Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00333/06.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/08/2009
Relator:Dulce Neto
Descritores:OPÇÃO PELO REGIME GERAL DE TRIBUTAÇÃO - IRC
Sumário:1. A opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável deve ser formalizada pelos sujeitos passivos, nomeadamente na declaração de início de actividade.
2. Essa opção feita na declaração de início de actividade pela aplicação do regime geral releva para os três exercícios seguintes, ainda que esse regime já resultasse obrigatório em face do volume total anual de proveitos estimado na declaração inicial.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Fazenda Pública recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade PADARIA , LDª deduziu contra o acto de liquidação adicional de IRC referente ao ano de 2002 e respectivos juros compensatórios, no montante total de € 4.921,11.
Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I Tendo o sujeito passivo indicado, na declaração de início de actividade, um volume total anual de proveitos estimados superior a € 149.639,37, não poderia exercer a opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável em IRC, uma vez que estava, nos termos do art. 53º do CIRC e por imposição legal enquadrado neste regime.
II O nº 2 da artigo 53º supra citado determina que, no exercício do início de actividade, o enquadramento do sujeito passivo num dado regime de determinação do lucro tributável é efectuado em conformidade com o valor total anual de proveitos estimado, constante da respectiva declaração de início de actividade.
III Assim, a indicação da opção pelo regime geral será apenas válida e relevante, para efeitos fiscais, se o sujeito passivo reunir todos os pressupostos referidos no nº 1 do normativo citado, nomeadamente se o valor total anual de proveitos estimado for inferior ou igual a € 149.639,37.
IV No caso de aquele valor estimado ser superior ao limite legal, o sujeito passivo fica enquadrado no regime geral de determinação do lucro tributável, não por opção, mas por obrigação legal.
V Nos termos do nº 1 do art. 53°, do CIRC, quando o enquadramento no regime geral de determinação do lucro tributável resultar de imposição legal (e não de opção legalmente válida), o enquadramento no exercício seguinte será efectuado tendo em conta o volume de proveitos efectivamente obtido no exercício imediatamente anterior.
VI Ora, no caso em apreço, o sujeito passivo não reunia os pressupostos de enquadramento no regime simplificado de tributação, pelo que a opção pelo regime geral assinalada na declaração de início de actividade seria absolutamente irrelevante, uma vez que o volume de negócios por si estimado determinaria — por expressa imposição legal — o seu enquadramento no regime geral.
VII Nestes termos, atendendo a que o valor total anual de proveitos efectivamente obtido pelo sujeito passivo, no exercício de 2000, ficou aquém da estimativa efectuada para esse exercício e abaixo do limite legal estabelecido de € 149.639,37, o enquadramento do sujeito passivo seria, obrigatoriamente, alterado para o regime simplificado de determinação do lucro tributável a partir do exercício de 2002 e por três anos consecutivos (cfr. redacção do nº 9 do art. 53° do CIRC),
VIII a menos que o sujeito passivo tivesse exercido a faculdade de opção pelo regime geral até ao fim do mês de Março desse ano de 2002 nos termos da alínea b), do nº 7 do art. 53º, do CIRC, circunstância que, no caso em análise, não se verificou.
IX Enquanto o enquadramento no regime geral resultar de imposição legal, o enquadramento em cada um dos exercícios subsequentes será efectuado anualmente, tendo sempre por base o volume de proveitos efectivamente obtido no exercício anterior.
* * *
A recorrida apresentou contra-alegações para sustentar que a sentença recorrida devia ser confirmada, dado que, na sua perspectiva, nela se fez um adequado julgamento da matéria de facto e uma correcta aplicação do direito

