Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01115/04.1BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/06/2008
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Drº Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia
Descritores:POLICIA JUDICIÁRIA
SERVIÇO
HORÁRIO NORMAL TRABALHO
TRABALHO EXTRAORDINÁRIO
Sumário:Todo o serviço prestado pelo pessoal da polícia judiciária, que se enquadre no grupo do pessoal de investigação criminal, quando prestado fora do período de funcionamento dos serviços e do seu horário normal de trabalho, desde que não assuma uma natureza permanente e constante e se mantenha dentro das suas funções especificas [de investigação] encontra a sua contrapartida remuneratória na percentagem de 25% da remuneração base que é atribuída por referência ao factor de disponibilidade funcional, não podendo ser remunerado como trabalho extraordinário.*

* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:06/26/2008
Recorrente:S... e C...
Recorrido 1:Ministério da Justiça
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Nega provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Negar provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
S e C, ambos Inspectores da Polícia Judiciária e com domicílio profissional no Largo , em Aveiro, inconformados, interpuseram recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que, em 16 de Novembro de 2007, absolveu o Ministério da Justiça dos pedidos formulados na acção administrativa especial.
Alegaram, tendo concluído do seguinte modo:
A) O Tribunal a quo entrou em contradição quando considerou competente o autor do acto que foi colocado em crise pelos aqui Recorrentes, por subentender que o mesmo seria o Exmo. Director Nacional da Polícia Judiciária e seguidamente fundamentou a decisão de não considerar o mesmo acto viciado de irregularidade de notificação em que não identificava o respectivo autor, uma vez que o mesmo lhe parecia perfeitamente identificado quando se apontava que era a “Coordenadora”.
B) Ainda que na deficiente notificação não haja o suficiente para obter a anulabilidade do acto, o mesmo já não é verdade quanto a saber se esse autor, a “Coordenadora” é competente para o praticar, uma vez que efectivamente não é.
C) Existe vicio de enquadramento dos factos e de interpretação e aplicação da lei na decisão proferida e aqui colocada em crise, quando se tem o acto impugnado por válido pelo facto de que se considera ter andado bem o seu autor, quando indeferiu o pagamento de horas extraordinárias por falta de autorização para a sua prestação, quando o certo é que os Autores e aqui Recorrentes cumpriram trabalho que lhes foi ordenado que fosse realizado fora do seu horário de trabalho, fora do período de funcionamento normal da PJ e fora de prevenção e de piquete – pelo que cumpriram ordens e não era da conta dos Recorrentes saber se as ordens que lhes estavam a ser transmitidas se encontravam ou não autorizadas.
D) Não existe norma válida que permita enquadrar o trabalho que aqui foi descrito nos autos e que foi prestado pelos Recorrentes de forma legalmente admissível, uma vez que o regime que foi definido para o efeito, se baseou em despachos proferidos por um Director Nacional Adjunto da PJ cujo cargo não envolve competência de definição de tempos de trabalho e sua remuneração.
E) Assim, não é verdade que haja regime especial na PJ, face ao regime geral da função pública, uma vez que o mesmo é ilegal, pois baseia-se em diplomas que não têm força de lei, como deviam, nem sequer são proferidos ao abrigo do poder regulamentar, pois, não passam de meros despachos.
F) Não existindo regime especial, aplica-se a lei geral da função pública ao caso, o qual refere que para além do horário normal de trabalho e fora do que constitui regime especial de prestação de trabalho, no caso o piquete e a prevenção, apenas se pode prestar trabalho extraordinário.
G) A forma de remuneração encontrada pela Administração para compensar os Autores, para além de não ser legal, por vícios formais, ainda não preenche o requisito de legalidade constitucional, uma vez que ofende o disposto no artigo 59.º da CRP, na medida em que não diferencia a qualidade, quantidade e natureza especial que tem.
Terminam pedindo a revogação da decisão recorrida.
