Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01086/06.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/29/2007
Relator:Aníbal Ferraz
Descritores:NOTIFICAÇÃO - IRS - LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
Sumário:1. No âmbito privativo do procedimento e processo tributário a notificação é “o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo” – cfr. art. 35.º n.º 1 CPPT.
2. O art. 38.º n.º 1 do mesmo compêndio legal estabelece a regra da obrigatoriedade de serem efectivadas por carta registada com aviso de recepção as notificações “sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes (…)”.
3. Podemos, no presente, assentar que devem considerar-se “actos e decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes” não apenas os que em concreto produzem uma alteração de tal situação, mas também todos aqueles em que se discuta a possibilidade dessa concretização. Como tal merecem, por isso, ser qualificados “os actos ou decisões que criam deveres ou encargos para os destinatários ou lhes restringem ou negam direitos que aqueles entendem ter”.
4. Após 1.1.2001 (data em que iniciou vigência a L. 30-G/2000 de 29.12.), em sede de IRS, todas as notificações, incluindo as referentes a liquidações, ainda que adicionais, a efectuar, devem (e podem) ser feitas por carta registada; ressalvam-se as notificações previstas no art. 66.º (CIRS) que quando por via postal têm de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção e as notificações que podem ser feitas por edital, nos casos em que não é conhecido o domicílio fiscal do notificando – cfr., actualmente, art. 149.º n.ºs 1, 2 e 3 CIRS.
5. Estamos aqui em presença de um regime específico de realização de notificações, que, embora conflituante, pelo menos em parte, com o regime geral decorrente do art. 38.º n.º 1 CPPT, tendo sido introduzido em norma especial, posterior ao início de vigência deste compêndio adjectivo, se impõe, especificamente, respeitar.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:I
JOSÉ DE ALMEIDA , contrib. n.º e com os demais sinais constantes dos autos, apresentou-se a deduzir oposição à execução fiscal n.º 1775200201500830, instaurada, pelo SF de Felgueiras 1, com vista à cobrança de IRS e juros compensatórios, do ano de 1997.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, foi proferida sentença que julgou procedente a oposição, com a consequente extinção da execução, veredicto que a FAZENDA PÚBLICA adversou no presente recurso jurisdicional, cuja alegação encerra com as seguintes conclusões: «
1. Encontra-se em causa nos presentes autos a notificação da liquidação do IRS de 1997 ao oponente.
2. Resulta à suficiência dos autos que essa notificação foi efectuada de forma legal e legítima.
3. Que a notificação efectuada em 2002.07.22 foi efectuada tendo em conta a lei em vigor à data em que o acto foi praticado (tempus regit acctum).
4. Verificou-se à luz do disposto no art° 149°, nºs 1, 2 e 3 do CIRS.
5. Na redacção conferida pelo D.L. n° 198/01 de 03 de Julho, que tem como antecedente a alteração efectuada no n° 3 do art° 139 pela Lei n° 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
6.
7. Decidindo em sentido contrário, a Douta sentença cometeu um erro de julgamento quer no tocante à matéria de facto (insuficiência desta, sem delimitação adequada dos factos relevantes para a solução) e errónea aplicação do direito, uma vez que não teve em conta a redacção dada ao art° 139° nº 3 do CIRS (actual 149°) pelo art° 1° da Lei n° 30-G/2000 de 29 de Dezembro.
8. Não considerou relevante a factualidade apontada na informação do serviço local, designadamente itens 19, 20 e 21.
9. Não teve em conta que a regularidade dos actos processuais afere-se pela lei em vigor à data em que foram praticados (tempus regit actum).
10. Face ao exposto, não se verifica a caducidade da notificação, pelo que se deve manter na ordem jurídica a liquidação efectuada, pela Administração Tributária, revogando-se a douta sentença que a anulou e considerar a oposição totalmente improcedente. »
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença nos seus precisos termos.
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Apostos os vistos de lei, compete conhecer.
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II
Mostra-se consignado na sentença: «
FACTOS PROVADOS:
1 - A divida exequenda objecto de discussão nos presentes autos respeita a uma liquidação adicional de IRS do ano de 1997 no valor de € 5.420,62.
2 - O ora oponente foi citado em 12.06.2006, para proceder ao pagamento da dívida exequenda, conforme documento de fls. 22, que aqui se dá por reproduzido.
3 - A certidão de dívida foi extraída em 08 de Novembro de 2002, conforme processo de execução apenso.
4 - A divida exequenda respeita a uma liquidação adicional de IRS do ano de 1997, proveniente de uma fixação de rendimentos efectuada pela Administração Tributária, conforme informação constante de fls. 8 do processo apenso, e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
5 - As notificações da fixação do rendimento colectável e para o exercício do direito de audição foram devolvidas, conforme fls. 4/5 e 9/10 do processo apenso.
6 - A liquidação de IRS identificada em 1) foi efectuada em 10 de Maio de 2002, cfr. fls. 56 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
7 - A dita liquidação foi expedida sob registo com data de 22 de Julho de (14.12.2000) 2002, cfr. fls. 56 destes autos.

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria de facto dada como assente, nos factos alegados e não impugnados e nos documentos identificados e não impugnados.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provou que o oponente tenha recebido a notificação da liquidação de IRS do ano de 1997, porque nenhuma prova foi efectuada pela Fazenda Pública nesse sentido. »
***
Liminarmente, posto o conteúdo das conclusões 7. e 8., a Recorrente/Rte atribui, à sentença recorrida, o cometimento de errado julgamento em sede de matéria de facto. Ora, sem prejuízo de nos pontos 19., 20. e 21. da informação de fls. 36/37, prestada pelo órgão da execução fiscal, se detectar a presença de alguma factualidade que pode revestir interesse na apreciação e decisão de fundamentos desta causa, os elementos, destacadamente documentais, disponibilizados nos autos, não permitem uma decisão conscienciosa, no sentido de julgar provados ou não provados os factos em apreço; com destaque, discutindo-se a realização da notificação, ao oponente, da liquidação adicional de IRS que consubstancia a dívida exequenda, nada nos autos permite conferir e assegurar qual a morada de envio da correspondência postal.
Deste modo, não podendo, de momento, avançar-se, por carência de elementos, no julgamento desta questão envolvendo a matéria de facto, importa, contudo, em função dos dados, nomeadamente factuais, presentes, versar a outra questão despoletada pela Rte e que se prende com a imputação de erro na apreciação e decisão do aspecto jurídico da causa.
A sentença recorrida judiciou a procedência da oposição e consequente extinção da execução por considerar verificada a, coligida pelo oponente, “caducidade da notificação da liquidação”. Para tanto, em síntese, entendeu-se que o acto de notificação em apreço tinha de ser feito mediante a utilização e envio de carta registada com A/R, nos termos dos arts. 63.º segs. CPT e 38.º n.º 1 CPPT, o que não tendo ocorrido (usou-se somente carta registada) impõe a conclusão pela falta de notificação da liquidação adicional ao contribuinte. A Rte contrapõe que este julgamento é errado por não ter em conta o disposto no art. 149.º n.ºs 1, 2 e 3 CIRS (redacção do DL. 198/01 de 3.7.) e no seu antecessor, o art. 139.º n.º 3 do mesmo diploma (na redacção conferida pela L. 30 -G/2000 de 29.12).
Como já demos conta no acórdão deste Tribunal de 16.3.2006, proc. 00163/04 Disponível no sítio www.dgsi.pt. e, agora, repetimos, no âmbito privativo do procedimento e processo tributário a notificação é “o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo” – cfr. art. 35.º n.º 1 CPPT. Tratando-se nitidamente de um acto com importância e que é votado ao desempenho de uma determinante tarefa de transmissão de informação relevante, o legislador rodeou-o de exigentes regras e cautelas, de que cumpre destacar o erigi-lo à condição de eficácia, com relação aos notificandos, dos “actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes …” – art. 36.º n.º 1 CPPT.
Relativamente às regras, merece realce a (normal e geral) que se mostra formulada no art. 38.º n.º 1 do mesmo compêndio legal, no sentido da obrigatoriedade de serem efectivadas por carta registada com aviso de recepção as notificações “sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes (…)”.
Após algumas hesitações (nomeadamente, no âmbito da aplicação do regime, equivalente ao actual, positivado no art. 65.º n.º 1 CPT), podemos, no presente, assentar Na esteira do apontado pelo Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário/CPPT, Anotado, 4ª edição, pág. 223. em que devem considerar--se actos e decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes” não apenas os que em concreto produzem uma alteração de tal situação, mas também todos aqueles em que se discuta a possibilidade dessa concretização. Como tal merecem, por isso, ser qualificados “os actos ou decisões que criam deveres ou encargos para os destinatários ou lhes restringem ou negam direitos que aqueles entendem ter”. Nesta conformidade, é implicante entender-se que, sem prejuízo de especificidades ao nível da regulamentação privativa de cada imposto, as notificações de actos de liquidação de tributos, quando estes concretizem uma alteração da situação tributária, devem processar-se por via de carta registada com A/R, sob pena de os destinatários poderem vir a ser considerados como não validamente notificados.
Feito este enquadramento legal e doutrinário, importa, pois, conferir se a liquidação em causa neste processo tinha de ser notificada, ao aqui Recorrido/Rdo, por carta registada com A/R ou se era bastante (como sucedeu) o envio de carta registada; sendo certo que a remessa de tal missiva aconteceu em 22.7.2002 e que a liquidação a comunicar foi efectuada a 10.5.2002.
Para sustentar a sua tese, a Rte, como anotámos, invocou o apoio do disposto, em matéria de notificação, no art. 149.º n.ºs 1, 2 e 3 CIRS (na redacção conferida pelo DL. 198/01 de 3.7.), normativo que, nos números indicados, corresponde “ipsis verbis” ao art. 139.º (n.ºs 1, 2 e 3) CIRS, no seguimento da alteração produzida no n.º 3 pela L. 30-G/2000 de 29.12.
Ora, em função do prescrito por estes relevantes normativos, podemos assentar que, após 1.1.2001 (data em que iniciou vigência esta Lei), em sede de IRS, todas as notificações, incluindo as referentes a liquidações, ainda que adicionais, a efectuar, devem (e podem) ser feitas por carta registada; ressalvam-se as notificações previstas no art. 66.º que quando por via postal têm de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção e as notificações que podem ser feitas por edital, nos casos em que não é conhecido o domicílio fiscal do notificando.
Ou seja, estamos aqui em presença de um regime específico de realização de notificações, que, embora conflituante, pelo menos em parte, com o regime geral decorrente do supra versado art. 38.º n.º 1 CPPT, tendo sido introduzido em norma especial, posterior ao início de vigência deste compêndio adjectivo, se impõe respeitar e conferir o estatuto de regulação da hipótese em discussão nestes autos.
Assim, ao invés do decidido na sentença recorrida, a notificação da liquidação feita, ao Rdo, através de carta registada foi legal e legítima, conclusão que, sem mais e só por si, implica determinar-se a revogação daquela, tal como, em primeira linha, peticiona a Rte.
Registe-se que esta revogação não significa ter-se por encerrada a discussão em torno da notificação da liquidação. Efectivamente, de momento, certa e segura apenas é a legalidade da utilização, para o efeito, de carta registada (desacompanhada de A/R), merecendo, ainda, instrução e decisão os aspectos relativos à efectivação ou não do acto em causa, com relação ao oponente; como o da morada de envio, exemplificativamente, referenciado. Acresce a necessidade (possível) de se operar, no tribunal recorrido, a instrução correspondente à apreciação e decisão dos demais fundamentos desta oposição, cujo conhecimento foi tido por prejudicado em função do errado julgamento, por parte da sentença recorrida, da versada questão da via de notificação da liquidação.
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III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, assenta-se:
- prover o presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida;
- devolver o processo ao tribunal recorrido para a apontada instrução, fixação da matéria de facto e prolação de nova sentença.
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Sem tributação.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Porto, 29 de Novembro de 2007
Aníbal Ferraz
Dulce Neto
Fernanda Brandão