Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
528/11.7TBNZR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: CASSAÇÃO DA LICENÇA DE CONDUÇÃO
Data do Acordão: 06/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA NAZARÉ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 148º E 169º, N.º 4, DO C. DA ESTRADA E 50º, DO REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES E COIMAS
Sumário: I - Não obstante a redacção do artigo 148º, do C. da Estrada, a inculcar a (falsa) ideia de, uma vez verificados os pressupostos previstos no n.º 1, ser organizado processo autónomo e, imediatamente, proferida decisão de cassação do título de condução pela autoridade administrativa, entende-se que, ultimada a “instrução” processual, e obviamente antes da prolação da decisão, é imprescindível a notificação do arguido, dando-lhe conhecimento de todos os elementos relevantes.
Posição como a sufragada na sentença recorrida, considerando que não se justifica tal notificação, por se tratar de uma norma de aplicação automática, viola o disposto no artigo 50º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, se devidamente adaptado à situação em causa, atenta flagrantemente contra os princípios estruturantes do direito contra-ordenacional e afecta os direitos de defesa do arguido, assegurados no artigo 32º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.

Assim, o arguido deve ser notificado para, nos referidos termos, apresentar a sua defesa.

II - Como decorre do elemento literal de interpretação, também suportado pela progressão histórica do referido artigo 148º, do C. da Estrada, a actual redacção do preceito não suscita qualquer dúvida sobre a inevitabilidade de aplicação da cassação do título de condução, uma vez verificados os pressupostos enunciados no n.º 1.

III - A norma que atribui a competência ao Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária para decidir sobre a verificação dos respectivos pressupostos e ordenar a cassação do título de condução - art.º 169º, n.º 4, do C. da Estrada - não é inconstitucional.

Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. A..., residente na Rua …, T..., impugnou a decisão proferida pelo Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que determinou a cassação do título de condução n.º C.º 468098, cujo titular é o arguido, pelo período de 2 anos - pela prática de quatro contra-ordenações, das quais três muito graves e uma grave -, nos termos do disposto nos artigos 169.º, n.º 4 e 148.º, n.º 2, ambos do Código da Estrada, no âmbito do processo autónomo 45/2011.
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2. Remetidos os autos ao Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da comarca da T..., este determinou o seu envio a juízo, tendo em vista a apreciação do recurso.
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3. Pela Mm.ª Juíza foi, então, proferido o despacho que consta de fls. 92/93, no qual designou dia para audiência de julgamento.
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4. Realizado este, por sentença de 7 de Fevereiro de 2012, foi julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido e, em consequência, mantida a decisão administrativa.
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5. Inconformado, o arguido interpôs recurso, tendo extraído da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
1.ª - A douta sentença confundiu a notificação ao recorrente com a própria decisão do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária considerando a verificação dos pressupostos do art. 58.º do RGCO na decisão quando apenas se encontram na notificação alguns desses pressupostos.
2.º - Deveria ter decidido que não se verificaram os pressupostos de fundamentação da decisão, senão do art. 374.º do C.P.P., pelo menos do art. 58.º do RGCO.
3.ª - A notificação entregue ao impugnante, não tem o mínimo de informação que lhe permita exercer o seu direito de defesa em toda a sua plenitude, não tendo qualquer número de processo, não indicando os factos nem a sanção nem o local, tempo e natureza da contra-ordenação, tendo apenas como referência os respectivos números.
4.ª - Não indica em concreto elementos suficientes para determinar a competência territorial do Tribunal.
5.ª - A douta sentença concluiu que o recorrente foi devidamente notificado, quando de facto se verificou a violação do art. 119.º do C.P.P., por falta de formulação correcta que lhe permitisse tomar posição sobre os factos imputados.
6.ª - A douta sentença conclui que a cassação de título de condução é de aplicação automática e sem necessidade de fundamentação ou audição prévia do arguido, interpretando erradamente o art. 148.º, n.º l, do C.E. e 50.º do RGCO.
7.ª - A douta sentença embora admita que a decisão da autoridade administrativa deve obedecer aos requisitos enunciados no art. 58.º do RGCO e não ao preceituado no art. 374.º do C.P.P., conclui erradamente que tal foi respeitado.
8.ª - A decisão não contém nenhum dos requisitos exigidos, mesmo que apenas fossem os do art. 58.º do diploma citado.
9.ª - A autoridade administrativa está sujeita aos mesmos deveres de fundamentação da decisão judicial que também aplica uma coima, o que não fez, primando por completa ausência de fundamentação o despacho proferido.
10.ª - A omissão de fundamentação da decisão administrativa deve ser equiparada à falta de fundamentação da sentença, e nessa medida terá de verificar-se a sua nulidade, aplicando-se o regime da nulidade da sentença a que se refere o art. 379.º, do Código de Processo Penal.
11.ª - O impugnante não foi constituído arguido em nenhuma fase processual, não podendo ser objecto de nenhuma medida de segurança.
12.ª - Apenas conheceu a natureza das transgressões invocadas em audiência de julgamento da impugnação judicial.
13.ª - Coarcta irremediavelmente o direito do impugnante ao não lhe permitir conhecer todos os factos que fundamentaram tal decisão de cassação, não podendo sequer arguir eventuais nulidades processuais ou materiais, ou invocar eventual prescrição, violando nomeadamente o art. 50.º do D.L. 433/82, de 27 de Outubro, onde mesmo para aplicação de coima ou sanção acessória impõe que seja facultado ao arguido a possibilidade de, em prazo razoável, se pronunciar sobre o processo e sobre as sanções em que incorre.
14.ª - Trata-se de uma decisão sustentada numa verdadeira acusação que não contém a narração, ainda que sintética, dos factos nem das disposições legais aplicáveis, violando o art. 283.º, n.º 3, als. b) e c) do C.P.P.
15.ª - Verifica-se a violação directa do estatuído constitucionalmente onde se assegura ao arguido os direitos de audiência e defesa nos processos de contra-ordenação, assim como em quaisquer processos sancionatórios, conforme o art. 32, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa, que aqui se invoca.
16.ª - A aplicação de uma medida de segurança, a cassação do título de condução, tem de ponderar, avaliar e ter em conta os factos em concreto, com valoração e avaliação do perigo efectivo ou abstracto que constituem, o que não se fez.
17.ª - Não foi ponderada na determinação da medida da pena, o grau de culpa do agente e das exigências da prevenção, conforme aliás determina o artigo 71.º, n.º l, do C.P., nem se existe fundado receio no caso concreto da prática de outros factos da mesma espécie ou se deve ser considerado inapto para a condução de veículo com motor, estabelecendo os critérios dos artigos 101.º e 102.º do C.P..
