Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4278/10.3TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
NEGLIGÊNCIA
INCIDENTE DE HABILITAÇÃO
Data do Acordão: 07/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 269, 276, 281 CPC
Sumário: 1. A deserção da instância prescinde de qualquer juízo de culpa , equivalendo a “negligência” exigida pelo artigo 281º CPC à mera imputabilidade à parte, e não a terceiro, da paragem do processo.

2. O impulso processual do incidente de habilitação de herdeiros cabe unicamente às partes, não incumbindo nunca ao tribunal a sua instauração, oficiosamente ou sequer a requerimento das partes.

Decisão Texto Integral:

 

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I - RELATÓRIO

M (…), viúva, intenta a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra:

- Fundo de Garantia Automóvel;

- Companhia de Seguros (…)S.A.,

- M (…) e esposa,

- F (…)

Pedindo a condenação dos Réus no pagamento à autora:

a)            Por danos patrimoniais (ciclomotor e outras despesas), € 821,60 (€ 666,60+155,00);

b)            Por danos morais sofridos pela vítima: € 5 000,00;

c)            Por danos morais sofridos por ela, viúva: € 20 000,00;

d)            Por perda do direito à vida € 40 000,00 (quinhão da viúva, ora A.);

e)            Pelo dano patrimonial resultante do lucro cessante por perda do rendimento que advinha ao casal considerando a esperança de vida da vítima de mais 15 anos, € 58 500,00,

num valor total de € 124.321,60, acrescido de juros calculados desde a citação, custos e procuradoria. 

Todos os réus apresentaram contestação e o Fundo de Garantia automóvel veio requerer a intervenção principal provocada dos seguintes sujeitos processuais, intervenção que foi admitida, tendo sido determinada a sua citação:

- Hospital de Santo André – Leiria,

- Centro Hospitalar de Coimbra/Hospital dos Covões;

- ISS/Centro Nacional de Pensões;

- M (…) e M (…), na qualidade de filhos do sinistrado.

Os Intervenientes M (…) e M (…) apresentaram o seu articulado, no qual vieram deduzir contra os Réus o seguinte pedido:

a) A condenação da Ré “(…) – Companhia de Seguros” condenada a pagar aos demandantes a indemnização global de 145.495,00€ a citação até integral pagamento;

b) Subsidiariamente, para o caso de inexistência de seguro válido, serem os demandados Fundo de Garantia Automóvel, M (…) e F (…) solidariamente condenados a pagar aos demandantes a indemnização global de 145.495,00€, acrescida de juros vincendos, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

O Centro Hospitalar de Coimbra veio igualmente deduzir incidente de intervenção principal espontânea, requerendo a condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia de 143,50 €, acrescida de juros de mora à taxa legal, intervenção que foi admitida.

Por requerimento enviado eletronicamente a 12 de fevereiro de 2015, o ilustre mandatário da autora veio dar conhecimento aos autos do falecimento da autora, no dia 17.12.2014, informando ainda que a autora não deixou descendentes por via direita nem ascendentes que lhe tenham sobrevivido, tendo-lhe sucedido vários irmãos, cuja identificação desconhece.

A 18 de março de 2015, pelo juiz a quo foi proferido o seguinte despacho:

Atento o falecimento da autora, declaro suspensa a instância até à respetiva habilitação, sem prejuízo do prazo de deserção da instância”.

A 18 de outubro de 2015, foi proferido novo despacho:

A instância está suspensa há mais de seis meses sem que tenha suscitado o necessário incidente de habilitação.

Porquanto, há de concluir-se que os autos não são impulsionados, há mais de seis emses, por negligência das partes, impondo-se que seja declarada deserta a instância, nos termos do artigo 281º, ns. 1 e 4, do CPC.

Assim, e em cumprimento do art. 3º, nº3, do CPC, determino a notificação das partes para querendo em 10 dias se pronunciarem sobre o exposto.”

