Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
155/08.6TBFAG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: .ALBERTO MIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO
CONTRA-ORDENAÇÃO RODOVIÁRIA
FALTA INSPECÇÃO PERIÓDICA DO TACÓGRAFO
Data do Acordão: 06/24/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE FORNOS DE ALGODRES
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 188.º DO C. E., 27.º DO RGCO, A) DO N.º 3 DO CAP. VI DO ANEXO I DO REGULAMENTO (CEE) N.º 3821/85, DO CONSELHO, DE 20/12, CONJUGADO COM O PONTO 7.1 E 10 DA PORTARIA N.º 625/86, DE 25.10, F) DO N.º 3 ART.º 9.º DO DL 272/89, DE 19-08, 6.º DO DECRETO-LEI N.º 113/2008, DE 1 DE JULHO
Sumário: 1-A contra-ordenação por falta de inspecção periódica do tacógrafo não está abrangida no conceito “rodoviária” pelo que ao respectivo procedimento não é aplicável o artigo 188.º do Código da Estrada, mas sim o artigo 27.º do RGCO (DL 433/82, de 27-10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14-09 e pela Lei n.º 109/2001, de 24-12).
2-Na consideração do limite máximo da coima correspondente à contra-ordenação [€ 997,60, conforme artigo 9.º, n.º 3, alínea f) do DL n.º 272/89, de 19 de Agosto], em conformidade com o disposto no artigo 27.º, al. c) do RGCO, é de um ano o prazo de prescrição.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. CA..., Unipessoal, Lda., com sede em Oliveira do Hospital, impugnou judicialmente a decisão da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade (Ministério da Economia e da Inovação) que a condenou na coima de € 500,00, pela prática da contra-ordenação prevista na alínea a) do n.º 3 do Cap. VI do Anexo I do Reg. (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, conjugada com o ponto 7.1 e 10 da Portaria n.º 625/86, de 25-10, e punida nos termos da alínea f) do n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 272/89, de 19-08.
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2. Por despacho proferido, em 30-04-2009, no Tribunal de Fornos de Algodres, foi confirmada e mantida a decisão administrativa (fls. 44/50).
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3. Ainda inconformada, a arguida sociedade interpôs novo recurso, extraindo da motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
1.ª – A sentença sob recurso violou o princípio constitucional da “aplicação da lei mais favorável ao arguido”.
2.ª – Ao aplicar, ab initio, ou seja, desde 09/10/2006, o DL n.º 113/2008, de 01-07, a sentença sob recurso violou aquele princípio constitucional e processual penal.
3.ª – Isto porque, aplicou uma lei actualmente vigente mais gravosa que aquela que vigora à data da alegada infracção!
4.ª – Na realidade, desde logo a 1.ª parte do n.º 4 do art. 29.º da CRP ensina que «Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos (…)».
5.ª – Consequentemente, a sentença violou o art. 29.º da CRP, o n.º 4 do art. 2.º do CP, bem como o art. 28.º do RGCO, e ainda o art. 6.º do DL n.º 113/2008, de 01-07.
6.ª – A sentença sob escrutínio considerou que em actos instrutórios e prévios do processo administrativo estava perceptível o local onde foi praticada a infracção, relevando tal facto na surgir na decisão final.
7.ª – A nosso ver, tal não é, manifestamente, suficiente nem substitui tal relevantíssimo elemento que deve figurar numa condenação.
8.ª – Consequentemente, foi violada pela sentença sob análise a al. b) do n.º 3 do art. 283.º do CPP.
Nestes termos e nos melhores de direito doutamente supridos por V. Ex.as, deve ser proferido um acórdão revogatório que acolha estas conclusões como é de inteira justiça!
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4. O Ministério Público conclui a resposta que apresentou ao recurso nestes termos:
1. A arguida CA..., Unipessoal, Lda. foi condenada, pela prática de uma contra-ordenação prevista na alínea a) do n.º 3 do Cap. VI do Anexo I do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, conjugado com o ponto 7.1 e 10 da Portaria n.º 625/86, de 25.10, e punida nos termos da alínea f) do n.º 3 do artigo 9.º do DL 272/89, de 19-08.