A entidade recorrida contra-alegou, concluindo assim:
a) Não existe qualquer contradição no acórdão proferido entre as pronúncias nele contidas sobre os alegados – mas inexistentes – vícios de falta de competência e de falta de requisitos de notificação, apontados que foram a actos diversos;
b) Os AA. já não questionam que os actos impugnados tenham feito correcta aplicação das regras especiais existentes sobre prestação de trabalho na Polícia Judiciária, contestando antes a validade de tais regras;
c) Mas estas constam de formas canónicas do exercício do poder regulamentar, não podendo assim pôr-se em causa a sua existência e validade;
d) E não chega a ser sequer intentada a demonstração de uma sua eventual inconstitucionalidade, arguida em último recurso.
Termina pedindo a manutenção do acórdão recorrido.
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º, nº1 do CPTA, pronunciou-se, sendo de parecer que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
1 - O Autor S em alguns dos dias dos meses de Maio e Junho, de 2004, prestou várias horas de trabalho no período compreendido entre as 13.30h e as 22.00h do mesmo dia, e no período compreendido entre as 23.00h e as 14.30h do dia seguinte – cfr. docs. constantes do Processo Administrativo – P.A. apenso aos autos, a fls. não numeradas.
2 - A Autora C prestou várias horas de trabalho no período compreendido entre as 16.00h do dia 04/06/04 e as 21.30h do dia seguinte – cfr. doc. constante do P.A., a fls. não numeradas.
3 - A prestação de tais horas de trabalho foi efectuada sem que os AA. estivessem integrados no serviço de piquete ou de prevenção – admitido por acordo das partes e conforme docs. constantes do P.A., a fls. não numeradas.
4 - Os AA. requereram à Coordenadora Superior de Investigação Criminal de Aveiro, o pagamento das referidas horas de trabalho, a título de “pagamento de horas extraordinárias”, tendo a mesma indeferido o requerido através de despachos datados de 01/06/2004, 11/06/04 e 14/06/04, dos quais consta o seguinte:
“Em conformidade com o determinado pelo Exm.º Senhor Director Nacional, não tendo sido autorizada a prestação de trabalho extraordinário é indeferido o requerido nas informações anexas, devendo o tempo de trabalho efectivamente prestado ser compensado nos termos regularmente estabelecidos (artigo 79.º do DL n.º 275-A/2000, de 9.11, Desp. Norm. n.º 11/02-SEC/DN, de 20.03 Desp. n.º 24/02-SEC/DN, de 26.06 (...)” – conforme docs. constantes do P.A., a fls. não numeradas;
5 - Dos despachos de indeferimento identificados, os Autores interpuseram recurso hierárquico para o Director Nacional da Polícia Judiciária conforme docs. constantes do P.A., a fls. não numeradas;
6 - Em 25/06/04, o Director Nacional da Polícia Judiciária emitiu despachos de indeferimento dos recursos hierárquicos interpostos pelos Autores, com o seguinte teor:
“Não tendo sido autorizada a prestação de trabalho extraordinário, mantenho o indeferimento (artigo 34.º do Dec. Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto);
O tempo de trabalho efectivamente prestado, para além do horário normal, deverá ser compensado nos termos regularmente estabelecidos (artigo 79.º do Dec. Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, Desp. Norm. n.º 18/2002, de 5 de Abril e Desp. n.º 06/02-SEC7DN, de 15 de Fevereiro, Desp. 11/02-SEC/DN, de 20 de Março e Desp. n.º 24/02-SEC/DN, de 26 de Junho;
Devolva-se aos respectivos serviços, para os devidos efeitos e conhecimento aos recorrentes. (...)” – actos de indeferimento.
Nada mais se deu como provado.
Há agora que apreciar o mérito do recurso que nos vem dirigido.
Começam os recorrentes por questionar o acórdão recorrido no segmento em que se aprecia a legalidade do acto administrativo impugnado, nos seguintes termos:
“O Tribunal a quo entrou em contradição quando considerou competente o autor do acto que foi colocado em crise pelos aqui Recorrentes, por subentender que o mesmo seria o Exmo. Director Nacional da Polícia Judiciária e seguidamente fundamentou a decisão de não considerar o mesmo acto viciado de irregularidade de notificação em que não identificava o respectivo autor, uma vez que o mesmo lhe parecia perfeitamente identificado quando se apontava que era a “Coordenadora”.