Os Intervenientes M (…) e M (…), pronunciaram-se nos seguintes termos:

é ao tribunal que cabe pugnar pelo célere andamento do processo;

os requerentes não conheciam a falecida, assim como não conhecem os seus parentes, donde a senhora vinha ou onde residia;

para que acontecesse a habilitação da falecida autora não podem os requerentes praticar atos no processo por impossibilidade objetiva;

no entanto, na tentativa de contribuir para a habilitação de herdeiros da autora e dada a informação trazida ao processo pelo ilustre mandatário da autora  informando da sua morte e da inexistência de irmãos, contatou-se no sentido de promover a habilitação desses irmãos o que foi prometido;

aguardavam por isso os requerentes que a habilitação de herdeiros fosse feita conforme ficou estipulado;

a verificar-se a deserção da instância, são os aqui requerentes as verdadeiras vitimas de tal situação e da decisão judicial;

nunca os requerentes foram notificados pelo tribunal no sentido de celeremente os autos serem impulsionados;

os requerentes não conseguem obter dados na AT para saberem se houve liquidação de imposto de selo, pois tal informação não lhes é prestada por nada terem a ver com a autora.

Concluem que o tribunal deverá ordenar a prossecução dos autos com os aqui intervenientes principais e demais partes, oficiando ao MP que represente a herança por óbito da autora, pois que os requerentes tudo fizeram mas não conseguem obter qualquer dado que possa através deles praticar-se a habilitação de herdeiros da autora. Estavam a aguardar que a habilitação fosse feita através dos contactos existentes por quem forneceu elementos da morte da autora ao processo.

Também D (…), advogado que foi da falecida autora, se pronuncia quanto a tal questão, nos seguintes termos:

com a finalidade de habilitar os seus herdeiros (se para o efeito o mandatassem), o requerente conseguiu apurar que ela deixou alguns irmãos dispersos;

tendo conseguido apurar a identidade de um dos irmãos e após lhe ter explicado a conveniência e a necessidade de requerer a habilitação de herdeiros, sua e dois seus irmãos, o referido afirmou que “não queria nada da irmã”, prometeu, porém fornecer o nome a morada de um outro seu irmão, com o qual manteria contactos esporádicos;

todavia, até à data de hoje, não o fez;

se descontarmos os meses de férias, o prazo de seis meses ainda decorreu;

se assim se não entender, deve prorrogar-se o prazo, ao abrigo do disposto no artigo 6º do CPC.

Concluindo, de acordo com o exposto, não teria havido negligência a apontar às partes mas apenas, apesar das diligências, a impossibilidade de dar resposta atempada à habilitação; pois só o irmão da falecida (…) está em condições de prestar as informações necessárias à habilitação dos seus herdeiros e recusou-se, perante o signatário, a mandatá-lo para tanto; tendo prometido prestar informações que possibilitassem a identificação dos herdeiros nos autos também não o fez.

A Ré (…)vem alegar nada obstar à deserção a instância.

O juiz a quo proferiu então o despacho de que agora se recorre:

A instância foi suspensa, atento o falecimento da autora, por despacho notificado às partes em 20/03/2015. Nesse despacho, logo se fez constar, que a instância estava suspensa, sem prejuízo do prazo de deserção da instância.

Nos termos do artigo 281.º, n.º 1 do CPC, considera-se deserta a instância quando por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de 6 meses.

Ora, o processo esteve sem impulso das partes por mais de 6 meses, sendo certo que

no despacho de 18/03/2015 foram aqueles advertidos que a suspensão era declarada, mas sem prejuízo do prazo da deserção da instância.

Assim, e face a tal indicação no despacho, carece de total fundamento legal que o juiz ainda tivesse de notificar as partes para promoverem o célere andamento dos autos como pugnado pelos intervenientes M (…) e Mo (…).

Outrossim se impunha que as partes tivessem promovido a habilitação, ou ad minus, que tivessem informado o tribunal das diligências encetadas, requerendo o que tivessem por conveniente, sendo destituído de qualquer fundamento jurídico a suspensão do prazo de 6 meses durante as férias judiciais ou da sua prorrogação, como decorre inequívoco do artigo 138.º, n.º 1 do CPC.

Assim, e face à inercia de todas as partes em promoverem o regular andamento da ação, a qual se verifica há mais de 6 meses, já que a habilitação poderia ser requerida por qualquer das partes, declara-se deserta a instância, nos termos do artigo 281.º, n.º 1 do CPC.

Custas a cargo dos intervenientes e RR em partes iguais.

Notifique.”


*

Não se conformando com o mesmo, o advogado D (…) veio, em nome da falecida autora, (…), interpor recurso de apelação, recurso que foi recusado por despacho do relator.

