Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00497/07.8BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/22/2009
Relator:Francisco Rothes
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL - FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO - INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA - DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I - É de anular a sentença proferida em oposição à execução fiscal que incorreu em excesso de pronúncia por nela se ter apreciado e decidido questão que não foi suscitada pelo oponente e que não é do conhecimento oficioso.
II - A alegação aduzida pelo oponente, de que nunca foi notificado da liquidação do tributo que deu origem à dívida exequenda, o que determina que esta seja inexigível, integra, em abstracto, o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT.
III - Não tendo a 1.ª instância averiguado dos factos pertinentes para verificar se o executado foi ou não notificado daquela liquidação, cumpre devolver-lhe o processo, a fim de aí se proceder pertinente instrução e, ulteriormente, ser proferida nova sentença.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO

1.1 FERNANDO TEIXEIRA (adiante Executado, Oponente ou Recorrido) deduziu oposição fiscal à execução fiscal que o Serviço de Finanças de Paredes instaurou contra ele para cobrança coerciva de uma dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2002 e respectivos juros compensatórios.
O Oponente alegou, em síntese, os seguintes fundamentos:
– nunca foi notificado do acto tributário que deu origem à dívida exequenda, do qual nunca lhe foi dado conhecimento, pelo que, não pôde exercer o seu direito de defesa contra tal acto;
– por outro lado, também nunca antes lhe foi exigido o pagamento do montante liquidado, pelo que não lhe foi concedida a possibilidade de proceder ao pagamento voluntário da dívida ora em execução;
– por esses motivos, a«dívida exequenda em causa não pode ser exigível» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.), sendo que «[a] falta ou ausência de tal requisito importa a inexequibilidade da certidão de dívida por constituir a nulidade prevista na alínea a) do nº. 1 do art. 165º do C.P.P.T.», nulidade insanável e que importa a anulação dos actos subsequentes.

Concluiu a petição inicial nos seguintes termos: «[…] deve a presente oposição ser recebida e, por via dela:
a)- ser julgada procedente por provada;
b)- Conhecer-se da arguida nulidade prevista na al. a) do nº. 1 do art. 165º do C.P.P.T. e, em conformidade;
c)- Declarar-se a inexequibilidade da certidão de dívida e, consequentemente,
d)- Extinguir-se a presente acção executiva».

1.2 Foi proferida sentença que julgou a oposição procedente.
Para tanto, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, depois de referir que a «oposição à execução fiscal visa em regra a extinção da execução e só pode ter como fundamentos os previstos no artigo 204º do CPPT» e que «[a] nulidade invocada prevista no artigo 165º, n.º 1 a) do CPPT corresponde à falta de citação do processo de execução fiscal, citação esta que se mostra efectuada através do documento junto a fls. 12», considerou, em síntese, que o Oponente para além da falta de citação, invocou também a falta ou irregularidade da notificação da liquidação, sendo que esta constitui fundamento de oposição à execução fiscal.
Depois, conhecendo deste fundamento, se bem interpretamos a sentença (() Salvo o devido respeito, não é fácil acompanhar o raciocínio subjacente à sentença, designadamente qual o fundamento jurídico que motivou a procedência da oposição à execução fiscal.), a Juíza julgou-o procedente, e julgou a execução extinta «em relação ao oponente». Isto, em síntese, considerando que, com a alegação da falta de notificação da liquidação, «o que o oponente pretende é atacar a execução com base na falta de notificação do tributo no prazo de caducidade – artigo 204, n.º 1, al. e), do CPPT», que «resulta da análise dos elementos de prova disponíveis nos autos que, o ora oponente, não foi devidamente notificado em prazo», que o «direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação [não] for notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro – artigo 45º, n.º 1 da LGT» e que «[n]ão se verifica nenhuma das hipótese de suspensão do prazo da caducidade».

1.3 A Fazenda Pública recorreu da sentença para este Tribunal Central Administrativo Norte e o recurso foi admitido, para subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. A douta sentença do Tribunal a quo fez uma errónea interpretação dos factos e do direito, decidindo a extinção da execução fiscal contra o ora oponente com fundamento na falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade.
B. O pedido concreto e objectivo formulado pelo oponente na sua petição inicial é a declaração de nulidade da falta de citação, nos termos do disposto na al. a), n.º 1 do artigo 165º do CPPT.
C. Este fundamento não é válido para efeitos de dedução de oposição à execução fiscal, na medida em que os fundamentos previstos no artigo 204º do CPPT se encontram taxativamente elencados e este não vem ali consignado.
D. O iter procedimental correcto passaria pela arguição da falta de citação (por não conter os elementos necessários) junto do órgão de execução fiscal.
E. O eventual indeferimento dessa arguição determinaria a apresentação de uma reclamação dos actos do órgão de execução nos termos e para os efeitos previstos no artigo 276º e ss do CPPT.
F. Não o tendo feito pela forma legalmente estabelecida para o efeito, fez o oponente um uso indevido do meio processual de oposição.
G. O uso de um meio processual impróprio ou desadequado constitui matéria de excepção a ser objecto de apreciação prévia na douta sentença, de harmonia com o estatuído no artigo 124º do CPPT e artigo 660º do CPC.
H. A decisão jurisdicional em crise não fez a devida ponderação e apreciação da legalidade do meio processual utilizado pelo oponente, pelo que enferma de erro de julgamento.
I. Por outro lado, se a análise jurisdicional se cingisse ao pedido formulado pelo oponente, inexoravelmente, o douto decisório concluiria, como concluiu, pela ausência dessa mesma nulidade.
J. O próprio decisório admite e afirma o facto positivo “o oponente foi citado pessoalmente, em 26 de Julho de 2007, no âmbito do processo de execução fiscal, cfr. doc. de fls. 10 a 12 dos autos”.
K. Toda e qualquer análise que fosse efectuada em torno da questão da nulidade de falta de citação, levaria a Mmª Juíza a concluir pela sua inverificação.
L. Não tendo feito pela forma que antecede, incorre a douta sentença em erro de julgamento, por ilegal interpretação e aplicação do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 123º e n.º 1 do artigo 124º do CPPT e ainda do artigo 660º n.º 1 do CPC, aplicável supletivamente

Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências».

1.5 O Oponente não contra alegou.

1.6 Recebido o processo neste Tribunal Central Administrativo Norte, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, nos seguintes termos:

«Vem o presente recurso jurisdicional da sentença do TAF de Penafiel que julgou procedente a oposição com fundamento na falta de notificação da liquidação adiciona do tributo no prazo de caducidade, nos termos da al. e), nº 1 do artº 204º do CPPT.
Defende a recorrente que a oposição deveria ter sido rejeitada dado que o oponente usou de meio processual impróprio, na medida em que a declaração de nulidade da citação na execução fiscal, não é fundamento válido para efeitos de dedução de oposição à execução fiscal, não constando dos fundamentos taxativamente previstos no artº 204º do CPPT.
Por outro lado, se a sentença se tivesse cingido ao pedido formulado deveria ter concluído pela ausência da invocada nulidade dado que deu como provado que o oponente foi citado pessoalmente, em 26 [(() Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita: escreveu-se 27 onde se queria dizer 26.)] de Julho de 2007, no âmbito do processo de execução fiscal.
A meu ver, a recorrente não tem razão, pelo que deve ser negado provimento ao recurso.
Com efeito, o oponente, embora não tenha feito apelo expresso ao fundamento legal que determinou a procedência do pedido, alegou não ter tomado conhecimento da liquidação adicional e o Fisco não logrou provar que o notificou daquela liquidação no prazo de caducidade.
Assim sendo, havia matéria bastante para a procedência da oposição, sendo irrelevante a falta de rigor do oponente na definição legal dos factos alegados.
Não merece, pois, censura a douta sentença recorrida».

1.7 Foram colhidos os vistos dos Juízes adjuntos.

1.8 A única questão de que cumpre apreciar e decidir, como procuraremos demonstrar em 2.2.1, é a de saber se a sentença recorrida incorreu em excesso de pronúncia ao julgar a oposição procedente com fundamento na falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, fundamento que não foi invocado pelo Oponente (cf. conclusões A) e B)) e que não é do conhecimento oficioso.

* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

« III – DOS FACTOS.

A – Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa:

- Por dívidas de IRS respeitantes ao ano de 2002, foi instaurado em 11-07-2007 o processo executivo n.º 1848200701048287, contra o oponente e mulher, Maria Elisabete , no valor de 409 794,65 euros – cfr. doc. de fls. 8 e 9 dos autos.

- O oponente foi citado pessoalmente, em 26 de Julho de 2007, no âmbito do processo de execução fiscal – cfr. doc. de fls. 10 a 12 dos autos.

- A acção inspectiva ocorreu numa casa sita no lugar de Charrasqueira, Carneiro, Amarante, tendo a ordem de serviço sido assinada pela executada e mulher do oponente – Maria Elisabete .

B – Factos não provados com relevância para a decisão da causa:

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa».

2.1.2 Se bem que o julgamento da matéria de facto, tal como efectuado pela 1.ª instância, não venha directamente posto em causa, entendemos, ao abrigo dos poderes que nos são conferidos pelo art. 712.º do Código de Processo Civil (CPC), proceder à sua exposição em termos diversos, bem como ao aditamento de outros factos, o que passamos a fazer nos seguintes termos:
a) O Serviço de Finanças de Paredes instaurou em 11 de Julho de 2007 contra Fernando Teixeira e Maria Elisabete um processo de execução fiscal, a que atribuiu o n.º 1848200701048287, para cobrança coerciva de uma dívida de € 409.794,65 e acrescido (cf. a informação de fls. 15 e cópias da capa do processo de execução fiscal e da certidão de dívida, a fls. 8 e 9);
b) Esse processo foi instaurado com base numa certidão emitida pela Direcção Geral de Impostos em 11 de Julho de 2007 e da qual aqueles constam como devedores das quantias de € 353.172,81 de IRS do ano de 2002 e respectivos juros compensatórios, do montante € 56.621,84, no total já referido de € 409.794,65,03 (cf. a informação de fls. 15 e cópia da certidão de dívida a fls. 9);
c) Para citação de Fernando Teixeira para os termos da execução fiscal dita em a), o Serviço de Finanças de Paredes remeteu-lhe nota de citação, acompanhada por cópia da certidão de dívida, por correio postal registado e com aviso de recepção, que foi devolvido assinado com data de 26 de Julho de 2007 (cf. a informação de fls. 15 e as cópias da nota de citação e do aviso de recepção a fls. 10 e 12, respectivamente);
d) Em 7 de Agosto de 2007, Fernando Teixeira fez dar entrada no Serviço de Finanças de Paredes a petição por que deduziu oposição à execução fiscal dita em a) e que deu origem ao presente processo (cf. a petição de fls. 3 a 5);
e) A liquidação de IRS que deu origem à execução fiscal dita em a) foi efectuada na sequência de uma acção inspectiva a Fernando Teixeira , da qual resultou a alteração do rendimento líquido para efeitos de IRS do ano de 2002 por omissão de rendimentos da categoria E, do montante de € 899.105,76 (cf. a informação de fls. 15 e o processo administrativo em apenso).

2.1.3 A matéria de facto que demos como assente no ponto 2.1.2 foi-o com base nos elementos probatórios documentais expressamente referidos a seguir a cada uma das alíneas, que não foram postos em causa.

*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
Fernando Teixeira deduziu oposição a uma execução fiscal que a Administração instaurou contra ele para cobrança de uma dívida de IRS e respectivos juros compensatórios. Na interpretação que fazemos da petição inicial, invocou como único fundamento da oposição a falta de notificação da liquidação, a determinar a inexigibilidade da dívida exequenda e que, como procuraremos demonstrar adiante constitui fundamento de oposição à execução fiscal, subsumível à alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT.
É certo que na petição inicial o Oponente aludiu também à falta de citação e invocou a respectiva nulidade, fazendo referência expressa à alínea a) do art. 165.º do CPPT (() O art. 165.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, dispõe:
«1 - São nulidades insanáveis em processo de execução fiscal:
a) A falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do interessado;
[…]».) e pedindo, a final, que se conheça de tal nulidade. Mas, a nosso ver e salvo o devido respeito, tal deve-se, única e exclusivamente, à confusão que o Oponente fez entre a falta de notificação da liquidação e a falta de citação na execução fiscal. Na verdade, nunca, na petição inicial ou ulteriormente, o Executado alegou qualquer factualidade que possa subsumir-se à falta de citação (() Nos termos do disposto no art. 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável subsidiariamente ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT,
«1 – Há falta de citação
a) Quando o acto tenha sido completamente omitido;
b) Quando tenha havido erro de identidade do citado;
c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital;
d) Quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade;
e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.
[…]».) na execução fiscal. Por outro lado, o Executado veio opor-se dentro do prazo legal para o efeito, que, em regra e na ausência de qualquer alegação relativa susceptível de integrar facto superveniente ou seu conhecimento, se conta desde a data da citação pessoal do executado (() Cf. art. 203.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPPT e as alíneas c) e d) dos factos que demos como provados no ponto 2.1.2.). O que o Oponente fez foi, isso sim, afirmar que nunca foi notificado da liquidação adicional que deu origem à dívida em execução, o que determinava a inexigibilidade da dívida exequenda. O lapso do Oponente – confundir a falta de notificação da liquidação com a falta de citação na execução – resulta manifesto da alegação que verteu sob os itens 12º a 17º da petição inicial, designadamente da passagem em que diz que a invocada inexigibilidade da dívida exequenda, por falta de notificação da liquidação do imposto que lhe deu origem, «importa a inexequibilidade da certidão de dívida por constituir a nulidade prevista na al. a) do nº. 1 do art. 165º do C.P.P.T.»; resulta igualmente manifesto dos termos em que formulou o pedido, pois, imediatamente após pedir ao Tribunal que conheça «da arguida nulidade prevista na al. a) do nº. 1 do art. 165º do C.P.P.T.», pediu que «em conformidade» (sublinhado nosso), se declarasse a «inexequibilidade da certidão de dívida».
Ou seja, a nosso ver, é manifesto que a pretensão do Oponente foi sempre, tão-somente, alegar que não foi notificado da liquidação adicional de IRS (e respectivos juros compensatórios) que deu origem à dívida exequenda, motivo por que esta era inexigível. Nada mais do que isso, sendo que as referências à falta de citação só por manifesto lapso (confusão com a falta de notificação da liquidação) se explicam.
Não foi assim que a sentença interpretou a petição inicial.
Na verdade, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel considerou que o Oponente quis realmente invocar a nulidade por falta de citação, prevista no art. 165.º, n.º 1, alínea a), do CPPT. No entanto, e embora os termos em que foi redigida a sentença (() Que, salvo o devido respeito, apresenta uma fundamentação, no mínimo, algo confusa e pouco clara.) não nos permitam ser categóricos, parece ter considerado que essa nulidade não constitui fundamento de oposição à execução fiscal. É, a nosso ver, o que resulta do trecho em que afirma que «A oposição visa em regra a extinção da execução e só pode ter como fundamentos os previstos no artigo 204º do CPPT» e, logo de seguida, como que afirmando que a nulidade não é um desses fundamentos, diz «A nulidade invocada prevista no artigo 165º, n.º 1 a) do CPPT corresponde à falta de citação do [(() Dir-se-ia melhor no.)] processo de execução fiscal». É certo que, de seguida, afirma «citação esta que se mostra efectuada através do documento de fls. 12», o que poderia sugerir que, afinal, a sentença conheceu da nulidade por falta de citação. Para nós, essa referência surge como mero reforço do discurso argumentativo. Na interpretação que fazemos da sentença, é como se nesta se tivesse dito: a oposição à execução fiscal visa em regra a extinção desta e só admite como fundamentos os previstos no art. 204.º, n.º 1, do CPPT, entre os quais não se conta a falta de citação; mas, em todo o caso, sempre se dirá que a citação se mostra efectuada.
Por outro lado, embora tenha referido que o Oponente alega «a falta ou a irregularidade da notificação da liquidação», a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, ultrapassando o âmbito da alegação do Oponente, que nunca mencionou, de passagem que fosse, a caducidade do direito de liquidação ou o respectivo prazo, reconduz essa alegação ao fundamento previsto na alínea e) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT, ou seja à «falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade». Aliás, se bem interpretamos a sentença, terá sido com base nesse fundamento que julgou procedente a oposição à execução fiscal. Isto, porque na fundamentação que expendeu deixou dito que «resulta da análise dos elementos de prova disponíveis nos autos que, o ora oponente, não foi devidamente notificado em prazo» e que o «direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação [não] for notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro – artigo 45º, n.º 1 da LGT» e que «[n]ão se verifica nenhuma das hipótese de suspensão do prazo da caducidade».
A Fazenda Pública não se conformou com o decidido e recorreu da sentença para este Tribunal Central Administrativo Norte. Embora enuncie vários motivos de discordância com o decidido, o único que ora releva é o seguinte: a sentença não podia julgar, como julgou, a oposição procedente com fundamento na falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, fundamento que não foi invocado pelo Oponente e que não é do conhecimento oficioso.
É certo que a Recorrente também alega que o Tribunal a quo decidiu mal a questão da nulidade da citação pois, ao invés de a julgar improcedente, deveria ter julgado verificado o erro na forma do processo e convolado a petição inicial em requerimento endereçado ao próprio processo de execução fiscal.
No entanto, como vimos de dizer, na nossa perspectiva, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel não conheceu da questão da falta de citação; aliás, tal nulidade nem sequer foi verdadeiramente arguida pelo Oponente, sendo que a invocação do art. 165.º, n.º 1, alínea a), do CPPT que foi feita na petição inicial só se compreende por aí se ter confundido a citação no processo de execução fiscal com a notificação da liquidação. Em todo o caso, sempre diremos que nunca a eventual verificação do erro na forma do processo teria como consequência a convolação da petição inicial em requerimento dirigido à execução fiscal, pela simples razão de que naquela peça processual se invocou um fundamento válido de oposição à execução fiscal, qual seja a falta de notificação da liquidação do imposto que deu origem à dívida exequenda.

Daí termos indicado como única questão a apreciar e decidir nos presentes autos a que referimos no ponto 1.8.

Quanto a esta, impõe-se ainda uma breve nota. Consideramos que a questão suscitada no recurso (a única questão verdadeiramente suscitada) é o excesso de pronúncia, embora a Recorrente não a tenha configurado como nulidade da sentença, antes a apresentando como erro de julgamento. No entanto, não há dúvida que a Fazenda Pública, embora também manifeste algumas dúvidas quanto ao fundamento que determinou a procedência da oposição à execução fiscal (() Logo no item 1º. das alegações de recurso deixou dito que a sentença julgou procedente a oposição «por ter considerado, salvo erro, que o oponente não foi devidamente notificado da liquidação em questão dentro do prazo de caducidade» (itálico nosso).), não se conforma com o conhecimento de um fundamento que considera que o Oponente não invocou. Assim, nos itens 13.º e 14.º das alegações de recurso, a Recorrente deixou dito que «antes do mais, é entendimento da Fazenda Pública que douta sentença sob escrutínio […] parte de uma premissa errada», «[c]onsiderando afinal que o oponente submeteu à apreciação do douto Tribunal a questão da falta de notificação do tributo no prazo de caducidade do direito à liquidação», quando não foi essa a questão suscitada pelo Oponente.
Ou seja, a Recorrente, ao invocar que na sentença, erradamente, se conheceu de questão que não foi submetida à apreciação do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (e sendo certo que na sentença se não justificou esse conhecimento com o carácter oficioso da mesma), invocou, afinal, sob a veste do erro de julgamento, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia. Trata-se de mero lapso na qualificação do vício imputado à sentença, vício que é, inquestionavelmente, o conhecimento de questão de que não se podia conhecer, por não ter sido suscitada pelo Oponente e por não ser do conhecimento oficioso. Tal vício não é de carácter substancial (erro de julgamento), mas antes de carácter formal (nulidade da sentença). O lapso em que incorreu a Recorrente, a nosso ver, não impede este Tribunal ad quem de conhecer da nulidade, tanto mais que o Tribunal não se encontra vinculado pela qualificação jurídica feita pelas partes (cf. art. 664.º do CPC).
Apreciemos, pois, a questão da nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

2.2.2 DO EXCESSO DE PRONÚNCIA
O excesso de pronúncia constitui uma nulidade da sentença que ocorre com a pronúncia do tribunal sobre questões que não deva conhecer (cf. art. 125.º, n.º 1, in fine, do CPPT), estando também prevista no art. 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC. «Esta nulidade está conexionada com a segunda parte do n.º 2 do art. 660.º do CPC, em que se estabelece que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras» (() JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5.ª edição, I volume, anotação 12. ao art. 125.º, pág. 915. ).
Como deixámos já dito, o Oponente não invocou a falta de notificação dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação, mas a falta de notificação da liquidação. Compulsada a petição inicial, nela não encontramos referência alguma à caducidade do direito à liquidação ou ao prazo dessa caducidade.
Por outro lado, a falta de notificação dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação não constitui questão de conhecimento oficioso, antes estando o conhecimento dependente da arguição.
Assim, é de considerar verificada a nulidade por excesso de pronúncia, a determinar a anulação da sentença, que julgou procedente a oposição com fundamento na falta de notificação da liquidação no prazo da caducidade do respectivo direito.
Impõe-se-nos, agora, atento o disposto no art. 715.º, n.º 1, do CPC, conhecer da questão suscitada pelo Oponente na petição inicial, qual seja a da falta de notificação da liquidação que deu origem à dívida exequenda, e de que a sentença não se ocupou.

2.2.3 DA FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO - INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA
2.2.3.1 Alegou o Oponente que nunca foi notificado da liquidação do tributo ora em cobrança coerciva, motivo por que a mesma não lhe pode ser exigida.
Tal alegação reconduz-se à inexigibilidade da dívida exequenda que, em abstracto, constitui fundamento da oposição à execução fiscal. É que só podem ser cobradas em processo executivo as dívidas que sejam exigíveis. Como diz ANSELMO DE CASTRO, «A acção executiva pressupõe, por definição, o estado de incumprimento da obrigação o qual normalmente transparece do próprio título executivo» (() A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, pág. 49.). Já no Código Civil de 1867, se dizia que dívida exigível é «aquela cujo pagamento pode ser pedido em juízo». Daí que a certidão de dívida que há-de constituir o título executivo só possa ser extraída na sequência da falta de pagamento voluntário (cf. art. 88.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT).
Do que vimos de dizer, resulta que a dívida só pode ser exigida coercivamente depois de ter sido facultada aos responsáveis pelo seu pagamento a possibilidade de a pagarem voluntariamente, o que, como é óbvio, exige que tenham sido notificados para o efeito.
Se a dívida não for exigível e apesar disso estiver a ser cobrada em processo de execução fiscal, verifica-se uma excepção dilatória inominada que determina a absolvição da instância executiva (cf. arts. 493.º, n.ºs 1 e 2, 494.º e 801.º, todos do CPC). Nada obsta a que essa excepção, que não contende com a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, não representa interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que extrai o título executivo e se prova por documento (rectius, pela falta dele), seja arguida na oposição que constitui um meio de defesa do executado e tem como finalidade, o ataque, total ou parcial, à execução fiscal, visando a sua extinção, a absolvição do executado da instância executiva ou mesmo a suspensão desta instância.
A inexigibilidade da dívida exequenda enquadra-se, pois, na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (() Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado, 5.ª edição, II volume, anotação 44. ao art. 204.º, pág. 369, com numerosa indicação de jurisprudência.), que admite a oposição com base em «Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que houver extraído o título».

2.2.3.2 Dito isto, passemos a indagar se a dívida exequenda é exigível, o que pressupõe que se averigúe se foi ou não concedida ao responsável pelo seu pagamento (que no caso se não discute ser o Executado) a possibilidade de o efectuar voluntariamente. Ou seja, há que averiguar se o Oponente foi notificado da liquidação.
Na sentença recorrida, se bem que fora do local próprio – que seria aquele em que se procedeu ao julgamento da matéria de facto –, a Juíza deixou escrito: «resulta da análise dos elementos de prova disponíveis nos autos que o ora oponente não foi devidamente notificado em prazo».
Salvo o devido respeito, dos autos não resulta que o Oponente não foi notificado, como afirmou a sentença. Também não resulta que o foi. A verdade é que, nem no processo administrativo em apenso nem nas informações prestadas no presente processo pela AT, não há qualquer elemento que nos permita concluir num ou noutro sentido ou, até, que estamos perante uma situação de non liquet, a demandar o recurso ao ónus da prova (() Será sobre a AT que recairá o ónus da prova de tal notificação.). Compulsados os autos, verificamos que não foi produzida qualquer prova a esse propósito. Não foi junto aos autos, oficiosamente ou mediante solicitação do Tribunal, qualquer documento comprovativo da notificação ao ora Oponente da liquidação de IRS que deu origem à dívida exequenda; como nem sequer foi prestada qualquer informação sobre tal notificação.
Por outro lado, também o Tribunal a quo, a quem incumbia fundamentar o julgamento de facto (cf. art. 123.º, n.º 2, do CPPT) e proceder à apreciação crítica da prova e à especificação dos fundamentos decisivos para a sua convicção (cf. art. 653.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2. do CPPT), não refere sequer quais os concretos meios de prova que lhe permitiram concluir que o Oponente não foi notificado da liquidação, antes se limitando a afirmar, conclusivamente, que «resulta da análise dos elementos de prova disponíveis nos autos que o ora oponente não foi devidamente notificado em prazo».
Assim, entendemos que o processo deverá regressar à 1.ª instância, a fim de aí ser completada a instrução, designadamente com vista a apurar dos factos respeitantes à notificação ao ora Oponente da liquidação adicional de IRS que deu origem à dívida exequenda e, depois, ser proferida nova sentença em que aqueles sejam tidos em conta.

2.2.4 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - É de anular a sentença proferida em oposição à execução fiscal que incorreu em excesso de pronúncia por nela se ter apreciado e decidido questão que não foi suscitada pelo oponente e que não é do conhecimento oficioso.
II - A alegação aduzida pelo oponente, de que nunca foi notificado da liquidação do tributo que deu origem à dívida exequenda, o que determina que esta seja inexigível, integra, em abstracto, o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT.
III - Não tendo a 1.ª instância averiguado dos factos pertinentes para verificar se o executado foi ou não notificado daquela liquidação, cumpre devolver-lhe o processo, a fim de aí se proceder pertinente instrução e, ulteriormente, ser proferida nova sentença.

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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência,
a) conceder provimento ao recurso,
b) declarar nula a sentença recorrida e
c) ordenar a devolução dos autos à 1.ª instância, a fim de aí se complementar a instrução nos termos que ficaram referidos e, depois, ser proferida nova sentença.

Sem custas.


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Porto, 22 de Janeiro de 2008

(Francisco Rothes)

(Fernanda Brandão)

(Moisés Rodrigues)