Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01410/06.5BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/28/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
LITISPENDÊNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 125º e n.º 2 do art.º 123.º do CPPT, art.º 615º e n.º 4 do 607.º do CPC que a sentença deve conter fundamentação da matéria de facto a qual consiste na indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz e a sua apreciação crítica de modo a perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
O Recorrente, M… melhor identificado nestes autos, impugnou os atos de fixação do valor patrimonial de vários prédios urbanos, ao abrigo do art.º 134.º e 77.º do CIMI, pugnando pela sua anulação e pedindo em consequência novas avaliações.

O Mm. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu por sentença proferida em 29.01.2016, nos termos conjugados dos art.ºs 576º, 494º alínea i), 577º, 581º e 582º e alínea e) do art. 278º todos do CPC, julgou verificada a exceção dilatória de litispendência, pelo que absolveu a Fazenda Pública da instância.

O Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)

1. Ao invés do decidido na douta sentença recorrida não se verifica a excepção dilatória de litispendência, porquanto inexiste identidade de sujeitos entre a presente impugnação e as que tramitam sob os nºs 1404, 1405 1406, 1407, 1408, 1409 e 1411/06 deste mesmo Tribunal.

2. Enquanto na presente impugnação o Autor é o vendedor de sete casas de habitação que se mostrou irresignado com o acto de fixação do VPT daquelas casas, por que superior ao valor declarado e real das vendas, assim o penalizando em sede de IRS, porquanto a AT o tributou com base naqueles VPT, naquelas outras impugnações os Autores são os compradores das vivendas, que não se confirmaram com tais VPT, face à penalização sofrida em sede de IMT e de IMI.

3. Assim, mesmo considerando a identidade de sujeitos do ponto de vista da qualidade jurídica, esta não se encontra verificada.

4. A identidade dos sujeitos do ponto de vista da qualidade jurídica obriga a que os interesses em causa sejam também idênticos, ou seja, que em todas as acções estejam em causa os mesmos interesses, o que, in casu, não se verifica, como se explicitou.

5. Ao decidir diferentemente, s.m.o., a sentença recorrida fez incorrecta interpretação dos normativos contidos nos artigos 580° e 581° do Código de Processo Civil.

6. Deve, por isso, ser revogada e substituída por outra que julgue a acção totalmente procedente, em face da prova produzida, comum à daquelas outras acções de impugnação, e que culminou com a procedência das mesmas.

7. Ainda que assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, ao menos relativamente à acção de impugnação n°1411/06.3BEVIS nunca se poderia verificar litispendência, porquanto a presente impugnação em recurso foi ajuizada em data anterior àquela, consoante a própria numeração processual, sequencial, em função da ordem de entrada em Tribunal, como se sabe, o comprova.

8. Nesse conspecto, face à prova produzida que conduziu à procedência da impugnação n° 1411/06.3BEVIS, deveria sempre nessa parte a decisão recorrida se revogada e substituída por outra que julgasse a acção parcialmente procedente, revogando o acto tributário de fixação do valor patrimonial desse imóvel, o que se impetra.

Termos em que,

- Na integral procedência do presente recurso, com a consequente revogação da douta decisão recorrida, que deverá se substituída por outra que julgue integralmente procedente a presente impugnação judicial, com efeitos na anulação dos actos de fixação dos VPT se fará a costumada JUSTIÇA.

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer concluído pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, a qual é delimitada pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar verificada a exceção dilatória de litispendência.

3. DO JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, na decisão recorrida não foi efetuado julgamento de facto.

4. DO JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. O Recorrente nas conclusões alega que inexiste identidade de sujeitos entre a presente impugnação e as que tramitam sob os nºs 1404, 1405 1406, 1407, 1408, 1409 e 1411/06 deste mesmo Tribunal.
E que, enquanto na presente impugnação o Autor é o vendedor de sete casas de habitação que se mostrou inconformado com o ato de fixação do VPT daquelas casas, por ser superior ao valor declarado e real das vendas, assim o penalizando em sede de IRS, porquanto a AT o tributou com base naqueles VPT, naquelas outras impugnações os Autores são os compradores das vivendas, que não se conformam com tais VPT, face à penalização sofrida em sede de IMT e de IMI.
Vejamos:
Na sentença/despacho consta o seguinte: M…, nos presentes autos melhor identificado, vem impugnar as avaliações patrimoniais dos prédios sitos na freguesia de Abravezes, concelho de Viseu, inscritos na matriz urbana daquela freguesia sob os números 4655, 4656, 4657, 4658, 4670, 4671 e 4672, tal como resulta da sua petição de impugnação, fls. 1 e documentos a ela anexos sob os n.ºs 1 a 7, fls. 14 a 27 dos autos.
Todavia, as avaliações de tais prédios estão também impugnadas nos processos n.ºs 1409/06, 1406/06, 1405/06, 1407/06, 1411/06, 1404/06 e 1408/06, sendo de todos eles titular o signatário.
O art. 580º do CPC, determina que a exceção da litispendência pressupõe a repetição de uma causa, se a causa se repete estando a anterior ainda em curso.
Por sua vez, o art. 581º do CPC, preceitua que “ (…)”
Por sua vez o artigo 582.º do CPC estabelece, quanto à ação em que deve ser deduzida a litispendência, que:
(…)
Com as ações interpostas, todas na mesma qualidade de impugnantes, visam, no essencial a anulação da ou das avaliações dos prédios antes identificados, todos eles com a mesma causa de pedir, nos presentes autos, todas elas e nos demais cada uma, como se identifica.
A litispendência existe quando se repete uma ação, estando uma anterior (idêntica) ainda em curso.
Como é sabido, o fundamento do regime da litispendência é o de evitar decisões contraditórias (contradição ou reprodução inútil), com o inerente dispêndio de tempo e de esforço, devendo a exceção ser deduzida no processo instaurado em segundo lugar (cfr., entre outros, Antunes Varela “ Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2ª ed., p.301; Lebre de Freitas et alli, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora , 2001, p.316; Alberto dos Reis, “Um caso de litispendência”, Rev. Leg. E Jurisprudência 68, p.65 e ss.).
Pode dizer-se, em suma, que o fim da litispendência é o de evitar a repetição de causas, como o inerente dispêndio de tempo, esforço e dinheiro, visando a economia processual.
Como escreve Antunes Varela, “o critério formal da litispendência assenta na tríplice identidade dos elementos que definem a ação, mas como salienta o mesmo autor, para além do critério formal, para determinar se há repetição da ação, há que igualmente atender à diretriz substancial traçada no nº2 do artigo 497º do Cód. Proc. Civil, onde se afirma que a exceção de litispendência (tal como a do caso julgado) tem por evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.
Melhor explicitando, a fim de evitar que um dos tribunais, ou o mesmo tribunal, venha a contradizer ou a reproduzir (em qualquer dos casos inutilmente, e com o risco de grave dano para o prestigio da justiça), a decisão do outro (ou a sua anterior decisão), manda-se que o réu seja absolvido da instância, no segundo processo (cfr. Antunes Varela “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2ª ed., p.301e 302).
Em face do exposto, pode concluir-se o seguinte: i) no caso concreto há identidade de sujeitos, do ponto de vista da sua qualidade jurídica, porquanto todos se colocam na posição de impugnantes quanto às avaliações dos prédios em questão; ii) há identidade do pedido por ser certo que em ambas as causas se pretende obter o mesmo efeito jurídico; na verdade, o efeito jurídico pretendido em ambas as ações é o mesmo, ou seja, a anulação das avaliações; iii) é notório que há, igualmente identidade da causa de pedir, visto que as pretensões deduzidas em ambas todas as ações emanam dos mesmos factos e são suportadas pelas mesmas normas jurídicas e são as mesmas as mesmas circunstâncias factuais.
Ora, torna-se evidente que as ações em presença podem conduzir a decisões contraditórias e excludentes, podendo nesta ser julgado improcedente o pedido do recorrente e suceder o contrário na outra, ou vice-versa, o que implicaria a inutilização do direito reconhecido e uma repetição inútil de julgados.
Verifica-se, pois, a invocada litispendência, tanto na vertente formal como na aludida diretriz substancial – neste sentido o acórdão do TCA Sul, de 07/03/2013, processo n.º 08458/12.
Nos termos do art. 578º do CPC é de conhecimento oficioso as exceções dilatórias.
A alínea i) do art. 577º, do mesmo diploma considera exceção dilatória a litispendência.
Nos termos conjugados dos art.ºs 576º, 494º alínea i), 577º, 581º e 582º e alínea e) do art. 278º todos do CPC, julgo verificado a exceção dilatória de litispendência a qual obsta ao conhecimento do mérito, pelo que absolve a Fazenda Pública da instância.(…)”
Nos termos do n.º 1 do art.º 125º do CPPT, correspondente ao art.º 615º do CPC, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Por força do n.º 2 do art.º 123.º CPPT o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.
Por sua vez, determina o n.º 4 do art.º 607.º do CPC que na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 125º e n.º 2 do art.º 123.º do CPPT, art.º 615º e n.º 4 do 607.º do CPC que a sentença deve conter fundamentação da matéria de facto a qual consiste na indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz e a sua apreciação crítica de modo a perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, in Código do Processo e Procedimento Tributário, Anotado, II, 2011, pp. 321 e 322 (In CPPT anotado, II, 2011, pp. 321 e 322) “(…) A fundamentação da sentença, no que concerne à fixação da matéria de facto, é exigida pelo n.° 2 do art. 123. do CPPT.
Essa fundamentação deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.
A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção. Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.
Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto. .(…).”
Assim, a fundamentação da matéria de facto, deve consistir na indicação dos factos provados e não provados, elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do julgador e a sua apreciação crítica, de maneira a ser possível conhecer as razões porque se decidiu num sentido e não noutro.
Baixando ao caso dos autos, a sentença recorrida não fixou factos provados e não provado, nem mesmo do seu texto se retira qualquer facto.
No processo judicial tributário a falta absoluta da especificação dos factos provados e não provado fere de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário, em conformidade como o artº. 125, nº. 1, do CPPT.
Assim, o julgamento da matéria de facto constitui um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais.
De acordo com o disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O juiz tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. artigos 123.º, n.º 2, do CPPT. (cfr Acórdão deste TCAN 050/06 Mirandela de 25.06.2015).
A sentença/despacho, em recurso, é totalmente omisso quanto aos factos, não permitindo a este Tribunal apreciar se no presente processo de impugnação judicial (1410/06.5 BEVIS) se verifica a exceção dilatória, de litispendência em relação aos processos n.ºs 1409/06, 1406/06, 1405/06, 1407/06, 1411/06, 1404/06 e 1408/06.
Compulsados os autos constata-se que no presente processo são impugnadas os valores tributários relativos aos prédios sitos na freguesia de Abravezes, concelho de Viseu, inscritos na matriz urbana daquela freguesia sob os números 4655, 4656, 4657, 4658, 4670, 4671 e 4672.
Relativamente aos processos nºs 1409/06, 1406/06, 1405/06, 1407/06, 1411/06, 1404/06 e 1408/06, não existem elementos nos autos que identifiquem os Autores (sabendo-se tão somente que se tratam de sete compradores) nem mesmo o pedido nem a causa de pedir.
Para que este Tribunal pudesse apreciar em sede de recurso, se a sentença incorreu em erro de julgamento, tornava-se essencial que tivessem sido identificados os processos os respetivos autores, a causa de pedir e o pedido.
Nesta conformidade, a sentença recorrida no que concerne à matéria de facto não se encontra devidamente fundamentada, não são descriminados os factos provados e os não provados, o que conduz à nulidade da sentença por falta de fundamentação e por violação dos art.ºs 123.º e 125º, nº 1 do CPPT e n.º 4 do 607.º, do CPC.
Nestes termos, anula-se oficiosamente o despacho, impondo-se a devolução do processo ao tribunal de 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supra o apontado vício.

Conclusões/sumário:
Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 125º e n.º 2 do art.º 123.º do CPPT, art.º 615º e n.º 4 do 607.º do CPC que a sentença deve conter fundamentação da matéria de facto a qual consiste na indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz e a sua apreciação crítica de modo a perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em anular oficiosamente a sentença recorrida, e consequentemente, ordenar a devolução do processo ao tribunal de 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supra o apontado vício.
Sem custas.

Porto, 28 de setembro de 2017

Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira

Ass. Mário Rebelo

Ass. Cristina Travassos Bento