Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
627/09.5PBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: FÉRIAS
PROCESSO URGENTE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Data do Acordão: 09/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO (2.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEIÇÃO DO RECURSO
Legislação Nacional: ART. 28.º DA LEI N.º 112/2009, DE 16/9; ARTS. 103.º, N.º 2, E 104.º, N.º 2. DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: A Lei n.º 112/2009, de 16/9, ao consagrar no artigo 28.º, a natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica e a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal, quis que os prazos de atos processuais, nomeadamente a interposição de recurso, corressem em férias, como estipula o artigo 104.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório
1. No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 627/09.5PBCTB, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, por sentença proferida em 28 de Novembro de 2013 e depositada no mesmo dia, o arguido A... , com os sinais dos autos, foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nºs 1, a) e 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob a condição de o arguido, no prazo de 6 (seis) meses, entregar o montante de € 500,00 (quinhentos euros) à Associação de Apoio à Vítima (APAV), assim como a pagar à demandante B... a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 1/6/2013 e até integral pagamento.
2. Inconformado com a sentença, o arguido dela interpôs recurso, suscitando as seguintes questões: 1) impugnação da matéria de facto; 2) erro notório na apreciação da prova; violação dos princípios da investigação, igualdade, acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e garantias do processo criminal; erro na interpretação e aplicação do direito.
3. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.
4. O recurso foi admitido, para este Tribunal da Relação de Coimbra, por despacho de fls. 816.
5. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, devendo confirmar-se a sentença recorrida.
6. No âmbito do artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não houve qualquer resposta.
7. Em 18 de Junho de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 417.º, n.º 6, alínea b) do Código de Processo Penal, foi proferida decisão sumária que rejeitou, por extemporaneidade, o recurso interposto pelo arguido A....
8. Desta decisão vem agora o arguido reclamar para a conferência, defendendo a tempestividade do interposto recurso.
9. Notificado o Ministério Público para, querendo, responder, este nada disse.
10. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

*
II – Fundamentação
1. A questão da extemporaneidade do recurso.
Conforme se assinalou naquela referida decisão sumária:
«Em matéria de recursos dispõe o artigo 411.º, n.º 1, b) do citado diploma que o prazo para a respectiva interposição é de 30 dias e conta-se, tratando-se de sentença ou acórdão, do respectivo depósito na secretaria.
Como resulta do disposto no artigo 28.º da Lei n.º 112/2009, de 16/9, os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, sendo que a natureza urgente implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal.
A natureza urgente atribuída aos processos por crime de violência doméstica implica que os prazos processuais corram durante os fins-de-semana, férias e feriados para todos os sujeitos e intervenientes processuais e para a secretaria, mesmo que não haja arguidos presos (como é o caso).
É o que decorre do disposto no artigo 103.º, n.º 2 – cujo âmbito de aplicação é extensivo aos crimes de violência doméstica por remissão expressa daquela norma – conjugado com o artigo 104.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.
Neste sentido se têm pronunciado uniformemente a jurisprudência( - Cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 19/1/2011 e de 16/3/2011 e decisão de Reclamação de 7/6/2010, do Supremo Tribunal de Justiça de 29/1/2007 e decisão sumária desta Relação de Coimbra de 1/6/2011, disponíveis em www.dgsi.pt.).
Compulsados os autos verifica-se que:
a) A sentença foi proferida, lida e depositada em 28 de Novembro de 2013 (cfr. acta de fls. 751 a 752 e declaração de depósito de fls. 771);
b) Conforme resulta da acta de audiência em que se procedeu à leitura da sentença estiveram presentes, além do mais, o arguido e a sua ilustre defensora que foram devidamente notificados;
c) O arguido apresentou o seu recurso em 14 de Janeiro de 2014 (cfr. fls. 775).
Uma vez que o prazo para a interposição de recurso se iniciou no dia 29 de Novembro de 2013, o prazo de 30 dias a que se refere o n.º 4 do artigo 411.º do CPP esgotou-se no dia 28 de Dezembro de 2013.
Como o dia 28/12/2013 foi um sábado, o termo do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, para a segunda-feira, dia 30/12/2013, podendo, no entanto, mediante o pagamento de uma multa, o recurso ser apresentado nos três dias úteis subsequentes, isto é, até 3/1/2014 – artigo 145.º, nºs 5 e 6 do CPC ex-vi artigo 107.º, n.º 5 do CPP.
Por conseguinte, há-de concluir-se que o recurso apresentado pelo arguido no dia 14 de Janeiro de 2014 foi interposto fora do prazo legal, assim como dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, sendo certo que a decisão que o admitiu não vincula o tribunal superior – artigo 411.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Em face do exposto, deve o recurso apresentado pelo arguido ser rejeitado, por extemporaneidade, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 420.º do Código de Processo Penal.».
Reitera-se esta afirmação.
Alega o reclamante que, não obstante existirem actos no âmbito dos crimes de violência doméstica que revestem natureza urgente e cujos prazos correm em férias judiciais, o mesmo já não se aplica ao prazo de recurso que claramente não faz parte dos actos enunciados taxativamente no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal.
A este respeito dir-se-á que há lapso legislativo na falta de ressalva, no artigo 104.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, da alínea g) introduzida no artigo 103º, n.º 2 do Código de Processo Penal pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro.
Não obstante a alínea g) do n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal, não estar contida nas alíneas a) a e) referidas no n.º 2 do artigo 104º do Código de Processo Penal, não resulta objectivamente da alteração introduzida em 2013, o propósito legislativo de afastar a aplicação do artigo 104.º, n.º 2 do Código de Processo Penal aos processos por crime de violência doméstica como impõe o artigo 28º da Lei n.º 112/2009, de 16/9.
O que sucedeu é que o legislador não teve o cuidado de verificar que o aditamento da alínea g) no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal, que ocorreu na última fase do processo legislativo, pois não constava da proposta, implicava a correspondente adequação do artigo 104.º, n.º 2 do mesmo diploma.
O artigo 28.º da Lei n.º 112/2009, de 16/9, estatui o seguinte:
1 - Os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos.
2 - A natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal.
Donde resulta que a Lei n.º 112/2009, de 16/9, ao consagrar no citado artigo 28º, a natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica e a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal, quis que os prazos de actos processuais, nomeadamente a interposição de recurso, corressem em férias, como estipula o artigo 104º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
O que resulta, portanto, da conjugação do artigo 28º da Lei n.º 112/2009 com os artigos 103.º, n.º 2 e 104º n.º 2 do Código de Processo Penal é que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, não se suspendendo no período de férias judiciais o prazo para interposição de recurso de decisões neles proferidas, como é entendimento jurisprudencial uniforme.
Aliás, à mesma solução chegamos se tivermos presente que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 104.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 138.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (artigo 144.º do anterior CPC), se aplicam à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil, o que significa que o prazo processual não se suspende durante as férias judiciais, tratando-se de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes, como é o caso, pois o artigo 28.º, n.º 1 da Lei n.º 112/2009, estatui expressamente que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos.

*
III – Decisão
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em rejeitar, por extemporaneidade, o recurso interposto pelo arguido A....
*
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC, a que acresce a condenação no pagamento de importância equivalente a 4 UC nos termos do n.º 3 do artigo 420.º do Código de Processo Penal.
*

Coimbra, 24 de Setembro de 2014

Fernando Chaves (relator)
Orlando Gonçalves (adjunto)