Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01683/15.2BELSB
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/18/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:ARTIGO 6.º DO CÓDIGO CIVIL; REPOSIÇÃO DE VENCIMENTOS; DECRETO-LEI N.º 115/92, DE 28 DE JULHO;
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO.
Sumário:1 - Enquanto partes integrantes de um Estado de direito formal e material, a Administração e os cidadãos estão subordinados à lei, o que é de dizer que em prossecução do princípio da legalidade, a Administração apenas pode prosseguir no quanto a lei lho permitir, sendo que, quanto aos cidadãos, devem pautar a sua vivência em sociedade, designadamente na sua relação com as entidades públicas, com observância pelo direito vigente, sendo nesse âmbito basilar, como assim dispõe o artigo 6.º do Código Civil, que a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem os isenta das sanções nela estabelecidas.

2 - O acto administrativo por via do qual é ordenada a reposição de quantias indevidamente recebidas, quando praticado dentro dos cinco anos posteriores ao seu processamento/recebimento, não viola o artigo 141.º, n.º 1 do CPA, porquanto na base dessa determinação está o disposto no artigo 40.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho [e mais concretamente, o seu n.º 3, que foi introduzido pelo artigo 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro].

3 - Como assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo, que o requerimento apresentado na sequência da notificação datada de 02 de dezembro de 2014 podia ser tido como uma reclamação graciosa deduzida perante o autor do acto, e que por essa via, face ao disposto no artigo 59.º, n.º 4 do CPTA, estava suspenso o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, não tendo sido proferida qualquer decisão administrativa sobre aquele requerimento e tendo decorrido o prazo de 30 dias a que se reporta o artigo 165.º do CPA, tendo sido retomado o cômputo do prazo de 3 meses a que alude o artigo 58.º, n.º 2, alínea b) do CPTA [e considerando já as suspensões do prazo], o seu termo ocorreu no dia 08 de junho de 2015.

4 - Tendo a Autora, ora Recorrente, entendido que o acto passível de impugnação não era o acto decisor do Director do Departamento de Recursos Humanos da PSP, datado de 02 de dezembro de 2014 e notificado em 15 de janeiro de 2015, antes o teor de um ofício provindo do Serviço de finanças datado de 28 de abril de 2015, em que lhe era comunicada a iminência da instauração de um processo executivo para cobrança coerciva da dívida [reposição dos vencimentos indevidamente pagos/recebidos], por ter entendido que só então é que o acto administrativo alcançou definitividade e executoriedade, quando a Petição inicial é apresentada em Tribunal no dia 22 de julho de 2015, já estava há muito transcorrido o prazo judicial de impugnação, ocorrendo assim a caducidade do direito de acção.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I - RELATÓRIO

M. [devidamente identificada nos autos], Autora na acção que intentou contra o Ministério da Administração Interna, e onde a final da Petição inicial formulou pedido de condenação do Réu [atinente à anulação do acto administrativo da autoria do Director do Departamento de Recursos Humanos da PSP, pelo qual foi determinada a reposição dos montantes processados indevidamente, e que seja o Réu condenado a emitir uma nova decisão que lhe reconheça o direito invocado – de não ter de repor a quantia, por ter já decorrido o prazo de 1 ano -, e notificando para o efeito o órgão de execução fiscal – Serviço de Finanças de Paredes, para cessar a cobrança da quantia, por indevida, devolvendo as quantias já pagas], inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 28 de setembro de 2020, pela qual julgou procedente a caducidade do direito de acção e, em consequência, absolveu o Ministério da Administração Interna da instância.

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

Conclusões:
1. O tribunal reconheceu a exceção dilatória de caducidade do direito de ação, violando desta feita o direito material da A.
2. A entidade demandada ordenou a reposição a 15.01.2015 - cfr. fls. 7 do PA.
3. A 23.01.2015, a Autora apresentou requerimento dirigido ao Diretor do Departamento de Recursos Humanos, ao abrigo do disposto no artigo 54º e 59º do Código de Procedimento Administrativo”, vigente à data, contestando a decisão, alegando então, que “os atos individuais e concretos de processamento de cada um dos vencimentos, se consubstanciou num verdadeiro e típicos ato administrativo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120º do Código de Procedimento Administrativo, uma vez que a revogação do acto administrativo não foi atempadamente levada a cabo, o direito de exigir a quantia mencionada extinguiu-se, motivo pelo qual inexiste uma obrigação legal para a exponente proceder á devolução da quantia” – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial;
4. Sendo certo que o pedido se socorria do então vigente (Artigo 120.º - Conceito de ato administrativo), que referia que “Para os efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”
5. A A. nunca mais soube de nada relativamente ao processo.
6. Por ofício datado de 28.04.2015, o Serviço de Finanças de Paredes solicitou à Autora que, no prazo de 30 dias, procedesse ao pagamento da quantia de € 6.446,55, referente a valor indevidamente recebido, sob pena de ser extraída certidão de dívida para efeitos de cobrança coerciva – (cfr. doc. 3 junto com a petição inicial)
7. Só que a A. não teve acesso, em tempo, a este ofício porque o órgão de administração fiscal, não logrou notificar a exponente para a morada correta.
8. E como tal, contatada por telefone, no último dia do prazo para evitar a referida execução fiscal, a A. solicita o pagamento a prestações. (tendo-lhe sido adiantado pelo serviço de finanças que aguardariam pelo comprovativo da feitura do pedido do pagamento a prestações, a enviar por fax, caso contrário iniciariam a execução)
9. A 27.05.2015, a Autora solicitou a autorização para repor a quantia de € 6.446,55, em prestações mensais – cfr. fls. 12 do PA;
10. A 28.05.2015, por despacho do Diretor de Recursos Humanos da Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública, foi a Autora autorizada a proceder ao pagamento da quantia referida em prestações mensais e sucessivas até ao final do ano de 2016 – cfr. fls. 14 do PA;
11. A petição inicial da presente acção deu entrada a 22 de Julho de 2015, por via electrónica.
12. Ou seja, a A. respeitou integralmente os prazos para exercer atempadamente o seu direito de ação.
13. A ausência de resposta por parte da entidade demandada induziu a A. a uma dúvida legítima e adequada a fazer retardar o seu direito de ação, até à verificação indubitável da definitividade do ato administrativo, ou seja, à remessa do “título executivo”, para execução fiscal.
14. Termos em que só a partir deste dia 28.04.2015, altura em que se torna manifesta a definitividade e executoriedade do ato, se inicia o prazo de três meses.
15. Isto porque ao não responder bem como ao facto de se relacionar quotidianamente com a A. assegurando que a situação iria ser tratada, a entidade demandada, dá sinais evidentes que a situação se iria concluir a seu favor, ou que pelo menos iria obter uma resposta formal.
16. A decisão enunciada no saneador, aplica a lei segundo o novo CPTA, desajustando a realidade dos factos, à prática de então, que sem exceção, atendia ao direito de resposta dos administrados, confiando numa administração prestadora.
17. Aceitar a decisão ora reclamada é privilegiar a forma sobre o conteúdo.
18. A falta de resposta da administração, o facto da A. trabalhar para entidade demandada, a sucessão de regimes e bem assim a ausência de audiência de interessados, verdadeiramente atiram a questão para uma dúvida legítima e adequada, o que nos termos para os efeitos.
19. Estando objetivamente em causa um ato objeto de impugnação, não se mostra legitimo, salvo o devido respeito, que o tribunal determine conclusivamente a absolvição da instância da entidade que proferiu o ato, por estarem ultrapassados os três meses previstos no Artº 58º nº 2 alínea b) do CPTA, para impugnação de atos anuláveis, sem cuidar de verificar pontualmente, em função da factualidade dada como provada, quais os efeitos dos invocados vícios.
20. A conduta da A. no presente processo, foi a de respeito evidente por todas as suas obrigações e prazos processuais, tendo sido pelo contrário a conduta da entidade demandada, quem a induziu em erro.
21. É em julgamento da matéria de facto, que a A. pode provar todos os factos elencados, designadamente 14 a 17 das presentes conclusões. Julgamento da matéria de facto que sempre requereu e em devido tempo se opôs à sua não realização.
[…]”
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O Recorrido Ministério da Administração Interna não apresentou Contra alegações.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido da sua improcedência.
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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão aos Meritíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitadas pela Recorrente e patenteadas nas conclusões das suas Alegações resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento na vertente da interpretação e aplicação do direito, e mais concretamente, sobre se errou o Tribunal a quo ao julgar que ocorreu a caducidade do direito de acção.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“1.1 Factos provados:
Com relevância para a decisão das excepções suscitadas, julgam-se provados os seguintes factos:
a) A 2 de Dezembro de 2014, por despacho do Director de Recursos Humanos foi determinado à Autora que procedesse à reposição da quantia de € 6.446,55, relativo aos vencimentos indevidamente pagos nos meses de Outubro de 2012 a Dezembro de 2013, atento que, nesse período, a Autora foi abonada do subsídio de doença pela Segurança Social - cfr. fls. 1 do PA;

b) A Autora foi notificada pessoalmente do despacho referido na alínea anterior a 15.01.2015 - cfr. fls. 7 do PA;

c) A 23.01.2015, através do seu mandatário e via email, a Autora apresentou requerimento dirigido ao Director do Departamento de Recursos Humanos, “ao abrigo do disposto no artigo 54º e 59º do Código de Procedimento Administrativo”, vigente à data, pronunciando-se quando à decisão referida em a) e no qual peticiona que:

termos e que atento o exposto, porque os actos individuais e concretos de processamento de cada um dos vencimentos, se consubstanciou num verdadeiro e típico acto administrativo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120º do Código de Procedimento Administrativo, uma vez que a revogação do acto administrativo não foi atempadamente levada a cabo, o direito de exigir a quantia mencionada extinguiu-se, motivo pelo qual inexiste uma obrigação legal para a exponente proceder á devolução da quantia– cfr. doc. 2 junto com a petição inicial;
- cfr. doc. 2 junto com a petição inicial;

d) Por ofício de 31.03.2015, a Entidade Demandada emitiu a guia de reposição n.º 188, no valor de € 6.446, 55, relativo ao reembolso de pagamentos indevidos em 2012 e 2013, a qual foi remetida ao Serviço de Finanças de Paredes – cfr. fls. 10 e 11 do PA;

e) Por ofício datado de 28.04.2015, o Serviço de Finanças de Paredes solicitou à Autora que, no prazo de 30 dias, procedesse ao pagamento da quantia de € 6.446,55, referente a valor indevidamente recebido, sob pena de ser extraída certidão de dívida para efeitos de cobrança coerciva - cfr. doc. 3 junto com a petição inicial;

f) A 27.05.2015, a Autora solicitou a autorização para repor a quantia de € 6.446,55, em prestações mensais – cfr. fls. 12 do PA;

g) A 28.05.2015, por despacho do Director de Recursos Humanos da Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública, foi a Autora autorizada a proceder ao pagamento da quantia referida em a) em prestações mensais e sucessivas até ao final do ano de 2016 – cfr. fls. 14 do PA;

h) A petição inicial da presente acção deu entrada a 22 de Julho de 2015, por via electrónica, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – cfr. fls. 1 dos autos;

i) A Autora procedeu à reposição de toda a quantia em dívida e a regularizar - cfr. fls.105 dos autos;

1.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem facto com interesse para a decisão da causa que importe dar como não provados
1.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos, bem como juntos com o PA. Os documentos em causa não foram impugnados e são especificados em cada uma das alíneas.”
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 28 de setembro de 2020, na acção que a Autora intentou contra o Ministério da Administração Interna, e onde havia formulado pedido de anulação do acto administrativo da autoria do Director do Departamento de Recursos Humanos da PSP [pelo qual foi determinada a reposição dos vencimentos processados indevidamente], e que seja o Réu condenado a emitir uma nova decisão que lhe reconheça o direito invocado de não ter de repor a quantia, por ter já decorrido o prazo de 1 ano, assim como notificado para o efeito o órgão de execução fiscal – Serviço de Finanças de Paredes, para cessar a cobrança da quantia, por indevida, devolvendo as quantias já pagas, sendo que o Tribunal a quo veio a julgar procedente a caducidade do direito de acção e, em consequência, absolveu o Ministério da Administração Interna da instância.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Como assim resulta das conclusões das Alegações de recurso motivadas pela Recorrente, e no que releva para efeitos de apreciação do seu mérito, a mesma imputa à Sentença recorrida a ocorrência de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, sustentando para tanto que a Petição inicial por si apresentada para impugnação do despacho proferido pelo Director de Departamento de Recursos Humanos da PSP, do que foi notificada em 15 de janeiro de 2015, e tendo apresentado a Petição inicial em 22 de julho de 2015, foi tempestivamente apresentada, e que não podia o Tribunal a quo julgar pela ocorrência da caducidade do direito de acção.

Referiu a Recorrente que ao ter o Tribunal a quo reconhecido a excepção dilatória de caducidade do direito de ação, violou dessa desta feita o seu direito material, e tanto, porque tendo a ordem de reposição sido determinada em 15 de janeiro de 2015, e em 23 de janeiro de 2015 apresentado requerimento dirigido ao Diretor do Departamento de Recursos Humanos, ao abrigo do disposto no artigo 54.º e 59.º do Código de Procedimento Administrativo, vigente à data, contestando a decisão, e alegando então, e em suma, que a revogação do acto administrativo não foi atempadamente levada a cabo, tendo-se extinto o direito de exigir a quantia mencionada, motivo pelo qual inexiste uma obrigação legal para a exponente proceder à devolução da quantia, e que a partir daquela data nunca mais soube de nada relativamente ao processo, sendo que nesse entretanto, em 27 de maio de 2015 veio a solicitar autorização para repor a quantia de € 6.446,55, em prestações mensais, o que foi autorizada a 28 de maio de 2015 por despacho do Diretor de Recursos Humanos da Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública, em prestações mensais e sucessivas até ao final do ano de 2016.

Mais referiu que a impugnação do acto foi tempestivamente deduzida porque a Petição inicial que motiva os autos deu entrada no Tribunal no dia 22 de julho de 2015.

Sustenta que respeitou integralmente os prazos para exercer atempadamente o seu direito de ação, e que foi a ausência de resposta por parte da entidade demandada que a induziu numa dúvida legítima e adequada a fazer retardar o seu direito de acção, até à verificação indubitável da definitividade do acto administrativo, no que considerou ser a ´remessa do “título executivo”, para execução fiscal.´, e que só a partir do dia 28 de abril de 2015 [Cfr. ponto 6 das conclusões], é que se “… torna manifesta a definitividade e executoriedade do ato [e se inicia o prazo de três meses], e justifica que “… ao não responder bem como ao facto de se relacionar quotidianamente com a A. assegurando que a situação iria ser tratada, a entidade demandada, dá sinais evidentes que a situação se iria concluir a seu favor, ou que pelo menos iria obter uma resposta formal.”

Mais refere que a decisão recorrida enunciada no saneador, ao aplicar a lei segundo o novo CPTA, desajustou a realidade dos factos, à prática de então, que sem excepção, atendia ao direito de resposta dos administrados, confiando numa administração prestadora, e que aceitar a decisão reclamada é privilegiar a forma sobre o conteúdo.

A final refere que a falta de resposta da administração e o facto de trabalhar para a entidade demandada, assim como a sucessão de regimes legais, e bem assim, a ausência de audiência de interessados, verdadeiramente atiram a questão para uma dúvida legítima e adequada, quando está em causa um acto objecto de impugnação, que não se mostra legitimo, e que que o tribunal determinou conclusivamente a absolvição da instância da entidade que proferiu o acto, por estarem ultrapassados os três meses previstos no artigo 58.º n.º 2 alínea b) do CPTA, para impugnação de actos anuláveis, sem cuidar de verificar pontualmente, em função da factualidade dada como provada, quais os efeitos dos invocados vícios, tendo sido a conduta da entidade demandada, quem a induziu em erro, sendo que só em julgamento da matéria de facto, é que pode provar todos os factos elencados, designadamente 14 a 17 das presentes conclusões, julgamento esse que sempre requereu e em devido tempo se opôs à sua não realização.

Ora atentas as conclusões patenteadas a final das suas Alegações, e tendo presente que a sua pretensão recursiva se afere pelo que aí expendeu, tudo se reconduz, a final, em saber se o julgamento tirado pelo Tribunal a quo enferma de erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, ao ter apreciado e decidido que a impugnação judicial do acto foi feita para além do prazo fixado pela lei de processo para a impugnação de actos meramente anuláveis.

Neste patamar.

Como assim decorre do processado nos autos, em face do que constituía a causa de pedir e o pedido imanente à Petição inicial, o Réu Ministério da Administração Interna apresentou Contestação pela qual se defendeu por excepção e por impugnação, sendo que, em sede daquela defesa integrativa por excepção [e entre o mais] invocou - Cf. pontos 1.º a 17.º - a ocorrência da caducidade do direito de acção, e para tanto, referiu que à data em que foi instaurada a acção já se encontrava ultrapassado o prazo de 3 meses para impugnação do acto cuja anulação vinha peticionada pela Autora, ora Recorrente.

Finda a fase dos articulados, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador sentença, no âmbito do qual fixou o objecto do litígio [a impugnação do acto, incorporado do despacho do Director do Departamento de Recursos Humanos da PSP de Lisboa, que determinou a reposição da quantia de € 6.446, 55, relativa a salários indevidamente recebidos no período de outubro de 2012 a dezembro de 2013], e como questões a decidir, saber se se verifica a inutilidade superveniente da lide, se ocorreu a aceitação do acto administrativo, e se caducou o direito de acção, tendo para o efeito fixado a matéria de facto que julgou ser relevante para efeitos do conhecimento dessa matéria, sendo que, a final, veio a julgar pela ocorrência da caducidade do direito de acção, como resultado do cotejo da data da notificação do acto e da data da sua impugnação judicial.

Ora, em sede do discurso fundamentador aportado na Sentença recorrida, e com o que não concorda a Recorrente, o Tribunal a quo decidiu conforme para aqui se extracta o que segue:

Início da transcrição
“[…]
III. Da caducidade do direito à acção
A Entidade Demandada invoca, na sua contestação, a caducidade do direito de acção.
A Autora, na sua resposta, defende que não se verifica a caducidade do direito à acção, porquanto apresentou um requerimento para o Director de Recursos Humanos, ao abrigo do artigo 54º e 59º do Código de Procedimento Administrativo, relativamente ao qual não obteve resposta e ficou convicto que a situação iria ser resolvida a seu favor, pelo que não pode ser penalizado por essa circunstância.
Vejamos, então, se a presente acção foi proposta no prazo legal.
Resulta da alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos que os interessados em impugnar um acto administrativo que padeça de vício conducente ao regime da anulabilidade devem intentar a acção judicial no prazo três meses, sob pena de ocorrer caducidade do seu direito de impugnar o acto em causa.
Por sua vez, resulta do disposto no n.º 1 do artigo 58.º do mesmo Código que a impugnação de actos cujos vícios sejam conducentes ao regime da nulidade ou inexistência não está sujeita a prazo.
Da leitura da petição inicial resulta que a Autora impugna o acto praticado pelo Director de Recursos Humanos de 02.12.2914 que ordenou a reposição da quantia indevidamente recebida (cfr. alínea a) dos factos provados), invocando, para tanto, que o acto viola o n.º 1 do artigo 141º do Código de Procedimento Administrativo.
Em abstracto, tal vício conduz à anulação do acto, por vício de violação de lei, pelo que a impugnação do acto está sujeita ao prazo de 3 meses estabelecido na alínea b) do n.º 2 do artigo 58º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
Como resulta do n.º 3 do artigo 58º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, a contagem deste prazo de 3 meses obedece ao regime aplicável para a propositura de acções que se encontram previstos no Código de Processo Civil. Esta remissão para o Código de Processo Civil deverá considerar-se feita para o n.º 1 do artigo 138º do Código de Processo Civil, pelo que aquele prazo é contínuo, suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais.
Face à suspensão do prazo em férias judiciais haverá que considerar-se a sua transformação num prazo de 90 dias, para efeitos de serem descontados os dias de férias judiciais abrangidos, por aplicação do disposto na alínea c) do artigo 279º do Código Civil (cfr. Acórdão do TCA Norte de 29.11.2007, Proc. 00760/06.5BEPNF e ainda Mário Aroso de Almeida; Carlos Alberto Fernandes Cadilha in Comentários ao Código de processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, Almedina, 2010, página 388).
O termo inicial daquele prazo corresponde à respectiva notificação nos termos do n.º 1 e 2 do art. 59º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, notificação que no presente caso ocorreu a 15.01.2015 (cfr. alínea b) dos factos provados).
É ainda de considerar que na contagem do prazo não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr de acordo com a alínea b) do artigo 279º do Código Civil (vide, nesse sentido, Marco Caldeira, in “A impugnação de actos no novo Código de Processo dos Tribunais Administrativos: âmbito, delimitação e pressupostos”, Comentários à revisão do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, 1ª Edição, 2016, AAFDL Editora).
O que significa que, no caso, o prazo de três meses previsto no artigo alínea b) do n.º 2 do 58º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, para a impugnação da decisão que ordenou a reposição de quantias, começou a contar em 16.01.2015, dia seguinte àquele em que foi notificado pessoalmente à Autora.
Portanto, desde essa data que a Autora tinha três meses (ou 90 dias, conforme já referido) para apresentar em Tribunal pretensão impugnatória contra esse despacho.
Acontece que, em 23 de Janeiro de 2015, a Autora apresentou um requerimento dirigido ao autor do acto, através do qual se pronunciou “nos termos e para os efeitos do artigo 54º e 59º do CPA” quanto àquela decisão, defendendo que não existe o dever de proceder à devolução da quantia exigida.
Examinando o acto que foi notificado à Autora, dúvidas não há que está em causa um acto final e não um projecto de decisão relativamente ao qual a Autora se devesse pronunciar.
Na verdade, embora invoque as normas referentes à audiência dos interessados, não poderá deixar de entender-se que, com aquele requerimento, a Autora pretendeu reclamar do acto, pedindo ao autor do acto a reapreciação da decisão que ordenou a reposição das quantias.
A reclamação para o Autor do acto constitui um dos meios de impugnação administrativa quanto à decisão que lhe foi comunicada (cfr. artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo vigente à data).
A reclamação apresentada pela Autora decorre da possibilidade de poder reclamar-se, para o respectivo autor, da prática ou omissão de qualquer acto administrativo, conforme previsto no nº 1 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo. Pelo que, não existindo norma legal que exija a apresentação da reclamação como condição para acesso à via contenciosa, só poderá considerar-se que aquele recurso tem natureza facultativa.
De acordo com o artigo 59.º, n.º 4 do CPTA “a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal.
A utilização de meios de impugnação administrativa (entre os quais se encontra a reclamação) suspende, não interrompe, o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, o qual só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal “…consoante o que ocorra em primeiro lugar”.
Por conseguinte, a suspensão do prazo apenas inutiliza o período que decorra ente o momento da utilização do meio de impugnação administrativa e o da notificação da decisão que sobre ela tenha sido proferida ou o termo do prazo para que essa decisão fosse proferida, sem que tenha sido emitida qualquer decisão.
Assim, o prazo de 3 meses, que se iniciou a 16.01.2015, suspendeu-se a 23.01.2015, por via da apresentação da reclamação pela Autora. Tinham decorrido 7 dias do prazo legal de impugnação.
De acordo com artigo 165º do Código de Procedimento Administrativo vigente à data, o prazo para a decisão da reclamação é de 30 dias úteis, contados nos termos do artigo 72º do Código de Procedimento Administrativo.
Assim, o prazo para a decisão da reclamação apresentada pela Autora terminou a 6.03.2015, pelo que, no dia seguinte a essa data, o prazo legal da impugnação retomou o seu curso.
Volta a suspender-se no período de 29.03.2015 a 6.04.2015, por corresponder ao período de férias judiciais, nos termos do n.º 3 do artigo 58º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos em conjugação com o artigo 138º do Código de Processo Civil e artigo 28º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto. Até 29.03.2015 haviam decorrido 29 dias do prazo para instaurar a acção.
Consequentemente, o prazo legal de impugnação judicial retoma o seu curso a 7.04.2015, o que significa que o último dia do prazo legal corresponde a 6 de Junho de 2015, o qual, por ser dia em que os Tribunais se encontram encerrados (Sábado), se transfere para o primeiro dia útil seguinte - 8 de Junho de 2015 (cfr. n.º 2 do artigo 138º do Código de Processo Civil).
Resulta assim inequívoco que, quando a presente acção administrativa foi intentada a 22.07.2015 (cfr. alínea h) dos factos provados) já se mostrava ultrapassado o prazo de 3 meses (transformado em 90 dias), previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 58º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
Assim, julga-se verificada a excepção dilatória da caducidade do direito à acção, o que determina a absolvição da Entidade Demandada da instância, nos termos do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 89º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
Sustentou a Autora que não se verifica a excepção em apreço, atento que a Entidade Demandada não cumpriu o dever de decisão quanto ao requerimento que apresentou na sequência da decisão proferida, tendo sido criada a expectativa que a situação iria ser despachada em seu favor, pelo que não pode ser prejudicada nos seus direitos pela ausência de resposta ao requerimento apresentado.
Na verdade, ao contrário do alegado pela Autora, a circunstância de não ter obtido resposta à reclamação no prazo legal estabelecido não pode ser entendida como uma decisão favorável à sua pretensão (até porque, se assim fosse, a configuração da presente acção certamente seria outra), representando tão só a omissão do dever de decisão.
Note-se que o objecto da presente acção é o acto primário, que é o que ordenou a restituição das quantias indevidamente recebidas, e não a omissão do dever de decidir a reclamação apresentada. É de recordar que a utilização dos meios de impugnação administrativa suspende tão só o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, o que implica que logo que decorra o prazo de decisão da reclamação – mesmo sem qualquer decisão – retoma novamente a contagem do prazo de impugnação do acto que ordenou a reposição das quantias indevidamente recebidas.
Ora, a eventual omissão do dever de decidir a reclamação apresentada abre a porta à Autora para reagir contra o acto primário, não se podendo falar em violação de boa fé ou confiança criada que permita deturpar as regras processuais quando ao prazo de reacção contenciosa do acto primário, até porque, como se viu, até ao momento, nem sequer foi proferida qualquer decisão da reclamação apresentada.
Acresce que a eventual omissão da audiência dos interessados constituí um dos vícios do acto que a Autora sempre poderia ter invocado na sua petição inicial, sendo que a sua eventual violação não tem qualquer efeito ou relevância na contagem do prazo para a impugnação do acto administrativo.
A caducidade do direito de acção constitui uma excepção dilatória, insuprível, cuja verificação obsta ao conhecimento do mérito da acção e determina a absolvição da Entidade Demandada da instância, nos termos do disposto da alínea h) do n.º 1 do art. 89º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e n.º 2 do artigo 576º do Código de Processo Civil, ex vi, artigo 1º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
[…]”
Fim da transcrição

Aqui chegados.

Tendo presente que a aferição da pretensão recursiva se afere pelas conclusões apresentadas a final das Alegações de recurso e bem assim, e tendo também presente o extraído supra a partir da Sentença recorrida, adiantamos desde já que não assiste razão alguma à Recorrente e que bem decidiu o Tribunal a quo, cujo julgamento não merece qualquer censura jurídica.

Com efeito, na relação jurídica administrativa estabelecida entre a Autora, ora Recorrente e o Réu, ora Recorrido, por via da Polícia da Segurança Pública, o acto administrativo que nos termos e para efeitos do disposto no artigo 120.º do CPA e do artigo 51.º, n.º 1 do CPTA, comporta para si lesividade efectiva na sua esfera jurídica de direitos e interesses, por ter toda a aptidão a produzir efeitos jurídicos concretos na situação atinente à reposição das quantias tidas por indevidamente recebidas, é a decisão proferida pelo Director do Departamento de Recursos Humanos da Direcção Nacional da PSP, datada de 02 de dezembro de 2014, que lhe foi pessoalmente notificada em 15 de janeiro de 2015 – Cfr. ponto 2 do probatório.

É que, se a Autora tinha para si como lógico, quando “… confrontada com uma decisão, de devolução de quantias, para a qual não foi notificada antecipadamente para a Audiência de interessados, que tal decisão/despacho estivesse ferida de nulidade. “, devia ter invocado e fundamentada a natureza dessa invalidade em sede da Petição inicial.

Lida a Petição inicial, a Autora sustenta que o acto que ordena a reposição deve ser anulado [Cfr. ponto 23 e pedido a final da Petição inicial].

Portanto, assaca-lhe um desvalor jurídico que é decorrente de uma actuação do Réu, em desconformidade com o direito aplicável e que foi concretamente aplicado na sua situação, o que é passível de mera anulabilidade e não de nulidade.

E desta diversa qualificação da invalidade importam desde logo consequências ao nível do prazo para a sua impugnação contenciosa, e por regra, os actos anuláveis devem ser impugnados no prazo de 3 meses, e os nulos, sem dependência de prazo.

Sob o ponto 17 da Petição inicial a Autora refere que “O departamento de Vencimentos, durante treze meses, procedeu ao pagamento, processando as remunerações à requerente, apesar de esta se encontrar em baixa.”, e sob os pontos 4, 5 e 6 refere que durante o período em que esteve ausente ao serviço por doença, que cumulou o subsídio de doença que lhe foi pago pela Segurança Social com o vencimento pago pela PSP, e que por várias vezes se “tentou inteirar da situação”, que considera ser “insólita”, e que lhe foi dito que tudo estava conforme, e que a situação iria ser resolvida quando fosse notificada para o efeito.

O que assim aconteceu em 15 de janeiro de 2015.

Portanto, foi nesta data que a Autora foi notificada para efeitos de proceder à reposição da quantia da quantia que indevidamente lhe foi paga e que a mesma guardou para si, no montante global de €6.446,55.

Como assim referiu o Réu ora Recorrido, sob os pontos 13.º e 14.º da Contestação, o acto impugnado [que a Autora não o identificou expressamente na Petição inicial] é aquela decisão do Director do Departamento de Recursos Humanos, que determinou a reposição das quantias recebidas.

Como resultou provado, dessa decisão datada de 02 de dezembro de 2014, a Autora ora Recorrente decidiu apresentar um requerimento em 21 de janeiro de 2015, dirigido ao Director do Departamento de Recursos Humanos – Cfr. ponto 3 do probatório -, pelo qual, com invocação do disposto no artigo 54.º e 59.º do CPA, referiu em suma, que recebeu o subsídio que lhe foi prestado pela Segurança Social, em concomitância com o vencimento, ou seja, que “… o departamento de Vencimentos, durante treze meses, procedeu ao pagamento, processando as remunerações […] apesar de […] se encontrar de baixa.”, e que pelo tempo que entretanto foi decorrido, “… entende que não deve proceder ao pagamento dos vencimentos abonados.”, porque “… o prazo legal para a sua revogação já foi ultrapassado (vide 141.º, n.º 1 CPA.)”, tendo-se extinto o direito de exigir a devolução da quantia.

Enquanto partes integrantes de um Estado de direito formal e material, a Administração e os cidadãos estão subordinados à lei, o que é de dizer que em prossecução do princípio da legalidade, a Administração apenas pode prosseguir no quanto a lei lho permitir, sendo que, quanto aos cidadãos, devem pautar a sua vivência em sociedade, designadamente na sua relação com as entidades públicas, com observância pelo direito vigente, sendo nesse âmbito basilar, que a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem os isenta das sanções nela estabelecidas – Cfr. artigo 6.º do Código Civil.

O facto de a Autora, ora Recorrente, ter entendido que o acto impugnável era/foi aquele constante do ofício datado de 28 de abril de 2015 – Cfr. ponto 6 das conclusões; Cfr. ainda a alínea e) do probatório -, provindo do Serviço de finanças de Paredes, que em suma, dava conta da iminência da instauração de um processo executivo para cobrança coerciva de dívida [das quantias que o Réu tinha por indevidamente pagas/recebidas], e não já aquela decisão do Director do Departamento de Recursos Humanos, datada de 02 de dezembro de 2014, e que lhe foi notificada pessoalmente em 15 de janeiro de 2015, e de entender ser necessária a “definitividade e executoriedade do ato”, que no seu entender só ocorreu a partir do dia 28 de abril de 2015, trata-se, a final, de um entendimento e de um convencimento seu [da Autora, ora Recorrente], mas que não podemos acolher.

Com efeito, o teor da notificação datada de 15 de janeiro de 2015, era muito claro, por forma a que a Autora ora Recorrente ficasse a saber e a conhecer que foi formalmente notificada de que tinha de repor a quantia líquida de €6.446,55, verba essa que era respeitante a vencimentos abonados nos anos de 2012 e 2013 quando não se encontrava ao serviço, ou melhor, quando se encontrava ausente ao serviço por doença.

Tendo-se a Autora auto determinado por vir a apresentar aquele requerimento em 21 de janeiro de 2015, e onde alegou, no fundo que não lhe era mais exigível, por parte do Réu, que repusesse a quantia em causa, por ter sido ultrapassado o prazo de 1 ano a que se reporta o artigo 141.º, n.º 1 do CPA e nesse período não ter/em sido revogado/s o/s acto/s de processamento do/s vencimento/s que recebeu, e arguindo na Petição inicial, e reiterando agora nas Alegações de recurso, que nunca foi destinatária de qualquer decisão sobre esse seu requerimento [mas de todo o modo, sempre certo que nesse requerimento não faz qualquer pedido], não podia a Autora obnubilar que o prazo de impugnação judicial do acto que ordena a reposição dos vencimentos se iniciou em 15 de janeiro de 2015.

E se bem que, como assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo, aquele requerimento podia ser tido como uma reclamação graciosa deduzida perante o autor do acto, e que por essa via, face ao disposto no artigo 59.º, n.º 4 do CPTA, estava suspenso o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, não tendo sido proferida qualquer decisão administrativa sobre aquele requerimento e tendo decorrido o prazo de 30 dias a que se reporta o artigo 165.º do CPA, tendo sido retomado o cômputo do prazo de 3 meses a que alude o artigo 58.º, n.º 2, alínea b) do CPTA [e considerando já as suspensões do prazo], o seu termo ocorreu no dia 08 de junho de 2015, pelo que, como bem apreciou e decidiu o Tribunal a quo, ao ter julgado que quando a Autora deu entrada no Tribunal da Petição inicial que motiva os autos, em 22 de julho de 2015, já há muito que estava transcorrido o referido prazo de 3 meses [ou de 90 dias].

A notificação da decisão datada de 02 de dezembro de 2014, em 15 de janeiro de 2015, não é indutora de fazer a Autora incorrer em qualquer erro, por se tratar apenas da externalização da decisão tomada, que encerra em si um poder vinculado, levando-a ao conhecimento da sua destinatária [a Autora, ora Recorrente], e do que sobre si impendia quanto ao dever de repor as quantias recebidas [que enquanto cidadã e funcionária da PSP integrada no Réu, devia saber e conhecer, ou assim não acontecendo, formalizando os seus receios e preocupações, por forma a procurar indagar junto de terceiros, designadamente de profissionais do foro].

A actuação da Autora segundo o direito por si perspectivado, no sentido de que não lhe é/era mais exigível a reposição da quantia, por ter sido ultrapassado o prazo de 1 ano, estava sempre condicionada à observância de prazos legais para qualquer um desses exercícios [gracioso ou contencioso], e que o seu decurso – de prazos legalmente fixados – importa na consolidação de acto administrativo em que é visado.

Ou seja, como assim refere a Autora, no período em que esteve ausente por doença [de outubro de 2012 a dezembro de 2013], a mesma foi remunerada duas vezes durante o mesmo período, e por entidades distintas, e tem essa remuneração cumulada, por doença e também por serviço efectivo, e que quando recebeu a notificação para a reposição das quantias, que procurou ela própria iniciar um procedimento administrativo, do qual esperava resposta formal, resposta essa que considerava absolutamente necessária e inequívoca para a prolacção do processo coercivo de devolução das quantias peticionadas, e que não chegou a receber, tendo entendido que dada a situação em causa, que devia “… a entidade demandada, obvia e legalmente notifica[r] a A. para se pronunciar a título de audiência de interessados e só depois emiti[r] a decisão.”, e que assim não tendo acontecido que se está perante “… uma situação em que a Administração se aproveita indevidamente da boa-fé processual e procedimental da A.”.

Ora, independentemente do contexto trazido aos autos pela Autora, o que é facto é que, seja por considerar [a Autora] que o acto de reposição é anulável por a quantia em causa já não lhe poder ser legalmente exigida, por já ter decorrido o prazo de 1 ano para a revogação [do acto de processamento dos vencimentos atinente às quantias pagas] a que se reporta o artigo 141.º, n.º 1 do CPA, seja porque a notificação para a reposição das quantias não foi antecedida da sua audiência prévia, o que é incontornável é que o computo do prazo efectuado pelo Tribunal a quo está correcto, e que atenta a data em que foi notificada para a reposição e a data da entrada em juízo da Petição inicial, há muito que estava transcorrido o prazo para a sindicância desse acto junto do Tribunal.

Colocando a Autora nas suas Alegações a questão sob o patamar de ser “… uma agente apta, leal e competente, mas também porque é uma cidadã consciente e convicta dos seus direitos e deveres…”, e que tendo feito um requerimento que esperava uma resposta, se a mesma não recebeu essa resposta, e se o acto de reposição era ele, já, um acto impugnável [não se põe a questão de ser um acto verticalmente definitivo, pois que o legislador há muito que abandonou essa qualificação de acto impugnável], da mesma forma que se auto determinou por vir impugnar esse acto em 22 de julho de 2015, mais diligente seria que o tivesse feito dentro do respectivo prazo, porque a sindicância de acto anuláveis deve ser feita no prazo de 3 meses, nos termos do artigo 58.º, n.º 2, alínea b) do CPTA, e relativamente à preterição da sua audiência prévia, essa questão formal apenas redundaria na situação em apreço na prática de um acto anulável, que não passível de nulidade, como vem agora a sustentar nas Alegações de recurso.

Mas sempre e de todo o modo, sabendo e não podendo desconhecer a Autora ora Recorrente que tendo estado ausente por doença, e tendo-lhe sido processado o respectivo subsídio pela Segurança Social, e a PSP processado o vencimento, é manifesto que não lhe sendo devida a remuneração como estando ao serviço [porque não esteve], ou de outra maneira, a ela não tendo direito de forma alguma, e tendo sido processada de forma indevida, sem que se possa argumentar que tal constitua um direito constituído, nunca se colocaria a questão da tempestividade da sua revogação [do acto administrativo de processamento dos vencimentos nesse período], porque a notificação para reposição das quantias recebidas é decorrente do exercício de um poder/dever vinculado, e que pode ser exercido no prazo de 5 anos a contar do seu processamento, tempo este, que fosse qual fosse o contexto alegatório em que se sustenta a Recorrente, mesmo com o cumprimento da sua audiência prévia, o acto a praticar sempre seria de sentido único, e que desaguaria no dever de proceder à sua reposição, com fundamento, não na revogação do acto [que não é isso que está em causa, não sendo por isso convocável o disposto no artigo 141.º, n.º 1 do CPA], mas da observância do prazo durante o qual pode ser exigida a devolução por parte da Administração, nos termos do artigo 40.º, n.ºs 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho [Cfr. artigo 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro].

Daí que não assiste razão à Recorrente na sua pretensão recursiva, sendo forçoso concluir que a Sentença recorrida não padece do erro de julgamento que lhe vem imputado pela Recorrente, improcedendo a totalidade das conclusões das suas Alegações.
*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Artigo 6.º do Código Civil; Reposição de vencimentos; Decreto-Lei n.º 115/92, de 28 de julho; Caducidade do direito de acção.

1 - Enquanto partes integrantes de um Estado de direito formal e material, a Administração e os cidadãos estão subordinados à lei, o que é de dizer que em prossecução do princípio da legalidade, a Administração apenas pode prosseguir no quanto a lei lho permitir, sendo que, quanto aos cidadãos, devem pautar a sua vivência em sociedade, designadamente na sua relação com as entidades públicas, com observância pelo direito vigente, sendo nesse âmbito basilar, como assim dispõe o artigo 6.º do Código Civil, que a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem os isenta das sanções nela estabelecidas.

2 - O acto administrativo por via do qual é ordenada a reposição de quantias indevidamente recebidas, quando praticado dentro dos cinco anos posteriores ao seu processamento/recebimento, não viola o artigo 141.º, n.º 1 do CPA, porquanto na base dessa determinação está o disposto no artigo 40.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho [e mais concretamente, o seu n.º 3, que foi introduzido pelo artigo 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro].

3 - Como assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo, que o requerimento apresentado na sequência da notificação datada de 02 de dezembro de 2014 podia ser tido como uma reclamação graciosa deduzida perante o autor do acto, e que por essa via, face ao disposto no artigo 59.º, n.º 4 do CPTA, estava suspenso o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, não tendo sido proferida qualquer decisão administrativa sobre aquele requerimento e tendo decorrido o prazo de 30 dias a que se reporta o artigo 165.º do CPA, tendo sido retomado o cômputo do prazo de 3 meses a que alude o artigo 58.º, n.º 2, alínea b) do CPTA [e considerando já as suspensões do prazo], o seu termo ocorreu no dia 08 de junho de 2015.

4 - Tendo a Autora, ora Recorrente, entendido que o acto passível de impugnação não era o acto decisor do Director do Departamento de Recursos Humanos da PSP, datado de 02 de dezembro de 2014 e notificado em 15 de janeiro de 2015, antes o teor de um ofício provindo do Serviço de finanças datado de 28 de abril de 2015, em que lhe era comunicada a iminência da instauração de um processo executivo para cobrança coerciva da dívida [reposição dos vencimentos indevidamente pagos/recebidos], por ter entendido que só então é que o acto administrativo alcançou definitividade e executoriedade, quando a Petição inicial é apresentada em Tribunal no dia 22 de julho de 2015, já estava há muito transcorrido o prazo judicial de impugnação, ocorrendo assim a caducidade do direito de acção.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente M., e consequentemente, em manter a Sentença recorrida.
*
Custas a cargo da Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
**
Notifique.
*
Porto, 18 de junho de 2021.

Paulo Ferreira de Magalhães
Fernanda Brandão
Hélder Vieira