Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01130/07.3BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/29/2008
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Drº José Luís Paulo Escudeiro
Descritores:INTIMAÇÃO PARA A PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, CONSULTA DE PROCESSOS OU PASSAGEM DE CERTIDÕES
PRESSUPOSTOS
Sumário:I- Constituem requisitos do processo de intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões previsto no artigo 104º do C.P.T.A.:
a) A recusa da Administração em facultar a consulta de documentos, prestar informações ou processos ou em passar certidões, dentro de um prazo de 10 dias;
b) A instauração da presente intimação dentro do prazo de 20 dias subsequente ao prazo de 10 dias que a lei faculta à autoridade pública para a consulta de documentos, prestação de informações ou a passagem de certidão; e
c) O carácter não secreto ou confidencial das matérias objecto das requeridas consulta de documentos, prestação de informação, ou passagem de certidão, nos termos do nº 1 do artº 62º do Código de Procedimento Administrativo.
II- Todos têm direito à informação mediante o acesso a documentos administrativos de carácter não nominativo.
III- O direito de acesso aos documentos nominativos é reservado à pessoa a quem os dados digam respeito e a terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal.
IV- O direito de acesso a dados pessoais contidos em documento administrativo é exercido, com as necessárias adaptações, nos termos da lei especial aplicável ao tratamento automatizado de dados pessoais.
V- Constituem documentos não nominativos, apenas os que revelem dados do foro íntimo ou interior de um indivíduo, como por exemplo os seus dados genéticos, de saúde ou que se prendam com a sua vida sexual, bem como os relativos às suas convicções políticas, filosóficas ou religiosas, que possam traduzir-se numa invasão da reserva da vida privada.
VI- Apesar do Processo de Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, configurar um procedimento judicial urgente, não constitui requisito de admissibilidade ou procedência do mesmo que, designadamente, a informação a prestar integre um quadro de especial urgência carecida de tutela imediata.
VII- O CPTA instituiu a tramitação urgente deste meio processual por se entender que os administrados, para defesa dos seus legítimos interesses, devem no mais curto prazo dispor de todos os elementos quer procedimentais quer não procedimentais para poderem deitar mão dos meios contenciosos que entenderem por convenientes.
VIII- Tal não significa que a situação tenha necessariamente que ser enquadrada no âmbito duma especial urgência cuja prova se imponha efectuar e que esta impenda sobre o Requerente.*

* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:04/04/2008
Recorrente:Hospital Distrital da Figueira da Foz
Recorrido 1:Sindicato...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Nega provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Negar provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do TCAN:
I- RELATÓRIO
“Hospital Distrital da Figueira da Foz - EPE”, id. nos autos, inconformada com a decisão do TAF de Coimbra, datada de 04.FEV.08, que, em PROCESSO DE INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, CONSULTA DE PROCESSOS OU PASSAGEM DE CERTIDÕES, oportunamente, contra si instaurado pelo “Sindicato …”, igualmente id. nos autos, recorreu para o TCAN, formulando as seguintes conclusões:
1 – a intimação para a prestação de informações é um processo urgente de imposição (cf artº 104º a 108º do CPTA);
2 – sendo um processo urgente competia ao requerente provar que se está perante uma situação de especial urgência carecida de tutela imediata;
3 – competia ao requerente provar a necessidade urgente desse pedido de informação em ordem a poder participar em tempo útil num eventual procedimento.
4 – não tendo o requerente feito prova da situação de urgência, improcede o pedido de intimação.
5 – foram assim violados os artºs 104º a 108º do CPTA.
O Recorrido não contra-alegou.
O Dignº Procurador-Geral Adjunto emitiu pronúncia no sentido da improcedência do recurso.
Com dispensa dos vistos legais, o processo é submetido à Secção do Contencioso Administrativo para julgamento do recurso.
II- QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO
Como fundamento do presente recurso jurisdicional, imputa o Recorrente à decisão impugnado erro de julgamento com violação do disposto nos artºs 104º a 108º do CPTA.
III- FUNDAMENTAÇÃO
III-1. Matéria de facto
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. O Requerente, Sindicato …, dirigiu ao Presidente do Conselho de Administração do Hospital Distrital da Figueira da Foz, E.P.E., requerimento datado de 22-11-2007, constante de fls. 6 dos autos, no qual se conclui da seguinte forma:
«Em obediência à satisfação do direito (legal e constitucional) à promoção na carreira dos nossos associados, e ao abrigo dos normativos legais recenseados supra, vimos requerer a V. Exª se digne informar-nos, por escrito, sobre o número de vagas existentes no quadro dessa instituição nas categorias de Enfermeiro Especialista e de Enfermeiro Chefe, se tais vagas se encontram orçamentadas e constam do plano de actividade.»
- Documento de fls. 6 dos autos
2. Aquele requerimento foi recebido nos serviços do Requerido em 23-11-2007.
- Documento de fls. 8 dos autos
3. O Requerido não deu, até ao momento, qualquer resposta àquele requerimento.
Ao abrigo do enunciado no artº 712ºdo CPC, aplicável ex vi do artº 1º do CPTA, adita-se a seguinte matéria de facto:
4. O Requerimento inicial da presente Intimação deu entrada em juízo em 21.DEZ.07.
III-2. Matéria de direito
Como atrás se deixou dito, constitui objecto do presente recurso jurisdicional, a apreciação do invocado erro de julgamento com violação do disposto nos artºs 104º a 108º do CPTA.
Alega o Recorrente que sendo a intimação para prestação de informações um processo urgente competia ao requerente provar que se está perante uma situação de especial urgência carecida de tutela imediata, competindo-lhe provar a necessidade urgente desse pedido de informação em ordem a poder participar em tempo útil num eventual procedimento.
Não tendo feito tal prova, improcede o pedido de intimação, por falta de verificação dos respectivos pressupostos, tendo a sentença, ao decretar a intimação requerida violados os artºs 104º a 108º do CPTA.
Cumpre decidir.
No Título IV, referente aos Processos Urgentes, Capítulo II, Das Intimações, Secção I, respeitante à Intimação para Prestação de Informações, Consulta de Processos ou Passagem de Certidões, dispõem os artºs 104º a 108º do CPTA, o seguinte:
Artº 104º
(Pressupostos)
1 – Quando não seja dada integral satisfação aos pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a intimação da entidade administrativa competente, nos termos e com os efeitos previstos na presente secção.
2 – O pedido de intimação é igualmente aplicável nas situações previstas no nº 2 do artigo 60º e pode ser utilizado pelo Ministério Público para o efeito do exercício da acção pública.”
Artº 105º
(Prazo)
A intimação deve ser requerida ao tribunal competente no prazo de 20 dias, que se inicia com a verificação de qualquer dos seguintes factos:
a) Decurso do prazo legalmente estabelecido, sem que a entidade requerida satisfaça o pedido que lhe foi dirigido;
b) Indeferimento do pedido;
c) Satisfação parcial do pedido.
Artº 106º
(Efeito interruptivo do prazo de impugnação)
1 – O efeito interruptivo do prazo de impugnação que decorre da apresentação dos pedidos de informação, consulta de documentos ou passagem de certidão, quando efectuados ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 60º, mantém-se se o interessado requerer a intimação judicial e cessa com:
a) O cumprimento da decisão que defira o pedido de intimação ou com o trânsito em julgado da que o indefira;
b) O trânsito em julgado da decisão que extinga a instância por satisfação do requerido na pendência do pedido de intimação.
2 – Não se verifica o efeito interruptivo quando o tribunal competente para conhecer do meio contencioso que venha a ser utilizado pelo requerente considere que o pedido constituiu expediente manifestamente dilatório ou foi injustificado, por ser claramente desnecessário para permitir o uso dos meios administrativos ou contenciosos.
Artº 107º
(Tramitação)
1 – Apresentado o requerimento, o juiz ordena a citação da autoridade requerida para responder no prazo de 10 dias.
2 – Apresentada a resposta ou decorrido o respectivo prazo e concluídas as diligências que se mostrem necessárias, o juiz profere decisão.
Artº 108º
(Decisão)
1 – Se der provimento ao processo, o juiz determina o prazo em que a intimação deve ser cumprida e que não pode ultrapassar os 10 dias.
2 – Se houver incumprimento da intimação sem justificação aceitável, deve o juiz determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do artigo 169º, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar, segundo o disposto no artigo 159º”.
Por seu lado, o CPA, no Capítulo referente ao direito à informação, estabelece nos seus artºs 61º, 62º e 65º que:
“Artº 61º
(Direito dos interessados à informação)
1- Os particulares têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos em que sejam directamente interessados, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
2 - As informações a prestar abrangem a indicação do serviço onde o procedimento se encontra, os actos e diligências praticados, as deficiências a suprir pelos interessados, as decisões adoptadas e quaisquer outros elementos solicitados.
3 - As informações solicitadas ao abrigo deste artigo serão fornecidas no prazo máximo de 10 dias.
Artº 62º
(Consulta do processo e passagem de certidões)
1 - Os interessados têm direito de consultar o processo que não contenha documentos classificados e obter as certidões ou reproduções autenticadas dos documentos que o integram, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas.
2 - O direito referido no número anterior abrange os documentos nominativos relativos a terceiros, desde que excluídos os dados pessoais que não sejam públicos, nos termos legais.”.
Artº 65º
(Princípio da administração aberta)
1. Todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
2. O acesso aos arquivos e registos administrativos é regulado em diploma próprio.”
Finalmente, estatuem os artºs 3º e 5º da Lei 46/07, de 23.AGO, que:
Artigo 3.º
(Definições)
1 - Para efeitos da presente lei, considera-se:
a) «Documento administrativo» qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome;
b) «Documento nominativo» o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada.
2 - Não se consideram documentos administrativos, para efeitos da presente lei:
a) As notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante;
b) Os documentos cuja elaboração não releve da actividade administrativa, designadamente referentes à reunião do Conselho de Ministros e de secretários de Estado, bem como à sua preparação.
Artigo 5.º
(Direito de acesso)
Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.
Da conjugação de tais normas jurídicas resulta constituírem pressupostos da Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões:
a) A recusa da Administração em facultar a consulta de documentos, prestar informações ou processos ou em passar certidões, dentro de um prazo de 10 dias;
b) A instauração da presente intimação dentro do prazo de 20 dias subsequente ao prazo de 10 dias que a lei faculta à autoridade pública para a consulta de documentos, prestação de informações ou a passagem de certidão; e
c) O carácter não secreto ou confidencial das matérias objecto das requeridas consulta de documentos, prestação de informação, ou passagem de certidão, nos termos do nº 1 do artº 62º do Código de Procedimento Administrativo.
De tal corpo de normas extrai-se, ainda que, todos têm direito à informação mediante o acesso a documentos administrativos de carácter não nominativo; que o direito de acesso aos documentos nominativos é reservado à pessoa a quem os dados digam respeito e a terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal; e que o direito de acesso a dados pessoais contidos em documento administrativo é exercido, com as necessárias adaptações, nos termos da lei especial aplicável ao tratamento automatizado de dados pessoais, constituindo documentos não nominativos, apenas os que revelem dados do foro íntimo ou interior de um indivíduo, como por exemplo os seus dados genéticos, de saúde ou que se prendam com a sua vida sexual, bem como os relativos às suas convicções políticas, filosóficas ou religiosas, que possam traduzir-se numa invasão da reserva da vida privada.
Ora, no caso dos autos, o Rte. Sindicato ..., dirigiu ao Presidente do Conselho de Administração do Hospital Distrital da Figueira da Foz, E.P.E., requerimento datado de 22.NOV.07, a solicitar informação sobre o número de vagas existentes no quadro dessa instituição nas categorias de Enfermeiro Especialista e de Enfermeiro Chefe, e se tais vagas se encontravam orçamentadas e constavam do plano de actividade.
Situamo-nos no âmbito do direito à informação não procedimental, porquanto o Rte. não se configura como interessado no procedimento administrativo que contém os documentos por ele solicitados, sendo certo que tal direito é conferido a todas as pessoas, vigorando neste domínio o princípio da administração aberta, e trata-se do direito à informação mediante o acesso a documentos administrativos de carácter não nominativo, nos termos conjugados dos artºs 268º-2 da CRP e 65º do CPTA e em face da Lei 46/07, de 23.AGO.
Tal requerimento foi recebido nos serviços do Rdo. em 23.NOV.07, não tendo este dado, até ao momento, qualquer resposta ao mesmo.
E como o Rte. tivesse requerido o pedido de informação ao Rdo., em 23.NOV.07, e não tivesse obtido deste resposta, no prazo de 10 dias, instaurou o presente processo de Intimação, dentro do prazo subsequente de 20 dias.
Deste modo, compulsada a matéria de facto provada e feito o respectivo enquadramento legal, somos de considerar verificarem-se, no caso todos os pressupostos legais de que depende o exercício das faculdades legais contempladas pelo Processo de Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões.
Contra tal entendimento insurge-se o Recorrente ao referir que constituindo a intimação para prestação de informações um processo urgente competia ao requerente provar que se está perante uma situação de especial urgência carecida de tutela imediata, competindo-lhe provar a necessidade urgente desse pedido de informação em ordem a poder participar em tempo útil num eventual procedimento, pelo que não tendo feito tal prova, deveria de improceder o pedido de intimação, por falta de verificação dos respectivos pressupostos.
Ora, como decorre do regime legal deste meio processual, cujos pressupostos se deixaram enunciados, apesar de se tratar de um procedimento judicial urgente, não parece que constitua requisito de admissibilidade ou procedência do mesmo que, designadamente, a informação a prestar integre um quadro de especial urgência carecida de tutela imediata.
Com efeito, o CPTA instituiu a tramitação urgente deste meio processual por se entender que os administrados, para defesa dos seus legítimos interesses, devem no mais curto prazo dispor de todos os elementos quer procedimentais quer não procedimentais para poderem deitar mão dos meios contenciosos que entenderem por convenientes.
Tal não significa que a situação tenha necessariamente que ser enquadrada no âmbito duma especial urgência cuja prova se imponha efectuar.
Assim sendo, somos de concluir no sentido de que não constitui pressuposto legal do Processo de Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, a prova de especial urgência carecida de tutela imediata.
Deste modo, improcede, o fundamento do recurso, não merecendo censura a sentença recorrida.
IV- DECISÃO
Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do TCAN em negar provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, confirmar a sentença impugnada.
Sem custas – Cfr. Artº 73º-C-2-b) do CCJ.
Porto, 29 de Maio de 2008
Ass. José Luís Paulo Escudeiro
Ass. Maria do Céu Dias Rosa das Neves
Ass. Jorge Miguel B. Aragão Seia