2. Conforme artigo 131.º do Código da Estrada, “constitui contra-ordenação rodoviária todo o facto ilícito e censurável, para o qual se comine uma coima, que preencha um tipo legal correspondente à violação da norma do Código da Estrada ou de legislação complementar, bem como de legislação especial cuja aplicação esteja cometida à Direcção-Geral de Viação”.
3. Dispõe ainda o artigo 132.º do mesmo diploma legal: “As contra-ordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações”.
4. Consideramos que a contra-ordenação em apreço configura uma infracção rodoviária – o pensamento legislativo na redacção dos aludidos artigos (131.º e 132.º do CE) teve como finalidade aplicar a todas as contra-ordenações estradais – reguladas em legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja – o disposto no artigo 188.º daquele diploma legal.
5. Tal classificação – infracção rodoviária – não resulta da aplicação do artigo 6.º do DL 113/2008, de 01-07, mas da interpretação dos artigos 131.º e 132.º vigentes à data da prática do facto – redacção do DL n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro.
6. Pelo que, por força do disposto no artigo 188.º do mesmo compêndio normativo, o respectivo prazo de prescrição é de 2 (dois) anos.
7. Concluímos que o procedimento de contra-ordenação em causa não se encontra prescrito, nem foi violado o princípio constitucional da aplicação da lei mais favorável ao arguido.
8. Na decisão da autoridade administrativa consta como lugar da prática da infracção – E.N. 330, ao Km 29 – tendo o motorista da arguida sido interceptado no referido local onde assinou o auto de notícia que lhe imputava a contra-ordenação em referência.
9. Também nesta parte não assiste razão à arguida, tornando-se evidente que a decisão sobre recurso obedeceu ao disposto no artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP.
Nestes termos e nos melhores de direito deve ser declarado totalmente improcedente o recurso apresentado pela arguida, confirmando-se, em consequência, a douta decisão recorrida, assim se fazendo justiça.
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5. Nesta Relação, a Ex.ª Procurador-Geral Adjunta apenas apôs “visto”.
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II. Fundamentação:
Tal como deixamos registado no despacho preliminar, afigura-se-nos encontrar-se extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional dos autos.
A propósito desta problemática, teceu o Mm.º Juiz do tribunal a quo as seguintes considerações:
«Estabelece o artigo 118.º do CE que: “o procedimento por contra-ordenação rodoviária extingue-se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação tenham decorrido dois anos”.
Sendo que, em matéria de prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação, o preceito em anotação afasta-se do disposto no art. 27.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
Como tal, ao presente procedimento de contra-ordenação, por configurar uma infracção rodoviária, aplica-se o prazo de prescrição previsto no Código da Estrada, por unidade e coerência de sistema (regime este de prescrição que se aplicará a todas as contra-ordenações estradais que não somente àquelas previstas no CE).
Sobre o referido prazo de dois anos será ainda de fazer intervir as regras de suspensão e interrupção da prescrição do procedimento contra-ordenacional previstas no RGCO, nomeadamente as do artigo 27.º-A, n.ºs 1, alíneas b) e c), e 2, e artigo 28.º, n.ºs 1, alíneas a), c) e d), 2 e 3.
Assim, e pelo exposto, temos de concluir que o procedimento de contra-ordenação em causa não se encontra ainda prescrito».
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De acordo com a previsão do artigo 131.º do Código da Estrada (Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro): «constitui contra-ordenação rodoviária todo o facto ilícito e censurável, para o qual se comine uma coima, que preencha um tipo legal correspondente à violação de norma do Código da Estrada ou de legislação complementar, bem como de legislação especial cuja aplicação esteja cometida à Direcção-Geral de Viação».
Conforme estabelecido no Decreto-Lei n.º 77/2007, de 29 de Março, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) veio suceder à extinta Direcção-Geral de Viação nas atribuições em matéria de contra-ordenações rodoviárias, e daí a nova redacção dada ao artigo 131.º pelo DL n.º 113/2008, de 1 de Julho, que ora se reproduz:
«Constitui contra-ordenação rodoviária todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de norma do Código da Estrada ou de legislação complementar e legislação especial cuja aplicação esteja cometida à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e para o qual se comine uma coima».
De acordo com o artigo 10.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 272/89, de 19 de Agosto, «A instrução do processo por contra-ordenação e a aplicação da coima são da competência da Inspecção-Geral do Trabalho, salvo o disposto nos números seguintes», nos quais se dispõem:
«2. Caberá à Direcção-Geral de Viação a instrução do processo e a aplicação da coima por contra-ordenação às disposições relativas à instalação e homologação do tacógrafo;
3. A instrução dos processos, assim como a aplicação das coimas por infracção às normas relativas às operações de verificação e reparação dos tacógrafos, são da competência das delegações regionais do Ministério da Indústria e Energia».
No caso concreto, a contra-ordenação imputada à arguida não é relativa à instalação e homologação do tacógrafo; antes respeita a operações de verificação (inspecção periódica) daquele aparelho de controlo.
Assim sendo, para o seu processamento não é competente a DGV (hoje, ANSR), mas sim o Ministério da Indústria e Energia (actualmente, Ministério da Economia e Inovação).
Consequentemente, não estando a contra-ordenação em causa abrangida no conceito “rodoviária”, ao respectivo procedimento não é aplicável o artigo 188.º do Código da Estrada, mas sim o artigo 27.º do RGCO (DL 433/82, de 27-10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14-09 e pela Lei n.º 109/2001, de 24-12).
Se assim é em face da legislação vigente na data da prática dos factos, à mesma conclusão se chegaria se considerado o texto-norma do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 113/2008, de 1 de Julho, com a seguinte redacção:
«As contra-ordenações previstas em legislação complementar ao Código da Estrada, bem como em legislação especial, cuja aplicação não esteja cometida à Autoridade de Segurança Rodoviária e qualificadas como contra-ordenações rodoviárias, seguem o regime previsto no capítulo I do título VI e nos capítulos II e III do título VII e nos capítulos II a V do título VII do Código da Estrada, salvo se o diploma que as criou estabelecer regime diferente».
Vendo o complexo de normas conjugadamente, as contra-ordenações previstas em legislação complementar do CE e legislação especial são rodoviárias se a aplicação das respectivas coimas estiver cometida à ANSR; caso assim não suceda, mas as contra-ordenações forem qualificadas, em legislação complementar ou especial, como rodoviárias, são aplicáveis os normativos previstos no citado artigo 6.º do DL 113/2008, nomeadamente o artigo 188.º do referido Código.
Assim, na vertente que importa ter em conta, é de dois anos o prazo de prescrição relativo a contra-ordenações previstas em legislação especial, cuja aplicação não esteja cometida à ANSR, desde que as mesmas estejam qualificadas como contra-ordenações rodoviárias.
Sucede porém que, na situação em apreço, a contra-ordenação em análise não é qualificada, pela legislação especial aplicável, como “rodoviária”.
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Na consideração do limite máximo da coima correspondente à contra-ordenação imputada à arguida [€ 997,60, conforme artigo 9.º, n.º 3, alínea f) do DL n.º 272/89, de 19 de Agosto], em conformidade com o disposto no artigo 27.º, al. c) do RGCO, é de um ano o prazo de prescrição, o qual se conta a partir da data da prática da contra-ordenação, ou seja, 9 de Outubro de 2006.
A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão – que no concreto caso em análise não pode ultrapassar seis meses, por não se verificar a causa referida na alínea a) do artigo 27.º-A –, tiver corrido o referido prazo de um ano acrescido de metade (6 meses).
Ora, como facilmente se conclui, desde 9 de Outubro de 2006 até à presente data, já decorreu prazo superior ao de 2 anos, o que equivale a dizer que extinto já está, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional.
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III. Dispositivo:
Posto o que precede, declaro extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional e determino o arquivamento do processo.
Não há lugar a tributação.
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(Processado e revisto pelo signatário)
Coimbra, 24 de Junho de 2009
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(Alberto Mira)