Ainda que na deficiente notificação não haja o suficiente para obter a anulabilidade do acto, o mesmo já não é verdade quanto a saber se esse autor, a “Coordenadora” é competente para o praticar, uma vez que efectivamente não é.”.
Os recorrentes na sua petição inicial alegam nos artigos 18º e 19º:
“18º - Por despachos do Director Nacional, proferidos a 25 de Junho de 2004, foram rejeitados os pedidos dos autores com vista a obterem o pagamento devido pelo trabalho prestado para além da jornada diária de trabalho, sendo que os mesmos não se encontravam nem de serviço de piquete, nem de serviço de prevenção.
19º - É a anulação desses despachos que constituem o objecto da presente acção.”.
Da simples leitura destes dois artigos se pode concluir que os despachos da “Coordenadora” que foram objecto de recurso hierárquico não são objecto desta acção e por isso é irrelevante a apreciação das eventuais ilegalidades que contenham.
Na verdade, provindo os actos administrativos impugnados, da entidade com competência para o efeito, não há agora que atender a quaisquer outros actos praticados pelos seus subalternos, nem às ilegalidades que esses mesmos actos possam ter, mas que não sejam ilegalidades próprias dos actos agora impugnados.
A decisão dos recursos hierárquicos interpostos pelos recorrentes e agora devidamente impugnada conduz a que não se tenha de apreciar as eventuais ilegalidades de que padecessem os actos recorridos [hierarquicamente] pois só as ilegalidades dos actos agora impugnados é que devem relevar para efeitos da presente acção.
Na verdade, as ilegalidades da notificação dos actos recorridos hierarquicamente não se repercutem nos actos agora impugnados relativamente aos quais não se imputa qualquer ilegalidade a esse respeito.
E igualmente é irrelevante que os actos administrativos agora impugnados não tenham emitido qualquer pronuncia sobre tal questão uma vez que, sendo o Director Nacional o competente para a prática dos mesmos e tendo-se pronunciado sobre as pretensões formuladas pelos AA. são estes actos administrativos os actos definidores da situação jurídica concreta dos aqui recorrentes.
Improcede, assim, nesta parte o recurso que nos vinha dirigido.
A questão principal que os recorrentes colocam na presente acção consiste em saber se o trabalho por si prestado para além do seu horário normal de trabalho, que não se enquadra no regime de trabalho de piquetes de atendimento, unidades de prevenção e turno, deve ou não ser remunerado como trabalho extraordinário.
No acórdão recorrido seleccionou-se com interesse a seguinte legislação que permite encontrar uma solução para a questão que importa resolver:
A Lei Orgânica da Polícia Judiciária – LOPJ foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro.
Dispõe o artigo 79.º da LOPJ que:
“1. O serviço na Polícia Judiciária é de carácter permanente e obrigatório.
2. O horário normal de trabalho é definido por despacho do Ministro da Justiça.
3. O serviço permanente é assegurado fora do horário normal, por piquetes de atendimento e unidades de prevenção, ou turnos de funcionários, tendo os funcionários direito a suplementos de piquete, de prevenção e de turno.
4. A regulamentação de serviço de piquete e do serviço de unidades de prevenção ou turnos de funcionários é fixada por despacho do Ministro da Justiça.
5. Mediante despacho do director nacional, sempre que tal se revele necessário, podem ser estabelecidos serviços, em regime de turno, destinados a acções de prevenção e de investigação de crimes, sem prejuízo do regime geral da função pública.
6. Com excepção do disposto no número seguinte, 25% da remuneração base corresponde ao factor de disponibilidade funcional.
7. Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do presente artigo, o pessoal operário e auxiliar tem direito a um suplemento de prevenção, de modo a ser assegurado o carácter permanente e obrigatório do serviço da Polícia Judiciária, de montante a fixar por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça, sendo devido a partir da data de entrada em vigor do presente diploma”.
Por sua vez, o Despacho Normativo nº 18/2002, de 13/03/2002, publicado no D.R., I Série, B, n.º 80, de 05/04/2002, veio aprovar o Regulamento do Horário de Trabalho do Pessoal da Polícia Judiciária, determinando que a disciplina por ele instituída não prejudica o carácter permanente e obrigatório do serviço, previsto no art. 79.º, n.º 1 da Lei Orgânica da Polícia Judiciária.
Mais determina que:
“Artigo 3.º (Duração do trabalho)
1. A duração semanal do trabalho é, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto, de trinta e cinco horas semanais.
2. A semana de trabalho é, em regra, de cinco dias, tendo os funcionários direito a um dia de descanso semanal acrescido de um dia de descanso complementar, que devem, em princípio, coincidir com o domingo e o sábado, respectivamente.
“Artigo 4.º (Período de funcionamento dos serviços)
1. O período de funcionamento dos serviços da Polícia Judiciária é das 8 às 20 horas dos dias úteis, sem prejuízo da duração normal do trabalho estabelecida no artigo anterior.
2. A definição em concreto do período de prestação de trabalho dos funcionários, dentro daquele período de funcionamento, será determinada pelas necessidades do serviço.
3. Se nada for determinado, o período normal de prestação de trabalho, dentro do período de funcionamento dos serviços, é das 9 horas às 12 horas e 30 minutos e das 14 horas às 17 horas e 30 minutos.
4...
5. A prestação do trabalho fora do período de funcionamento dos serviços será assegurada por unidades dos serviços de piquete e prevenção ou turnos de funcionários.
6. A prestação de trabalho durante o período de funcionamento dos serviços, por períodos que ultrapassem a duração normal do trabalho, será objecto da correspondente compensação temporal.
7. O disposto no número anterior não é aplicável ao trabalho prestado em serviço de piquete. (...)”.
Artigo 7.º Regime de prestação de trabalho
1. Compete ao director nacional, tendo em conta a natureza e complexidade das tarefas a executar, determinar o regime de prestação de trabalho e os horários a praticar.
2 Em casos especiais, devidamente fundamentados, poderão ser adoptados diferentes regimes de trabalho, diferentes modalidades de horário ou horários diferenciados dentro de uma mesma unidade orgânica, ou relativamente a funcionários de uma mesma categoria, carreira ou grupo profissional. (...)”.
“Artigo 9.º (Regime de turnos)
1. Sempre que as necessidades prementes de serviço assim o aconselhem, pode ser adoptado um regime especial de turnos, com as particularidades previstas no número seguinte.
2. É admitida uma coincidência parcial nos horários dos turnos, por forma a concentrar o esforço do trabalho em períodos de maior solicitação de serviço.
3. O disposto no n.º 1 não impede o estabelecimento pelo director nacional, de acordo com o previsto no artigo 79.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, do regime de turnos previsto na lei geral.
4. Em casos especiais, devidamente fundamentados, poderão ser adoptados dentro de uma mesma unidade orgânica, ou relativamente a funcionários de uma mesma categoria, carreira ou grupo profissional, um ou, simultaneamente, mais do que um dos regimes de turno previstos neste artigo.”
Por sua vez, o regulamento aprovado pelo Despacho n.º 248/MJ/96, publicado no D.R., II Série, nº 5, de 07/01/1997, estabelece o regime de prestação trabalho no serviço de piquete, nas unidades de prevenção ou nos turnos de funcionários.
Nos termos do respectivo art. 6.º “o serviço de piquete funciona, diariamente, durante vinte e quatro horas”, tendo início às 8.30 horas, terminando à mesma hora do dia seguinte; nos termos do respectivo art. 15.º “o serviço de unidade de prevenção funciona durante o espaço de tempo não abrangido pelo horário normal de trabalho diário”; nos termos do respectivo art. 21.º “quando as características de um serviço o justifiquem, poderá ser adoptada a modalidade de trabalho por turnos nos termos da lei geral”.
A retribuição do trabalho prestado no âmbito dos serviços de piquete, das unidades de prevenção e no regime de turnos, é realizada através do pagamento de suplementos remuneratórios calculados em função das variáveis (categoria profissional do funcionário, dias e horas em que é prestado, duração) previstas na Portaria nº 98/97, de 13 de Fevereiro.
Por último dispõe o artigo 172.º da LOPJ a aplicabilidade aos funcionários da Polícia Judiciária, bem como ao pessoal dirigente, em tudo o que não contrarie o disposto no presente diploma, dos correspondentes regimes gerais vigentes para a função pública”.
Da análise conjugada destas normas pode-se concluir que o serviço prestado pelo grupo específico de funcionários da PJ onde os recorrentes se inserem –funcionários de investigação criminal- está temporalmente delimitado nos seguintes termos:
-O serviço na PJ é de carácter permanente e obrigatório;
-O período de funcionamento dos serviços da PJ é das 8h às 20h dos dias úteis;
-A duração semanal do trabalho é de 35 horas semanais, sendo, em regra, de cinco dias, tendo os funcionários direito a um dia de descanso semanal acrescido de um dia de descanso complementar que devem, em princípio, coincidir com o domingo e o sábado, respectivamente;
-O período normal de prestação de trabalho, dentro do período de funcionamento dos serviços, é das 9h às 12h30mn e das 14h às 17h30mn;
-O serviço permanente é assegurado fora do horário normal dos serviços, por piquetes de atendimento e unidades de prevenção ou turnos de funcionários.
O trabalho prestado durante o período correspondente ao horário de trabalho e durante o período de funcionamento dos serviços é remunerado de acordo com os escalões e índices salariais respectivos.
Das normas atrás referidas e com interesse para a questão de que agora tratamos pode-se concluir que a remuneração do trabalho prestado pelos recorrentes e seus colegas é feita do seguinte modo:
-Vencimento de acordo com os índices e escalões salariais aplicáveis, sendo que 25% da remuneração base corresponde ao factor de disponibilidade funcional;
-suplementos remuneratórios de: piquete, prevenção e turno;
-remuneração de trabalho extraordinário, quando devida e previamente autorizado.
Estando suficientemente provado que as horas de trabalho prestado pelos recorrentes não se incluem nos serviços de piquete, prevenção ou turno, há agora que saber se se podem incluir as mesmas no âmbito do trabalho extraordinário.
Como já atrás se viu, 25% da remuneração base corresponde ao factor de disponibilidade funcional.
A disponibilidade funcional do trabalhador caracteriza-se, no essencial, pela obrigatoriedade de apresentação ao serviço sempre que solicitado.
A propósito de tal regime laboral e do respectivo suplemento, escreveu-se no ac. do STA de 03/03/2005, rec. 1146/04 o seguinte:
Sem dúvida que representa um abono assente nas particulares condições da função. Mesmo que o funcionário não preste trabalho nocturno, nem em dias de descanso semanal ou feriados, bastará a simples necessidade do seu serviço nessas particulares circunstâncias (que, por isso, não poderá recusar prestar) para que a ele tenha direito. É uma compensação remuneratória estável e sucessiva conformada à livre e permanente disponibilidade para o exercício peculiar e anormal do cargo e, em consequência, directamente relacionada com o incómodo que possa ser causado ao funcionário pelo serviço ocasional fora das habituais condições de duração da sua actividade funcional (i.e., fora das horas normais de trabalho).
Por conseguinte, ainda que o funcionário não preste trabalho extraordinário nocturno, em dias de descanso semanal ou nos feriados, bastará a sua permanente disponibilidade para que lhe seja necessariamente abonado o dito suplemento.”, cfr. também o ac. do STA de 14/06/2005, proc. n.º 0458/04
Também a este propósito escreveu Paulo Veiga e Moura, Função Pública, 1º volume, 2ª edição, págs. 323:
Os suplementos por disponibilidade permanente constituem acréscimos remuneratórios destinados a compensar o sacrifício imposto aos funcionários e agentes que se encontram vinculados a um dever de permanente disponibilidade para o serviço.
A disponibilidade permanente não significa um permanente exercício de funções, pelo contrário, traduz uma contínua receptividade para o trabalho, de tal forma que o funcionário ou agente há-de satisfazer o comando que lhe ordene a execução de funções, independentemente do momento em que o mesmo seja proferido.
A prestação de trabalho com carácter permanente envolve diversas particularidades, das quais se salienta, em primeiro lugar, a circunstância de todos os dias, incluindo Sábados, Domingos e Feriados serem, regra geral, considerados dias normais de trabalho [O que afasta, sem prejuízo da existência de folgas ou dias de descanso semanais, a atribuição de qualquer suplemento por trabalho prestado naqueles dias – nota 787].
