Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00047/08.9BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/26/2008
Relator:Moisés Rodrigues
Descritores:RECLAMAÇÃO/RECURSO EM EXECUÇÃO FISCAL – CITAÇÃO (ARTS. 220º E 239º CPPT)
Sumário:I - Sendo a dívida exequenda constituída por imposto sobre o valor acrescentado proveniente da actividade exercida pelo executado, a mesma é, em princípio, da responsabilidade de ambos os cônjuges, respondendo pelo seu pagamento o património comum do casal – cfr. art. 1691º, nº 1, alínea d), do Código Civil.
II - O que legalmente se impunha, no caso sub judicio, era a citação do cônjuge do executado, ora Recorrente, para os termos previstos no art. 239º do CPPT, de modo a conferir-lhe a qualidade de executada, com possibilidade de exercer, a partir da citação, todos os direitos processuais que são atribuídos ao executado e não a citação para os efeitos previstos no art. 220º do CPPT, uma vez que não se trata de coimas nem de dívida de exclusiva responsabilidade do executado.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

I
Maria Olinda (adiante Recorrente), NIF , por se não conformar com a sentença proferida pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a reclamação por si deduzida contra os despachos do Chefe do Serviço de Finanças da Trofa, dela veio interpor o presente recurso, apresentando, para o efeito, o quadro conclusivo constante de fls. 176 e 177:
I. A Douta Sentença violou as normas dos art. 278° e 239° do CPPT e,
II. não se conformando a reclamante recorre da decisão por omissão de pronuncia previsto no art. 668° n°. 1 al. d) do CPC,
III. quanto à falta de citação pessoal do executado,
IV. violação das normas do n°. 3 dos art. 191° e 192° do CPPT e 232°, n° 2, do CPC.
V. Assim o douto despacho recorrido violou, nomeadamente, as normas contidas nos arts. 203°, n° 1, alínea a) e 192°, n° 1, ambos do CPPT e no art. 232°, n°2, do CPC.
VI. Acrescendo, estamos, perante a falta de citação ao cônjuge do executado violando a douta sentença,
VII. os termos do n.° l do artigo 239° do CPPT, «Feita a penhora e junta a certidão de ónus, serão citados os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados, e o cônjuge do executado no caso previsto no artigo 220.° ou quando a penhora incida sobre bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, sem o que a execução não prosseguirá.
VIII. A recorrente fez-se valer da reclamação contenciosa, invocando prejuízos irreparáveis,
IX. única via de fazer valer os seus direitos e interesses legítimos, quando a lei prevê a obrigatoriedade de assegurar a possibilidade de reclamar de todos os actos lesivos (art. 268° n° 4 da CRP e 95° n°s l e 2 als. j) e 103° n° 2 da LGT).
X. Com efeito, enquanto a própria Constituição garante no seu art. 268° n° 4 o direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos em matéria de contencioso administrativo (em que se engloba o tributário).
XI. Esta é, aliás, a posição sustentada pelo Exm° Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no "Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado”.
XII. As nulidades mencionadas são de conhecimento oficioso e,
XIII. podem ser arguidas até ao trânsito em julgado da decisão como preceitua o n° 4 do art. 165° do CPPT.
TERMOS EM QUE,
nos melhores de Direito e com o suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente, ser revogada a douta sentença "a quo", vindo a ser retomada a tramitação processual adequada.
Porém Vossas Excelências decidirão como for de Justiça

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer, a fls. 126, no sentido de ser negado provimento ao recurso por, a seu ver « … e em sede do recurso em apreciação, a Recorrente tudo reconduz ao entendimento de que estamos perante a falta de citação ao cônjuge do executado, violando a sentença recorrida os termos do n.° l do artigo 239.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (confrontar folhas, designadamente, as Conclusões VI e VII).
Ora,
- Afigura-se-me perfeita a forma como foi cumprida a citação constante de folhas 19 a 21 do Processo Administrativo Apenso. Na verdade,
Conforme se vê do Processo Administrativo Apenso, o originário executado (marido da Recorrente) está a ser executado por dívidas relativas a Imposto sobre o Valor Acrescentado, dívidas que se comunicam à Recorrente, nos termos da lei civil, sendo por isso (a mesma) corresponsável pelo seu pagamento.
Assim sendo, certo como é,
A citação da Recorrente, in casu, jamais podia ter como objectivo dar-lhe a conhecer a possibilidade de requerer a separação judicial de pessoas e bens - já que tal só é possível suceder nas situações em que a execução é de coima fiscal ou por responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges (ver artigo 220.° do CPPT) - mas sim fazê-la ciente da existência da execução e para nela intervir como entendesse; ou seja,
A citação documentada de folhas 19 a 21 do Processo Apenso teve por escopo conferir à Recorrente a qualidade de co-executada, com possibilidade de exercer todos os direitos atribuídos ao executado.
E com tal fim, não se vislumbra qualquer insuficiência de que a mesma padeça.»

Com dispensa de vistos legais, dada a natureza urgente do presente processo, importa apreciar e decidir.