Também os Intervenientes vieram dele interpor recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se apresentam por súmula:  

A) O Tribunal “ a quo” proferiu despacho a extinguir a instância por deserção nos termos do artigo 281º nº 1 do CPCivil dizendo (…);

B) ao contrário do que acontece com a deserção no processo executivo( artº 281º, nº 5 do CPC) em que a deserção acontece pelo mero decurso do tempo de seis meses, no processo declarativo implica sempre e necessariamente um despacho do Juiz.

Por isso entenda-se que o despacho do Juiz tenha a natureza que tiver - efeitos processuais constitutivos ou não, - até ser proferido não pode a instancia ser considerada extinta.

C) E quando o NCPC impõe a existência do despacho Judicial para que se verifique a extinção da instancia por deserção, fá-lo com o telos de a Magistratura ter de valorar a conduta das partes de forma a poder concluir se a conduta do omitente é criticável, tem de emitir um Juizo sobre a conduta

D) Esse Juízo terá de levar á conclusão da culpa das partes na não promoção processual e não meramente à sua inércia processual.

E) O Meritíssimo Juiz deveria não apenas declarar a instancia deserta mas deveria também emitir Juízo de reprovação dessa inércia que levasse à conclusão de uma atitude negligente, o que não aconteceu nos presente caso.

Na verdade e como comunicado ao Tribunal antes de prolação do despacho de extinção da instancia por deserção, pelos recorrentes, a sua postura não foi negligente. Desde que souberam da morte da Autora e da suspensão da instancia que procuraram diligentemente com os escassos meios ao seu dispor, desde económicos (residem em Viseu e a Autora faleceu em Leiria onde residia e os recorrentes não tem recursos económicos pois litigam com apoio judiciário) logísticos e pessoais ao seu dispor obter elementos para que se pudesse fazer a habilitação de herdeiros.

F) Não puderam os recorrentes praticar a habilitação de herdeiros da Autora por impossibilidade objetiva, o que comunicaram aos autos antes de ser proferido despacho de deserção e que o Tribunal não levou em conta.

G) Procuraram os recorrentes junto de entidades administrativas, autoridade tributaria mas não obtiveram respostas porque como não são herdeiros tais elementos não lhe foram concedidos.

H) Não podiam os ora recorrentes mentir aos autos de forma dilatória e aí sim reprovável informar que a Autora não tinha herdeiros, de forma a fazer funcionar a ação e intervenção do Ministério Público enquanto representante do Estado chamado á sucessão ou de uma herança jacente,

I) Pois era do conhecimento dos recorrentes que tiveram conhecimento pelo processo através de informação dada pelo ilustre mandatário da Autora no seguimento da sua morte que aquela teria deixado irmãos.

J) Não podiam negligentemente praticar dados e indicar elementos contrários a essa informação só para fazer intervir o Estado através do Ministério Público na ação.

K) Com todo o respeito dizemo-lo que o Tribunal e as partes restantes no processo limitaram-se a aguardar o decurso do tempo de seis meses para porem fim aos atos e os aqui recorrentes verem irremediavelmente a sua vida prejudicada.

L)Estando em causa a morte da Autora, com uma possível verificação de Herança Jacente e ou podendo o Estado ser chamado à ação como sucessível representado pelo Ministério Público por herança vaga ou herança Jacente, deveria no mínimo o Meritíssimo Juiz notificar o Mº Pº para se pronunciar quanto á extinção da instancia por deserção.

M) Por outro lado o Meritíssimo Juiz não lançou mão dos seus deveres previstos nos artigos 6º e 7º do Novo CPC.

N) In casu e tendo presente a delicadeza da concreta situação não houve a sensibilidade Judicial de aplicação e interpretação da lei mas apenas a sua aplicação literal, formalista e positivista com sombras de legalismo positivista apenas.

O) A lei impõe ao Meritíssimo Juiz e não apenas como uma faculdade o dever de adotar mecanismos de agilização e simplificação processual que garantam a justa composição do litigio em prazo razoável.

P)O Juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instancia ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo ( cfr: artº 6º do NCPC).

Q) E através do principio da cooperação, que com todo o respeito pelo Tribunal “ a quo” cremos humildemente que não foi cumprido pelo Tribunal, incumbe ao Juiz não se substituir às partes, tendo presente o principio do dispositivo, mas compete-lhe em cooperação com as partes alertá-las convidando-as a praticar os atos.

R) No caso concreto esse dever impunha-se, cremos ao máximo, tendo em conta a sua delicadeza os contornos da situação e o tipo de intervenientes, num verdadeiro sentir a justiça e o caso concreto e não meramente aplicação uma norma lacónica sem realização do direito nem decidir judicativo jurisprudencial, realizando-se aquela justiça material que a verdade procura se a quisermos obter.

S) A esse propósito veja-se a sabia jurisprudência vertida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.02.2015 proferido no processo 2254/10.5TBABF.L1-2 relatora Ondina Carmo Alves com o seguinte sumário (…)

T) O Tribunal não alertou para as consequências gravosas da deserção da instância no caso concreto.

U) Os recorrentes têm prejuízo irreparável com a deserção da instância.

V) A sua postura não pode ser valorada como negligente, pois não é reprovável a sua inércia que o não foi mas impossibilitada objetivamente.

X)A Justiça cega não o pode ser perante o caso presente e concreto e em face do circunstancialismo subjetivo e as próprias alterações objetivas processuais de encurtamento dos prazos.

Y)Como a falta de cooperação do Tribunal e cujo prejuízo apenas recai nos aqui recorrentes.

W)Na pendência desta ação, à data dos articulados vigorava ainda o prazo de dois anos para a suspensão da instancia( anterior 291º CPC).

Z)Devendo in casu aplicar-se esse prazo, conforme disposto no nº 3 do artº 5 da lei 41/2013.E a não. se entender assim deveria o Meritíssimo Juiz conceder prazo supletivo para se elaborar a habilitação de herdeiros da Autora.

O Tribunal “ a quo” violou quanto a nós as disposições legais dos artigos 6º, 7º e 281º do Novo CPCivil e o artº 5º, nº 3 da Lei 41/2013 e outras que V.ªs Ex.ªs, com o vosso douto critério saberão fazer a Justiça material e judicativa de matriz jurisprudencial que se impõe ao caso presente.

Conclui pela revogação do despacho em crise e se faça prosseguir a ação para a concretização da habilitação de herdeiros ou a recorrer-se à sua citação edital, seguindo-se o disposto no art. 355º do C.P.C, com a intervenção do Ministério Público como representante do Estado caso seja chamado à herança.


*

A Ré (…) apresenta contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.

*

Dispensados que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.                                                                                              
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se se aplica o prazo de seis meses de deserção da instância.
2. Se os autos se encontram parados por negligencia das partes em impulsionar os seus termos.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Lei aplicável ao prazo de deserção.

 Embora instaurada em momento anterior, à data em que foi comunicado ao processo o falecimento da autora e em que foi proferido despacho a declarar suspensa a instância até à respetiva habilitação, “sem prejuízo do prazo de deserção da instância” (18.0.3.2015), há muito entrara em vigor o atual Código de Processo Civil (em vigor desde 01 de setembro de 2013).

Assim sendo e não se enquadrando em nenhuma das situações excetuadas por lei no artigo 5º, o novo Código é imediatamente aplicável, nesta parte, às ações pendentes (artigo 5º, nº1, da Lei nº 41/2013, de 26 de junho.

  A presente ação encontrava-se, assim sujeita ao novo regime de deserção introduzido pelo Novo Código.

2. Se se mostram verificados os pressupostos da deserção da instância.
  Segundo o nº1 do artigo 281º, “considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
Na deserção da instância, quer os seus efeitos ocorram ope legis, quer se encontrem dependentes de despacho judicial, não se prescinde não se prescinde da apreciação da inobservância, por negligência, do ónus de impulso processual, e consequentemente da declaração de que tal deserção ocorreu[1].

