Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00095/05.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/03/2008
Relator:Fonseca Carvalho
Descritores:REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO EM IRC
Sumário:I – Tendo a impugnante no inicio da sua actividade estimado um proveito que automaticamente a enquadraria no regime simplificado de tributação previsto no artigo 53.º do CIRC optado pelo regime geral de tributação, tal opção releva no caso de o sujeito passivo ter obtido proveitos que automaticamente o enquadrariam no regime simplificado devendo por isso aplicar-se-lhe o regime geral de tributação em sede de IRC.
II – Deve por isso ter-se por ilegal a tributação do sujeito passivo pelo regime simplificado efectuado pela AF que desconsiderou a opção infringindo assim o n.º 1 do artigo 53 do CIRC, sendo que nos termos do n.º 8 do mesmo preceito essa opção é válida pelo período de três exercícios.
III – A opção do contribuinte apenas é permitida em relação ao regime geral de tributação.
IV – Apesar de aparentemente o regime simplificado de tributação apontar para a dispensa do direito de audição previa previsto no artigo 60.º da LGT na medida em que o que caracteriza este regime é a irrelevância dos custos ou despesas para o apuramento da matéria colectável sendo que o apuramento dos proveitos se encontra especificamente determinado nos n.os 3 e 4 do artigo 53 do CIRC, o que tornaria a colaboração do sujeito passivo dispensável por ser apenas diligência dilatória, na medida em que o sujeito passivo pode questionar todos os elementos que contribuem para o apuramento dos proveitos a omissão da sua audição prévia deve considerar-se como preterição de formalidade invalidante do acto administrativo da liquidação, até porque “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemos».
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Não se conformando com a sentença do TAF de Braga que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Construções Ernesto , Ldª, contra a liquidação de IRC do ano de 2002 veio a Fazenda Publica dela interpor recurso para o TCAN concluindo assim as suas alegações:
1º É esta a posição da Fazenda Pública, boa ou má, que os Ilustres Desembargadores terão de decidir em conclusão final.
2º A conclusão da Meritíssimo Juiz de que tendo a Impugnante indicado expressamente no quadro 19 da declaração de início de actividade (de 01/10/2001) a opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável em IRC deverá permanecer neste regime por um período de cinco anos.
3º Considera contudo a Fazenda Pública que a Impugnante não detinha aquela opção, dado que o volume de negócios estimado pela impugnante (44.891,81€ para os três meses de 2001 — 179.569€ para os 12 meses) era superior ao previsto no art. 53° do CIRC, e uma vez que no regime simplificado apenas podem ser enquadrados sujeitos passivos com um volume total anual de proveitos inferior a 149.639,37 euros.
4º A Impugnante estava pois, no ano de início de actividade, por imposição legal, enquadrada automática e obrigatoriamente neste regime geral.
5º Contudo, no modelo 22 referente ao exercício de 2001 declarou que apenas obteve 31.504€ de proveitos.
6º Assim sendo, querendo a impugnante manter-se no regime geral, e estando em causa a tributação dos exercícios seguintes ao início de actividade deveria ter feito a opção por este regime até 31/03/2003 (alínea b), n° 7, art. 53º CIRC).
7º É aliás esta a posição jurisprudencial manifestada no Acórdão de 13/01/2005 da 2 Secção de Contencioso Tributário do TCA Norte in processo n.° 01570/04.
8º Relativamente à questão da falta de notificação para audição prévia, também decidida favoravelmente à Impugnante pela douta decisão, considera a F.P. que também aqui houve uma errada interpretação e aplicação da lei.
9º Com efeito, o n°1 do art. 60° prevê as situações em que deve ocorrer a participação do contribuinte na formação das decisões tributárias.
10º Contudo, nestes casos, são automaticamente abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que cumpram os requisitos do art. 53° do CIRC, sem a A.T. ter qualquer margem de manobra de discricionaridade ou decisão sequer.
11º Assim, a A.T. actua, exclusivamente, no âmbito de poderes vinculados e por imposição legal, não se podendo falar numa verdadeira decisão por parte da A.T..
Tendo a Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” decidido em sentido contrário, isto é tendo decidido pela procedência da Impugnação, fez uma incorrecta interpretação da factualidade e da lei, pelo que deverá ser proferido acórdão que decida pela improcedência da mesma, como é de inteira justiça.
Não houve contra alegações.
O MP pronuncia-se pela procedência do recurso.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
Foi a seguinte matéria de facto que o Tribunal «a quo» deu como provada:
1 — A ora impugnante foi notificada para proceder ao pagamento da importância total de € 7.255,65 respeitante ao IRC do ano de 2002, cfr. nota de liquidação a fls. 10 emitida em 16.08.2004 e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
2 — A ora impugnante iniciou a sua actividade em 01.10.2001, cfr. declaração de início a fls.5/7 do PA. e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
3 — Na declaração de início de actividade optou pelo regime geral.
4 — Em 25 de Março de 2004 a ora impugnante dirigiu um requerimento ao Chefe do Serviço de Finanças de Vizela requerendo a aceitação da declaração de alterações para efeitos do n° 7 do art° 53 do CIRC, cfr.doc. de fls. 11 do PA.
5 — Na mesma data dirigiu ao Director Geral dos Impostos um requerimento solicitando o seu enquadramento no regime geral com efeitos reportados a 2002, cfr. doc. de fls. 12 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
6 — A declaração de alterações referida em 4 foi entregue no Serviço de Finanças de Vizela em 25 de Março de 2004, cfr. doc. de fls. 13 do PA.
7 — Em 2001, a ora impugnante teve um volume de negócios no montante de € 31.504,08.
8 — A Administração Fiscal enquadrou a ora impugnante no regime simplificado no período de 01.01.2002 a 31.12.2004, cfr. informação de fls. 1 do PA.
9 — A ora impugnante não foi notificada para exercer o direito de audição quanto à liquidação ora impugnada.
10 — A liquidação ora impugnada e datada de 16.08.2004, foi elaborada de acordo com o regime simplificado de tributação, cfr. fls. 10 destes autos.
Foi perante esta factualidade que o M.mo Juiz «a quo» julgou procedente a impugnação por entender ter existido preterição de formalidade legal no decorrer do procedimento liquidatário ao não ter sido ouvido o contribuinte antes da liquidação em ofensa ao preceituado no artigo 60/1 al. a) da LGT o que inquina o acto final da liquidação.
E também porque a Administração Fiscal ao determinar o lucro tributável de acordo com o regime simplificado quando o contribuinte tinha anteriormente optado pelo regime geral de tributação ofendeu o preceituado no artigo 53º do CIRC.
A Fazenda Pública insurge-se contra esta decisão pois entende como se vê das suas alegações e conclusões do recurso que a opção inicial pelo regime de tributação pelo regime geral, opção que se deu como provada não deve ser qualificada de verdadeira opção mas antes de enquadramento automático e imposição legal face ao volume de negócios estimado.
Daí que face ao volume de negócios declarados pela impugnante para o ano de 2001 de € 31.504,08 de proveitos e face à irrelevância da dita opção a AF tivesse apurado o lucro tributável do ano de 2002 fazendo operar automaticamente o regime simplificado por tal regime dada a irrelevância da opção se impor “ex lege” dado encontrarem-se verificados os seus requisitos constitutivos prescritos no artigo 53º do CIRC.
Por outro lado quanto à invocada e julgada procedente existência de preterição de formalidade a Fazenda entende que “in casu” esta formalidade era dispensável por não ter razão de ser face ao regime aplicado.
O M.mo Juiz «a quo» ao julgar procedente a violação do artigo 53º do CIRC por aplicação do regime simplificado partiu do princípio que o impugnante havia oportunamente optado pelo regime geral de determinação do lucro tributável opção essa que ocorreu no exercício de 2001/01/10.
E sendo assim tinha o direito de nesse regime se manter nos cinco exercícios subsequentes e daí que o no exercício de 2002 devesse o lucro tributa ser determinado pelo regime de opção o regime geral.
E porque o artigo 60/1 al. a) da LGT impõe o dever de ouvir o contribuinte antes da liquidação e porque está provado que in casu tal não aconteceu julgou igualmente verificada a preterição de formalidade legal invocada que por inquinante do acto administrativo da liquidação determina consequentemente a sua anulação.
Cumpre decidir.
Para tanto o TCAN dá aqui por provada toda a factualidade constante do probatório da sentença recorrida e ainda:
A) Na declaração da sua actividade o impugnante indicou uma previsão de volume de negócios para os três meses restantes de 2001 de € 44.891,81 o que presumia um volume de negócios anual de € 179.569.
B) Na declaração modelo 22 para o ano de 2001 ao impugnante declarou ter obtido nos três meses referidos em A) apenas € 31.504.
Estes factos estão comprovados nos autos.
Estatui o artigo 53º do CIRC na redacção primitiva:
«1. Ficam abrangidos pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável os sujeitos passivos residentes que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial industrial ou agrícola não isentos nem sujeitos a algum regime especial de tributação com excepção dos que se encontrem sujeitos à revisão geral de contas que apresentem no exercício anterior ao da aplicação do regime um volume total anual de proveitos não superior a 30.000.000$00 (€ 149.639,37) e que não optem pelo regime de determinação do lucro tributável previsto na secção II do presente capítulo.
A primeira conclusão a retirar do citado preceito é que mesmo que o volume de negócios da impugnante seja inferior ao estabelecido para a sujeição ao regime geral de tributação devendo neste caso estar sujeito ao regime simplificado de tributação ao sujeito passivo fica sempre aberta a possibilidade de opção pelo regime geral de tributação.
No caso dos autos o sujeito passivo no inicio da actividade e prevendo a hipótese de atingir um volume de proveitos que o sujeitaria automaticamente à tributação pelo regime simplificado optou desde logo pela tributação pelo regime geral de tributação em sede de IRC.
Porque no caso que nos ocupa o impugnante só logrou atingir um volume de proveitos que o sujeitariam automaticamente ao regime simplificado de tributação a AF desconsiderando a opção efectuada pela impugnante no início da sua actividade aplicou o regime simplificado de tributação.
Mas ao fazê-lo desrespeitou a opção que o legislador faculta ao contribuinte e os seus efeitos.
O direito de optar em potência actua-se e surge como direito na esfera jurídica da impugnante aquando da entrega do modelo 22 relativo ao exercício de 2001 quando declara que obteve €31.504 de proveitos no ano a que a declaração se refere.
Nessa altura actua o direito de opção pelo regime geral ao abrigo do artigo 53º do CIRC por ser um sujeito passivo que agora sim estava «ex lege» sujeito ao regime simplificado caso não tivesse exercido tal opção.
Veja-se aliás neste mesmo sentido o Acórdão do TCAN de 13/01/2005 in Rec. 01570/04 cujo sumário se transcreve:
«1º Segundo o artigo 53 do CIRC introduzido pela Lei nº 30-G/2000 de 29/12 são automaticamente abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos cujo volume total de proveitos no exercício anterior seja inferior a € 149.639,37 a menos que expressamente optem pelo regime geral.
2º Porque quando se inicia a actividade não há exercício anterior que posa ser tomada por referência há que considerar nesse exercício inicial o montante anual de proveitos estimado constante da declaração de início de actividade mas se face ao volume de proveitos posteriormente declarado relativamente a esse exercício ocorrerem os requisitos para a inclusão no regime simplificado há que aplicar este regime.
3º Os sujeitos passivos que ficam sujeitos ao regime simplificado podem optar pelo regime geral devendo para o efeito fazê-lo na declaração inicial da actividade ou em declaração de alteração a apresentar até ao fim do 3º mês do período de tributação do início da aplicação do regime.
4º Uma vez efectuada a opção pelo regime geral a mesma é válida por um período de três exercícios findos os quais caduca excepto se for renovada nos termos e prazos referidos nos n.º 8 e 9 do artigo53º do CIRC.
5º A inclusão automática no regime geral não se encontra sujeita a essa regra de validade cessando logo que se verifiquem os pressupostos legais para aplicação do regime simplificado.»
E no mesmo sentido Luís Cupertino in Revista o Fisco nº 119/121 de Setembro 2005, pp. 152.
Por isso e face à validade da opção pelo regime geral e ao preceituado no artigo 53/8 do CIRC bem andou a sentença recorrida ao não aceitar a tributação pelo regime simplificado.
Resta-nos tão somente decidir da invocada preterição de formalidade legal.
Prescreve efectivamente o artigo 60/1 al. a) da LGT a obrigatoriedade da audição previamente à liquidação do contribuinte.
Que houve omissão da audição prévia por parte da AT é facto dado como provado.
Mas como se sabe este direito de cooperação que tem consagração constitucional tem como pressuposto a utilidade da visão do sujeito passivo da sua iniciativa e seu contributo na fixação da matéria colectável.
Ora esta finalidade face ao regime imperativo do artigo 53º do CIRC ao procedimento taxativamente regularizado dessa determinação pareceria tornar irrelevante qualquer cooperação do sujeito passivo como pretende a Fazenda Pública.
E sendo assim a omissão dessa audição embora existente não deveria ser relevada de preterição essencial mas mera irregularidade sem relevância jurídica.
No entanto esta desnecessidade é apenas aparente.
Efectivamente o que releva no regime simplificado de tributação ocorra ele em sede de IRS ou em sede de IRC é a não relevância dos custos ou despesas para o apuramento da matéria colectável mas esta irrelevância já se não constata nos restantes elementos a que a AF se aterá para o apuramento da matéria colectável.
Daí que se não posa afirmar que a não audição prévia do impugnante em sede de regime simplificado não seja necessária e não constitua preterição de formalidade invalidante do acto final da liquidação.
Face ao exposto acordam os Juízes do TCAN em negar provimento ao recurso.
Sem custas por não serem devidas.
Notifique e registe.
Porto, 03/07/2008
José Maria da Fonseca Carvalho
Moisés Rodrigues
Dulce Neto