valor de 12.500 euros, correspondente a uma das coimas aplicadas pela autoridade administrativa considerando-se que é relevante na determinação concreta da coima a circunstância de terem sido vários os produtos colocados à venda.
Ou seja, se tal circunstância não releva para efeitos da prática de várias contra-ordenações, sempre se terá de considerar para efeito de aplicação da coima concreta pois será mais acentuada a ilicitude dos factos cometidos, não sendo de aplicar a coima pelo mínimo.
Na sequência deste despacho não se realizará a produção de prova.
Sem custas o recurso, atento o requerimento ora formulado ao qual foi dado provimento.
Notifique-se».
Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a arguida, sendo do seguinte teor a parte conclusiva da respectiva motivação:
1. Em função da caracterização do ilícito foi cometida uma única infracção prevista e punida pelos artigos 3º, 5º, 2, A) do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29/10.
2. A infracção é punível com a coima de 2.493,99 euros a 14.063,94 euros.
3. Do regime do artigo 50º-A, n.º 1, artigo 17º, n.º 2 e artigo 19º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, é admissível o pagamento voluntário da coima pelo montante mínimo.
4. A recorrente requereu o pagamento voluntário da coima pelo montante mínimo.
5. O Tribunal deferiu o requerimento para pagamento voluntário da coima.
6. Mas não aplicou a coima mínima de 2.493,99 euros, mas sim uma coima de 12.500 euros.
7. A sentença recorrida ao deferir o requerimento de pagamento voluntário da coima pelo montante mínimo, mas decidindo aplicar uma coima cujo valor não corresponde ao mínimo, violou o disposto no artigo 3º e artigos 5º, 2, A), do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29/1º.
8. A sentença recorrida ao aplicar a coima cujo valor não corresponde ao mínimo, violou o disposto nos artigos 3º, 5º, 2, A), do Decreto-Lei n.º 370/983, de 29/10 e os artigos 50º-A, n.º1, 17º, n.º 2 e 19º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10.
O recurso foi admitido.
Na contra-motivação apresentada o Digno Procurador Adjunto pugna pela improcedência do recurso, com integral confirmação da decisão impugnada.
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se pronuncia no sentido da anulação do despacho recorrido, por entender que o mesmo consubstancia uma alteração da qualificação jurídica dos factos objecto da acusação, com decisão do mérito da causa, o que só é legalmente admissível após a realização de audiência de discussão e julgamento, para além de que depois de proferida a decisão administrativa não pode haver lugar ao pagamento voluntário da coima a que se refere o artigo 50º-A, n.º 1, do DL 433/82, de 27 de Outubro, sendo que, em caso algum, tal pagamento poderia ter lugar já depois de iniciada a audiência de discussão e julgamento por força das disposições conjugadas dos artigos 66º daquele diploma e 10º, do DL 17/91, de 10 de Janeiro (diploma que regula o processamento das transgressões e contravenções).
Colhidos os vistos, cumpre agora decidir.
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O princípio geral em matéria processual segundo o qual a impugnação das decisões judiciais por via de recurso visa a modificação das mesmas e não a criação de decisões sobre matéria nova, estando o tribunal de recurso limitado nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido objecto ou devendo ter sido objecto de decisão no tribunal recorrido, sejam submetidas à sua apreciação, isto é, constituam objecto da impugnação, o qual em processo penal se define e delimita através das conclusões formuladas na motivação de recurso, é inaplicável em processo contra-ordenacional ex vi artigo 75º, n.º 2, alíneas a) e b), do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCC), preceito este que confere ao tribunal de recurso (Relação) a possibilidade de alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos seus termos e sentido, bem como a possibilidade de anular aquela e devolver o processo ao tribunal recorrido.
Daqui decorre que no caso vertente esta Relação não está limitada nos seus poderes de cognição pelo conteúdo da decisão recorrida nem pelo conteúdo das conclusões extraídas da motivação de recurso, pelo que poderá conhecer questões que não foram naquela apreciadas, para além de que poderá decidir questões já decididas pelo tribunal recorrido, em sentido diferente daquele em que foram decididas na decisão recorrida, independentemente de a questão da reapreciação lhe ter sido colocada pela recorrente, a significar que esta Relação poderá até conhecer de questões conhecidas na decisão recorrida com cuja solução a recorrente haja concordado ( - Cf. Simas Santos/Lopes de Sousa, Contra-Ordenações Anotações ao Regime Geral (2001), 420/421.).
Feitas estas breves considerações sobre os poderes de cognição deste tribunal, cumpre assinalar que o instituto do pagamento voluntário da coima previsto no artigo 50º-A, n.º1, do RGCC, como resulta do próprio texto, tem por requisitos:
a) O valor da coima aplicável à contra-ordenação cometida, sendo que aquele terá de ser não superior a € 1.870,49 e € 22.445,90, consoante o agente seja pessoa singular ou pessoa colectiva;
b) O prazo ou temporalidade do pagamento, sendo que este terá de ser efectuado antes da decisão final prevista no artigo 58º, isto é, da decisão da autoridade administrativa ( - Cf. o trabalho do relator do processo em parceria com Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (2ª edição-2004), 142/143 e Simas Santos/Lopes de Sousa, ibidem, 297/298.).
Com efeito e relativamente à temporalidade do pagamento, como se refere no citado trabalho, o pagamento voluntário prévio a qualquer decisão substancial é uma aquisição do nosso ordenamento jurídico justificada pela necessidade de evitar a situação contraditória de um pagamento voluntário pelo mínimo da coima em relação a uma situação que, pela prova feita, antes o justificaria pelo máximo.
E acrescentaremos agora que não teria qualquer sentido permitir o pagamento voluntário após a decisão da autoridade administrativa, pois que sendo o pagamento voluntário sempre liquidado pelo mínimo (parte final do n.º1 do artigo 50º-A), estar-se-ia a desacreditar e a desrespeitar aquela decisão, tornando-a absolutamente inútil sempre que condenasse o arguido em coima superior ao valor mínimo da mesma, consabido que nesses casos o arguido optaria, obviamente, pelo pagamento voluntário, a menos que ocorresse motivo para interposição de recurso de impugnação judicial susceptível de conduzir à absolvição.
No caso em apreciação verifica-se que o pagamento voluntário foi autorizado no início da audiência de julgamento a que se referem os artigos 64º, n.º1 e 66º, do RGCC, o que significa que a respectiva decisão é ilegal, por clara e frontal violação do artigo 50º-A, n.º1 daquele diploma legal.
Deste modo, ao abrigo do disposto no artigo 75º, n.º 2, alínea b), do RGCC, entende-se anular a decisão recorrida.
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Termos em que se acorda anular a decisão recorrida, indeferindo-se o pedido da arguida de pagamento voluntário da coima e ordenando-se se proceda à audiência de discussão e julgamento já iniciada.
Sem tributação.
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