Assim sendo, será necessário apurar: i) se efetivamente os autos se encontram parados há mais de seis meses ii) a haver paragem do processo, se a mesma é imputável às partes.
Não haverá dúvidas de que o processo se encontrava parado há mais de seis meses – desde o despacho proferido a 18 de março de 2015 e a sua notificação às partes nenhum ato se mostra praticado no processo (por parte de algum dos sujeitos processuais, pela secretaria ou pelo juiz) até ao despacho de 22 de outro de 2015, pelo qual foi determinada a audição das partes nos termos do 3º, nº3 CPC.
Vejamos agora se se encontrava a aguardar o impulso processual das partes.
Falecida uma das partes, o processo não pode prosseguir sem que seja promovida nos autos a habilitação dos respetivos sucessores (artigos 269º, nº1, e 276º, nº1, al. a), do CPC).
É às partes que incumbe a dedução de tal incidente ou aos respetivos sucessores. Como afirma Paulo Ramos de Faria[2], num processo cada vez mais marcado pelo impulso oficioso do juiz (artigo 6º, nº1),sendo cada vez mais raros os atos que só a parte pode praticar, a promoção da habilitação de herdeiros ou a constituição de novo advogado pelo autor, após renúncia do anterior, são casos emblemáticos de impulso processual que só à parte cabe.
 No caso em apreço, havia ainda uma particularidade. Ocupando a falecida a posição de autora, para o prosseguimento da ação seria ainda necessária a manifestação de vontade de algum dos intervenientes/litisconsortes necessários ou que o incidente de habilitação fosse promovido por algum destes ou por algum sucessor da autora, pois os herdeiros da autora ou os intervenientes/litisconsortes necessários (os recorrentes M (...) e Mo (...) podiam não estar interessados em prosseguir no direito de ação (atentar-se-á em que a ação foi interposta unicamente pela viúva falecida e os restantes herdeiros do sinistrado, tendo sido citados para o efeito, limitaram-se a “apanhar boleia” no presente processo). Assim sendo, e ao contrário do que defendem as apelantes, dentro dos poderes de gestão processual do juiz não lhe caberia substituir-se às partes e pela sua própria iniciativa proceder à prática de atos que àquelas incumbam e, muito menos, quanto tal prática corresponda a uma faculdade que a parte pode, ou não, exercer.
No silêncio total das partes, e tendo já sido advertidas de que os autos ficavam a aguardar o decurso do prazo da deserção, não incumbia ao tribunal a prática de qualquer ato, a não ser aguardar que algum dos eventuais interessados no prosseguimento da ação viesse deduzir incidente de habilitação de herdeiros da falecida autora ou requeresse algo relacionado com a dedução de tal incidente (ex., requerendo a concessão de um prazo suplementar para deduzirem o incidente, comunicando as dificuldades que tivessem encontrado, requerendo ao tribunal que procedesse a alguma diligência no sentido de as ajudar a alcançar a identificação dos sucessores da autora ou o respetivo paradeiro, etc.).
Assente que os autos se encontravam efetivamente a aguardar o impulso das partes, passamos agora à questão levantada pelos apelantes de que tal paragem processual não se deveria a “negligência” das partes.

Prescindindo a deserção da instância de qualquer juízo de culpa sobre a conduta do demandante, a inércia ou negligência das partes, significa aqui, tão só, imputável à parte e não a terceiro – a assunção pelo demandante de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade[3].

Equivalendo a negligência à mera inércia das partes em promover os respetivos termos, teremos aqui por verificados os pressupostos para a deserção da instância: o processo encontrava-se parado, há mais de seis meses, por inércia das partes e em especial dos aqui apelantes (fora os eventuais herdeiros da falecida, só eles tinham verdadeiro interesse) em promover os seus termos.

Independentemente das dificuldades agora apontadas pelo Dr. D (...) e pelos Apelantes (que foi mandatário da autora) na identificação e localização dos herdeiros da falecida, o certo é que durante os seis meses que se seguiram ao despacho a declarar suspensa a instância, os Apelantes (bem como os demais intervenientes processuais) remeteram-se ao completo silêncio, nada tendo comunicado aos autos, nem para dar conta das dificuldades na identificação e localização dos herdeiros a que agora aludem, nem para informar que mantinham interesse no prosseguimento da ação ou sequer para requererem a colaboração do tribunal na obtenção de alguma informação junto de entidades oficiais.

Assim sendo, enquanto se encontrava a correr o prazo da deserção, o tribunal nada podia ter feito, porque de nada foi informado nem nada lhe foi requerido, sendo que, ao contrário do que sugerem os apelantes, nunca poderia ser o próprio tribunal a instaurar o incidente de habilitação. Assim como, não podia o tribunal, sem mais, considerar “o Estado como sucessível representado pelo Ministério Público” (quando, além do mais, há herdeiros vivos e que, aparentemente, não querem prosseguir com a ação). A única colaboração do tribunal com que as partes poderiam contar seria na identificação e localização dos herdeiros da autora. Mas, para isso, teriam de a solicitar, requerendo expressamente ao tribunal quais as concretas diligências que pretendiam ver executadas pelo tribunal.

Não incumbe ao juiz substituir-se às partes quando estas nada requerem, e em especial, no caso em apreço, quando se desconhecia, se a inércia ou a demora das partes em deduzir o incidente de habilitação de que dependia do andamento dos autos se devia a dificuldades na identificação dos herdeiros ou ao desinteresse dos intervenientes no prosseguimento da ação.

Por fim, atentar-se-á em que, mesmo após terem sido notificados para se pronunciarem sobre a eventualidade de o tribunal declarar a deserção da instância, e embora se venham opor a tal deserção, nada promovem ou requererem em concreto relativamente ao incidente de habilitação, sem o qual o processo não pode prosseguir e cujo impulso lhes incumbe:

- o  antigo mandatário da autora limita-se a informar que o único herdeiro que descobriu se recusou a conferir-lhe o mandato para, em seu nome, deduzir o incidente de habilitação que permitiria o prosseguimento dos autos;

- os Intervenientes M (...) e Mo (...) assumem a posição de que “não podem praticar atos no processo por impossibilidade objetiva” e continuam sem nada promover ou requerer em concreto relativamente ao incidente de habilitação, sem o qual o processo não pode prosseguir e cujo impulso lhes incumbe. Terminam tal requerimento afirmando que o “não conseguem obter qualquer dado que possa através deles praticar-se a habilitação de herdeiros da autora” e que “o tribunal deverá ordenar a prossecução dos autos com os aqui intervenientes principais e demais partes oficiando ao MP que represente a herança por óbito da autora”.

 Da audição do antigo mandatário da autora e dos intervenientes principais M (...) e Mo (...) quanto aos motivos da paragem dos autos, resulta que aqueles que teriam interesse em impulsionar a presente ação não o fizeram porque terão chegado a um impasse relativamente à identificação dos herdeiros (terão ainda ficado à espera que algum dos outros intervenientes o fizesse), sem que resulte das suas explicações que se proponham deduzir a breve trecho o incidente de habilitação de herdeiros de que depende o andamento dos autos.
Assim sendo, e ainda que não nos repugnasse que, em nome da economia processual, e apesar de decorridos os seis meses de paragem dos autos, se aceitasse o seu prosseguimento caso, notificados para os efeitos do artigo 3º, nº3 do CPC, algum dos intervenientes processuais tivesse vindo deduzir a habilitação de herdeiros ou requeresse algo que verdadeiramente pudesse contribuir para a breve trecho a mesma vir a ser deduzida, o certo é que a posição por si assumida nos autos é no sentido de que não deduziram o incidente de habilitação de herdeiros por não disporem de condições para tal, nem se propõem fazê-lo a breve trecho.
Como tal, não se vê que outra decisão pudesse ser tomada pelo juiz a quo, confirmando-se a decisão recorrida.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas da apelação pelos apelantes.

Coimbra, 06 de julho de 2016

Maria João Areias ( Relatora)

Fernando Monteiro

Carvalho Martins

V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC.

1. A deserção da instância prescinde de qualquer juízo de culpa sobre, equivalendo a “negligência” exigida pelo artigo 281º CPC à mera imputabilidade à parte, e não a terceiro, da paragem do processo.

2. O impulso processual do incidente de habilitação de herdeiros cabe unicamente às partes, não incumbindo nunca ao tribunal a sua instauração, oficiosamente ou sequer a requerimento das partes.


[1] Sobre as alterações operadas no regime da interrupção e da deserção da instância pela Lei nº 41/20013, de 26 de junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil, cfr., José Lebre de Freitas e Isabel Redinha, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, Artigos 1º a 361º, Coimbra Editora, págs. 554 a 557.
[2] “O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa, Breve roteiro jurisprudencial”, disponível in Julgar on line - 2015, http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf.
[3] Neste sentido, Paulo Ramos de Faria, “O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa, Breve roteiro jurisprudencial”, disponível in Julgar Online, http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf.