Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
306/17.0T8PMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO ESTRADAL
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: LEIRIA (J L DE PORTO DE MÓS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: DECLARADA A PRESCRIÇÃO
Legislação Nacional: ART. 188.º, N,º 1, DO CE; ARTS. 27-A.º E 28.º DO RGCOC
Sumário: Nas contra-ordenações rodoviárias, a prescrição do procedimento terá sempre lugar decorridos que sejam [2 anos (prazo normal) + 1 ano (metade do prazo normal) + 6 meses (prazo de suspensão)] 3 anos e 6 meses sobre a data da prática da contra-ordenação.
Decisão Texto Integral:






I.


            Por decisão de 14 de Agosto de 2015 da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária [doravante, ANSR], do Ministério da Administração Interna, a arguida A... , com os demais sinais nos autos, foi condenada, pela prática, como reincidente, de uma contra-ordenação rodoviária muito grave, p. e p. pelos arts. 27º nº 1 e 2, a) 3º, 136º, 138º, 143º e 146º, i), do C. da Estrada, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de cento e vinte dias.

Inconformada, a arguida interpôs recurso de impugnação judicial que, por sentença de 23 de Novembro de 2017 [proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo Local Criminal de Porto de Mós], foi julgado improcedente e, em consequência, manteve a decisão administrativa.          


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            De novo inconformada com a decisão, recorreu a arguida para esta Relação, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1. O julgador no exercício da sua função deve “procurar a mais justa solução do caso concreto”, ficando o Tribunal vinculado a enquadrar nas especificidades do caso concreto os múltiplos interesses jurídico-sociais que o caso suscita.

2. Invoca-se, para todos os devidos e legais efeitos, a nulidade da decisão administrativa impugnada, por falta de elementos essenciais, exigidos quer nos termos do Regime Geral das Contra-Ordenações, quer supletivamente, pelo Cód. de Proc. Penal.

3. O procedimento criminal encontra-se prescrito uma vez que desde a data da alegada infração (02-07-2014) já decorreu o prazo indicado no artigo 27º do RGCOC e artigo 188º do Código da Estrada.

4. A alegada infracção terá ocorrido em 02-07-2014, pelo que deverá ser apreciada a eventual e concreta prescrição do procedimento contraordenacional.

5. A qual ocorrerá e deverá ser declarada nos presentes autos, atendendo ao decurso do prazo remanescente para verificação de tal prescrição, nos termos dos artigos 28º/3 e 27º-A do RGCOC.

6. Prescrição que se invoca com todas as legais consequências e que é de conhecimento oficioso.

7. Deve a arguida ser absolvida da pena acessória em que foi condenada, sendo arquivados os presentes autos.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a douta Sentença recorrida, e decidindo-se como se propugna supra, nomeadamente declarando procedente por provada a impugnação judicial deduzida a fls… dos autos, absolvendo-se a arguida, arquivando-se os autos de contraordenação, com todas as legais consequências, assim se fazendo a necessária e costumada JUSTIÇA!


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, alegando, em síntese, que a decisão administrativa não padece de nulidade pois contém todos os elementos necessários, que a decisão recorrida não padece de qualquer nulidade e que não está prescrito o procedimento pois que a prescrição do mesmo só ocorrerá em 2 de Janeiro de 2018 [trata-se de manifesto lapso a referência feita, na resposta ao recurso, a 02-01-2017] e concluiu pela improcedência do recurso.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer acompanhando a resposta do Ministério Público e afirmando que o procedimento contra-ordenacional se encontra prescrito desde 2 de Janeiro de 2018, e concluiu pelo provimento do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal

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II.


Dispõe a alínea c) do nº 6 do art. 417º do C. Processo Penal que, após exame preliminar, o relator profere decisão sumária, quando existir causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso.

Uma das causas extintivas do procedimento contra-ordenacional é a respectiva prescrição.

Atentas as conclusões apresentadas pela recorrente (art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal), as questões a decidir no presente recurso são, a prescrição do procedimento contra-ordenacional e a nulidade da decisão administrativa.

            Vejamos.


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            A) Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

1. No dia 02.07.2014, pelas 10H22, na EN 243, ao Km. 0,900, localidade de Cabeceiras, área deste Juízo Local Criminal de Porto de Mós, a arguida A... conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula X (...) .

2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, a arguida circulava pelo menos a uma velocidade de 109 Km/h, correspondente à velocidade registada de 115 km/h, deduzida a margem de erro legalmente admissível, conforme verificado através do radar Multinova 6FD, modelo MUVR 6FD, aprovado pelo UPQ através do despacho n.º 111.20.2002, publicado no DR, III Série, de 28.03.2001, e pela DGV, em 04.12.2002, publicado do DR, II Série, n.º 98, de 28.04.2003.

3. A velocidade permitida no local é de 50 Km/h.

4. A arguida não agiu com o cuidado a que estava legalmente obrigada e de que era capaz.

5. A arguida procedeu ao pagamento voluntário da coima, no valor de € 300,00 [trezentos euros].

[Mais se provou que:]

6. A arguida tem averbado no seu registo de condutor(a) a prática, em 19.11.2012, de uma contra-ordenação grave – auto n.º 385465602 – sancionada, no que ora releva, com 30 dias de inibição e conduzir, suspensa na sua execução por um período de 180 dias, tendo sido notificada da respectiva Decisão em 02.06.2014.

(…)”.

B) E foram considerados não provados os seguintes factos:

“ (…).

a) Que nas circunstâncias de tempo e lugar mencionas em 1. supra, a arguida estivesse acompanhada do seu filho de 23 anos, o qual padece de deficiências no âmbito cognitivo e intelectual;

b) Que a conduta praticada pela arguida mencionada em 2. supra tenha ficado a dever-se a uma crise comportamental do mencionado filho.

(…)”.


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            1. Alega a recorrente – conclusões 3 a 6 – que tendo a alegada infracção sido praticada em 2 de Julho de 2014, já decorreram os prazos indicados nos arts. 27º, 27º-A, 28º, nº 3 do RGCOC e 188º do C. da Estrada pelo que, se mostra prescrito o procedimento contra-ordenacional, o que deverá ser declarado nos autos, com as legais consequências.

            Por sua vez, a resposta do Ministério Público e o parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto coincidem quanto a ter ocorrido a prescrição do procedimento no dia 2 de Janeiro de 2018.

           

            Nos autos foi imputada à recorrente a prática, em 2 de Julho de 2014, de uma contra-ordenação rodoviária muito grave, p. e p. pelos arts. 27º nº 1 e 2, a) 3º, 136º, 138º, 143º e 146º, i), do C. da Estrada.

            Dispõe o art. 188º deste código, no seu nº 1, que o procedimento por contra-ordenação rodoviária se extingue, por efeito da prescrição, logo que, sobre a sua prática tenham decorrido dois anos.

            Por seu turno, estabelece o art. 28º do RGCOC, com a epígrafe «Interrupção da prescrição», na parte em que agora releva:

            1 – A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:

 a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para o exercício da do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; 

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

(…).

3 – A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.       

            E dispõe o art. 27º-A do mesmo regulamento, com a epígrafe «Suspensão da prescrição»:

            1 – A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

            a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

            b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do art. 40º; 

            c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima até à decisão final do recurso.

            2 – Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.

            O que distingue os efeitos da interrupção da prescrição dos efeitos da suspensão da prescrição é que, no primeiro caso, iniciando-se o prazo com a prática da infracção, ocorrendo uma causa de interrupção, o prazo até aí decorrido fica inutilizado, começando então a correr um novo prazo, enquanto no segundo caso, ocorrendo uma causa de suspensão, o prazo que estava em curso não fica inutilizado, apenas deixa de correr durante o período fixado ou até ao desaparecimento do obstáculo legalmente previsto, voltando a partir daí a correr.

             Aqui chegados.

            2. O termo a quo do prazo de prescrição do procedimento é, portanto, a data da prática do facto que constitui a contra-ordenação, in casu, o dia 2 de Julho de 2014.

            Sendo de dois anos o prazo normal de prescrição do procedimento por contra-ordenação rodoviária (art. 188º, nº 1 do C. da Estrada), este prazo terminaria em 2 de Julho de 2016, isto, não existindo causas de interrupção e de suspensão do prazo.

            Atentemos, portanto, nas causas de interrupção e de suspensão.

            Tendo começado a correr no dia 2 de Julho de 2014, o prazo de prescrição do procedimento interrompeu-se com a prolação da decisão da ANSR em 14 de Agosto de 2015 (art. 28º, nº 1, d) do RGCOC), começando a contar um novo prazo que foi, por sua vez, interrompido com a notificação daquela decisão, em 21 de Agosto de 2015 (art. 28º, nº 1, a) do RGCOC).

Começou então a contar um novo prazo que foi interrompido em 22 de Junho de 2017, com a notificação à recorrente do despacho de admissão do recurso de impugnação judicial (art. 28º, nº 1, a) do RGCOC) sendo que o novo prazo que a partir daí deveria ter começado a correr, ficou suspenso, pelo período máximo de seis meses (art. 27º-A, nºs 1, c) e 2 do RGCOC) o que significa que ficou suspenso até 22 de Dezembro de 2017, passando a correr a partir de então.

De tudo isto resulta que, entre as várias causas de interrupção do prazo de prescrição não decorreu o prazo normal de dois anos.

Acontece que o nº 3 do art. 28º do RGCOC estabelece o que podemos designar por válvula de segurança do sistema, impedindo que, através de sucessivas e ilimitadas situações de interrupção e suspensão do prazo de prescrição do procedimento, este se eternize. Assim, nos termos desta disposição legal, a prescrição do procedimento ocorrerá sempre quando, desde o seu início e com ressalva do tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal acrescido de metade.

Deste modo, nas contra-ordenações rodoviárias, a prescrição do procedimento terá sem lugar decorridos que sejam [2 anos (prazo normal) + 1 ano (metade do prazo normal) + 6 meses (prazo de suspensão)] 3 anos e 6 meses sobre a data da prática da contra-ordenação. 

Tendo a contra-ordenação imputada nos autos à recorrente sido praticada em 2 de Julho de 2014, o respectivo procedimento contra-ordenacional prescreveu no passado dia 2 de Janeiro de 2018. 

            Em conclusão, tendo a contra-ordenação rodoviária sido praticada em 2 de Julho de 2014, em 2 de Janeiro de 2018 esgotou-se o prazo máximo legalmente admissível de prescrição de três anos e seis meses, pelo que se impõe declarar extinto o respectivo procedimento.


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            3. A prescrição do procedimento contra-ordenacional prejudica, necessariamente, o conhecimento da sobrante questão invocada no recurso da nulidade da decisão administrativa.

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III.


Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos arts. 27º-A, nºs 1, c) e 2 e 28º, nº 3 do RGCOC e 188º, nº 1 do C. da Estrada, declaro extinto, por prescrição, o procedimento por contra-ordenação rodoviária que nos autos é exercido contra a recorrente.

Recurso sem tributação atenta a sua procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 92º, nº 1 do RGCOC).

Notifique.        


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Coimbra, 21 de Fevereiro de 2018


(Heitor Vasques Osório)