II
É a seguinte a factualidade dada como provada na 1ª Instância:
A) No processo de execução fiscal n.° 4219200201502689 e aps. em que é executado o cônjuge da reclamante, António de Oliveira , só este foi notificado dos despachos que ordenaram a penhora e venda, além de bens móveis, de dois imóveis do casal constituídos pelos artigos 280 e 307 da freguesia de Covelas, concelho da Trofa [fls. 24 a 27 dos autos com cópias no processo administrativo (PA) apenso aos presentes autos];
B) Com os valores base de venda indicados nos editais de € 22 400,00 e € 72 478,00, para os artigos 280 e 307, respectivamente (fls. 73 e 72 do PA) e valor base indicado no despacho que ordenou a venda do artigo 307 de € 103 540,00 (fls. 59 do PA);
C) Para pagamento de uma dívida de IVA de € 15 125,45 (fls. 73 e 72 do PA);
D) Sendo que do edital referente ao prédio correspondente ao artigo 307 não consta o valor patrimonial do imóvel (fls. 72 do PA);
E) Os imóveis em causa foram objecto de avaliação (fls. 54 a 57);
F) Em data não determinada a reclamante assinou o aviso de recepção da carta de citação, registada em 3 de Dezembro de 2004, que a Repartição de Finanças da Trofa lhe dirigiu enquanto cônjuge do executado (fls. 19 a 21 do PA).
*
Ao abrigo do disposto no art. 712º do CPC acorda-se em aditar a seguinte matéria de facto que igualmente se mostra documentalmente provada:
G) Foi o seguinte o teor, na parte que ora interessa, da carta de citação referida em F) que antecede:
“Nos termos do artº 239º/1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, conjugado com o artº 236º/1 do Código de Processo Civil, fiva Vxª citado para, na qualidade de cônjuge do executado António Oliveira , NIF …., assistir, querendo, aos termos da referida execução, na qual foram penhorados os imóveis abaixo referenciados:
( … )” – cfr. fls. 19 do processo de execução fiscal.

III
Alega a Recorrente que na sentença recorrida se omitiu pronúncia quanto à falta de citação do executado, pelo que ocorre violação dos nº 3, do art. 191º, nº 1, do art. 192º e 203º, nº 1, al. a), todos do CPPT e 232º, nº 1, do CPC – conclusões I a V.
Nos termos do disposto no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC):
É nula a sentença:
(…)
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar …
Como ensina o Prof. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 143:
«Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.»
Contudo, compulsado o requerimento inicial que deu origem à presente reclamação/recurso de acto do órgão de execução fiscal, em lado algum é mencionada esta falta de citação, nem sequer são mencionados os preceitos que se pretende tenham sido violados na sentença recorrida.
Razão pela qual se desatende a arguição do referido vício.
Quanto às demais conclusões das alegações deste recurso, as mesmas reconduzem-se, como bem o afirma o magistrado do M. Público neste TCAN, ao entendimento, por parte da Recorrente, de a sentença ter errado no julgamento, que julgou não verificado, da falta de citação do cônjuge do executado, violando-se o disposto no nº 1, do artigo 239º, do CPPT.
Ora, como resulta do probatório, sendo a dívida exequenda constituída por imposto sobre o valor acrescentado proveniente da actividade exercida pelo executado, António de Oliveira , a mesma é, em princípio, da responsabilidade de ambos os cônjuges, respondendo pelo seu pagamento o património comum do casal.
Na verdade, atento o preceituado no artigo 1691º, nº 1, alínea d), do Código Civil, são da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas por qualquer deles no exercício do seu comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal.
Razão pela qual se impunha cumprir, como se cumpriu, no processo executivo contra aquele instaurado, o preceituado no artigo 239º do CPPT, segundo o qual:
Feita a penhora e junta a certidão de ónus, serão citados … o cônjuge do executado … quando a penhora incida sobre bens … imóveis …, sem o que a execução não prosseguirá.
Para que não fiquem dúvidas e uma vez que nas suas alegações a Recorrente vem tal referenciar, no presente caso não havia que citar o cônjuge para os efeitos previstos no art. 220º do CPPT, uma vez que não se trata de coimas nem de dívida de exclusiva responsabilidade do executado. Na verdade, a citação efectuada nos termos do art. 220º do CPPT visa apenas possibilitar ao cônjuge do executado requerer a separação de bens, como deriva dessa norma. Já nas situações em que o cônjuge é citado nos termos do art. 239º do CPPT, a citação confere-lhe a qualidade de co-executado, com possibilidade de exercer, a partir da citação, todos os direitos processuais que são atribuídos ao executado.
Assim, o que legalmente se impunha, no caso sub judicio, era a citação do cônjuge do executado, ora Recorrente, para os termos previstos no art. 239º do CPPT, de modo a conferir-lhe a qualidade de executada, com possibilidade de exercer, a partir da citação, todos os direitos processuais que são atribuídos ao executado.
Foi esse o procedimento do órgão de execução fiscal, como se deduz do facto aditado ao probatório, pelo que de nenhuma insuficiência sofre esse acto de citação.

IV
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Custas pela Recorrente.
Notifique e registe.
Porto, 26 de Junho de 2008
Ass) Moisés Moura Rodrigues
Ass) José Maria da Fonseca Carvalho
Ass) Aníbal Augusto Ruivo Ferraz