18.ª - A douta sentença interpreta de forma errada ao concluir que a decisão administrativa apenas tem de obedecer aos requisitos do art. 58.º do RGCO quando deveria exigir que a decisão deveria ser sustentada no preceituado no art. 374.º do C.P.P., devendo, por isso, ter considerado nulo todo o processo administrativo.
19.ª - As medidas de segurança são poderes atribuídos e inalienáveis dos Tribunais e tal medida só pode ser aplicada por decisão judicial.
20.ª - Verifica-se, assim, a violação das garantias constitucionais plasmadas no processo criminal e previstas no art. 32.º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente nas alíneas 3, 4, 5 ,7 e 10, cuja aplicação directa aqui se invoca.
21.ª - O que implica também a declaração de nulidade de todo o processo.
22.ª - A norma que atribui a competência ao Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária para decidir sobre a verificação dos respectivos pressupostos e ordenar a cassação do título de condução - art. 169, n.º 4, do Código da Estrada -, na redacção dada pelo D.L. n.º 113/2008 de l de Julho, é materialmente inconstitucional.
23.ª - São os Tribunais Judiciais, por força da competência constitucional atribuída e exclusiva, que podem apreciar tais pressupostos e aplicar tal medida de segurança, conforme estatuído no artigo 101.º,102.º e 103.º do Código Penal Português e artigos 27.º, n.º 2 e 202.º da Constituição da República Portuguesa.
24.ª - Ao atribuir tal competência ao presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, o artigo 169.º, n.º 4 do Código da Estrada, na redacção dada pelo D.L. n.º 113/2008, de 1 de Julho, está ferido de inconstitucionalidade material.
25.ª - A douta sentença deveria ter decidido pela não aplicação das normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
26.ª - O impugnante é pessoa de condução atenta, cuidadosa.
27.ª - O impugnante conduz normalmente, de forma a respeitar as normas estradais.
28.ª - Necessita da carta para se deslocar para o trabalho e para apoiar a sua família, nomeadamente o seu pai que padece de doença que obriga a vigilância permanente e assistência médica frequente.
29.ª - Percorre e já percorreu dezenas de quilómetros em vários tipos de estrada e em diferentes horários e circunstâncias de tráfego automóvel.
30.ª - Nunca esteve envolvido em qualquer acidente de viação.
31.ª - A sua condução é sempre pautada por extrema atenção e por uma condução defensiva.
32.ª - Só em situações extremas, esporádicas e inevitáveis tem uma prática diferente da ora alegada.
33.ª - Mesmo nestas situações pondera e pesa a situação de modo a optar pelo risco menor em face das circunstâncias.
34.ª - Tem necessidade de continuar a conduzir para poder assegurar a manutenção do seu posto de trabalho e a subsistência do seu agregado familiar.
35.ª - A simples ameaça da pena será mais que suficiente para o consciencializar da necessidade de circular dentro dos limites de velocidade legais bem como da necessidade de cumprir com as demais normas estradais.
36.ª - A douta sentença ora posta em crise considerou que, embora provados todos os factos alegados, não houve preterição do direito de defesa nem falta de fundamentação da decisão por não ser de aplicar ao caso o estatuído nos artigos 50.º e 58.º do RGCO, do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa, 71.º do C.P., art. 283.º, n.º 3, als. b) e c) do C.P.P., artigos 101.º e 102.º do C.P..
37.ª - Não considerou também que a norma que atribui a competência ao Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária para decidir sobre a verificação dos respectivos pressupostos e ordenar a cassação do título de condução ,- art. 169.º, n.º 4 do Código da Estrada - na redacção dada pelo D.L. n.º 113/2008, de l de Julho - é materialmente inconstitucional.
38.ª - A douta sentença interpretou de forma errada tais preceitos impondo-se, dados os factos provados, uma aplicação das normas citadas no sentido de anular o processo e a decisão administrativa.
39.ª - Pelo que deve alterar-se a decisão ora recorrida e ser declarado nulo e de nenhum efeito o processo que sustentou a decisão de aplicar a cassação do título de condução n.º C-468098 de que é titular o impugnante, por desrespeito aos pressupostos estabelecidos tanto na lei processual penal com na Constituição da República Portuguesa ou declarada nula e de nenhum efeito a decisão de cassação do título referido, proferida pelo Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, por omissão de fundamentação da decisão, ou declarada nula e de nenhum efeito por tal decisão ser tomada na sequência de poderes conferidos em violação frontal da Constituição, por sustentada em norma materialmente inconstitucional ao conferir poderes reservados constitucionalmente aos Tribunais Judiciais, ou substituir-se tal medida de cassação por uma outra menos gravosa e suspensa na sua execução.
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6. O Ministério Público respondeu ao recurso, conclusivamente nos termos infra transcritos:
1. Decidiu-se julgar o recurso interposto totalmente improcedente, por não provado e, em consequência, manteve-se a decisão recorrida que determinou a cassação do título de condução n.º C.º 468098 titulada pelo arguido, no âmbito do processo autónomo 45/2011, pelo período de 2 anos, pela prática de quatro contra-ordenações, das quais três muito graves e uma grave, nos termos do disposto nos artigos 169.º, n.º 4 e 48.º, n.º 2 ambos do Código da Estrada.
2. No processo de cassação da carta de condução, o que o legislador pretende é que seja dado conhecimento ao arguido de que corre um processo contra si, dando-lhe a possibilidade de se pronunciar sobre a contra-ordenação.
3. Não resulta dos citados preceitos legais que, ao ser notificado, o arguido tem de ser informado dos seus direitos e garantias processuais.
4. Sendo dada ao arguido a possibilidade de se pronunciar sobre os factos que lhe são imputadas, está-se a garantir e a assegurar o seu direito de defesa.
5. O que está em causa com o normativo do art. 148.º, n.º l, do C. Estrada não é uma nova punição pela prática de contra-ordenações, mas sim, o sancionamento pela prática reiterada de contra-ordenações.
6. São, pois, pressupostos da decisão de cassação do título de cassação:
- a prática de três contra-ordenações muito graves ou de cinco contra-ordenações entre graves ou muito graves num período de cinco anos; e que
- as contra-ordenações sejam definitivas.
7. Tratando-se, pois, de norma de aplicação automática, desde que verificados os respectivos pressupostos, ao arguido apenas deveria ser notificada a decisão final do processo autónomo de verificação dos pressupostos para a cassação e da possibilidade de impugnação para os tribunais judiciais o que foi feito.
8. Não houve pois qualquer violação do direito de defesa do arguido.
9. Na notificação efectuada ao arguido, a autoridade administrativa refere as normas legais em que se baseia tal decisão, devendo obedecer aos requisitos enunciados no art. 58.º do RGCO e não ao preceituado no art. 374.º do Código de Processo Penal relativo aos requisitos de uma sentença.
10. Os factos constantes de cada um dos processos de contra-ordenação já eram do conhecimento do arguido, a decisão administrativa não enferma de qualquer nulidade, nem se encontram feridos os direitos de defesa do arguido.
11. A competência exclusiva para determinar a cassação do titulo de condução, nos termos do artigo 169.º, n.º 4 do CE, é do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, face às alterações entretanto ocorridas pelo Decreto-Lei n.º 203/2006, de 27 de Outubro, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério da Administração Interna.
12. O Decreto-Lei 113/2008, de 01 de Julho, refere no seu preâmbulo que “(...) aproveita-se a oportunidade para clarificar a redacção do artigo 148.º, relativo à cassação do titulo de condução, alterando-se os pressupostos da sua aplicação e estabelecendo que a decisão de cassação é impugnável judicialmente nos termos do processo de contra -ordenação”.
13. O referido Decreto-Lei foi decretado no uso da Lei de Autorização Legislativa n.º l7/2008, de 17 de Abril, a qual prescreve no seu artigo 2.º que “A presente lei de autorização legislativa é concedida para permitir agilizar o procedimento contra-ordenacional das infracções rodoviárias, aproveitando os meios que as novas tecnologias disponibilizam, em ordem a diminuir o hiato entre a prática da infracção e a decisão administrativa, sem alterar as garantias de defesa do arguido, retirando da possibilidade da conclusão do processo num curto espaço de tempo repercussões positivas em termos de segurança rodoviária.
14. A cassação do título de condução não está condicionada à verificação das circunstâncias previstas no artigo 71.º do Código Penal.
15. A atribuição da competência ao Presidente da ANSR para aplicação da cassação do título de condução, nos termos do artigo 169.º, n.º 4 do CE, não está ferida de inconstitucionalidade material, por violação do disposto no artigo 27.º, n.º 2 e 202.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, pese embora tratar-se de uma medida de segurança, não está em causa a privação da liberdade.
Concluindo, dir-se-á que se nos afigura que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, que não viola nem posterga qualquer princípio ou norma jurídica, nomeadamente as invocadas pelo arguido/recorrente.
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7. Nesta Relação, em parecer a fls. 155/156, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, louvando-se na resposta do Ministério Público na 1.ª instância, pugna, de igual modo, pela improcedência do recurso.
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8. Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.
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9. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo submetido a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II. Fundamentação:
1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
A interposição e regime de recurso, para o Tribunal de Relação, de decisões proferidas em 1.ª Instância, em processo de contra-ordenação, deve observar as regras específicas referidas nos arts. 73.º a 75.º do DL 433/82, de 27-10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14-09 e pela Lei n.º 109/2001, de 24-12 (Regime Jurídico das Contra-Ordenações, doravante apenas designado por RGCO), seguindo, em tudo o mais, a tramitação do “recurso em processo penal (art. 74.º, n.º 4), em função do princípio da subsidiariedade genericamente enunciada no art. 41.º, n.º 1 do citado diploma.
Por outro lado, como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP e 41.º, n.º 1 do RGCO).
Vistas as conclusões da motivação do recurso, as questões de que cumpre conhecer circunscrevem-se ao seguinte quadro:
A) Se a decisão administrativa é nula, por ter sido preterido o direito de defesa do arguido, consagrado no artigo 50.º do RGCO;
B) Se a decisão do Sr. Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) que determinou a cassação da carta de condução n.º … , de que é titular o arguido, é nula, por preterição do dever de fundamentação exigido pelo artigo 58.º do RGCO;
C) Se essa decisão violou o disposto no artigo 283.º, n.º 3, als. b) e c), do CPP, por se fundar numa verdadeira acusação que não contém, ainda que de forma sintética, os factos nem as disposições legais aplicáveis;
D) Se se verificou a violação do artigo 119.º do Código de Processo Penal, por o arguido não ter sido notificado de todos os factos que fundamentam a decisão de cassação;
E) Se se verifica a violação directa do artigo n.º 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa;
F) No caso, se a cassação do título de condução do ora recorrente exigia a ponderação dos pressupostos referidos pelos artigos 71.º, n.º 1, 101.º e 102.º, todos do Código Penal;
G) Se a cassação do título de condução do arguido, como medida de segurança que é, apenas pode ser determinada por decisão judicial, sob pena de violação das garantias constitucionais plasmadas no processo criminal e previstas no artigo 32.º da CRP, nomeadamente nas n.ºs 3, 4, 5, 7 e 10;
H) Se a norma que atribui competência ao Presidente da ANSR para decidir sobre a verificação dos respectivos pressupostos e ordenar a cassação do título de condução - artigo 169.º, n.º 4, do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 113/2008, de 1 de Julho -, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 27.º, n.º 2 e 202.º da CRP;
I) Se a medida de cassação deve ser substituída por outra menos gravosa e suspensa na sua execução.
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2. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1. A... é titular de carta de condução desde 10.07.1991, com o n.º C-468098, que o habilita a conduzir as categorias de automóveis ligeiros (B e B1) e motociclos (AP, AL e A1), tendo sido condenado nos seguintes processos de contra-ordenação:
- Por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, de 09 de Março de 2010, definitiva, proferida nos autos de contra-ordenação n.º 267098073 foi o arguido condenado, pela prática de uma contra-ordenação muito grave nos termos conjugados dos artigos 27.º, n.º 1, 138.º e 146.º, alínea i) do CE, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias, porquanto no dia 10/07/2009, pelas 17h.19m, na A8 Km 89,400, em Vale de ..., comarca de U..., conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula … , circulava pelo menos à velocidade de 203 Km, correspondente à velocidade registada de 214Km/h, deduzido o valor de erro máximo admissível, sendo a velocidade máxima permitida no local de 120Km/h;
- Por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, de 16 de Junho de 2010, definitiva, proferida nos autos de contra-ordenação n.º 376229268 foi o arguido condenado, pela prática de uma contra-ordenação muito grave nos termos conjugados dos artigos 60.º, n.º 1, do Regulamento de Sinalização de Trânsito – Dec.Reg. 22-A/98, de 1 de Outubro, e arts. 138.º e 146.º, alínea o) do CE, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias, porquanto no dia 07/01/2009, pelas 00h.35m, na EN 242 Km 34.2, T..., comarca de T..., conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula 18-GP-18, pisou e transpôs a linha longitudinal contínua, marca M1, separadora dos sentidos de trânsito;
- Por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, de 14 de Junho de 2010, definitiva, proferida nos autos de contra-ordenação n.º 268042586 foi o arguido condenado, pela prática de uma contra-ordenação muito grave nos termos conjugados dos artigos 27.º, n.º 1, 138.º e 146.º, alínea i) do CE, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 90 dias, porquanto no dia 30/11/2009, pelas 08h.50m, na EN 8-5, Km 6.500, Valado dos Frades, T..., comarca de T..., conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula … , circulava pelo menos à velocidade de 92Km/h, correspondente à velocidade registada de 97Km/h, deduzido o valor do erro máximo admissível, sendo a velocidade máxima permitida no local de 50Km/h;
- Por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, de 13 de Setembro de 2010, definitiva, proferida nos autos de contra-ordenação n.º 379351196 foi o arguido condenado, pela prática de uma contra-ordenação grave nos termos conjugados dos artigos 49.º, n.º 1, 136.º e 145.º, alínea p) do CE, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 75 dias, porquanto no dia 27/07/2009, pelas 12h.18m, na Avenida Dr. João Lameiras de Figueiredo, junto à Rotunda, comarca de U..., conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula … , estacionou o referido veículo em passagem assinalada para a travessia de peões;
2. O arguido foi notificado do teor dos autos de contra-ordenação mencionados em 1).
3. As decisões administrativas mencionadas em 1) tornaram-se definitivas, uma vez que não foram impugnadas judicialmente, em 26 de Maio de 2010, 26 de Agosto de 2010, 11 de Outubro de 2010 e 09 de Dezembro de 2010, respectivamente.
4. O arguido pagou voluntariamente as coimas que lhe foram aplicadas no âmbito dos processos de contra-ordenação mencionados em 1) e cumpriu pelo menos três das sanções acessórias de inibição de conduzir que lhe foram aplicadas.
5. O arguido é fiscal municipal na Câmara Municipal de U..., auferindo mensalmente a quantia de 703,00€.
6. É solteiro e reside com os pais em casa própria destes;
7. Despende mensalmente a quantia de 1.000,00€ para pagamento de empréstimo contraído para aquisição de veículo;
8. Recebe ainda mensalmente a quantia de 1.000,00€ a título de renda pela cessão de exploração de um estabelecimento comercial de que era proprietário.
9. Necessita de utilizar o veículo nas deslocações para o trabalho.
10. É considerado como um condutor respeitador das regras estradais.
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3. Não existindo factos não provados, quanto à motivação da decisão de facto ficou consignado na sentença:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica da prova documental junta aos autos bem como da prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com as regras da experiência comum.
Assim, para prova dos factos vertidos nos pontos 1) a 4) o Tribunal baseou a sua convicção nos documentos constantes do processo n.º 45/2011, relativo à cassação do título de condução n.º C-468098 de fls. 1 a 90.
No que respeita às suas condições pessoais e económicas o Tribunal baseou a sua convicção nas declarações do arguido prestadas em sede de audiência de julgamento, as quais não foram contraditadas por qualquer outro meio de prova, e ainda no teor do depoimento da testemunha … , mãe do arguido, a qual de forma isenta e credível, referiu que o arguido é pessoa respeitadora das normas estradais quando conduz e ainda que o mesmo necessita de utilizar o veículo automóvel nas suas deslocações para o trabalho.
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4. Mérito do recurso:
O recorrente invoca que foi desrespeitado o seu direito de defesa prévia porquanto não foi notificado, para esse efeito, no âmbito do processo autónomo organizado, nos termos do disposto no artigo 148.º, n.º 2, do Código da Estrada (redacção do DL 113/08, de 01-07, para verificação dos pressupostos da cassação do seu título de condução.
E, na verdade, essa notificação não ocorreu.
Prescreve o art. 32.º, n.º 10 da Constituição que «nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa».
Em consonância, diz-nos o art. 50.º do RGCO:
«Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre».
Proíbe, pois, o nosso sistema jurídico, a aplicação de qualquer tipo de sanção sem que ao arguido seja garantida uma das exigências fundamentais do Estado de Direito material: o direito de defesa, na dupla vertente, de facto e de direito.
O ponto de vista que ao direito importa é a referência dos acontecimentos às normas jurídicas, e ao processo, tanto processual penal como contra-ordenacional, os comportamentos humanos que por lei são declarados passíveis de sancionamento.
Neste sentido, o direito de defesa tem de ser configurado também em função da consequência jurídica decorrente do concreto substracto factológico imputado ao arguido.
No específico contexto em que nos situamos, discreteou a julgadora do tribunal de 1.ª instância:
«Na verdade o que está em causa com o normativo do art. 148.º, n.º 1, do C. Estrada não é uma nova punição pela prática de contra-ordenações, mas pelo contrário, constitui o sancionamento pela prática reiterada de contra-ordenações (sejam elas quais forem).
Segundo o n.º 4 do referido preceito “A decisão de cassação do título de condução é impugnável para os tribunais judiciais nos termos do regime geral das contra-ordenações.”
Salvo o devido respeito, entendemos que no caso em apreço não ocorreu violação do artigo 50.º do RGCO, uma vez que tratando-se de norma de aplicação automática, desde que verificados os respectivos pressupostos, ao arguido apenas deveria ser notificada a decisão final do processo autónomo de verificação dos pressupostos para a cassação, e da possibilidade de impugnação para os tribunais judiciais o que foi feito.
Não ocorre, assim, qualquer nulidade por preterição do direito de defesa do recorrente».
Não concordamos com semelhante argumentação.
Eis as razões.
Dispõe o artigo 148.º do Código da Estrada:
«1 - A prática de três contra-ordenações muito graves ou de cinco contra-ordenações entre graves ou muito graves num período de cinco anos tem como efeito necessário a cassação do título de condução do infractor.
2 - A cassação do título a que se refere o número anterior é ordenada logo que as condenações pelas contra-ordenações sejam definitivas, organizando-se processo autónomo para verificação dos pressupostos da cassação.
3 - A quem tenha sido cassado o título de condução não é concedido novo título de condução de veículos a motor de qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efectivação da cassação.
4 - A efectivação da cassação do título de condução ocorre com a notificação da cassação.
5 - A decisão de cassação do título de condução é impugnável para os tribunais judiciais nos termos do regime geral das contra-ordenações».
Não obstante a redacção do preceito legal ora citado, a inculcar a (falsa) ideia de, uma vez verificados os pressupostos previstos no n.º 1, ser organizado processo autónomo e, imediatamente, proferida decisão de cassação do título de condução pela autoridade administrativa, afigura-se-nos que, ultimada a “instrução” processual, e obviamente antes da prolação da decisão, é imprescindível a notificação do arguido, dando-lhe conhecimento de todos os elementos relevantes.
Posição como a sufragada na sentença recorrida viola o disposto no artigo 50.º do RGCO, se devidamente adaptado à situação específica dos autos, atenta flagrantemente contra os princípios estruturantes do direito contra-ordenacional e afecta os direitos de defesa do arguido, assegurados no artigo 32.º, n.º 10, da CRP.
Assim, no caso concreto dos autos, o arguido deveria ter sido notificado para, nos referidos termos, apresentar a sua defesa.
E que vício se verifica?
Neste contexto, esclarece o “Assento” n.º 1/2003, publicado no Diário da República de 25 de Janeiro de 2003, Série I – A:
«Sendo proibida a aplicação de uma coima sem prévia (“possibilidade de”) audição do arguido, surge a questão de saber qual o vício (e a respectiva sanção) da decisão administrativa que aplique uma coima a quem previamente não tiver sido assegurada «a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação […] e […] a sanção […]”.
Mas, antes de a abordar, haverá que tomar em consideração a configuração bifronte, qual cabeça de Janus, da decisão administrativa que, aplicando uma coima, põe termo à instrução contra-ordenacional: virada a montante, a fronte que, condenando, abrirá lugar - se não impugnada - à execução da coima (artigos 88.º a 91.º do regime geral das contra-ordenações) e, voltada a jusante, a que, acusando, abrirá lugar - se impugnada - à “comprovação judicial da decisão de deduzir acusação”, ou seja, à “impugnação judicial” (artigos 59.º e ss.)
Mas, consolidando-se, se não impugnada, como “condenação”, qual o efeito na exequibilidade desta de tal vício?
(…).
Se bem que constitua “nulidade insanável” (artigo 119.º) “a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência” [alínea c)], essa “ausência” tem a ver - dela sendo o seu reverso - com o “direito processual do arguido” (artigo 61.º, n.º 1), de “estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito” [alínea a)] e de ser “assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar” [alínea e)] e não com a eventual preterição de outros “direitos processuais do arguido” como os de “ser ouvido [alínea b)] e de “intervir no inquérito” [alínea f)] (…).
Alfredo José de Sousa diz mesmo “não haver no processo de contra-ordenação nulidades insanáveis” (Infracções Fiscais não Aduaneiras, Almedina, p. 167).
Em síntese: a nulidade (insanável) por “falta do arguido, nos casos em que a lei exigir a sua comparência”, restringe-se, no processo penal, aos casos em que, obrigando a lei à presença/comparência do arguido em certos actos processuais, v. g., na audiência de julgamento (artigo 332.º do CPP) e no debate instrutório (artigo 300.º) esses actos venham a ser praticados sem a sua presença.
De qualquer modo, a eventual preterição, no decurso da instrução contra-ordenacional, do “direito (processual) de audição” garantido pelo artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações haveria de ficar “sanada” - por força do disposto no artigo 121.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal - se o arguido viesse a prevalecer-se, na impugnação judicial da “acusação” administrativa, do direito (de defesa) “a cujo exercício o acto anulável se dirigia”.
Com efeito, não faria sentido (e seria, mesmo, processualmente antieconómico) anular a “acusação” (a não ser que a impugnação se limitasse a arguir a correspondente nulidade) se o “participante processual interessado” aproveitasse a impugnação (da “decisão administrativa” assim volvida “acusação”) para exercer - dele enfim se prevalecendo - o preterido direito de defesa, em ordem (cfr. artigo 286.º, n.º 1) à “comprovação judicial” (negativa) da “decisão de deduzir acusação”.
Se - em caso de impugnação judicial da decisão administrativa - constitui nulidade (sanável) a omissão (absoluta) da audição do arguido na instrução contra-ordenacional, a deficiente satisfação, por parte da administração, desse direito do arguido (nomeadamente, em caso de audiência escrita, por a notificação do interessado “para dizer o que se lhe oferecer” não lhe conceder um “prazo razoável” ou não lhe “fornecer os elementos necessários para que fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito”), também não poderá constituir - mesmo que se equipare essa “notificação” à “acusação” que, em processo penal, necessariamente precede a “decisão condenatória” - um vício formal mais gravoso que a “nulidade (sanável) cominada, pelo artigo 283.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal, para a acusação que não contenha a “indicação das disposições legais” [alínea c] ou a “narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena […], incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada [alínea b)]».
Em conclusão, a omissão da notificação em causa, «incutirá à decisão administrativa condenatória, se judicialmente impugnada e assim volvida “acusação”, o vício formal de nulidade (sanável), arguível pelo “acusado”, no acto da impugnação [artigos 120.º, n.ºs 1, 2, alínea d), e 3, alínea c), e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]. Se a impugnação se limitar a arguir a invalidade, o tribunal invalidará a instrução, a partir da notificação omissa, e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa [artigos 121.º, n.ºs 2, alínea d), e 3, alínea c), e 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]. Mas, se a impugnação se prevalecer do direito preterido (pronunciando-se sobre as questões objecto do procedimento e, sendo caso disso, requerendo diligências complementares e juntando documentos), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121.º, n.º 1, aliena c), do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações».
Perante o extracto acima exposto, a que aderimos por inteiro, que versa situação que com a presente apresenta manifesta similitude, a nulidade que se detecta está sanada, nos termos do disposto nos artigos 121.º, n.º 1, alínea c), do CPP, e 41.º, n.º 1, do RGCO, por o arguido se ter prevalecido na impugnação judicial do direito preterido, porquanto incluiu na sua defesa os aspectos de facto e de direito omissos no referido acto. Efectivamente, o ora recorrente, perante a decisão administrativa, apresentou uma defesa ampla, não a restringindo à arguição dos vícios elencados nas conclusões do recurso, mas apresentando outras questões, entre elas as relacionadas com o dever de observância dos pressupostos contidos nos artigos 71.º , n.º 1, 101.º e 102.º, todos do CP, e com a pedida substituição da medida de cassação por outra menos gravosa e suspensa na sua execução.
*
Dispõe o artigo 181.º do Código da Estrada (que temos como aplicável in casu, embora com as necessárias adaptações):
«1 - A decisão que aplica a coima ou a sanção acessória deve conter:
a) A identificação do infractor;
b) A descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão;
c) A indicação das normas violadas;
d)A coima e a sanção acessória;
e) A condenação em custas.
(…)».
Como referem Simas Santos e Lopes de Sousa, in “Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral”, 3.ª edição, 2006, Vislis Editores, em anotação ao preceito similar do art. 58.º do RGCO, «os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.
Por isso as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos».
A lei não define qual o âmbito ou rigor da fundamentação que aqui se impõe, mas temos entendido que não se impõe uma fundamentação com o rigor e a exigência que se impõem no art. 374.º, n.º 2, do CPP, por várias razões: por um lado, porque esta é uma decisão administrativa, que não se confunde com a sentença penal, como o ilícito contra-ordenacional não se confunde com o ilícito penal (são realidades distintas, revestindo a sentença penal uma maior solenidade, tendo em conta, precisamente, uma supremacia dos interesses em causa); por outro, porque aquela decisão, quando impugnada, converte-se em acusação, passando o processo a assumir uma natureza judicial (art. 62.º, n.º 1, do RGCO).
Não faz, assim, qualquer sentido que a decisão administrativa - que em caso de impugnação se converte em acusação - tenha de obedecer a um rigorismo de fundamentação semelhante ao da sentença penal. Seria incongruente e destituído de qualquer sentido que a fundamentação exigida no artigo em causa tivesse a amplitude prevista no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, relativamente à fundamentação da sentença, quando naquele se estabelecem outros elementos que deve conter a decisão administrativa.
Como é referido no Ac. do STJ de 21-09-2006, proferido no proc. n.º 06P3200, in www.dgsi.pt., assumindo a decisão prevista no artigo 58.º do RGCO o carácter de uma sentença condenatória em matéria contra-ordenacional, tem uma estrutura semelhante prevista para a sentença penal no artigo 374.º, embora só aproveitando desta os elementos mais elementares e básicos acima descritos.
O que se compreende se tivermos em consideração que o processo contra-ordenacional é, até à fase judicial um procedimento de cariz administrativo, sujeito a valores de celeridade e simplicidade, diferentes dos que regem as decisões judiciais em matéria penal, não lhes sendo, por isso, aplicável, na sua totalidade e sem a devida adaptação, o disposto no artigo 374.º do CPP.
As condutas ou comportamentos contra-ordenacionais, em si mesmos, isto é, independentemente da sua proibição legal, são axiologicamente neutros e, daí que, a coima represente um mal que de nenhum modo se liga à personalidade do agente, antes servindo como mera “admonição”, como especial advertência ou reprimenda conducente à observância de certas proibições ou imposições legais (cfr. Figueiredo Dias, “O movimento de descrimininalização e o ilícito de mera ordenação social”, estudo publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, I (1983, 19/33).
Em razão da génese e teleologia do procedimento contra-ordenacional, a fundamentação, tal como está estabelecida no 181.º do Código da Estrada, será, pois, suficiente desde que justifique as razões pelas quais - atentos os factos descritos, as provas obtidas e as normas violadas -, é aplicada esta ou aquela sanção ao arguido, de modo que este, lendo a decisão, se possa aperceber, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais é condenado e, consequentemente, impugnar tais fundamentos.
No caso em apreço, a decisão, proferida em 31-12-2010, se limitou à simples e vaga referência: «Declaro verificados os requisitos da cassação e consequentemente determino a cassação da carta de condução n.º C-468098» (cfr. fls. 3 dos presentes autos).
Contudo, tinha sido submetida à consideração do Sr. Presidente da ANSR, no dia anterior àquele, despacho da Directora da Unidade de Gestão de Contra-Ordenações, no qual está escrito: «Despacho sobre a informação n.º 2406/2010/UGCO/ANSR, de 30-12-2010. À consideração do Senhor Presidente, com a m/concordância com a presente informação, proponho a V. Ex.ª que: a) declare verificados os requisitos da cassação; b) determine a cassação da carta de condução … de que é titular A... » (cfr. fls. 3).
Na informação referida, de fls. 4/8, é feita uma análise detalhada das contra-ordenações cometidas pelo arguido (uma grave e três muito graves), com alusão à data da prática daquelas, às normas jurídicas violadas e aplicáveis, às sanções impostas, ao n.º dos respectivos processos, ao trânsito em julgado das decisões proferidas, à verificação dos pressupostos para cassação do título de condução do arguido e de todo o regime jurídico relativo ao procedimento para aquele fim e às consequências decorrentes da aplicação da medida, que finaliza com proposta do seguinte teor: «Face ao exposto, propõe-se que, nos termos do n.º 4 do art. 169.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 148.º, ambos do CE, o Senhor Presidente ordene a cassação do título de condução n.º C-468098, cujo titular é A... e que o mesmo seja notificado da decisão de cassação bem como da caducidade do título de condução, da impossibilidade de concessão de novo título de condução no prazo de dois anos e da possibilidade de impugnação da decisão de cassação para os tribunais judiciais, nos termos dos n.ºs 3, 4 e 5 da supracitada norma e da alínea b) do n.º 1 do art. 130.º do CE».
Perante os elementos acima alinhados, temos como óbvio que a decisão de cassação, de 31-12-2010, teve em conta e, implicitamente, remeteu para o despacho e informação de 30-12-2010, ou seja, teve como seu o conteúdo da referida informação, donde constam, se devidamente adaptados ao concreto caso dos autos, todos os elementos elencados no n.º 1 do artigo 181.º do CE, nomeadamente os factos imputados ao arguido, as normas jurídicas violadas, a medida aplicável, bem como a fundamentação da decisão.
O facto de a decisão administrativa ter remetido para o despacho e informação não lhe retira completude. E, assim, o direito de defesa do arguido não ficou minimamente afectado pelo facto de a autoridade administrativa ter decidido daquela forma (no sentido considerado, de a decisão administrativa poder, sem vício algum, remeter para a respectiva proposta, vejam-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes acórdãos: da Relação de Coimbra de 29-03-2001, proc. n.º 440-2001, e da Relação de Lisboa de 25-06-2003, proc. n.º 3270/2003.4, ambos publicados in www.dgsi.pt.
Nesta ordem de ideias, a decisão administrativa, nesta vertente, não padece da nulidade (insanável) que o recorrente lhe assaca, sendo ainda certo que, ao caso, em contrário do expendido pelo recorrente, não é aplicável o disposto no artigo 283.º, n.º 3, als. b) e c), do CPP, mas sim o disposto no artigo 181.º do CE.
*
Mais invoca o recorrente a existência de nulidade prevista no artigo 119.º, do CPP, por o arguido não ter sido notificado de todos os factos que fundamentam a decisão de cassação.
Como se recolhe de fls. 20, o arguido foi notificado, pessoalmente, em 02-08-2011, da dita decisão nos seguintes termos:
«Fica V. Ex.ª, através do presente ofício, e nos termos do artigo 176.º, n.º 1, alínea a), do Código da Estrada, notificado pessoalmente do seguinte:
Na sequência da sua condenação, a título definitivo, pela prática de quatro contra-ordenações das quais 3 (três) como muito graves e 1 (uma) grave, respectivamente nos processos de contra-ordenação n.ºs 379351196, 267098073, 376229268 e 268042586, num período de cinco anos, por despacho do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária proferido em 21 de Dezembro de 2010 foi decidida a verificação dos pressupostos da cassação do título de condução n.º … do qual é titular, organizando-se processo autónomo para a citada verificação (proc. n.º 45/2011), nos termos do n.º 4 do artigo 169.º e do n.º 2 do artigo 148.º, ambos do Código da Estrada.
Por despacho do Presidente desta Autoridade, proferido no citado processo em 31 de Dezembro de 2010 e cuja cópia aqui se junta, foi, nos termos das normas referidas no parágrafo anterior, ordenada a cassação do título de condução n.º … de que V. Exa. é titular, devido a, no referido processo, terem sido confirmados os pressupostos que têm como efeito necessário essa mesma cassação.
Nos termos do n.º 3 do artigo 148.º do Código da Estrada, a efectivação da cassação ocorre com a presente notificação.
Conforme estatui o n.º 5 do artigo 148.º do Código da Estrada, a decisão de cassação é impugnável para os tribunais judiciais, nos termos do Regime-Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 356/89, de 17 de Outubro, 244/95, de 14 de Setembro, 323/2001, de 17 de Dezembro e pela Lei n.º 109/2011, de 24 de Dezembro.
No caso de não impugnar judicialmente a presente decisão, a mesma torna-se definitiva, pelo que:
- o título de condução supra referido caduca, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 130.º do Código da Estrada;
Deve, de imediato, entregar o mesmo título de condução no Governo Civil da sua área de residência».
Na nosso ponto de vista, o conteúdo da notificação efectuada ao arguido, ainda que não acompanhada da informação acima referida, dá a conhecer sobejamente todos os elementos relevantes para o exercício do seu direito de defesa.
Efectivamente, indica expressamente os fundamentos determinantes da cassação da licença de condução, com descrição concretizada, por referência aos n.ºs dos processos em causa, das infracções contra-ordenacionais (uma grave e três muito graves) perpetradas pelo arguido, dos fundamentos da cassação, das normas jurídicas aplicáveis e dos efeitos jurídicos decorrentes da aplicação da medida.
E, como é evidente, perante tais informações, o recorrente não poderia deixar de saber os pressupostos determinantes da cassação, porquanto, inter alia, lhe foram comunicados a natureza dos sanções impostas e os processos onde as mesmas ocorreram.
Todavia, ainda que se entenda que se imporia também a notificação da informação suporte da decisão, ainda assim, neste caso, não é, seguramente, aplicável, como pretende o recorrente, o artigo 119.º do Código de Processo Penal, por essa omissão não consubstanciar qualquer nulidade (insanável) descrita nesse preceito ou noutra qualquer disposição legal.
Veja-se que a omissão da acusação pública, em processo-crime, em violação do disposto no artigo 283.º, n.º 5, do CPP, constitui, quando muito, uma nulidade relativa ou sanável do artigo 120.º, n.º 1, alínea d) do CPP].
Mesmo admitindo a hipótese de a falta de notificação da decisão administrativa, in totum, comportar um nulidade relativa, a mesma estaria sanada, nos termos do disposto nos artigos 121.º, n.º 1, alínea c), do CPP, e 41.º, n.º 1, do RGCO, por o arguido se ter prevalecido na impugnação judicial do direito preterido, nos termos já acima indicados.
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Quanto à evolução legislativa do artigo 148.º do Código da Estrada e à competência para determinar a cassação do título de condução, sem necessidade de outras palavras, reproduzimos as considerações exaradas na sentença recorrida, do seguinte teor:
«Nos termos do artigo 148.º do Código da Estrada, doravante designado por CE, na redacção anterior ao Decreto-lei 44/2005, de 23 de Fevereiro, o tribunal podia ordenar a cassação do título de condução quando:
a) em face da gravidade da contra-ordenação praticada e da personalidade do condutor, este devesse ser julgado inidóneo para a condução de veículos a motor;
b) o condutor fosse considerado dependente ou com tendência para abusar de bebidas alcoólicas ou de substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas.
Para estes efeitos, a entidade competente devia elaborar auto de notícia, do qual constasse a indicação dos pressupostos da cassação, que remeteria ao Ministério Público, acompanhado de quaisquer outros elementos que considerasse necessários.
Por outro lado era susceptível de revelar a inidoneidade para a condução de veículos a motor a prática, num período de cinco anos, de:
a) três contra ordenações muito graves;
b) cinco contra-ordenações graves ou muito graves;

Por sua vez, o estado de dependência do álcool ou de substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas era determinado por exame pericial, que podia ser ordenado em caso de condução sob influência de qualquer daquelas bebidas ou substâncias.
Com as alterações de 2005 ao CE, operadas pelo DL 44/2005, de 23 de Fevereiro, que passou a conferir nova redacção ao artigo 148.º, do CE, passaram a constituir pressupostos para a decisão de cassação do título de condução:
- o infractor ter praticado uma contra-ordenação grave ou uma contra-ordenação muito grave;
- No período de cinco anos imediatamente anterior, haja sido condenado pela prática de:
- três contra-ordenações muito graves; ou
- cinco contra-ordenações entre graves e muito graves.
A cassação do título de condução era determinada na decisão que conhecesse do mérito da prática da contra-ordenação mais recente e, neste caso, não podia ser concedido ao seu titular novo título de condução de veículos a motor, de qualquer categoria, pelo período de dois anos.
O Decreto-Lei 44/2005, de 23 de Fevereiro passou a conferir competência exclusiva, sem poder de delegação, para determinar a cassação do título de condução, ao Director da Direcção Geral de Viação nos termos do artigo 169.º, n.º 4 do CE.
Com a entrada em vigor do Decreto-lei 113/2008, de 01/07, aplicável ao caso dos autos, uma vez que as contra-ordenações nas quais o arguido foi condenado ocorreram após a entrada em vigor do citado Decreto-lei, o artigo 148.º do CE passou a ter a seguinte redacção:
1 - A prática de três contra-ordenações muito graves ou de cinco contra-ordenações entre graves ou muito graves num período de cinco anos tem como efeito necessário a cassação do título de condução do infractor.
2 - A cassação do título a que se refere o número anterior é ordenada logo que as condenações pelas contra-ordenações sejam definitivas, organizando-se processo autónomo para verificação dos pressupostos da cassação.
3 - A quem tenha sido cassado o título de condução não é concedido novo título de condução de veículos a motor de qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efectivação da cassação.
4 - A efectivação da cassação do título de condução ocorre com a notificação da cassação.
5 - A decisão de cassação do título de condução é impugnável para os tribunais judiciais nos termos do regime geral das contra-ordenações.
Por sua vez, a competência para determinar da cassação do título de condução, nos termos do artigo 169.º, n.º 4 do CE, passou ao competir ao presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, face às alterações entretanto ocorridas pelo Decreto-Lei n.º 203/2006, de 27 de Outubro, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério da Administração Interna, sendo que, nos termos do seu art. 9.º, foi criada a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, abreviadamente designada por ANSR, que tem por missão o planeamento e coordenação a nível nacional de apoio à política do Governo em matéria de segurança rodoviária, bem como a aplicação do direito contra-ordenacional rodoviário.
Pelo Decreto-Lei n.º 77/2007, de 29 de Março, é aprovada a orgânica da ANSR, concentrando-se na ANSR as atribuições da extinta Direcção Geral de Viação (DGV) respeitantes às políticas de prevenção e segurança rodoviária e de processamento de contra-ordenações, assim como as dos, também extintos, Conselho Nacional de Segurança Rodoviária e Comissões Distritais de Segurança Rodoviária».
O DL n.º 113/08 surgiu a coberto da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 17/2008, de 17-04, em cujos artigos 2.º e 3.º está escrito o seu sentido e extensão:
Artigo 2.º:
«A presente lei de autorização legislativa é concedida para permitir agilizar o procedimento contra-ordenacional das infracções rodoviárias, aproveitando os meios que as novas tecnologias disponibilizam, em ordem a diminuir o hiato entre a prática da infracção e a decisão administrativa, sem alterar as garantias de defesa do arguido, retirando da possibilidade da conclusão do processo um curto espaço de tempo repercussões positivas em termos de segurança rodoviária».
Artigo 3.º:
«A extensão da autorização legislativa concedida é a seguinte:
a) A cassação do título de condução quando, num período de cinco anos, ocorra a prática de três contra-ordenações muito graves ou de cinco contra-ordenações entre graves e muito graves, sendo a cassação ordenada em processo autónomo que se organiza para a verificação dos pressupostos da cassação logo que as condenações pelas contra-ordenações praticadas sejam definitivas, bem como a atribuição de competência exclusiva ao presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) para decidir sobre a verificação dos respectivos pressupostos e ordenar aquela cassação;
b) A previsão de que a efectivação da cassação do título de condução ocorre com a notificação da cassação;
(…)».
Como decorre do elemento literal de interpretação, também suportado pela progressão histórica do artigo 148.º, a actual redacção do preceito não suscita qualquer dúvida sobre a inevitabilidade de aplicação da cassação do título de condução uma vez verificados os pressupostos enunciados no n.º 1.
Considerou o legislador, estamos em crer, que não existe um absoluto direito a conduzir, devendo entender-se que, perante a prática das contra-ordenações previstas no n.º 1 do artigo 148.º do CE condiciona negativamente a validade do título de condução.
Deste modo, na situação visada nos autos, não há que recorrer ao disposto nos artigos 71.º, n.º 1, 101.º, e 102.º, todos do Código Penal, os quais apenas vigoram no âmbito do ilícito penal, não podendo ser aplicada, como propõe o recorrente, medida diversa da cassação.
*
Sobre as inconstitucionalidades:
A) As vertidas nas conclusões 15.ª, 19.º e 20.ª, enunciadas nas alíneas E) e G) das questões a decidir (ponto 1 da fundamentação deste acórdão):
Como vem repetidamente acentuando o Tribunal Constitucional, a suscitação da questão de inconstitucionalidade tem de traduzir-se numa alegação na qual se indique a norma ou dimensão normativa que se tem por inconstitucional e se problematize a questão da validade constitucional da norma (dimensão normativa) através da invocação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e o(s) parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta (Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 146/2010, de 14/04/2010).
Todavia, o recorrente refere tão só: «verifica-se a violação directa do estatuído constitucionalmente onde se assegura ao arguido os direitos de audiência e defesa nos processos de contra-ordenação, assim como em quaisquer processos sancionatórios, conforme o art. 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa, que aqui se invoca», (conclusão 15.ª); «As medidas de segurança são poderes atribuídos e inalienáveis dos Tribunais e tal medida só pode ser aplicada por decisão judicial»; «verifica-se assim a violação das garantias constitucionais plasmadas no processo criminal e previstas no art. 32.º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente nas alíneas 3, 4, 5, 7 e 10, cuja aplicação directa aqui se invoca» (conclusões 19.ª e 20.ª), omitindo de todo qualquer norma específica ou interpretação desta norma violadora do referido normativo constitucional.

B) A suscitada nas conclusões 22.ª a 24.ª (questão autonomizada na alínea H) da fundamentação do presente acórdão):
Relativamente ao parâmetro constitucional a ter em conta, importa salientar as disposições dos artigos 27.º, n.º 2 e 202.º da CRP.
Dispõe a primeira:
«Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança».
Estabelece a segunda:
«1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.
2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
3. No exercício das suas funções os tribunais têm direito à coadjuvação das outras autoridades.
4. A lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos».
Ora, como é bem de ver, a liberdade do arguido não foi, total ou parcialmente, restringida ou cerceada através de decisão proferida no âmbito dos presentes autos.
Também não se vê, a qualquer luz, que o artigo 169.º, n.º 4, do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 113/2008, de 1 de Julho, colida com algum segmento do citado artigo 202.º, o qual se insere na estrutura organizativa do Estado e define a função soberana dos tribunais.
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Face à improcedência total do recurso, incumbe ao arguido/recorrente o pagamento de custas, nos termos do disposto pelos arts. 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, ambos do CPP, na redacção do DL n.º 34/2008, de 26-02, e artigo 8.º, n.º 5 e tabela anexa III do Regulamento das Custas Processuais.
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III. Dispositivo:
Posto o que precede, acordam na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em negar provimento ao recurso, confirmando, embora, em parte, com diversos fundamentos, a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s.
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Alberto Mira (Relator)
Elisa Sales