Por decisão do Exmº Juiz Conselheiro relator, foi declarada a incompetência do S.T.A., em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso, e atribuída a competência, para o efeito, a este T.C.A. Norte.
Remetidos os autos a este Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, por se lhe afigurar que a questão colocada nos autos foi correctamente analisada e solucionada na sentença recorrida, não sendo esta passível de qualquer censura.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
* * *
Na sentença recorrida julgou-se provada a seguinte matéria de facto:
1. A ora impugnante apresentou a declaração de início de actividade em 06.09.2001 – cfr. fls. 17 a 18 destes autos e que aqui se dá por reproduzida;
2. Na dita declaração entre outros elementos referenciou no quadro 9 proveitos no valor € 10.500.
3. No quadro 19 da referida declaração de início de actividade fez a sua opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável.
4. Em 31 de Maio de 2002, apresentou a declaração modelo 22 de IRC respeitante ao exercício de 2001 - cfr. fls. 21 a 23 destes autos.
5. Nesta declaração modelo 22 foi assinalado pela impugnante a sua sujeição ao regime geral de tributação - cfr. quadro 03, n 4.
6. E foi mencionado um prejuízo fiscal de € 10.357,93.
7. Em 29 de Maio de 2003, apresentou a declaração modelo 22 de IRC respeitante ao exercício de 2002 assinalando no quadro 03, n° 4 a sua sujeição ao regime geral de determinação do lucro tributável.
8. E mencionou um lucro tributável de € 1.207,52.
9. Em 26 de Maio de 2004, a ora impugnante procedeu ao envio por transmissão electrónica da declaração modelo 22 de IRC respeitante ao exercício de 2003 - cfr. doc. de fls. 29.
10. Nesse documento refere-se designadamente o seguinte: “A declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2003, entregue via Internet, em 2004-05-26, foi recebida correctamente, do ponto de vista de validação local e central...”;
11. Em 26.05.2004 foi emitido o documento constante de fls. 31, que refere designadamente o seguinte: “Erros centrais na declaração de rendimento Mod.22 de IRC exercício de 2003(...) Na sua declaração mod.22 de IRC, submetida à Administração Fiscal via Internet, foi verificada a existência dos seguintes erros, após validação central: D6B ASSINALADO REG.GERAL E SUJ. PASSIVO ENQUADRADO NO REG. SIMPLIFICADO”.
12. Em 20.06.2005, foi notificada da liquidação do IRC do ano de 2003 - cfr. documento de fls. 37 e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
13. A ora impugnante foi objecto de uma inspecção tributária relativamente ao exercício de 2002, cujas conclusões se encontram descritas a fls. 44 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.
14. A ora impugnante pagou a liquidação ora impugnada em 13.03.2006, conforme documento de fls. 48 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
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Em causa no presente recurso está a sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação oficiosa de IRC referente ao ano de 2002, efectuada pela Administração Tributária no pressuposto de que a Impugnante se encontrava enquadrado no regime simplificado de tributação dos rendimentos, e não no regime geral como assinalara na declaração do modelo 22 de IRC para esse exercício.
A decisão de procedência da impugnação assentou no entendimento de que, face aos dados constantes da declaração de início de actividade, era válida e relevante a opção exercida pela Impugnante relativamente ao regime geral de tributação em sede de IRC, não podendo a AT enquadrá-la no regime simplificado pese embora o volume anual de proveitos obtido no exercício em causa determinar, caso não existisse aquela opção, o enquadramento no regime simplificado.
É contra essa decisão que se insurge a Fazenda Pública, reiterando a tese de que, tendo a Impugnante indicado, na declaração de início de actividade apresentada em 2001, um volume anual de proveitos estimado superior a € 149.639,37, ficou, por imposição legal, enquadrado no regime geral de tributação, pelo que apesar de ter assinalado, nessa declaração, a opção pelo regime geral, essa opção não podia relevar. Nessa perspectiva, tendo o valor anual de proveitos efectivamente obtido no exercício de 2001 ficado aquém daquela estimativa e abaixo do limite legal de € 149.639,37, o enquadramento da Impugnante foi necessária e legalmente alterado para o regime simplificado de determinação do lucro tributável a partir desse exercício e por três anos consecutivos face à redacção do nº 9 do art. 53° do CIRC.

Deste modo, a questão essencial que se coloca neste recurso é a de saber se a sentença incorreu em erro no julgamento da referida questão e se, consequentemente, a determinação do lucro tributável de IRC da Impugnante, ora Recorrida, relativamente ao exercício do ano de 2002, podia ser operada de acordo com as regras definidas para o regime simplificado de tributação.
Tal questão mereceu já largo e exaustivo tratamento no Supremo Tribunal Administrativo, designadamente nos acórdãos proferidos 21/05/2008, no Proc. nº 10/08, em 18/06/2008, no Proc. nº 205/08 e em 26-11-2008, no Proc. nº 733/08, emitidos no âmbito de idênticos recursos jurisdicionais interpostos pela Fazenda Pública contra decisões de conteúdo semelhante à que nos é submetida a análise (recursos onde foram, aliás, formuladas conclusões precisamente iguais às exaradas nestes autos), cujo discurso argumentativo subscrevemos na íntegra e que, por isso, nos limitaremos a reproduzir
Escreveu-se naquele segundo acórdão:
«2.2 De acordo com os termos do artigo 53.º do Código do IRC, na redacção da Lei nº 30-G/2000, de 30 de Dezembro, é permitido aos sujeitos passivos optar pelo apuramento do lucro tributável de acordo com as regras definidas para o regime simplificado de tributação.
Este regime é aplicável aos sujeitos passivos de IRC residentes que satisfaçam, cumulativamente, os seguintes pressupostos:
2) exerçam, a título principal, actividade comercial, industrial ou agrícola;
b) não estejam isentos nem sujeitos a algum regime especial de tributação;
c) não estejam obrigados à revisão legal de contas;
d) apresentem no exercício anterior ao da aplicação do regime, um volume total de proveitos inferior a 149.639,37 € (cerca de 30.000 contos);
3) não optem pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável.

No exercício do início da actividade, o enquadramento faz-se em conformidade com o volume de proveitos estimados para um ano de actividade.
O regime simplificado só é aplicável quando os sujeitos passivos não optem pela aplicação do regime geral de determinação do lucro, previsto nos artigos 17.º a 46.º do Código do IRC.
A opção pelo regime geral deve ser formalizada: na declaração de início de actividade; ou na declaração de alterações referida nos artigos 110.º e 111.º do Código do IRC, até ao fim do 3.º mês do período de tributação do início da aplicação do regime – alínea a) do n.º 7 do artigo 53.º do Código do IRC.
Uma vez efectuada a opção pelo regime geral, a mesma é válida por um período de 3 exercícios, findo o qual caduca, excepto se for renovada através de uma declaração de alterações no prazo referido – cf. o n.º 8 do artigo 53.º do Código do IRC.
Não sendo exercida a opção pela aplicação do regime geral e verificando-se os requisitos de enquadramento no regime simplificado, este regime é aplicado automaticamente por um período de 3 exercícios, sendo prorrogado por iguais períodos. Caso o sujeito passivo não pretenda ver prorrogada a aplicação do regime simplificado, deverá comunicar a opção de transitar para o regime geral, mediante declaração de alterações, no prazo mencionado.
O regime simplificado tem sempre como pressuposto uma opção do contribuinte que renuncia ao seu direito subjectivo de ser tributado com base na contabilidade. Temos desde modo uma daquelas situações em que a lei atribui relevância à vontade do contribuinte e em que este pode optar pelo regime que considera mais favorável – cf. Saldanha Sanches, Fiscalidade, Julho/Outubro de 2001.
No regime simplificado o contribuinte será tributado com base num lucro normal – que será o resultante da aplicação de indicadores de base técnica definidos para os diferentes sectores da actividade económica – cf. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, p. 551.
A tributação segundo o regime simplificado é facultativa, sendo colocada na disponibilidade do sujeito passivo a opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável, de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º do Código do IRC. A opção feita na declaração de início de actividade pela aplicação do regime geral releva para os três exercícios seguintes (n.º 7 do referido artigo 53.º), ainda que esse regime já resultasse obrigatório em face do volume total anual de proveitos estimado na declaração inicial – cf. o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-5-2008, proferido no recurso n.º 10/08.».

E escreveu-se no acórdão proferido em 26/11/2008:
«Ressalta deste enquadramento normativo que a natureza facultativa da tributação segundo o regime simplificado (que se traduz em o rendimento que serve de base à tributação ser determinado através da aplicação de indicadores de base técnico-científica definidos para os diferentes sectores da actividade económicas, ou, na sua falta, através da aplicação de determinados coeficientes ao valor das mercadorias e de produtos e restantes proveitos, com um determinado montante mínimo) se define como uma garantia que é conferida ao sujeito passivo de poder ser tributado pelo rendimento real, dessa forma preservando a respectiva conformidade constitucional em face do disposto no artigo 104.º, n.º 2 da CRP que preceitua que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.
Definindo-se como uma garantia que é conferida ao sujeito passivo de poder ser tributado pelo rendimento real, sendo certo que o regime simplificado não constitui o regime regra consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, acompanha-se a sentença recorrida quando entende que não se vê razão para não ser atendida a opção pelo regime geral de tributação expressa pela recorrente (2. do probatório), tanto mais que assinalou na mesma declaração de início de actividade possuir contabilidade organizada (4. do probatório).
Nestas circunstâncias, muito embora o regime geral logo resultasse obrigatório em face do volume total anual de proveitos estimado na declaração inicial para o ano de 2002, a intenção manifestada pelo ora recorrido de opção por esse regime não poderia deixar de relevar para o caso de, como veio a acontecer, o valor declarado para esse ano (€16.945,76 - 6. do probatório) determinar a aplicação, em princípio, do regime simplificado a partir do exercício de 2003.
Relevando, como releva, essa opção inicial pelo regime geral de determinação do lucro tributável em IRC à luz da alínea a) do n.º 7 do artigo 53.º do CIRC, opção essa válida para os três exercícios seguintes (n. 8 do mesmo artigo), ao invés do que defende a recorrente Fazenda Nacional, a concretização da opção em causa não estava dependente de nova declaração até ao fim do mês de Março de 2003, nos termos da alínea b) do citado n.º 7».

No caso vertente, e conforme resulta do probatório, a Impugnante apresentou a declaração de início de actividade em 06.09.2001, onde inscreveu um volume total de proveitos estimado de 10.500 € e assinalou a sua opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável.
Perante este comportamento declarativo, em que clara e expressamente se opta pelo regime geral de determinação do lucro tributável, não se pode deixar de considerar como válida e relevante essa escolha quanto ao exercício aqui em causa, (2002), pois que, como se viu, uma vez efectuada a opção pelo regime geral a mesma é válida por um período de três exercícios, e o regime simplificado só é aplicável quando os sujeitos passivos não optem pela aplicação do regime geral de determinação do lucro.
Termos em que se impõe confirmar a sentença, por haver decidido nesta conformidade.
* * *
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente Fazenda Pública
Porto, 8 de Janeiro de 2009
Dulce Manuel Neto
Aníbal Ferraz
Francisco Rothes