Em segundo lugar, o regime de disponibilidade permanente determina a obrigatoriedade do funcionário ou agente se apresentar ao serviço sempre que convocado ou, independentemente da convocação, quando ocorram situações que pela sua urgência justifiquem a presença no serviço.
Em terceiro lugar, a prestação de trabalho com carácter permanente é, por força da especificidade dos serviços públicos em que ocorre obrigatória.
Semelhantes características justificam, em algumas situações, a atribuição de um suplemento remuneratório destinado a compensar o maior sacrifício exigido ao descanso e repouso dos funcionários ou agentes vinculados à prestação do trabalho em tais condições [Entre o pessoal que se encontra obrigado à prestação de trabalho com carácter de permanência contam-se os que prestam serviço na Polícia Judiciária, na Guarda Prisional, na Polícia de Segurança Pública e na Guarda Florestal – v. DL 275-A/2000, de 9 de Novembro, DL 174/93, de 12 de Maio, DL 58/90, de 14 de Fevereiro, e DL 111/98, de 24 de Abril – nota 788]”.
A propósito de situação idêntica respeitante a um bombeiro profissional escreveu-se no ac. deste Tribunal datado de 14/04/2005, processo n.º 00170/04:
Efectivamente ao ser estabelecido um suplemento remuneratório devido pela disponibilidade permanente já se encontram acauteladas as situações em que os bombeiros têm que cumprir as suas missões específicas definidas pela lei fora do horário que venha a ser estabelecido nos termos do art. 23º.
Como bem se refere na sentença recorrida “O pagamento do trabalho extraordinário apenas está afastado em termos autónomos, por integrado no suplemento pelo ónus específico da prestação de trabalho, risco e disponibilidade permanente…”. É certo que outras funções existem que não estão enquadradas no âmbito da disponibilidade permanente e relativamente às quais sempre se exigirá o pagamento de compensações remuneratórias se prestadas fora do horário de trabalho que vier a ser definido ou durante períodos de descanso.
É que, mal se compreenderia que fosse atribuído um suplemento remuneratório cuja justificação é entre outras a disponibilidade permanente – que não corresponde necessariamente e sempre a serviço efectivo prestado - e que houvesse lugar ao pagamento de suplementos remuneratórios autónomos sempre que fosse prestado serviço fora do horário previamente estabelecido.
(…) ao ser incluído o suplemento remuneratório pelo ónus específico da prestação de trabalho, risco e disponibilidade permanente na respectiva escala salarial está-se já a reconhecer a necessidade de remunerar o serviço obrigatório prestado a qualquer hora e em qualquer dia pelos bombeiros, não fazendo sentido vir-se posteriormente a atribuir nova compensação remuneratória pelo mesmo serviço prestado em dias e horas de descanso já que a disponibilidade permanente é que justifica o pagamento de tal suplemento.”, neste mesmo sentido ver o Parecer n.º 22/1989-C da Procuradoria-Geral da República, DR, II Série, n.º 39, de 23/02/2006, págs. 2723 e ss.
Pode-se daqui concluir que, todo o serviço prestado pelo pessoal da polícia judiciária, que se enquadre no grupo a que pertencem os ora recorrentes, quando prestado fora do período de funcionamento dos serviços e do seu horário normal de trabalho, desde que não assuma uma natureza permanente e constante e se mantenha dentro das suas funções especificas [de investigação] encontra a sua contrapartida remuneratória naquela percentagem de 25% da remuneração base que é atribuída por referência ao factor de disponibilidade funcional.
Este suplemento remuneratório tem uma justificação diferente daqueles que são atribuídos pelo exercício de funções no âmbito do serviço de piquete, prevenção e turno.
Estes destinam-se a compensar uma especial penosidade ou insalubridade do trabalho e um incómodo e desgaste acrescidos por parte do trabalhador pelo facto de trabalhar em condições adversas, p.ex. longos períodos de tempo ou variações sucessivas do horário de trabalho.
Como resulta do probatório, os recorrentes peticionam o pagamento de trabalho prestado para além do seu horário normal [nos termos do alegado pelos recorrentes no art. 82º da sua petição inicial tratou-se de serviço prestado por necessidades imperiosas do serviço que advêm de situações resultantes de investigações, cuja não efectivação é de todo em todo contraproducente com os fins em vista, ou seja, o apuramento dos factos a investigar, colhendo-se ainda do PA que tal serviço foi efectuado no âmbito de processos de inquérito perfeitamente identificados], mas que ocorreu de forma pontual e dentro das suas funções específicas [investigação inadiável no âmbito de processos de inquérito], no caso da recorrente nos dias 4 e 5 de Junho de 2004 por um período total de 28 horas e no caso do recorrente por um período de 6 horas no dia 8 de Maio de 2004, por um período de 3 horas no dia 18 do mesmo mês e ano, por um período de 2 horas do dia 19 do mesmo mês e ano, por um período de 7 horas do dia 30 do mesmo mês e ano e por um período de 15,5 horas nos dias 4 e 5 de Junho de 2004.
Ou seja, trata-se de serviço prestado no âmbito da sua disponibilidade funcional permanente que encontra a contrapartida na respectiva percentagem de 25% da remuneração base atribuída por referência ao factor de disponibilidade funcional [e noutras formas de compensação, legal e regulamentarmente previstas, cfr. art. 4º, n.º 6 do Despacho Normativo n.º 18/2002] não podendo, por isso, tal trabalho ser remunerado a título de horas extraordinárias.
Entendem ainda os recorrentes que os despachos impugnados contrariam o disposto no art. artigo 59.º da CRP.
Dispõe este preceito constitucional, sob a epígrafe «Direitos dos trabalhadores»:
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;
b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;
c) A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde;
d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas;
e) À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego;
f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.
2. Incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente:
a) O estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional, tendo em conta, entre outros factores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento;
b) A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho;
c) A especial protecção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto, bem como do trabalho dos menores, dos diminuídos e dos que desempenhem actividades particularmente violentas ou em condições insalubres, tóxicas ou perigosas;
d) O desenvolvimento sistemático de uma rede de centros de repouso e de férias, em cooperação com organizações sociais;
e) A protecção das condições de trabalho e a garantia dos benefícios sociais dos trabalhadores emigrantes;
f) A protecção das condições de trabalho dos trabalhadores-estudantes.
3. Os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei.
Este parâmetro constitucional define as condições gerais em que os trabalhadores devem prestar o seu esforço laboral mas carece de ser concretizado mediante normas legais ou regulamentares pelo legislador ordinário. E no âmbito desse esforço de concretização o legislador infra-constitucional criou vários mecanismos que, de forma conjugada, permitem defender tais direitos básicos dos trabalhadores e ao mesmo tempo permitem o funcionamento efectivo e eficaz dos serviços da Administração Pública e dos serviços prestados por particulares.
A questão põe-se com mais acuidade nos serviços que são prestados de forma permanente, quer pela Administração, p.ex. as forças de segurança pública, quer pelos particulares, p.ex. o fornecimento de energia eléctrica, água, transportes etc.
Para estas situações excepcionais, em que se tem sempre em vista a satisfação do interesse público e em que este surge na sua máxima intensidade, criou-se um complexo regime de horários laborais e respectivos suplementos remuneratórios que visam compensar os trabalhadores pelo esforço acrescido que lhes é exigido.
E é assim que surgem, entre outros, os suplementos de disponibilidade permanente, por trabalho prestado em regime de turnos, por trabalho prestado em condições de risco, etc.
Portanto, para se poder concluir pela violação de tal preceito constitucional era necessário que se verificasse uma efectiva e concreta supressão dos direitos aí consagrados sem qualquer contrapartida, o que efectivamente não é o caso dos autos.
Aqui existe essa contrapartida, estando mesmo legalmente consagrada, não podendo por isso concluir-se pela violação daquele parâmetro constitucional.
Por tudo o que fica exposto, acordam os juízes que compõem este TCA Norte em negar provimento ao recurso e em consequência confirmar o acórdão recorrido, ainda que com diferentes fundamentos.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a t.j. em 6 Ucs.
D.N.
Porto, 06 de Novembro de 2008
Ass. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia
Ass. Antero Pires Salvador
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho