Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00225/10.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/12/2013
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA; CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO; IRS; DEFICIÊNCIA
ATESTADO MÉDICO
INFORMAÇÃO VINCULATIVA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I – A nulidade da sentença por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 660º, nº2 do CPC [aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT], significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II – A nulidade da sentença não obsta a que o Tribunal de recurso conheça em substituição do objecto da impugnação, mas esse conhecimento só lhe é permitido no caso de os autos fornecerem todos os elementos para o efeito.
III - Aceitando a administração tributária que parte dos contribuintes que pretendem comprovar ter uma incapacidade igual ou superior a 60% a comprovem com a simples apresentação de atestado médico emitido à luz do regime anterior ao Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro, não poderá, sob pena de violação dos princípios de igualdade e justiça material cuja observância constitucional e legalmente lhe está imposta, deixar de aceitar essa prova como bastante para todos os demais, independentemente da data em que foram notificados para apresentar tal documento comprovativo.
IV - Os juros indemnizatórios destinam-se a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos (artigo 43º da LGT).
V - São requisitos do direito aos juros indemnizatórios: que haja um erro num acto de liquidação de um tributo; que esse erro seja imputável aos serviços; que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido; que o imposto se mostre pago.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

A…, deduziu impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRS (e juros compensatórios) do ano de 2005, no valor de € 3.277.40, pedindo a sua anulação e, bem assim, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios sobre aquele montante já pago.

No Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga foi proferida sentença que julgou improcedente a impugnação, decisão com que o Impugnante, ora Recorrente, não se conforma, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:



“O impugnante juntou à p.i. os documentos identificados sob os nºs 9 e 10 demonstrativos de que a DGCI adoptou um procedimento excepcional em matéria de comprovação de deficiências relevantes para efeitos de IRS de anos anteriores a 2008.


Porém, a douta sentença recorrida ignorou aqueles documentos, como se fossem um nada jurídico, deixando, por esse motivo, de ser dado como provado o facto de que a Administração Tributária tinha vindo a aplicar o procedimento excepcional acima referido, que o impugnante reclama para si e cujo conhecimento ficou, desse modo, prejudicado.


Por conseguinte, uma vez que o facto demonstrado por tais documentos é essencial ao julgamento da causa, deverá acrescentar-se à base instrutória, como matéria de facto dada como provada, o seguinte:

“Por despacho do Director-Geral dos Impostos (actual AT) datado de 04-11-2008, foi emitida informação vinculativa com o teor constante do documento nº 10 que aqui se dá por inteiramente reproduzido e em que a Administração Tributária decide aceitar, a título excepcional, os atestados de incapacidade emitidos ao abrigo da legislação vigente à data da verificação da deficiência, para comprovação das situações relativas aos anos de 2004 a 2007, no âmbito das notificações efectuadas aos sujeitos passivos no decurso de 2008”.



A douta sentença recorrida estabeleceu como questão a decidir:

“…a aplicação do regime legal previsto no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, para os sujeitos passivos, sendo seu pressuposto a existência de uma deficiência que implique uma incapacidade do grau de 60% e que aquela seja devidamente comprovada pela entidade competente – cf. art.º 25º, nº 3 e 80º, nº 6, e 44º, nº 5 respectivamente – sendo que está em causa o imposto de 2005”.(sic)



Porém, o impugnante não suscitou esta questão na sua petição inicial, ou seja, o impugnante não quis discutir a legalidade do atestado de incapacidade por si apresentado perante a Administração Tributária.


A questão fundamental submetida ao escrutínio do tribunal a quo consistia em saber se era lícito à Administração Tributária recusar ao impugnante a aplicação do procedimento excepcional estabelecido numa informação vinculativa constante da ficha doutrinária anexa à p.i. sob o documento nº 10.


Procedimento excepcional que a DGCI reiterou noutra consulta vinculativa, a qual se encontra anexa à p.i. sob o documento nº 9, solicitada pelo impugnante com referência expressa ao seu caso pessoal, e cuja aplicação reivindicou, como era seu direito.


Aliás, esta mesma questão já havia sido tratada na impugnação interposta pelo recorrente a propósito do seu IRS de 2003, 2004 e 2007, que correu termos por este Tribunal – cf. Proc. nº 224/10.2BEBRG – UO3.


Impugnação que foi julgada procedente pelo TCAN, em linha, aliás, com a jurisprudência do mesmo Tribunal em vários arestos tirados nos Procºs nºs 00258/10.7BEBRG; 00010/10.0BEBRG; 01817/09.6BEBRG E 01301/08.5BEBRG, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

10ª

Que, por sua vez, estão em consonância com as decisões do STA, proferidas no Ac. de 06.06.2012 – Proc. nº 031/12 e no Ac. de 14.06.2012 – Proc. nº 0897/11, disponíveis em www.dgsi.pt.

11ª

Logo, a douta sentença recorrida não conheceu de questão que foi colocada pelo impugnante e a cujo conhecimento estava obrigada por lei, cometendo, assim, omissão de pronúncia, em violação do disposto no artº 660º/nº 2 do CPC, a que lhe corresponde a nulidade prevista no artº 125º/nº 1 do CPPT.

12ª

Bem como excesso de pronúncia, na medida em que conheceu de questão não suscitada, igualmente sancionada com a nulidade da sentença.

13ª

Como vem claramente expresso nas informações vinculativas invocadas pelo impugnante, não era possível aos contribuintes sujeitos a avaliação de incapacidade após 21.01.2008 – data da entrada em vigor da nova Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo DL nº 352/2007 – comprovarem a sua incapacidade para efeitos de IRS de anos anteriores, quando vigoravam outros critérios de avaliação, constantes da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo DL nº 341/93.

14ª

Por esse motivo, a Administração Tributária resolveu aceitar, a título excepcional, os antigos atestados de incapacidade, que vinham sendo recusados por terem sido emitidos anteriormente ao DL nº 202/96.

15ª

O impugnante considera-se abrangido por tais informações vinculativas, visto que também é portador de um atestado de incapacidade emitido antes do DL nº 202/96 e pretende que as mesmas lhe sejam aplicadas, sob pena de serem violados o princípio da igualdade e da justiça material.

16ª

Vício suscitado na p.i., mas de que a douta sentença recorrida não conheceu.

17ª

Por outro lado, a informação vinculativa a que se refere o documento anexo à p.i. sob o nº 9 foi solicitada pelo impugnante, não lhe tendo sido aplicada pela Administração Tributária apesar de ter sido invocada, numa clara violação do princípio da boa-fé.

18ª

O impugnante sustenta que essa violação ocorreu, na justa medida em que, a recusa em aplicar o procedimento excepcional vertido nas informações vinculativas invocadas nos autos, põe em causa o princípio da protecção da confiança vertido no artº 2º da CRP, que consagra o princípio do Estado de Direito Democrático.

19ª

Uma tal recusa, para além de violar o disposto no artº 68º/nº 2 (actual 14) da LGT, também violam o disposto no artº 266º da CRP e artº 6º-a do CPA, segundo defendem Diogo Leite de Campos, et al, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, ed. Vislis, 1999, págs. 231

20ª

Ou seja, uma tal recusa viola o princípio da boa-fé, vício invocado na p.i., mas que não foi conhecido pelo tribunal a quo.

TERMOS EM QUE

deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, as liquidações anuladas e a Administração Tributária condenada a restituir o valor indevidamente pago pelo impugnante, acrescido dos juros indemnizatórios.”


*

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

*

Foram colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Adjuntos, pelo que importa apreciar e decidir.

*

Questões a decidir:

(i) - Erro de julgamento da matéria de facto (conclusões 1, 2 e 3), porquanto, face aos documentos juntos na p.i pelo Recorrente, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que “Por despacho do Director-Geral dos Impostos (actual AT) datado de 04-11-2008, foi emitida informação vinculativa com o teor constante do documento nº 10 que aqui se dá por inteiramente reproduzido e em que a Administração Tributária decide aceitar, a título excepcional, os atestados de incapacidade emitidos ao abrigo da legislação vigente à data da verificação da deficiência, para comprovação das situações relativas aos anos de 2004 a 2007, no âmbito das notificações efectuadas aos sujeitos passivos no decurso de 2008”;

(ii)Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (conclusões 4 a 11), porquanto a decisão recorrida não conheceu de questão que foi colocada pelo impugnante e a cujo conhecimento estava obrigada por lei (artigos 660º,nº 2 do CPC e 125º,nº 1 do CPPT);

(iii)Nulidade da sentença por excesso de pronúncia (conclusão 12), porquanto a sentença recorrida conheceu de questão não suscitada pelo Impugnante, ora Recorrente;

(iv)Erro de julgamento de direito, na medida em que foi considerada legal a liquidação de IRS impugnada, desconsiderando a aplicação ao caso em análise das informações vinculativas aludidas nos autos, por via das quais a AT aceitava, a título excepcional, os atestados de incapacidade emitidos anteriormente ao DL n.º 202/96, bem como por não considerar violados, in casu, os princípios da igualdade, justiça material e da boa fé (conclusões 13 e ss).

2. Fundamentação

2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida na 1ª instância e que aqui se dará por reproduzida ipsis verbis:

A) O impugnante apresentou a declaração dos rendimentos auferidos no ano de 2005;

B) Nessa declaração consignou que era portador de uma invalidez permanente de grau superior a 60%;

C) O impugnante sofre de hipovisão;

D) A referida incapacidade é sustentada num atestado médico de incapacidade emitido a 25.11.1996, por “Sub-Região de Saúde de Viana do Castelo”, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo D.L. n.º 341/93, de 30 de Setembro;

E) A Administração Fiscal não considerou provada essa invalidez e procedeu à alteração dos elementos declarados através do despacho cujo teor consta de fls. 19, que aqui se dá por reproduzido.

F) Em sequência desta posição assumida pela Direcção-geral de Contribuições e Impostos foi efectuada a liquidação cuja nota demonstrativa consta dos autos e que se dá por reproduzida e que ora se encontra sob impugnação.

Factos não Provados:

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.


***

A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos constantes nos autos, apresentados pelo próprio Impugnante, cujo conteúdo não foi questionado pelo Representante da Fazenda Pública.

Não se provaram quaisquer outros factos constantes da petição inicial ou da Contestação. Todos os demais, em rigor, não integram propriamente matéria de facto, mas constituem, antes, meras considerações pessoais e/ou conclusões de facto e/ou direito”.

2. De Direito

Expostas as questões a apreciar, impõe-se que a análise que se segue se inicie pelas invocadas nulidades e, aqui, adoptando a ordem pela qual as mesmas foram invocadas, centrar-nos-emos, na alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Vejamos, então.

Sustenta o Recorrente que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, porquanto não conheceu a questão que foi colocada pelo impugnante e a cujo conhecimento estava obrigada por lei, com violação, portanto, dos artigos 660º, nº 2 do CPC e 125º, nº 1 do CPPT.

Para assim concluir, defende o Recorrente que a questão levada à apreciação do Tribunal foi a de saber se era lícito à AT, com respeito ao IRS de 2005, recusar ao impugnante a aplicação do procedimento excepcional estabelecido numa informação vinculativa relativa à comprovação de deficiência fiscalmente relevante (processo nº 1365/2008, com despacho concordante do Senhor Director-Geral dos Impostos, de 04/11/08), procedimento excepcional esse que foi reiterado noutra informação vinculativa formulada com respeito à sua concreta situação pessoal.

Por outras palavras, para o Recorrente não está em causa, nem nunca esteve nesta impugnação, a questão da (i)legalidade do atestado de incapacidade por si apresentado perante a AT, emitido antes da entrada em vigor do DL nº 202/96, de 23/10, sendo do seu pleno conhecimento a posição que vinha sendo adoptada quanto à rejeição de atestados de incapacidade com data de emissão anterior à vigência daquele diploma legal.

Assim sendo, conclui o Recorrente, a sentença recorrida, ao não apreciar a questão que lhe foi concretamente colocada, e ao apreciar e decidir sobre a legalidade da actuação da AT ao exigir ao Recorrente a prova da sua incapacidade em conformidade com o DL 202/96, omitiu pronúncia sobre questão que estava obrigada a conhecer e decidir, daí resultando a nulidade da sentença recorrida, nos termos previstos nos artigos 668º do CPC e 125º, nº 1 do CPPT. (A par da omissão de pronúncia, e como reverso da questão, aponta o Recorrente, também, o excesso de pronúncia – conclusão 12 – em moldes que, como se perceberá, não se apresentam dissociáveis, pois que, na perspectiva sufragada pelo Recorrente, deixando a sentença de apreciar a única questão colocada e apreciando exclusivamente uma outra, são configuráveis, como duas faces da mesma moeda, ambas as nulidades, por omissão e excesso de pronúncia).

Vejamos, se assim é.

Nos termos do disposto no artigo 125º nº 1 do CPPT, “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

A nulidade por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 660º, nº2 do CPC [aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT], significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Portanto, a apontada nulidade só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” Vide, Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363.. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13/07/11 e de 20/09/11, proferidos nos recursos nºs 0574/11 e 0268/11, respectivamente.

A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção”. Vide, Alberto dos Reis, CPC, anotado, Volume V, pág. 143.

No caso, já deixámos explicitado o que pretendia o Impugnante, ora Recorrente – a anulação da liquidação adicional de IRS de 2005 e o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios – e qual o fundamento, a causa de pedir, para tal. Com efeito, lida e relida a p.i, fácil é concluir que o Impugnante se insurgiu contra a liquidação sindicada unicamente por a mesma não ter acolhido, in casu, as orientações concretas emanadas pela AT através de informação vinculativa relativa à comprovação de deficiência fiscalmente relevante (processo nº 1365/2008, com despacho concordante do Senhor Director-Geral dos Impostos, de 04/11/08) que, segundo o Impugnante, contemplava integralmente o seu caso concreto. Para além do mais, acrescentou o ora Recorrente, a Administração Tributária, em resposta a um seu pedido de informação vinculativa, reiterou as orientações já constantes do citado despacho de 04/11/08. Por conseguinte, o impugnante defendeu que a liquidação impugnada violou o artigo 68º, nº2 da LGT (actual nº 14), os artigos 13º e 266º da CRP e, bem assim, o artigo 6º-A do CPA.

Era esta, pois, assim balizada, a questão a apreciar.

Ora, a sentença recorrida, na interpretação que dela fazemos, alheou-se por completo desta questão, jamais aludindo sequer à existência das mencionadas informações, nem, por conseguinte, apreciou se, e em que medida, era a situação concreta ali integrável, ou seja, se, como defendia o Impugnante, este “encaixa perfeitamente neste quadro (leia-se, na informação prestada pela Administração), pelo que o seu atestado de incapacidade oportunamente apresentado na Direcção de Finanças de Viana do Castelo para comprovar uma deficiência relativamente a 2005, está em condições de ser aceite e de produzir os respectivos efeitos”.

Diferentemente, o Tribunal a quo assumiu um caminho diverso, começando por se referir à Lei 9/89 de 02/05, que fixou as Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, ao DL 341/93, de 30/09 que aprovou a TNI, que, perspectivada embora para a avaliação do dano em vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais, era utilizada para outros fins, nomeadamente para efeitos de benefícios fiscais; referiu-se à circular n.º 1/96, de 30/01, que obrigava a que os sujeitos passivos possuidores de deficiência resultante de hipovisão obtivessem, junto da Autoridade de Saúde competente, declaração comprovativa da incapacidade, emitida a partir de 15 de Dezembro de 1995 e ao DL 202/96, de 23 de Outubro, que instituiu o regime de avaliação de incapacidades das pessoas com deficiência para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei, estabelecendo normas específicas para tal avaliação.

Feito o enquadramento legal, que deixámos resumido, a sentença recorrida veio a considerar tão-somente que:

“Ora, a questão em apreciação nos autos tem sido objecto de inúmeras decisões proferidas pelos tribunais tributários, quer de 1ª instância, quer pelos tribunais superiores.

A jurisprudência dos tribunais superiores tributários fixou-se no seguinte termos:

a) Quanto às liquidações de IRS dos anos de 1995 e anteriores a Administração Tributária não podia exigir aos contribuintes novo atestado médico ao abrigo da Circular Normativa nº 22/DSO, de 15.12. da DGS (neste sentido, entre muitos outros, v. os Acórdãos do STA, de 21.2.2001 – Recursos nºs 25.729 e 26.684 e de 14.2.2001 –Recurso nº 24.351)

b) Quanto às liquidações dos anos de 1996 e seguintes, estando já em vigor em 31.12.1996 o Decreto Lei nº 202/96, que entrou em vigor em 30.11.1996, a jurisprudência fixou-se no sentido de que a Administração Tributária poderia exigir aos respectivos contribuintes a prova da incapacidade declarada, efectuada de acordo com os novos critérios legais, sob pena de, não sendo tal prova realizada, não haver lugar ao respectivo benefício (neste sentido, entre muitos outros, v. os Acórdãos do STA, de 9.5.2001 – Recurso nº 25.991; de 21.2.2001 – Recurso nº 25.810; de 27.11.02 – Recurso n.º 26787; de 27.04.2001 – recurso 25 693 e de 06.03.2002 – recurso 26 011)

No caso em apreço temos uma liquidação adicional referente ao ano de 2005 e um atestado emitido em 25.11.1995 (a referência a 1995 é seguramente resultante de um lapso, já que o atestado data de 25/11/96, como decorre da alínea D) dos factos provados).

Seguindo a orientação jurisprudencial acima referida e com a fundamentação exposta nos arestos citados, para os quais remetemos, temos então que, estando em causa uma liquidação do ano de 2005, a Administração Tributária teria de exigir o atestado médico emitido ao abrigo da citada circular, pois que à data da entrega da declaração de rendimentos e aos rendimentos de 2005, a lei consagrava já novos critérios de avaliação.

Em face do que ficou dito, entende-se que bem andou a Administração Fiscal ao exigir aos recorrentes a prova da sua incapacidade, em conformidade com o DL 202/96, pois, se o não fizesse, estaria ela própria a infringir a Lei”.

Em suma, a Mmª. Juiz a quo não se pronunciou, de todo, sobre a questão posta pelo Impugnante ao Tribunal e sobre a qual a sentença não poderia deixar de se pronunciar.

Assim sendo, há que concluir que a sentença incorreu em omissão de pronúncia, verificando-se, pois, a nulidade a que se referem os artigos 668º, nº1, alínea d), do CPC e 125º, nº1, do CPPT.

Mais se diga que as nulidades em análise abrangem toda a decisão recorrida e contendem com a totalidade do seu segmento decisório.

Pelo exposto, cumpre julgar procedente o recurso sob apreciação e, em consequência, declarar a nulidade da sentença recorrida, atenta a omissão de pronúncia que vimos apreciando.

Do conhecimento em substituição

Declarada a nulidade da sentença recorrida, há que fazer apelo ao artigo 715º do CPC, uma vez que a anulação da decisão não tem como efeito incontornável a remessa imediata do processo para o Tribunal a quo, devendo o TCA proceder à apreciação do objecto do recurso se dispuser dos elementos necessários para tal.

A competência conferida à 2ª Instância para reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar, em via de substituição, o julgado em 1ª Instância, apenas é possível se do processo constarem todos os elementos de prova - cfr. artigo 712° n° 1 alínea a), CPC, aplicável ex vi art° 2° alínea e), do CPPT - além da hipótese estatuída na alínea b) do mesmo n° 1 do citado art° 712° (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2a edição, pág. 415).

Vejamos, então.

Nos presentes autos de impugnação judicial, pelo Impugnante, ora Recorrente, foram imputados vícios de violação de lei ao acto tributário de liquidação contestado, emitido na sequência da não aceitação do benefício fiscal previsto no artigo 16º do Estatuto dos Benefícios Fiscais – Deficientes (entretanto revogado pela Lei 53-A/2006, de 29/12), por, nos termos do artigo 68º, nº 2 da LGT (actual nº14) a AT estar obrigada a actuar em conformidade com a informação vinculativa prestada, sob pena de violação dos princípios da boa-fé e da igualdade.

No caso concreto, como se demonstrará, este Tribunal está na posse de todos os elementos necessários à decisão da causa.

Assim sendo, cabe a este Tribunal discriminar a matéria de facto provada da não provada, seleccionando a matéria relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito – cfr. artigos 123º, nº2 do CPPT, 511º, nº1 e 659º, nº2 do CPC – o que, por economia de meios, se faz, desde já, por remissão para os pontos A a F dos factos provados da sentença ora anulada, que nesta parte se repristinam – seguindo esta orientação, veja-se o acórdão deste TCAN, de 24/05/12 (processo nº 224/102 BEBRG).


*

Afigura-se-nos, no entanto, que, ao abrigo do disposto do artigo 712º, nº 1, alínea a), do CPC, aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, importa aditar matéria de facto relevante para a discussão da causa que também resulta provada documentalmente:

G) A liquidação a que alude o ponto F, com o nº 2009 5004939556, emitida em 09/11/09, no valor de € 3.277,40, foi paga em 09/12/09 – cfr. fls. 12 e 14 do P.A apenso;

H) Em 10/07/2007, o impugnante requereu à Administração Regional de Saúde do Norte a realização de uma junta médica – cfr. fls. 25 e 26 dos autos;

I) Através de ofício de 21/02/08, a Administração Regional de Saúde IP/ Serviço de Saúde Pública do Alto Minho notificou o impugnante para comparecer em 05/03/08 para ser submetido à junta médica solicitada para avaliação do grau de incapacidade - cfr. fls. 26 dos autos;

J) Em 04/01/08, o Impugnante dirigiu ao Director-Geral dos Impostos, um pedido de informação vinculativa, expondo a sua concreta situação quanto à deficiência de que é portador e aos atestados médicos que a certificam, pedindo, a final, que o Senhor Director emitisse “um parecer vinculativo sobre se a atitude adoptada pela Direcção de Finanças de Viana do Castelo está ou não dentro dos parâmetros da legalidade que se deve pautar” – cfr. fls. 27 a 32 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

L) Em resposta ao solicitado, a Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, respondeu ao Impugnante através de ofício cujo teor aqui se reproduz – cfr. fls. 33 e 34 dos autos:

“(…)

Assunto: Comprovação de deficiência fiscalmente relevante

Relativamente ao assunto constante das suas exposições informo que, nos termos dos despachos do Senhor Director-Geral dos Impostos, datados de 04-11-2008 e 13-04-2009, foi sancionado o seguinte entendimento:

1 – A prova da deficiência para fins fiscais tem de ser feita de acordo com os critérios técnico-legais que vigoram no último dia do período de tributação, pelo que os atestados de incapacidade emitidos anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro, não são válidos para comprovar a deficiência fiscalmente relevante, relativamente ao ano fiscal de 1996 e posteriores.

2 – No entanto, face à alegada impossibilidade dos sujeitos passivos obterem em 2008, uma declaração de incapacidade ao abrigo do Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro, deverá a Administração Fiscal, a título excepcional, aceitar os atestados emitidos ao abrigo da legislação vigente à data da verificação da deficiência, para comprovação das situações relativamente aos anos de 2004 a 2007.

3 – Este procedimento excepcional só deverá ser aplicado aos contribuintes que foram notificados pela primeira vez para fazerem a comprovação da sua deficiência fiscalmente relevante numa data em que já não lhes era possível obter um documento ao abrigo das regras vigentes nos anos em causa.

4 – Estão nestas condições todos os contribuintes que foram notificados após a entrada em vigor da nova TNI (21-01-2006) e, eventualmente, também aqueles que o foram anteriormente (por exemplo, no decurso de 2007) e que, tendo solicitado a realização da Junta Médica, esta só se veio a realizar após a entrada em vigor da nova TNI.

Deste modo, deverá dirigir-se à Direcção de Finanças de Viana do Castelo que, à luz deste entendimento, apreciará a sua situação em concreto”.

M) Com base no despacho do Director-Geral dos Impostos, de 04/11/08, exarado na informação nº 1717/08, da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, foi emitida informação vinculativa com o seguinte teor - cfr. fls. 35 dos autos, com disponibilização no Portal das Finanças:

“Artigo 87.º - n.º 4

Assunto: Comprovação da deficiência fiscalmente relevante.

Validade dos atestados de incapacidade emitidos em data anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro

Processo: 1365/2008, com despacho concordante do Senhor Director-Geral dos Impostos, de 2008-11-04.

Conteúdo:

1. A prova da deficiência para fins fiscais tem de ser efectuada de acordo com os critérios técnico-legais que vigoram no último dia do período de tributação, pelo que os atestados de incapacidade emitidos anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, não são válidos para comprovar a deficiência fiscalmente relevante, relativamente ao ano fiscal de 1996 e posteriores.

2. Não se pode aceitar como princípio a validade automática dos documentos que certificam deficiências quando as regras ao abrigo das quais foram emitidos foram substituídas por outras que são susceptíveis de interferir com a medida da invalidez permanente, a fixar através do acto de avaliação.

3. Porém, face à alegada impossibilidade de os sujeitos passivos obterem em 2008 uma declaração de incapacidade ao abrigo do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, uma vez que em Janeiro entrou em vigor uma nova Tabela de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, deverá a Administração Tributária, a título excepcional, aceitar os atestados de incapacidade emitidos ao abrigo da legislação vigente à data da verificação da deficiência, para comprovação das situações relativas aos anos de 2004 a 2007, no âmbito das notificações efectuadas aos sujeitos passivos no decurso de 2008”.

N) O impugnante, ora Recorrente, foi notificado para comprovação dos benefícios fiscais declarados através da apresentação de prova documental da situação de deficiência no decurso de 2007, tal como resulta da análise conjugada dos documentos juntos a fls. 15 e 16 dos autos e fls. 7 e 11 do P.A apenso.


*

Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.

*

Conhecendo em substituição: do vício de violação de lei da liquidação de IRS impugnada

Estabilizada a matéria de facto, a questão fulcral que é objecto do presente recurso consiste em saber se a liquidação de IRS impugnada (do ano de 2005) enferma do vício de violação de lei que lhe foi apontado pelo Impugnante, ora Recorrente.

Com efeito, importa saber se, tendo sido emitida a informação vinculativa nos termos em que o foi (cfr. ponto M dos factos provados), a Administração Tributária estava obrigada a considerar bastante, para efeitos de comprovação de beneficio fiscal relativo ao ano de 2005, o atestado comprovativo da incapacidade em causa, emitido em Novembro de 1996, isto é, antes da entrada em vigor do DL n.º 202/96, de 23 de Outubro (diploma que entrou em vigor no último dia do mês seguinte ao da sua publicação, de acordo com o respectivo artigo 7º, nº1).

Vejamos.

Na referida informação vinculativa emitida pela Administração Tributária foi fixado o entendimento seguinte:

“(…)

…face à alegada impossibilidade de os sujeitos passivos obterem em 2008 uma declaração de incapacidade ao abrigo do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, uma vez que em Janeiro entrou em vigor uma nova Tabela de Incapacidades, aprovada pelo Decreto -Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, deverá a Administração Tributária, a título excepcional, aceitar os atestados de incapacidade emitidos ao obrigo da legislação vigente à data da verificação da deficiência, para comprovação das situações relativas aos anos de 2004 a 2007, no âmbito das notificações efectuadas aos sujeitos passivos no decurso de 2008”.

Tendo a Administração Tributária notificado o Recorrente para apresentar documento comprovativo da deficiência de que declarou ser portador ainda no decurso do ano de 2007 a questão que se coloca é, pois, a de saber se será isso suficiente para afastar a aplicação da doutrina plasmada na dita informação vinculativa com a consequente desconsideração do atestado médico apresentado pelo Recorrente.

Importa ter presente que em 10/07/07 o impugnante requereu à Administração Regional de Saúde do Norte a realização de uma junta médica e que em, 21/02/08, o Serviço de Saúde Pública do Alto Minho notificou o Impugnante para comparecer em 05/03/08 para ser submetido à junta médica solicitada.

Sobre questão absolutamente idêntica à que nos vem colocada já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Norte inúmeras vezes, sendo disso exemplo, entre outros, os Acórdãos de 12/10/11 (processo 258/10BEBRG), de 30/11/11 (processo 010/10.BEBRG), de 15/02/12 (processo 1301/08BEBRG), 03/05/12 (processo 189/10BEBRG) e o acórdão de 24/05/12 (processo 224/10.2 BEBRG), este último, aliás, respeitante ao mesmo Recorrente. Recuperamos aqui o citado acórdão de 12/10/11, o qual, merecendo a nossa inteira concordância, passamos a transcrever para constituir fundamentação do presente acórdão (os negritos e os sublinhados constam do texto do referido acórdão).

Assim:

“No caso concreto, o que está em causa é saber se, tendo a Administração emitido informação vinculativa sobre «Validade dos atestados de incapacidade emitidos em data anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro”, nos termos em que o fez, poderia desconsiderar tal atestado da contribuinte em causa, apenas por esta nunca ter invocado uma impossibilidade de obtenção de atestado ou por a ter notificado para o efeito a 24 de Setembro de 2007 quando, o ano fiscal em causa era, precisamente, o ano de 2004, isto é, um dos anos em que, por força da referida informação vinculativa, a administração fiscal se auto-obrigava a considerar para efeitos daquele benefício, um atestado emitido nos termos da legislação entretanto revogada.

E, a resposta a esta questão só pode ser (…) inequivocamente negativa.

Tal não significa que este Tribunal não haja compreendido ou apreendido as circunstâncias específicas ou do caso concreto e que conduziram à emissão da referida informação vinculativa e que resultaram do facto de a Administração ter constatado que, nos casos de acções inspectivas realizadas em sede de IRS relativo aos anos 2004 a 2007, iniciadas ou em que o administrado é notificado só em 2008 para comprovar documentalmente o direito ao benefício fiscal tal se mostrar já objectivamente impossível mercê da entrada em vigor da nova Tabela Nacional de Incapacidades (aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro e vigente desde 21 de Janeiro), impossibilidade essa que normalmente lhe era invocada.

Circunstâncias essas que, efectivamente, no caso concreto se não verificam, já que a Reclamante foi notificada para tal em Setembro de 2007.

Porém (…) a exclusão da aplicação desse regime excepcional de um contribuinte assente no facto de ter sido antes de 2008 notificado para fazer essa prova ou de não ter alegado a impossibilidade de obter esse documento conduziria inaceitavelmente à aplicação de dois regimes totalmente distintos para situações materialmente iguais e com consequências graves já que a parte dos contribuintes objecto de acção inspectiva relativamente ao ano de IRS de 2004, que tivessem declarado serem titular de beneficio fiscal por serem portador de incapacidade igual ou superior a 60%, a Administração aceita o atestado apresentado ou a apresentar emitido em data anterior a Outubro de 1996; aos demais, colocados exactamente na mesma circunstância (inspecção), a Administração não aceita os referidos atestados como bastantes e procede a nova liquidação ficando a sorte dos mesmos dependente do momento em que a própria administração entendeu fazer essa inspecção, emitir um oficio ou do contribuinte ser mais ou menos expedito a receber (ou não receber) essa mesma carta ou a invocar que já não podia obter esse atestado. Ou seja, não pode ser tudo deixado ao arbítrio da oportunidade da actuação inspectiva e de circunstâncias voláteis e irrelevantes do ponto de vista de uma justa e igual justiça tributária.

(…)

Em suma: ao aceitar que parte dos contribuintes que declararam no seu IRS relativo aos anos de 2004 a 2007 ter uma incapacidade igual ou superior a 60% para efeitos de beneficiarem de isenção fiscal nos temos do art. 16º, comprovem ser merecedores dessa isenção com a simples apresentação de atestado emitido à luz do regime anterior ao Dec. Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, a Administração não pode, sob pena de violação dos princípios mencionados, deixar de aceitar como bastante para todos os demais, relativamente à comprovação de beneficiário dessa isenção para esses mesmos anos, um atestado emitido ao abrigo desse mesmo diploma legal ou, se preferirmos, ao aceitar como bastante em termos de comprovação de incapacidade e para efeitos do art. 16º, um atestado emitido ao abrigo da legislação entretanto revogada, não pode a administração exigir aos demais e relativamente aos mesmos anos, atestados emitidos ao abrigo da nova legislação sob pena de violação dos princípios de igualdade e justiça material cuja observância constitucional e legalmente lhe está imposta.”

Atento o teor do acórdão que se reproduziu, pouco se nos afigura de aditar à fundamentação transcrita, a qual se aplica inteiramente à situação ora em análise.

Acrescentar-se-á apenas, atento o alegado nos presentes autos de impugnação judicial, que, para a solução do caso sub judice, bastará convocar, tal como no acórdão transcrito, a informação vinculativa a que fizemos referência no ponto M do probatório (Processo: 1365/2008, com despacho concordante do Senhor Director-Geral dos Impostos, de 04/11/08), sendo que a informação prestada ao Impugnante pela Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, a que também fizemos referência no probatório (ponto L supra), nada de relevo acrescenta em relação àquela outra informação vinculativa.

Por um lado, porque como resulta do seu teor, tal informação prestada ao Impugnante, ora Recorrente, remete ela própria para a informação vinculativa a que se reporta o despacho do Director-Geral dos Impostos de 04/11/08. Por outro lado, tal informação, no lugar de apreciar e de se pronunciar sobre a situação tributária do sujeito passivo e dos pressupostos ainda não concretizados dos benefícios fiscais (cfr. artigo 68º da LGT), como é próprio das informações vinculativas, termina sugerindo ao requerente da informação que se dirija à Direcção de Finanças de Viana do Castelo que, à luz deste entendimento, apreciará a sua situação em concreto.

Feito este último esclarecimento e face ao que ficou dito, mormente atendendo ao acórdão transcrito, há que concluir que a impugnação judicial não pode deixar de ser julgada procedente, anulando-se, por vício de violação de lei, a liquidação de IRS impugnada, o que se determinará.

Mas a apreciação do presente recurso não fica por aqui.

É que, logo em sede de p.i, a impugnante veio pedir (o que aqui reiterou), para além da anulação do acto impugnado, a restituição do montante pago, acrescido de juros indemnizatórios, o que fez ao abrigo do disposto nos artigos 43º da LGT.

Vejamos, então, tendo presente que tal pedido não foi objecto de qualquer pronúncia por parte do Tribunal a quo, já que, obviamente, ficou prejudicado pela solução dada ao litígio, ou seja, na medida em que na sentença recorrida se determinou a manutenção do acto impugnado.

Porém, já vimos que assim não é, ou seja, que o acto é ilegal e que, como tal, não se pode manter na ordem jurídica.

Vejamos, agora sim, se o Recorrente tem direito aos peticionados juros.

Como é sabido, os juros indemnizatórios destinam-se a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos (artigo 43º da LGT).

Nos termos da lei, são requisitos do direito aos juros indemnizatórios:

a) que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
b) que esse erro seja imputável aos serviços;
c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido.

Como decorre daquilo que vem dito, a liquidação de IRS impugnada foi efectuada com base num erro, entendendo-se como tal o erro nos pressupostos de facto e/ou o erro nos pressupostos de direito. Num caso como aquele que está em apreciação, o que se verificou foi que a liquidação de IRS respeitante ao ano de 2005 foi emitida ao arrepio das instruções emanadas em informação vinculativa proferida pela Administração Tributária, instruções essas que contemplavam a concreta situação fiscal do Recorrente.

Há, pois, um erro no acto tributário de liquidação de IRS sindicado.

Não oferece dúvidas que o erro em causa é imputável à AT - que equivale a outro dos requisitos para o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios – considerando-se imputável à Administração a ilegalidade que não decorra de uma actuação do contribuinte.

Por outro lado, e ainda sobre a imputabilidade do erro à Administração, dúvidas não há que esta é independente da prova da existência de culpa concreta de qualquer dos seus órgãos, funcionários ou agentes, ou mesmo da prova da culpa global dos serviços.

Em suma, no caso em análise, a liquidação de imposto impugnada resultou de uma errada interpretação e aplicação da lei, por banda da Administração Tributária. Está, pois, assente que o erro é, no caso, imputável aos serviços.

Segue-se outro requisito, a saber: que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial. Tal requisito é aqui evidente, em face daquilo que se determinará no presente acórdão e que já se deixou antedito, a saber: a anulação da liquidação impugnada aqui determinada em substituição do Tribunal recorrido.

Por último, decorre dos factos provados, que o imposto se mostra pago.

Trata-se, pois, de uma quantia indevidamente entregue ao Estado.

Assim, entende este Tribunal estarem preenchidos todos os pressupostos dos quais a lei faz depender o reconhecimento do direito ao pagamento dos peticionados juros indemnizatórios.

Os juros em causa serão calculados sobre o montante de € 3.277,40, contados desde a data do pagamento indevido do imposto, 09/12/09, até à data do processamento da respectiva nota de crédito (artigo 61º, nº5 do CPPT), à taxa prevista para os juros compensatórios (cfr. nº4 do artigo 43º da LGT), aplicável por força do artigo 35º, nº10 da LGT e do artigo 559º do CC.

3. Decisão

Considerando o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, e em consequência, declarar nula a sentença recorrida e, conhecendo em substituição:

- julgar procedente a impugnação judicial;

- anular a liquidação impugnada respeitante ao IRS de 2005;

- reconhecer o direito do Impugnante, ora Recorrente, ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre o montante de € 3.277,40, contados desde 09/12/09 até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

Custas pela Fazenda Pública, apenas em 1ª instância.

Porto, 12 de Abril de 2013.

Ass. Catarina Almeida e Sousa

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves