Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00616/13.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/25/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO- IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO- OMISSÃO DE PRONÚNCIA- DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO:
- HABITAÇÃO SOCIAL- INCONSTITUCIONALIDADE DA AL. A) DO N.º 2, DO ART.º 3.º DA LEI N.º 21/2009
Sumário:I- Na avaliação da tempestividade de um recurso, tendo sido feito uso do alargamento do prazo previsto no art.º 144.º, n.º 4 do CPTA (art.º 638º, nº 7, do CPC), impõe-se apurar se faz parte do objeto desse recurso a reapreciação de prova gravada, o que é independente da observância dos ónus previstos no art.º 640º do CPC.

II- Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

III- O facto de o juiz estar dispensado de conhecer todos os argumentos ou razões invocados pelas partes, estando antes obrigado a decidir a questão, não significa que, não tendo conhecido de todos os argumentos ou razões expendidos pelas partes, esteja a violar o dever de fundamentação previsto no art.º 205.º da CRP, conquanto, este dever de fundamentação não se mede por referência aos argumentos avançados pelas partes mas por referência à decisão tomada, em relação à qual se impõe que o juiz enuncie de forma clara e consistente os fundamentos que o levaram a decidir dessa forma e não de outra, viabilizando a adequada compreensibilidade da decisão por parte dos seus destinatários de modo a conscientemente decidirem se com ela se conformam ou dela interpõem recurso.

IV- No âmbito do Decreto n.º 35.106, de 06/11/1945 a ocupação de fogos era “concedida a título precário, mediante licença da entidade proprietária, sob a forma de alvará” (artigos. 1° e 5°), e os ocupantes poderiam ser desalojados nas circunstâncias específicas previstas no art.º 12°, sendo “o despejo das casas feito pela polícia de segurança pública ou pela autoridade policial do concelho, a requisição da entidade proprietária”, sempre que se verificasse a falta de necessidade de ocupação das casas ou a indignidade do direito de ocupação concedido e, dos atos administrativos, poderia interpor-se recurso hierárquico “para o Ministro do Interior” (art.º13°).

V-A Lei n.º 21/2009, que surgiu como decorrência da necessidade de se proceder à atualização do regime jurídico do arrendamento social, revogou expressamente o Decreto n° 31.106, mas na falta de aprovação simultânea de um novo regime de arrendamento social, este foi substituído, embora com manutenção dos aspetos essenciais, por um “regime transitório” que consta dos seus artigos 2º e 3º.

VI- Tendo o locado sido atribuído à primitiva Autora para que esta, e o respetivo agregado, a ocupassem a título precário, para o que foi emitido o competente título, o regime legal aplicável a essa relação jurídico-administrativa é o que consta da Lei n.º 21/2009, ao tempo vigente.

VII- O fundamento de cessação do direito de utilização do locado por não cumprimento do dever de informar a composição do agregado e os rendimentos auferidos- alínea a), n.º2, do art.º 3.º da Lei n.º 21/2009- não é inconstitucional, quer por não violar o artigo 65º da Constituição, quer por não violar qualquer outra norma ou preceito constitucional. A boa gestão do interesse público na disponibilização da habitação social às famílias mais carenciadas justifica plenamente que quem beneficia da atribuição de um imóvel público para habitação, faça prova de que mantém as condições para continuar a beneficiar desse direito, sob pena de, a não ser assim, se estar a prejudicar outras famílias que aguardam pelo acesso a uma habitação social e que se encontram em lista de espera.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO
1.1.M..., residente no Bairro (…), intentou a presente ação administrativa especial contra o Município (...), com vista a impugnar o ato que determinou a cessação da utilização do fogo que ocupava naquele bairro e o ato que fixou o aumento do valor da renda.

Para tanto alega, em síntese, que o locado, onde habita há mais de duas décadas, é insalubre e não tem condições de habitabilidade mas que não obstante essa factualidade e a sua provecta idade o Réu não se coibiu de aumentar a renda para um valor alto e insuportável, não atendendo também ao agregado familiar da Autora, composto pela própria e mais 6 pessoas, cujo rendimento anual se cifra em muito menos do que os 5 RMNA apontados no art.º 35.º, n.º1 do NRAU.

O aumento de renda determinado pelo Réu é ilegal, violando o direito a uma habitação condigna, nos termos do art.º 65.º, n. º1 da Constituição.

Esse aumento de renda desproporcional também limitou a Autora na possibilidade de ter uma vida normal e de dispor de rendimento para outras necessidades básicas, suas e do seu agregado familiar, uma vez que dos cerca de 500€ que aufere de pensão apenas fica com 350€ para roupa, alimentação, medicamentos e outras necessidades básicas, “drama” que lhe causou um estado de “terror e sobressalto” constante e diário na sua vida.

Do mesmo modo, é ilegal o ato de cessação do direito de utilização do locado, por violação do art.º 65.º, n.º1 da Constituição.

Por isso, pretende a declaração de nulidade dos atos atrás mencionados e a condenação do R. no pagamento de uma indemnização de €5.000,00 por danos não patrimoniais e no pagamento de €5.756,28 pelo valor da renda, segundo a A., indevidamente cobrada pelo Réu.

1.2. Os sucessores da Autora, entretanto falecida, foram habilitados para prosseguirem os termos da presente causa na posição processual até aqui ocupada pela mesma, conforme decorre do apenso de habilitação.

1.3. Citado, o Réu contestou a presente ação, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Na defesa por exceção, suscitou a caducidade do direito de ação.
Na defesa por impugnação, questionou a versão dos factos vincada pela Autora, pugnando pela improcedência total da presente ação no que toca ao mérito da lide.

1.4. Proferiu-se despacho-saneador, que julgou a exceção da caducidade do direito de ação improcedente quanto ao ato determinativo da cessação da utilização do fogo. Em relação ao ato que fixou o aumento da renda, julgou a exceção da caducidade do direito de ação procedente quanto aos vícios conducentes à sua anulabilidade, mantendo-se a sindicância somente para o vício tendente à declaração de nulidade desse ato. Fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova.

1.5. Realizou-se a audiência final de julgamento.

1.6. As partes apresentaram alegações escritas, reiterando os fundamentos já vertidos nos respetivos articulados iniciais.

1.7. O TAF do Porto proferiu sentença que julgou a presente ação totalmente improcedente, sendo o seu dispositivo do seguinte teor:
«Ante o exposto, porque totalmente não provada, julgo a presente acção totalmente improcedente, absolvendo o R. dos pedidos.
Custas a cargo dos AA. habilitados – artigos 527.º, n.º 1, do CPC, 1.º do CPTA e 6.º, n.º 1, do RCP, sem prejuízo, todavia, do apoio judiciário concedido aos habilitados que do mesmo beneficiem.»

1.8. Inconformados com o assim decidido, os Autores interpuseram a presente apelação, terminando as alegações de recurso com a formulação das seguintes
Conclusões:

«1º – O presente processo surge de um pedido civil pelo R ter ilegalmente aumentado o valor da Renda.
2º – Bem como o avançado estado de degradação e falta de habitabilidade e salubridade do locado em questão.
3º – Nos termos do art.º 35º n.º 2 do RAU se o locado estiver em mau estado a renda não pode ser aumentada do modo que foi.
4º – O rendimento comprovado através do despacho de concessão do apoio judiciário era inferior a 5 RMNA conforme alude o art.º 35º n.º1 do NRAU, logo não podia ter sido igualmente aumentado como foi, mesmo com o alegado mas não provado silêncio do R., sobre a comprovação do agregado familiar.
5ª – O direito à protecção social – com conforto Constitucional na habitação não pode ser suplantada por regulação camarária especial, vide.º 65º n.º1 da CRP.
6ª – Aquela decisão administrativa viola a DUDH, no seu art 25º n.º1 – a qual o Estado português é signatário – Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento. Sublinhado nosso.
7ª – O agregado familiar não sofreu quaisquer alterações que na prática justificasse o aumento, como tal o R., não podia afirmar desconhecimento do mesmo.
8ª – Foi arguida a nulidade do Acto Administrativo perante o Tribunal. Em consequência lógica era nulo e ilegal o aumento naqueles valores incomportáveis. Para que pudesse ter Direito a uma vida condigna e o seu agregado familiar.
9ª – Surge, então uma Questão de constitucionalidade – O princípio da proporcionalidade face à adequação do comportamento da CM_ face à falta da – alegada de indicação do agregado familiar, Princípio da exigibilidade e o O Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).» - Ac TC., n.º 632/2008 de 23-12-2008.
10ª – Foi o que aconteceu in casu, a consequência da cessação da utilização do locado é exagerada face à alegada falta da A., primitiva.
11ª – é exagerado face ao resultado que teria sido obtido caso a ex-A., tivesse informado a composição do agregado familiar ao R., nenhum – pois esta não se alterou e o aumento da renda não teria acontecido.
12ª – Sendo assim inconstitucional essa interpretação, por violação do princípio da proporcionalidade, com conforto no art.º 18º n.º2 da CRP, quando interpretado o artigo 3.º n.º 2, alínea a) da Lei n.º 21/2009 no sentido de aumentar a renda de modo desproporcional face aos rendimentos efectivos da locatária e quando no caso concreto o fim pretendido seria igual face à hipotética informação que a A., deveria ter prestado.
13ª – Em sentido semelhante – o Acórdão n.º 277/2016, de 14/06, do Tribunal Constitucional: Julga inconstitucional a norma extraída dos artigos 30.º, 31.º e 32.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, segundo a qual «os inquilinos que não enviem os documentos comprovativos dos regimes de exceção que invoquem (seja quanto aos rendimentos, seja quanto? idade ou ao grau de deficiência) ficam automaticamente impedidos de beneficiar das referidas circunstâncias, mesmo que não tenham sido previamente alertados pelos senhorios para a necessidade de juntar os referidos documentos e das consequências da sua não junção»
14ª – o Tribunal a quo inverte e omite em sede de matéria de Direito – pag., 6 e ss, as questões, inicia a sua tese a partir do incumprimento para a consequência lógica da cessação do locado. Nada refere face como se chegou ao incumprimento – tal como se referiu no ponto A .
15ª – É nula a sentença por omissão de pronúncia nos termos do art.º 615ºn.º 1 al d) do C.P.C., não obstante os temas de prova, face ao peticionado no pedido da A., arts 3º, 4º 7º, 8º 9º, 10º e 12º. Nada disse se o aumento valor da Renda era desproporcional face à aludida omissão de informação da composição do agregado familiar, Se o aumento poderia ter sido efectuado face à alegação da A., perante as norma do art.º 35.º n.º2 e 30º do NRAU.
16ª – 1TBBNV.L1-6, consultável in dgsi.pt.
III – Contudo, a actualização da renda depende da iniciativa do senhorio e tem de ser comunicada ao arrendatário o montante da renda futura que não pode exceder o limite fixado no artigo 31.º (artigo 34.º NLAU), além de que essa actualização tem de obedecer aos requisitos e trâmites ali previstos, nomeadamente tem de existir uma avaliação do locado nos termos do CIMI e o nível de conservação do prédio não pode ser inferior a 3 (art. 30º e segs. NRAU).
Sublinhado nosso.
17ª – Devendo ser anulado a sentença para reenvio e pronúncia efectiva do Tribunal a quo, e possa existir uma concreta decisão para que, não concordando possa recorrer da mesma de forma cabal e competente.
18ª – Questão de Constitucionalidade, a omissão de fundamentação gera analogamente problemas de constitucionalidade e assim, face ao dever geral de fundamentação das sentenças decorre, assim, do citado artº 205, nº 1, da C.R.P., que as Sentenças devem ser fundamentadas - gerando assim uma interpretação inconstitucional quando se interprete que podem ser totalmente omissas quanto a questão da responsabilidade das obras - ex vi do art.º 615º n.º 1 al., b) do CPC.
19ª – Igualmente na Douta Sentença nada é dito sobre a responsabilidade das obras face aos danos no locado.
20ª – Vejamos o Ac., RLP de 24/10/2016, relator Jorge Seabra, proc., n.º 494/14.7T8GDM.P1 in dgsi.pt.
I - Constituem obras de conservação a cargo do senhorio as obras que se destinem a evitar a degradação das condições de habitabilidade ou de utilização do arrendado, designadamente as que tenham por finalidade pôr cobro a infiltrações de águas e humidades no locado, seja através de paredes ou da cobertura/telhado.
21ª – 30:03 Quando perguntado pelo meritíssimo juiz sobre se as promessas eram feitas pelos candidatos e não por funcionários da CM_ “sim excepto o Eng.º N... que já estava na Câmara” (...) “prometiam prometia mas nunca fizeram absolutamente nada”.
22ª A 1:13:35 quando perguntada se o Eng.º N... que pertencia aos quadros da CM_ lhe fez alguma promessa “Sim sim, o Sr N..., prometeu” (..) “desde que me lembro a casa já estava degradada, claro com o tempo foi piorando.
23ª Gerando nos AA., sérias expectativas por membro da CM_, de realização das obras, e não podia afirmar desconhecimento sobre o Estado do Locado.
22ª – No preceituado no art. 1074º do Cód. Civil (introduzido pela Lei n.º 6/2006) «cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação ordinária ou extraordinária, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário.
23ª – Devia o tribunal a quo ter concluído pela responsabilidade do R., no mau estado do locado e consequentemente causou danos na saúde – por ter habitado neste locado nestas condições.
24ª – Surge mais uma vez - a omissão de pronúncia que vai contra o dever geral de fundamentação das sentenças.
25ª A aqui A., considera que é inconstitucional a interpretação da norma do nº 1 al., c) do artigo art.º 615ºn.º 1 al d) do C.P.C., na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de direito se basta com a total ausência de pronúncia face a uma questão efectivamente colocada pela parte em sede petição inicial, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção da matéria de Direito do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no nº 1 do artigo 205º da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma da alíneas b), c) e d) do nº 1 do citado art.º, por violação do direito ao recurso consagrado no nº 1 do artigo 20º, também da Constituição em sede de Direito processual cível, no seu Manual de processo civil de Antunes Varela, pag., 689, 4º §, 2ª Edª revista e actualizada, Coimbra Editora 1985.
26ª Nesse acordo – na sua3ª cláusula, al., c) se afirma o seguinte – A promoção do procedimento da utilização do fogo nos termos da Lei 21/2009 de 21/05, assim sendo, esta frase e o acordo em sei criou nas consciências dos AA., que enquanto pagassem o pagamento atrasado e o valor da Renda não haveria cessação do uso do locado. – testemunha J... presidente da Associação de Moradores do Bairro (...) a 1:47:15 e ss “Acompanhei a Dona M... junto da Câmara” (...) “Conheço os jovens que moram lá o M--- e a C---” (...) a 1:52:20 e ss “a Câmara é tão condómina quanto qualquer outro proprietário, também paga o condomínio (...) “tentei junto da Câmara que se fizesse um acordo de pagamento das rendas atrasadas, à seis anos atrás, foi feito efectivamente o plano de pagamento, eu sei que foi feito, nunca passou pelas minhas mãos mas sei que foi feito (...) uma filha da Dona M..., a dona C…, e disse-lhe, olha aquilo que tinha que fazer com a Câmara já fiz, está bem encaminhado (...) quando perguntado se um inquilino chegue a acordo com a CM_ e faz um plano de pagamentos se alguma vez teve conhecimento de ser despejado “Não, desde que cumpra a Câmara não despeja”. – sublinhado nosso.
27ª – De modo deveria estar escrito que não garantia a manutenção do locado, tal como afiança o R., para que os AA., não criassem sérias expectativas de manterem o uso do locado.
28ª – Mais uma vez o Tribunal recorrido nada fez em sede de pronúncia face ao acordo extrajudicial - estando mesmo nos autos.
29ª – A aqui A., considera que é inconstitucional a interpretação da norma do nº 1 al., c) do artigo art.º 615ºn.º 1 al d) do C.P.C., na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de direito se basta com a total ausência de pronúncia face a uma questão efectivamente colocada pela parte em sede petição inicial, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção da matéria de Direito do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no nº 1 do artigo 205º da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma da alíneas b), c) e d) do nº 1 do citado art.º, por violação do direito ao recurso consagrado no nº 1 do artigo 20º, também da Constituição em sede de Direito processual cível, no seu Manual de processo civil de Antunes Varela, pag., 689, 4º §, 2ª Edª revista e actualizada, Coimbra Editora 1985.
30ª – Nos termos do art.º 1085º n.º 2 2O prazo referido no número anterior é reduzido para três meses quando o fundamento da resolução seja o previsto nos n.os 3 ou 4 do artigo 1083.º, assim sendo, o direito à resolução do contrato por incumprimento das rendas caducava em três meses face ao derradeiro incumprimento. E como aponta o Edital de 09/07/2012, junto com P.I., o último incumprimento data de 02/2012, portanto o prazo de 3 meses do art.º 1085º n.º 2 para resolução conta-se a partir daí e terminou em Junho de 2012.
31ª – De modo que a operação da resolução tinha já caducado, e não pode fundamentar a expulsão do locado dos AA.
32ª – A A., original não alegou danos não patrimoniais só pela cessação ilegal do locado municipal. Ou pelo menos na sua grande parte, mas por ter sido forçada a viver no deplorável Estado do seu imóvel arrendado.
33ª – Mas sobretudo pela questão da salubridade e habitabilidade do locado., claro que em conjugação com as questões das rendas e perda do direito de utilizar o locado, em 2º lugar.
34ª – A a., assim peticionou, e alegou no ponto II das nossas alegações de Direito após a audiência de julgamento, foram estas as questões perguntas aos AA, e às testemunhas - como se sentia a A., primitiva face ao facto de viver tantos anos naquelas condições e obviamente à falta de realização obrigatória e legal de obras ordinárias e extraordinárias da responsabilidade do R.
35ª - Ora a senhora sofreu vexame por esta questão, a 1:09:25 e ss “a minha mãe sentiu-se mal lá dentro pois disseram que não havia solução, a minha mãe ficou muito nervosa, até desmaiou lá dentro, fez xixi por ela abaixo por está nervosa”(...)”já andava de cadeira de rodas, não tinha alegria para nada, ficou muito doente a minha mãe”(...) “ antes destes problemas apareceram não tomava medicamentação nenhuma, era muito saudável, depois apareceram os problemas da casa, depois apareceu aquela doença.
36ª – A casa estava desde sempre mal “30:29 Quando perguntado pelo meritíssimo juiz sobre se desde 1980 foi feita alguma obra ”absolutamente nada, nem um prego pregaram”.
37ª – Cumprindo assim a responsabilidade extracontratual pelos danos morais sofridos pela A., entre o facto ilícito, culposamente causado, gerando danos sérios na vida e saúde da A., não só pela questão da cessação do uso do locado mas pelo mau estado do locado.
38ª – Devendo ser indemnizada pelos mesmos.
39ª – De modo que, há igualmente uma nulidade de fundamentação, a omissão de pronúncia vai contra o dever geral de fundamentação das sentenças, sobre a questão do danos não patrimoniais advindos de a A., ter vivido anos e anos no locado naquele Estado.
40ª – A aqui A., considera que é inconstitucional a interpretação da norma do nº 1 al., c) do artigo art.º 615ºn.º 1 al d) do C.P.C., na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de direito se basta com a total ausência de pronúncia face a uma questão efectivamente colocada pela parte em sede petição inicial, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção da matéria de Direito do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no nº 1 do artigo 205º da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma da alíneas b), c) e d) do nº 1 do citado art.º, por violação do direito ao recurso consagrado no nº 1 do artigo 20º, também da Constituição em sede de Direito processual cível, no seu Manual de processo civil de Antunes Varela, pag., 689, 4º §, 2ª Edª revista e actualizada, Coimbra Editora 1985.
41ª – O Tribunal a quo considera facto provado e assente na matéria de Facto ponto 5º que a A., original deve à data da prolação da Sentença €5.844,26 em sede de Rendas em atraso.
42ª – Esta conclusão não corresponde à verdade documental face a documentos juntos pelos AA., actuais, efectivamente na data do julgamento – 11/01/2019, com o n.º de documento 007044105 no sistema SITAF, juntaram documentação vinda do R., - departamento Municipal de Jurídico e contencioso, que asseverava que em Janeiro de 2019 tinham o plano de pagamentos das rendas atrasadas pontualmente cumprido desde Abril 2014, com o valor de €45,52 mensais.
43ª – Pelo que em Janeiro de 2019 =57 Meses depois do início dos pagamentos teriam já sido pagos €2.594,64. Em rendas atrasadas.
44ª – De modo que no plasmado no art.º 640º n.º1 al., a)b) e c) Consideram os AA., que este ponto 5º da matéria de Facto está incorrectamente julgado, pois os docs., juntos na data do julgamento – 11/01/2019, com o n.º de documentação 007044105 no sistema SITAF, e outros ao longo do processo, impõem uma alteração da matéria de facto assente para:
45ª – A aqui A., originária, à data do julgamento, devia em sede de rendas atrasadas €3.249,62 (três mil duzentos e quarenta e nove euros e sessenta e dois cêntimos).
46ª – Assim, deve nos termos dos arts.º 639º e 640º al., a) b) e c) do CPC., ser considerado o seguinte:
O Tribunal a quo julgou mal as declarações das testemunhas pois estas declaram sempre que a A., pré falecida se encontrava mal de saúde, triste, não só pela questão do cessação do contrato de arrendamento mas pelo ao logo dos anos o locado se ter deteriorado e legalmente o R., nada ter efectuado.
47ª – Todas as declarações no ponto anterior sustentam esta tese e impõem decisão contrária, p.e., “não hei de morrer sem ver a minha casinha pronta”(...)”ficou tão triste, chorara pelos cantos, doeu-me tanto vê-la assim”.
48ª – Devendo ser concluído em sede de matéria de facto que a aqui A., pré falecida estava num estado depressivo e em constante pânico, triste e adoentada não só pela questão da cessação do contrato mas por viver décadas numa casa degradada que em muito mau Estado de conservação.
49ª – Impugna-se também o ponto 6º da matéria de facto no alcance limitado que o Tribunal lhe dá, o locado não está apenas em mau Estado de conservação mas apresenta também danos estruturais que faz com que chova dentro do locado, seja impossível utilizar as WC’s tanto que os AA., tinham que dar banho à A., pré-falecida numa bacia na sala, e armazenar comida na dispensa - 56:30 “tudo muito degrado, tem muita humidade, onde a minha sobrinha mora chove, tem buraco no tecto (...) “dávamos banho numa bacia, as casas de banho não tinham condições” (...) humidades, inundações, a Câmara nada fez; não se pode comprar nada para a dispensa, estraga-se tudo”, dávamos banho numa bacia, as casas de banho não tinham condições”.
50ª – Devendo ser concluindo que o locado para além de degradado está sem condições mínimas de salubridade, decoro pois as WC’S não estão bem e regular habitabilidade pois nem comida se pode armazenar,
Termos em que deve ser revogado a douta sentença, seguindo o Tribunal a ponderação das nulidades de pronúncia ou dando provimento ao presente recurso.
Fazendo-se assim a costumeira justiça!»

1.9. O Réu contra-alegou, mas não apresentou conclusões. Suscitou a questão prévia da inadmissibilidade da presente apelação, por extemporaneidade.

1.10. O Tribunal a quo pronunciou-se quanto às nulidades assacadas à sentença recorrida nos seguintes termos:
«1. Os AA./Habilitados vêm arguir causa de nulidade contra a sentença recorrida.
No que tange à causa nulidade, o Tribunal considera que foram levados ao probatório todos os factos essenciais e necessários à sindicância do objeto do litígio fixado no despacho-saneador, sem necessidade de qualquer factualidade acrescida, sobretudo, se o pretendido pelos Recorrentes não resultou da prova produzida.
Por outro lado, a sentença em crise alude claramente à prova documental e por declarações de parte, a prova estritamente necessária para a formação da convicção do julgador, tendo presente a delimitação que se fez em sede de despacho-saneador a propósito da exceção de caducidade do direito de ação, bem como, dos temas de prova fixados.
O Tribunal formulou o seu juízo sobre o melhor direito aplicável ao caso vertente, não lhe sendo exigível, todavia, a pronúncia sobre factualidade não vertida na p.i., nomeadamente, sobre motivação que não tem qualquer viabilidade ou força de convencimento do Tribunal.
Se o A. não se conforma com a interpretação que o Tribunal deu aos factos ou ao direito aplicável, então, já não é uma questão de omissão de pronúncia, mas sim de um eventual erro de julgamento.
A ser assim, não se antevê qualquer nulidade que contamine a sentença posta em causa pelos Recorrentes, indeferindo-se o que nesse sentido vem arguido.
Mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos e fundamentos.»

1.11.O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos previstos no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, não emitiu parecer.

1.12. Por despacho de 11/11/2021, ao abrigo do disposto nos artigos 146.º, n.º3 do CPTA e 655.º do CPC, foi ordenada a notificação dos apelantes para no prazo de 10 dias se pronunciarem sobre a questão prévia suscitada pelo apelado, da extemporaneidade da apelação.

1.13. Na sua resposta, os apelantes pugnam pela tempestividade da apelação.

1.14. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*

II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1 Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.

Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Assentes nas enunciadas premissas, as questões a decidir e que constituem o objeto do presente recurso passam por saber:
a) se é procedente a questão prévia da extemporaneidade da presente apelação decorrente de um eventual incumprimento dos ónus impugnatórios da matéria de facto previstos no artigo 640.º do CPC;
b)se a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia e da inconstitucionalidade do artigo 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil.
c)se a sentença recorrida padece de erro de julgamento sobre a matéria de facto, impondo-se alteração dos pontos 5 e 6 dos factos dados como provados;
d)se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento sobre a matéria de direito ao julgar válidos os atos questionados, dada a inconstitucionalidade do artigo 3º, nº 2, al. a) da Lei 21/2009;

2.1. Da questão prévia
Nas contra-alegações, o apelado invoca que os Autores não deram cabal cumprimento ao ónus a cargo de quem impugne a decisão quanto à matéria de facto – designadamente no que se refere às alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil. E isso porque, como parece resultar das alegações de recurso, os Autores apenas invocam erro na apreciação da prova gravada quanto ao ponto 6 dos factos dados como provados, contudo, não referem qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida. Como tal, as alegações sob resposta não deverão ser aceites, por serem intempestivas, já que os Autores apresentaram o recurso no término do prazo concedido pelo nº 4 artigo 144º do CPTA, sem cumprir os ónus que estão a cargo de quem pretende impugnar matéria de facto fixada com recurso a prova gravada.
Notificados para se pronunciarem sobre esta questão prévia, os apelantes sustentam que em sede de impugnação da matéria de facto cumpriram os ónus impugnatórios, tendo transcrito vários depoimentos e identificado os concretos pontos que consideram incorretamente julgados nas respetivas conclusões, devendo o recurso ser considerado tempestivo e os autos prosseguirem o seu itinerário, considerando o prazo acrescido do nº 7 do artigo 638.º do CPC.

Vejamos.
Nos termos do art.º 144.º, n.º1 do CPTA o prazo para a interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão recorrida.
Por sua vez, o n.º4 do mesmo preceito dispõe que « Se o recurso tiver por objeto a reapreciação de prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias».
O n.º4 do art.º 144..º do CPTA, foi introduzido pela revisão operada pelo D.L. 214-G/2015 ao CPTA, tratando-se de solução que se encontra prevista nos mesmos moldes no artigo 638.º, n.º7 do CPC e tem como propósito propiciar ao mandatário do recorrente uma efetiva possibilidade de analisar se deve ou não interpor recurso da decisão quanto à matéria de facto, dando-lhe um prazo acrescido para cumprir os ónus de impugnação previstos no artigo 640.º do CPC.
Assim, este prazo acrescido de 10 dias só tem lugar quando o recurso tiver por objeto a “reapreciação da prova gravada”.
Os Apelantes sustentam que nas páginas 10 a 12 das suas alegações de recurso procederam a diversas citações dos depoimentos gravados, e nas conclusões de recurso identificaram os concretos pontos que consideram incorretamente julgados, pelo que, entendem ter direito ao acréscimo de 10 dias.
Desde já enfatizamos que na avaliação da tempestividade de um recurso, tendo sido feito uso do alargamento do prazo previsto no art.º 144.º, n.º 4 do CPTA (art.º 638º, nº 7, do CPC), impõe-se apurar se faz parte do objeto desse recurso a reapreciação de prova gravada, o que é independente da observância dos ónus do art.º 640º do CPC.
Assim, há que distinguir entre a questão de saber se está configurado o recurso de modo a que se conclua que do seu objeto faz parte a reapreciação da prova gravada – o que leva ao acréscimo do prazo de 10 dias – e a de apurar se estão preenchidos os requisitos da impugnação da decisão da matéria de facto previstos no art.º 640º do CPC, problema que se coloca em momento subsequente ao da admissão do recurso e que pode motivar a rejeição da impugnação, com o consequente não conhecimento, nesse aspeto, do objeto do mesmo recurso.
Com pertinência, Abrantes Geraldes- in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 172-, esclarece que «o recorrente apenas poderá beneficiar daquele prazo alargado se integrar no recurso conclusões que envolvam efetivamente a impugnação da decisão da matéria de facto, tendo por base depoimentos gravados, nos termos do art.º 640º, nº2, al. a), independentemente da verificação dos demais requisitos legais da impugnação ou sequer da apreciação do respetivo mérito».

Também no Acórdão do STJ de 28/04/2016, proferido no processo 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relatado por Abrantes Geraldes, disponível in base de dados da dgsi, considerou-se que:
«Para os casos em que o recurso de apelação tenha por objeto a decisão da matéria de facto, implicando a reapreciação de meios de prova oralmente produzidos e que tenham sido gravados a lei concede ao recorrente um prazo adicional de 10 dias, nos termos do art. 638º, nº 7, do CPC.
Constitui uma medida de fácil compreensão e que tem como justificação as maiores dificuldades inerentes ao cumprimento do ónus de apresentação de alegações, o que implica necessariamente com o conteúdo de gravações que foram realizadas e a que a parte terá de aceder.
Resulta claro do preceito que a aplicabilidade da extensão temporal não se basta com o facto de terem sido produzidos oralmente meios de prova na audiência de julgamento, sendo imprescindível que a impugnação da decisão da matéria de facto (relativamente a todos ou alguns dos pontos impugnados) implique, de algum modo, a valoração desses meios de prova. Aliás, não é suficiente que os depoimentos gravados tenham interferido potencialmente na formação da convicção, sendo necessário que o recorrente efetivamente se sirva do teor de depoimentos ou declarações prestadas e gravados para sustentar, perante a Relação, a modificação da decisão da matéria de facto.
É isto - e só isto - o que decorre do art. 638º, nº 7, do CPC, sendo inconcebível uma outra interpretação que, sem o menor respeito pelas regras de interpretação, acabe por redundar na negação da apreciação do mérito da apelação procurado pelos recorrentes.
Repare-se que no sistema que vigora desde a Reforma do regime dos recursos de 2007, em que as alegações são apresentadas conjuntamente com o requerimento de interposição de recurso, nem sequer existe a possibilidade de a parte pré-anunciar que pretende impugnar a decisão da matéria de facto. Por isso, após ser proferida e notificada a sentença, há que aguardar pelo decurso do prazo de 30 dias, a que acrescerão 10 dias se acaso existir a possibilidade de a sentença ser impugnada também no que concerne à decisão da matéria de facto sustentada em prova gravada.
Assim aconteceu no caso concreto. Tendo o recurso sido apresentado dentro do prazo acrescido, a sua tempestividade ficou unicamente dependente da inserção nas respetivas alegações de um segmento em que, independentemente do seu mérito, seja efetivamente impugnada uma parte da decisão da matéria de facto com sustentação em prova gravada

Na situação vertente, constata-se que os Apelantes logo no introito com que iniciam as alegações de recurso revelam que pretendem impugnar “a matéria de facto gravada na sessão de audiência de julgamento e a sua alteração nos termos do art.º 640.º do CPC”, assim como indicam, tanto nas conclusões como no corpo das alegações, quais os pontos que consideram incorretamente julgados, transcrevendo alguns depoimentos, que sinalizaram temporalmente.
A referência à análise dos depoimentos, a indicação dos minutos em que tiveram lugar e a transcrição dos excertos considerados relevantes são elementos que permitem, salvo melhor opinião, concluir que os Apelantes ancoram o seu recurso na reapreciação da prova gravada.
Outro problema é o de saber se os Apelantes cumpriram os ónus impugnatórios estabelecidos no art.º 640º do CPC, de molde a evitar a rejeição da impugnação, o que já contende com o mérito da impugnação, podendo levar à rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria se facto, por falta de preenchimento daqueles requisitos.
Importa, pois, na avaliação da tempestividade do recurso, tendo sido feito uso do alargamento do prazo, verificar se faz parte do seu objeto a reapreciação de prova gravada e, se assim for, deverá o recurso ser admitido, mesmo que, num segundo momento, se rejeite a impugnação da matéria de facto, por não estarem preenchidos os requisitos previstos no art. 640º do CPC.
Pelo que ficou dito, na situação em análise, será de concluir, com todo o respeito por opinião diversa, que, independentemente da inteira observância das prescrições do art.º 640º do CPC, estão in casu, reunidas as condições para os apelantes beneficiarem do prazo adicional de 10 dias, razão por que o recurso foi corretamente admitido.
Termos em que se impõe decidir pela tempestividade do presente recurso.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO.

3.1. A 1.ª Instância julgou provados os seguintes factos:
«1.º - A primitiva A., M..., nasceu no dia 1 de Abril de 1939 (cf. fls. 85 do processo administrativo - PA);
2.º - Por ofício datado de 25/05/2010, remetido pelo R. Município (...), foi comunicado à A. primitiva o seguinte, que ora se transcreve:
“Na sequência de ofício enviado em 23 de Fevereiro de 2010, V. Exa. não procedeu à entrega obrigatória dos documentos necessários à actualização de dados do seu agregado familiar, nos termos no seu agregado familiar, nos termos no Decreto-Lei n.º 166/93, de 07 de Maio.
Por carta datada de 6 de Abril de 2010, foi V. Exa novamente notificado pra proceder à entrega dos elementos em falta, sob pena de aplicação da renda técnica (máxima), sem prejuízo de outras sanções mais gravosas.
Apesar de reiterado, V. Exa. não procedeu ao cumprimento daquela obrigatoriedade.
Assim, cumpre-me informar que a partir do mês de Junho ser-lhe-á processada a renda técnica (máxima) no valor de €143,30.
Sem prejuízo, e impreterivelmente até ao próximo dia 30 de Junho de 2010, deverá V. Ex.ª proceder obrigatoriamente à entrega dos documentos constantes da tabela anexa, bem como proceder à entrega da declaração de actualização de dados devidamente preenchida e assinada, a qual também se volta a enviar em anexo.
Em caso de incumprimento fica desde já V. Exa.ª, notificado de que será instruído competente processo de cessação de utilização do fogo nos termos da alínea a) do n.º 2 do art.º 3.º da Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio, que determina a respectiva cessação em caso de incumprimento da obrigação de prestar informação à entidade proprietária relativas à composição e aos rendimentos do agregado familiar” - cf. fl. 149 do PA;
3.º - Em 10/07/2012, a A. primitiva foi notificada do teor do seguinte edital:
“A Casa 12, da entrada 7, do bloco 2, do Bairro (...), propriedade do Município (...) e afecta à função de habitação social, foi atribuída a M..., para que esta, e o respectivo agregado, identificados no processo que instruiu aquela decisão, a ocupassem a título precário, para o que foi emitido o competente título.
Compulsado o processo administrativo referente à habitação social em questão, segundo o que se apurou na fase de instrução e averiguação que decorreu no âmbito deste procedimento, e de acordo com a informação dos Serviços da Direcção da Gestão do Parque Habitacional (PH_PC-2012-0183) verifica-se que, a mora no pagamento das rendas por período superior a três meses e ainda, o incumprimento na prestação das informação à entidade proprietária relativas à composição e aos rendimentos do agregado familiar;
Constatou-se, o não pagamento atempado das rendas devidas e vencidas, no período compreendido entre Junho de 2007 e Fevereiro de 2012, ascendendo o montante em débito, nesta data, ao valor de € 5.844,26 (cinco mil oitocentos e quarenta euros e vinte e seis cêntimos), relativo a rendas devidas e não pagas, acrescidas de juros e custas, conforme melhor consta da conta correntes dos valores em dívida, arquivada no processo de habitação respectivo. Em 5 de Maio de 2009, foi subscrito um plano de pagamento que foi interrompido por incumprimento em 18 de Agosto de 2009. Posteriormente, em 9 de Setembro de 2009, foi subscrito um novo plano de pagamento, que foi interrompido por incumprimento em 30 de Setembro de 2010. Na presente data, não existe nenhum plano de pagamentos vigente.
Aquando da actualização de dados ocorrida em 2010, este agregado foi incumpridor relativamente à prestação de informações à entidade proprietária relativas à composição e aos rendimentos do agregado familiar, uma vez que não procedeu à entrega dos documentos solicitados.
Os factos descritos constituem fundamento para a cessação do direito à utilização do fogo atribuído, nos termos do disposto nas alíneas d), do n.º 1 e a), do n.º 2, do artigo 3.º, da Lei 21/2009, de 20 de Maio. Nessa medida, nos termos do disposto no artigo 3.º do citado diploma e no artigo 156.º do Código do Procedimento Administrativo, está a Câmara Municipal do Porto, enquanto concedente da casa, legitimada a determinar a cessação do direito de utilização do fogo atribuído e a promover a sua desocupação.
Assim, com os fundamentos acima enunciados e em conformidade com este meu despacho, ao abrigo das competências que me são conferidas, por delegação de competências conferida pela Ordem de Serviço n.º I/144599/09/CM, de 4 de Novembro, publicada no Boletim n.º 3838, de 10 de Novembro de 2009, ao abrigo do disposto no artigo 68.º, n.º 2, da Lei n.º 169/99 de 18 de Setembro, republicada pela Lei n.º 5-A/2002 de 11 de Janeiro e com as declarações de Rectificação n.º 4/02 e 9/02, de 6 de Fevereiro e 5 de Março, respectivamente, notifica-se V.(s) Ex.ª(s) da decisão de cessação do direito de utilização do fogo correspondente à casa 12, sua entrada 7, do bloco 2, do Bairro (...), com os fundamentos supra descritos” - cfr. fl. 193 e 194 do PA;
4.º - A A. primitiva, no ano de 2012, auferiu uma pensão mensal de €535,21 do Centro Nacional de Pensões (cf. fl. 12 do processo cautelar apenso);
5.º - A A. primitiva é devedora do valor de €5.844,26 a título de rendas pela utilização do fogo identificado no ponto 3.º antecedente, relativas aos períodos compreendidos entre Junho de 2007 e Fevereiro de 2012 (cf. fls. 183 a 186 e 195 do PA);
6.º - Provado apenas que «O locado encontra-se em mau estado de conservação»;
7.º - Provado apenas que «Os actos impugnados provocaram na A. primitiva preocupação, sobressalto e tristeza».
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III.B.DE DIREITO
3.2. BREVE REFERÊNCIA AO REGIME JURIDICO APLICÁVEL AO ARRENDAMENTO SOCIAL E AO ARRENDAMENTO EM REGIME DE RENDA APOIADA.

3.2.1. Na situação que constitui objeto da presente apelação, está em causa a sentença proferida pela 1.ª Instância que julgou a ação movida pela primitiva autora com vista à declaração de nulidade ou à anulação dos atos administrativos impugnados, improcedente. Estava em causa a impugnação quer do ato administrativo que ditou a cessação da utilização do locado constituído pela casa 12, da entrada 7, do bloco 2, do Bairro (...), propriedade do Município (...) e afeta à função de habitação social, que foi atribuída a M..., primitiva autora, para que esta, e o respetivo agregado, a ocupassem a título precário, para o que foi emitido o competente título (vide ponto 7.º do elenco dos factos assentes), quer o ato que previamente fixou o aumento da renda devida pela ocupação desse ocado.
A decisão de cessação da utilização do locado, estribou-se no disposto no artigo 3.º, n.º1 , alínea d), e nº2 alínea a) da Lei n.º 21/2009, de 20/05.
3.2.2. Conforme se retira da factualidade provada está-se perante uma cedência de utilização do locado a título precário, facto que não é despiciendo para determinar qual o regime legal que disciplina este tipo de relações jurídicas.
Como se sabe, em Portugal, a disponibilização de habitações com fins sociais tem uma larga tradição, constituindo uma forma de o Estado e outras entidades públicas, como as autarquias locais, canalizarem fundos para a satisfação de problemas habitacionais de famílias carenciadas ou com baixos recursos. Porém, a afetação de imóveis a essa finalidade social não obedeceu a um regime unitário.
3.2.3.Sem necessidade de se efetuar uma análise detalhada da evolução histórica do regime legal em matéria de cedência de habitações por parte dos poderes públicos, interessa fundamentalmente para o caso em análise, o Decreto-Lei n° 34.486, de 06/04/1945, diploma que previa a cedência a “famílias pobres” de casas de habitação construídas ou adquiridas pelo Estado, organismos autónomos, autarquias locais e outras instituições.
3.2.4. Este diploma veio a ser regulamentado pelo Decreto n° 35.106, de 06/11/1945, que concretizou as condições especiais respeitantes à atribuição e ocupação de casas construídas por iniciativa da Administração e das Misericórdias, com a colaboração do Governo, destinadas ao alojamento de famílias pobres, subtraindo-as, assim, à legislação geral sobre inquilinato (vide a este respeito, entre outros, os Acórdão do STA de 01/03/1994, Proc. n.º 032903; de 01/06/2004, Proc. n.º 0693/03; de 17/05/2005, Proc. n.º 01592/03; de 29/03/2006, Proc. n.º 01203/05; de 07/0672006, Proc. n.º 01133/05).
Neste diploma, concretizou-se que a cedência de fogos habitacionais seria feita mediante o pagamento de uma renda”. Contudo, apesar desta designação formal da contrapartida da cedência, no âmbito do Decreto n.º 35.106, de 06/11/1945 a ocupação era “concedida a título precário, mediante licença da entidade proprietária, sob a forma de alvará (artigos. 1° e 5°), e os ocupantes poderiam ser desalojados nas circunstâncias específicas previstas no seu art.º 12°, sendo “o despejo das casas feito pela polícia de segurança pública ou pela autoridade policial do concelho, a requisição da entidade proprietária, sempre que se verificasse a falta de necessidade de ocupação das casas ou a indignidade do direito de ocupação concedido e, dos atos administrativos poderia interpor-se recurso hierárquico “para o Ministro do Interior” (art.º13°).
3.2.5. Entretanto, o Decreto-lei n° 34.486 foi objeto de revogação expressa pelo artigo 22° do Decreto-Lei n° 310/88, de 05/09, mantendo-se, porém, o Decreto n° 35.106, que apenas veio a ser revogado pela Lei n° 21/2009, de 20 de maio (artigo 1.º) que, por isso, continuou a disciplinar as referidas ocupações. Note-se que a questão em redor da sobrevigência deste diploma em face da revogação do Decreto-Lei nº 34.486 tem sido decidida no sentido afirmativo, com os argumentos expendidos no Parecer da PGR, de 20/05/04, disponível in base de dados da dgsi, também publicado no D. R., II Série, de 22/09/05 (n° 183).
3.2.6. A Lei n.º 21/2009, que surgiu como decorrência da necessidade de se proceder à atualização do regime jurídico neste domínio, revogou expressamente o Decreto n° 31.106, mas na falta de aprovação simultânea de um novo regime de arrendamento social, este foi substituído, embora com manutenção dos aspetos essenciais, por um regime transitório que consta dos seus artigos 2º e 3º, nos quais se dispõe que:
Artigo 2.º
Aplicação do regime transitório

Até à data da entrada em vigor do regime do arrendamento social, é aplicável às situações abrangidas pelo Decreto n.º 35 106, de 6 de Novembro de 1945, o regime transitório constante do artigo seguinte.”
“Artigo 3.º
Regime jurídico aplicável

1 - Sem prejuízo das condições do título de ocupação do fogo, pode a entidade proprietária dos imóveis cedidos determinar a cessação da utilização do fogo atribuído, com os seguintes fundamentos:
a) Prática dos atos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil;
b) Alteração das condições de natureza económica que determinaram a atribuição do fogo;
c) Prestação pelo ocupante de falsas declarações sobre os rendimentos do agregado familiar ou sobre factos e requisitos determinantes do acesso ou da manutenção da cedência, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis ao caso nos termos legais;
d) Mora no pagamento das rendas por período superior a três meses;
e) Oposição à realização de obras de conservação ou de obras urgentes na habitação;
f) Não uso da habitação pelo ocupante por período superior a seis meses ou pelo agregado familiar por período superior a dois meses;
g) Recebimento de apoio financeiro público para fins habitacionais ou detenção, a qualquer título, de outra habitação adequada ao agregado familiar.
2 - É ainda fundamento da cessação da utilização do fogo, o incumprimento pelo ocupante das seguintes obrigações:
a) Efetuar as comunicações e prestar as informações à entidade proprietária relativas à composição e aos rendimentos do agregado familiar;
b) Não utilizar áreas comuns do edifício para uso próprio, não danificar partes integrantes ou equipamentos do edifício ou praticar quaisquer actos que façam perigar a segurança de pessoas ou do edifício;
3 - Não pode ser invocado o fundamento previsto na alínea f) do n.º 1, quando o não uso da habitação pelo ocupante seja por período inferior a dois anos e, cumulativamente, seja motivado por uma das seguintes situações:
a) Doença regressiva e incapacitante de permanência na habitação, salvo se existir prova clínica de que a doença do arrendatário é irreversível;
b) Prestação de trabalho por conta de outrem no estrangeiro ou cumprimento de comissão de serviço público, civil ou militar por tempo determinado;
c) Detenção em estabelecimento prisional.
4 - Não pode igualmente ser invocado o fundamento referido na alínea d) do n.º 1, quando o não pagamento das rendas resulte da alteração do rendimento dos ocupantes em consequência de desemprego ou de alteração da composição do agregado familiar, desde que as alterações referidas sejam comunicadas à entidade proprietária do imóvel antes de decorrido o prazo de três meses de falta do pagamento das rendas.
5 - As situações previstas no número anterior conferem ao ocupante do fogo o direito à renegociação do valor da renda e de um prazo de pagamento faseado do montante da dívida.
6 - A comunicação da cessação da utilização torna exigível a desocupação e entrega da habitação pelo ocupante decorridos 90 dias a contar da data da sua receção, devendo conter menção expressa à obrigação de desocupação e entrega da habitação, ao prazo para o efeito e às consequências da inobservância dos mesmos.
7 - Caso não ocorra a desocupação e entrega da habitação nos termos determinados, pode a entidade proprietária ordenar e mandar executar o despejo, podendo, para o efeito, requisitar as autoridades policiais competentes para que procedam à prévia identificação dos ocupantes da habitação ou para assegurar a execução do despejo.
8 - Das decisões tomadas ao abrigo dos números anteriores cabe recurso para os tribunais administrativos nos termos gerais de direito.

Constata-se que tal como já dimanava do sobredito Decreto n° 31.106, continuam a prever-se causas específicas que habilitam as entidades proprietárias dos imóveis a proceder à cessação unilateral da utilização dos fogos atribuídos, revelando a pertinência da integração dos eventuais litígios que surgirem nos quadros do direito administrativo.
A comprovar a especificidade das relações jurídicas estabelecidas neste domínio, veja-se a norma do art.º 3°, n° 7, que confere ao locador poderes de autoridade, justificando que, “caso não ocorra a desocupação e entrega da habitação nos termos determinados, pode a entidade proprietária mandar executar o despejo, podendo para o efeito requisitar as autoridades policiais competentes para que procedam à identificação dos ocupantes da habitação ou para assegurar a execução do despejo”, com possibilidade de interposição de recurso dos atos administrativos “para os tribunais administrativos” (n° 8).

3.2.7. Entretanto, com a democratização do país, e com a Constituição de 1976, a cedência de imóveis para fins de habitação social recebeu impulsos decorrentes da tutela reconhecida ao direito à habitação que desencadeou a adoção de medidas de cariz social por parte de entidades públicas, destinadas a garantir aos mais pobres da sociedade melhores condições de habitabilidade. A cedência de imóveis para habitação social passou a assumir outras modalidades que não apenas as constantes do Decreto 31.106.
Como se refere na obra “Arrendamentos Sociais(do C.I.J.E, da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, edição Almedina, 2005, pág. 30), a terminologia adotada pelo Decreto n° 35.106 “foi sendo sucessivamente abandonada pelo legislador ao longo dos anos, em benefício das designações «arrendamento social», «arrendamento habitacional social» e «arrendamento habitacional do Estado»” ( negrito nosso) até que o art.º 9° da Lei n° 46/85, de 20/09, com referência a edifícios do Estado, de organismos autónomos, de autarquias locais ou de IPSS, veio consagrar a possibilidade de serem objeto de contratos de arrendamento habitacional no “regime da renda apoiada, continuando, contudo, a aplicar-se à matéria de atualização das rendas os “preceitos legais em vigor até que o Governo fixe o regime de arrendamento da habitação social” (art.º 10°).
É de sublinhar que foi com a Portaria n° 580/83, de 17/05, que passou a definir-se o que se entendia por “habitação social”, sendo como tal consideradas “as habitações de custos controlados promovidas pelas câmaras municipais, cooperativas de habitação económica, pelas IPSS e pela iniciativa privada com apoio financeiro do Estado e destinadas à venda ou ao arrendamento nas condições de acesso estabelecidas no presente diploma”.

3.2.8. Pese embora se tenha continuado a prever a categoria de arrendamento habitacional no regime de renda apoiada, a verdade é que não chegou a ser concretizada a aludida regulamentação dos “arrendamentos sociais”, de modo que a opção do legislador quedou-se por uma intervenção sectorial no capítulo dos critérios de fixação e de atualização das rendas (regime de renda apoiada) que ficou espelhada no Decreto-lei n° 166/93, de 07/05, abarcando, entre outros, os contratos de arrendamentos habitacionais celebrados por autarquias locais.
O Decreto-Lei n.º 166/93, de 7/05, visou a reformulação e uniformização dos regimes de renda dos imóveis sujeitos ao regime de arrendamento social, “de modo que, desejavelmente, a todas as habitações destinadas a arrendamento de cariz social, quer tenham sido adquiridas ou construídas pelo Estado, seus organismos autónomos ou institutos públicos, quer pelas autarquias locais ou pelas instituições particulares de solidariedade social, desde que com o apoio financeiro do Estado, se aplique um só regime - o regime da renda apoiada -, conforme dispõe o artigo 82.º do Regime do Arrendamento Urbano” aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro.
O diploma, como decorre do artigo 1.º, n.º 1, tem por objeto o estabelecimento do regime de renda apoiada, ficando de acordo com o n.º 2, sujeitos a tal regime os arrendamentos das habitações do Estado, seus organismos autónomos e institutos públicos, bem como os das adquiridas ou promovidas pelas Regiões Autónomas, pelos municípios e pelas instituições particulares de solidariedade social com comparticipações a fundo perdido concedidas pelo estado, celebrados após a entrada em vigor do diploma. Trata-se de situação em que o montante das rendas é subsidiado, vigorando regras específicas quanto à sua determinação e atualização, sendo o valor da renda determinado pela aplicação da taxa de esforço (T) ao rendimento mensal corrigido do agregado familiar.
Este diploma estabeleceu restrições que encontram o seu fundamento na função social subjacente à cedência das habitações, conferindo à entidade locadora poderes que vão para além dos que se contêm nos arrendamentos de natureza jurídico-privada, como ocorre com o disposto nos artigos 8.º (intervenção no reajustamento dos valores), 9.º, n.º 2 e 3 (determinação do montante da renda com pedidos de documentos e esclarecimentos para instrução e atualização dos processos) e 10.º, n.º 2 e 3 (poderes de transferência do arrendatário no caso de subocupação da habitação arrendada e sanção pelo incumprimento).
Contudo, cumpre assinalar que este diploma nada refere a respeito do regime de distribuição das casas e respetivo direito de ocupação ou quanto à cessação desse direito.
Assinala-se também que o Novo Regime do Arrendamento Urbano nada trouxe de novo, limitando-se a reconhecer, mais uma vez, a figura do arrendamento no regime de renda apoiada e a enunciar no seu artigo 61° a manutenção em vigor do que se dispunha no artigo 82° do RAU.
Note-se que não teve seguimento o “Anteprojeto de regulamentação do regime de atribuição de habitação social com renda apoiada” (publicado em O Direito, ano 136°, tomos II-III, págs. 531 e segs.), no qual, contudo, se previa que “se a entidade locadora for o Estado, incluindo Regiões Autónomas e Municípios, seus organismos autónomos e institutos públicos, o despejo pode ser executado por acto administrativo” (art. 34°, n° 2).)

3.2.9. Apenas em 2014, com a Lei nº 81/2014, de 19 de dezembro, foi finalmente aprovado o novo regime do arrendamento apoiado para habitação social e revogado o regime transitório previsto na Lei n.º 21/2009, de 20 de maio (cfr. artigo 38º), aplicando-se aos contratos a celebrar após a data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 39º nº 1), mas também aos contratos celebrados ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social existentes à data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 89º nº 2 alínea a)) e à ocupação de fogos a título precário efetuada ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de novembro de 1945 sujeitos ao regime transitório da Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, que subsistam na data da entrada em vigor da nova lei (cfr. artigo 39º nº 2 alínea b)).
Assim, com a revogação do Decreto-Lei n.º 166/93, a Lei nº 81/14 passou a prever o arrendamento apoiado, enquanto “…regime aplicável às habitações detidas, a qualquer título, por entidades das administrações direta e indireta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais, do setor público empresarial e dos setores empresariais regionais, intermunicipais e municipais, que por elas sejam arrendadas ou subarrendadas com rendas calculadas em função dos rendimentos dos agregados familiares a que se destinam” (artigo 2º nº 1), aplicando-se ainda “…ao arrendamento de habitações financiadas com apoio do Estado que nos termos de lei especial, estejam sujeitas a regimes de renda fixada em função dos rendimentos dos arrendatários”.

3.10.No caso concreto, como já se disse, estamos perante uma cedência de um imóvel para fins de habitação social a título precário, tendo o Réu determinado a cessação do direito da primitiva Autora à utilização do locado ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º1, alínea d) e n.º2, alínea a) da Lei n.º 21/2009, regime ao abrigo do qual poderia, com fundamento em mora no pagamento das rendas e na não prestação de informação sobre a composição e o rendimento do agregado familiar, determinar a cessação da utilização do fogo atribuído, pelo que, com a comunicação da cessação da utilização, poderia também exigir a desocupação e entrega da habitação pelo ocupante no prazo de 90 dias (cfr. artigo 6º), assistindo-lhe ainda o poder de ordenar e mandar executar o despejo (cfr. artigo 7º).
Note-se que, considerando que a presente ação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 12/03/2013, é seguro não se lhe aplicar o regime do arrendamento social aprovado pela Lei n.º 81/2014, de 19/12.
Assim, pressuposto para que o Réu pudesse acionar o regime legal fixado na Lei n.º 21/2009, como acionou, era apenas o de que a habitação em causa estivesse cedida à primitiva Autora ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de novembro de 1945 ( o que sucede in casu), que como vimos, era o diploma que estabelecia as condições especiais respeitantes à atribuição e ocupação de casas construídas por iniciativa da Administração e das Misericórdias, com a colaboração do Governo.
À contrário, se a habitação estivesse dada em arrendamento à primitiva Autora ao abrigo do regime da renda apoiada constante, à data, do Decreto- Lei nº 166/93, de 17 de maio, a entidade proprietária do imóvel já não beneficiava das prerrogativas constantes do regime transitório, previsto no artigo 3º da Lei nº 21/2009 (vide nesse sentido, o Acórdão deste TCA Sul de 28/05/2015, Proc. 10996/14, disponível in base de dados da dgsi).
No caso, tendo o locado sido - casa 12, entrada 7, do bloco 2, do Bairro (...), propriedade do Município (...) e afeta à função de habitação social- atribuído à primitiva Autora - M...-, para que esta, e o respetivo agregado, a ocupassem a título precário, para o que foi emitido o competente título, o regime legal aplicável a essa relação jurídica administrativa é o que consta da Lei n.º 21/2009, ao tempo vigente.

3.11.E estando-se perante uma cedência de utilização de um imóvel, que é propriedade de uma autarquia local para fins de habitação social, naturalmente que a regulação das relações estabelecidas com os beneficiários destas habitações, não está sujeita às regras de direito privado, mormente, ao regime do RAU, mas antes ao regime de direito público criado pelo legislador em ordem a assegurar o interesse coletivo subjacente à atribuição de habitações sociais a pessoas carenciadas, de modo a melhor se garantir, a quem necessite, o direito a usufruir de uma habitação condigna, o que exige soluções legais especificas distintas das vigentes no âmbito do arrendamento entre privados.
Como tal, não tem qualquer fundamento a aplicação ao caso da disciplina legal inserta no RAU, invocado pela primitiva Autora e reiterado pelos apelantes nesta instância recursiva, cujas prescrições não são convocáveis para a resolução deste dissídio.

3.12.Esclarecido que o regime aplicável é o decorrente da Lei n.º 21/2009, importa agora aferir se o julgamento efetuado pelo Tribunal a quo, quer sobre a matéria de facto que deu como provada, quer quanto à interpretação e aplicação do direito aos factos, enferma dos erros de julgamento que lhe são assacados pelos Apelantes, não sem antes verificarmos do fundamento das nulidades que os Apelantes impetram à sentença recorrida ( artigo 615.º, n.º1 do CPC).

3.13. Mas previamente à análise das questões que constituem o objeto desta apelação, recordamos que nos termos do disposto no artigo 639.º, n.º1 do CPC O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
E de acordo com o n.º2: “Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada».
Chamam-se estes preceitos à colação para vincar que quer as alegações, quer as respetivas conclusões apresentadas pelos Apelantes, revelam um evidente desrespeito por tais regras formais elementares, o que muito contribuiu para dificultar a tarefa deste Tribunal ad quem na fixação do objeto do presente recurso.

3.2.14. Porém, ao abrigo do princípio da cooperação, ainda assim logramos identificar nas conclusões de recurso os fundamentos porque os Apelantes pedem a revogação da sentença recorrida. Esses fundamentos foram também percebidos pelo apelado em termos similares, conforme resulta da leitura das contra-alegações, o que nos dá o conforto de estarmos seguros quanto à correta identificação/delimitação do objeto de recurso, de modo que, movidos também pela preocupação de salvaguardar o interesse da celeridade processual, nos dispensamos de convidar os Apelantes a cumprirem as especificações previstas no n.º2 do citado art.º 639.º do CPC.

b.1.Da Nulidade da Sentença por Omissão de Pronúncia e da Inconstitucionalidade da alínea d), n.º1 do artigo 615.º do CPC.
(i) da omissão de pronúncia.
4. Os Apelantes impetram à sentença recorrida vício e nulidade por omissão de pronúncia com os seguintes fundamentos:
(i) a sentença recorrida não disse nada sobre a desproporcionalidade do aumento do valor da renda do locado perante a mera omissão de informação da composição do agregado familiar da primitiva autora;
(ii) a sentença recorrida não se pronunciou sobre se o aumento da renda poderia ter sido efetuado perante as normas do art.º 35.º, n.º2 e 30.º do NRAU.
(iii) a sentença recorrida não disse nada sobre a responsabilidade pelas obras perante os danos verificados no locado.
4.1. Asseveram ainda que a omissão de pronúncia vai contra o dever geral de fundamentação das sentenças previsto no art.º 205.º, n.º 1 da CRP sendo inconstitucional a interpretação que é feita do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º1 do art.º 615.º do CPC, «na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de direito se baste com a total ausência de pronúncia face a uma questão efetivamente colocada pela parte em sede de petição inicial, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção da matéria de direito do Tribunal».
Como tal, advogam que a sentença recorrida deve ser anulada e reenviado o processo para o Tribunal a quo para que, caso venham a discordar da nova decisão que venha a ser proferida, “possa recorrer da mesma de forma cabal e competente”.
4.2. É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade: a) por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º do CPC ( cfr. Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14, in base de dados da dgsi).
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente enunciadas no n.º 1 do art.º 615º do CPC, e tal como decorre da análise das diversas alíneas deste preceito, reportam-se a vícios formais da sentença (despacho – n.º 3 do art.º 613º -, ou acórdão – n.º 1 do art.º 666º) em si mesma considerada, decorrentes de na sua elaboração e/ou estruturação não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nela proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao último conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição, em sede de fundamentos – causa de pedir - e/ou de pretensão - pedido), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão judicial em si mesma considerada, ou seja, reafirma-se, está-se na presença de vícios formais que afetam essa decisão de per se e/ou os limites à sombra dos quais é proferida.
Neste sentido pondera Abílio Neto que os vícios determinativos de nulidade da decisão judicial “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” – ( cfr. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734).
Diferentes desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com vícios em que incorre o tribunal em sede de julgamento da matéria de facto e/ou em sede de julgamento da matéria de direito, decorrentes de, respetivamente, o juiz ter incorrido numa distorção da realidade factual que julgou como provada e/ou não provada na sentença, acórdão ou despacho, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do que realizou (error facti) e/ou por ter incorrido em erro na identificação das normas aplicáveis ao caso, na interpretação dessas mesmas normas jurídicas, e/ou na aplicação destas à facticidade que se quedou como provada e não provada no caso concreto (error juris).
Nos erros de julgamento assiste-se assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação, interpretação e/ou aplicação das normas e institutos jurídicos aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença em si mesma considerada (vícios formais) ou aos limites à sombra dos quais aquela é proferida, não a inquinam de invalidade, mas sim de error in judicando (cfr. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da dgsi.)

4.3. Entre as causas taxativas de nulidade da decisão judicial previstas no art.º 615º, n.º 1, do CPC, contam-se a omissão e o excesso de pronúncia (al. d)).
Trata-se de nulidades que se relacionam com o disposto no art.º 608º, n.º 2 do CPC, que impõem ao juiz a obrigação de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, exceto se a lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso pelo tribunal.
Com efeito, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos pelas partes com fundamento em todas as causas de pedir por elas invocadas para ancorar esses pedidos e de todas as exceções e contra exceções invocadas pelas mesmas com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte e, bem assim de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou de exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes, pelo que não integra nulidade da sentença a omissão de pronúncia quanto a exceção de conhecimento oficioso do tribunal, mas não arguida pelas partes e de que este não tomou conhecimento – o que já consubstancia erro de direito, posto que o tribunal errou ao não conhecer da exceção, apesar desta ser do seu conhecimento oficioso), cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC).
Neste sentido Alberto dos Reis ( in “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143), onde pondera: “Esta nulidade está em correspondência direta com o 1º período da 2ª alínea do art. 660º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e onde aponta como exemplo de nulidade por omissão de pronúncia, o seguinte caso retirado da prática judiciária: “Deduzidos embargos a posse judicial com o fundamente de posse baseada em usufruto, se o embargado alegar que este não podia produzir efeitos em relação a ele por não estar registado à data em que adquiriu o prédio e a sentença ou acórdão deixar de conhecer desta questão, verifica-se a nulidade (…). O embargado baseara a sua defesa na falta de registo do usufruto; pusera, portanto, ao tribunal esta questão de direito: se a falta de registo do usufruto tinha como consequência a ineficácia, quanto a ele, da posse do usufrutuário, o tribunal estava obrigado, pelo art. 660º, a apreciar e decidir esta questão; desde que a não decidiu, a sentença era nula”.
Ou como se pondera no Acórdão do TRC. de 22/07/2010, Proc. 202/08.1TBACN-B.C1, disponível in base de dados da dgsi: “…O juiz deve, antes de tudo, tomar em consideração as conclusões expressas nos articulados, já que a função específica destes é a de fornecer a delimitação nítida da controvérsia. Mas não só; é necessário atender, também aos fundamentos em que essas conclusões assentam, ou, dito de outro modo, às razões e causas de pedir invocadas (…). Em última análise, questão será, pois, tudo o que respeite ao litígio existente entre as partes, no quadro, tanto do pedido e da causa de pedir, como no da defesa por exceção”.
Inversamente, o conhecimento de pedido, causa de pedir ou de exceção ou contra exceção não invocados pelas partes e que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente, configura nulidade por excesso de pronúncia.

Enuncie-se que a nulidade da decisão por omissão ou por excesso de pronúncia é uma decorrência do princípio do dispositivo, uma vez que cabe às partes instaurar a ação e, através do pedido, causa de pedir e da defesa, circunscreverem o thema decidendum, mas é também uma decorrência do princípio do contraditório, o qual, na sua atual dimensão positiva, proíbe a prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), ao postergar a indefesa e ao reconhecer às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e de contribuírem positivamente para a decisão a ser proferida. Assim, o conhecimento de questão não submetida pelas partes à apreciação e decisão do tribunal e que não seja do conhecimento oficioso (excesso de pronúncia), ou a não apreciação e decisão quanto a todas as questões que estas lhe submeteram e cujo conhecimento não tenha ficado prejudicado por decisão proferida pelo tribunal quanto a outra questão (omissão de pronúncia), consubstancia violação dos identificados princípios do dispositivo e do contraditório.

4.4.Note-se que “questões” não se confundem com “razões ou argumentos”, posto que, conforme já advertia Alberto dos Reis Alberto dos Reis (in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143):
“Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.
Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.
No mesmo sentido, veja-se Ferreira de Almeida (in “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371), em que reafirma que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vigar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes”.
Do mesmo modo, apenas o conhecimento pelo tribunal de questões não suscitadas pelas partes nos seus articulados e de que aquele não possa conhecer oficiosamente, determina a invalidade da sentença por excesso de pronúncia.
“Questões” são os pontos de facto e/ou de direito centrais, nucleares, relevantes ou importantes submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existentes e cuja resolução lhe submetem, atentos os sujeitos, os pedidos, causas de pedir e exceções por elas deduzidas, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir as teses em presença ( cfr. Acs. STJ. 30/10/2003, Proc. 03B3024; 04/03/2004, Proc. 04B522; 31/05/2005, Proc. 05B1730; 11/10/2005, Proc. 05B2666; 15/12/2005, Proc. 05B3974, todos in base de dados da DGSI.)
Revertendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, “…assim como a ação se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir (…), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”- ( cfr. in “Código de Processo Civil Anotado”, 5º vol., pág. 54.)
Acresce precisar que apenas ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal, na decisão, silencie, total e absolutamente, qualquer pronúncia quanto à questão colocada pelas partes e não quando aprecie a mesma, mas o faça de forma sintética e escassamente fundamentada- ( cfr. Acs. STJ. de 20/06/2006, Proc. 06A1443; 13/07/2007; Proc. 07A091, in base de dados da DGSI.).
Também não existe nulidade por omissão de pronúncia quando o juiz erroneamente considere que o conhecimento de uma outra questão de que conheceu e decidiu, prejudicou a apreciação daquela outra, suscitada pelas partes e em relação à qual se acusa a falta de pronúncia. Nesse caso, o que existe é uma situação de erro de julgamento (uma decisão que do ponto de vista jurídico é errónea), atacável em via de recurso, onde esse erro, a verificar-se, terá de ser corrigido pelo tribunal ad quem -(cfr Ac. STJ. de 28/10/2008, Proc. 08A3005; 21/05/2209, na mesma base de dados.)
E também não há nulidade da decisão por omissão de pronúncia quando o tribunal não conheça de uma determinada questão, não suscitada pelas partes, mas que era do seu conhecimento oficioso, porquanto, nesse caso, as partes não colocaram essa concreta questão à apreciação e decisão do tribunal, pelo que, quanto a essa concreta questão, não se verifica o vício da nulidade por omissão de pronúncia, mas o que acontece é que sendo essa questão do conhecimento oficioso do tribunal, ao dela não conhecer, o tribunal errou, incorrendo em erro de direito- ( cfr. Ac. STJ. de 20/03/2014, Proc. 1052/08.0TVPRT.P.S1, in base de dados da dgsi.)
4.5. Partindo destas premissas, a decisão recorrida não enferma de nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que, o Tribunal a quo decidiu, como melhor veremos, todas as questões que tinha de decidir.
4.6.Conforme resulta dos articulados e se consignou no despacho saneador proferido pela 1.ª Instância “o objecto do presente litígio consiste em apurar se os atos administrativos proferidos pelo Réu Município (...), consubstanciados em 1) e 3) do probatório, padecem da ilegalidade invocada pela Autora Primitiva, concretamente, dos vícios de violação de lei, e se se verificam os pressupostos de responsabilidade civil extracontratual invocados pela Autora Primitiva e, em consequência, se deve o Réu ser condenado no pagamento da quantia de € 10.756,08 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela Autora Primitiva com fundamento no instituto da responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa».

4.7. Compulsada a sentença recorrida, constatamos que a 1.ª Instância se pronunciou sobre todas questões que constituem o objeto da ação. Na verdade, decidiu a questão de saber se o ato administrativo que determinou a cessação de utilização do locado atribuído à primitiva Autora e, bem assim, o ato administrativo que fixou o aumento da renda, enfermavam de nulidade por violarem o direito fundamental à habitação previsto no artigo 65.º da CRP., tendo concluído que « os atos impugnados em nada ofendem o previsto no artigo 65.º da CRP», adiantando que no caso em apreço, não se descortinava “ qualquer violação de direito fundamental nem, por consequência, nulidade que invalide os mesmos atos”, convocando inclusivamente a jurisprudência firmada no Acórdão deste TCAN de 20/05/2016, proferido no processo n.º 01688/11.

4.8.E decidiu as questões atinentes a saber se o Réu estava obrigado a entregar aos habilitados da primitiva Autora, algum valor a título de rendas, que considerou improcedente, assim como o pedido de indemnização por danos não patrimoniais emergente de responsabilidade civil extracontratual, que concluiu improceder por não se verificar a ilegalidade dos atos impugnados.

4.9. Os apelantes, todavia, entendem que a sentença peca por omissão de pronúncia. Começam por invocar como fundamentos da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia o facto de nada ser dito sobre a desproporcionalidade do aumento do valor da renda do locado perante a mera omissão de informação da composição do agregado familiar da primitiva autora e o facto de a mesma não se ter pronunciado sobre se o aumento da renda poderia ter sido efetuado perante as normas do art.º 35.º, n.º2 e 30.º do NRAU, ou seja, sobre alegados vícios de violação de lei.
Acontece que, foi decidido em sede de despacho saneador que, quanto ao conhecimento dos vícios conducentes à eventual anulabilidade do ato administrativo que determinou o aumento da renda a pagar pelo locado atribuído a título precário à primitiva autora, como seja a violação de lei por alegada desconformidade com as regras previstas no artigo 35.º do NRAU, a presente ação era intempestiva, por terem decorrido mais de três meses entre a data em que a primitiva autora teve conhecimento do ato administrativo que fixou um aumento da renda – ato datado de 25/05/2010 e que lhe foi notificado em 26/05/2010- e a data em que a ação foi proposta- 13/07/2010-, e como tal, estava vedado ao Tribunal conhecer dos vícios geradores de mera anulabilidade imputáveis a esse ato.
Sendo assim, naturalmente que nenhuma omissão de pronúncia existe por na sentença recorrida não se discutirem os referidos vícios que a primitiva autora imputou a esse ato administrativo.
Por fim, os Autores assacam à sentença o vício de omissão de pronúncia, gerador de nulidade, por entenderem que na decisão proferida não foi julgada a questão de saber quem é responsável por efetuar obras de conservação no fogo. Acontece que, conforme resulta da causa de pedir e dos pedidos formulados pela primitiva autora, essa matéria não faz parte do objeto da ação.
Saber ou não saber se o locado estava em boas ou más condições de salubridade, se necessitava ou não de obras e quem era o responsável pela sua execução, não é fundamento de nenhum dos pedidos formulados na ação intentada pela primitiva Autora, contando que, como se viu, a ação foi considerada intempestiva quanto ao conhecimento do vício de violação de lei decorrente de uma eventual proibição de aumento da renda do locado nos termos do disposto no artigo 35.º, n.º2 do NRAU, em cujo âmbito poderia ter relevo a questão de saber qual o estado de conservação do locado.
Sendo assim, e considerando ainda que o pedido de indemnização por danos não patrimoniais alegadamente sofridos pela primitiva autora, assenta no “drama” que o aumento da renda provocou naquela por tê-la feito passar por um estado de “terror e sobressalto constante e diário na sua vida”, e não por motivo relacionado com o estado de conservação do locado, essa matéria não integra nenhuma questão cujo conhecimento se impusesse ao Tribunal a quo.
4.10. Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe tivessem sido submetidas determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões
Assim, tendo o Tribunal a quo respondido a todas as questões que reclamavam decisão, fundamentando especificadamente, os motivos pelos quais inexiste qualquer vício que possa ser imputável aos atos administrativos impugnados – quer o de aumento de renda face à não comunicação quanto à composição do agregado e rendimentos auferidos, quer o de cessação do direito a utilizar o fogo com os fundamentos constantes dessa decisão – e também porque inexiste qualquer dever de o Município indemnizar os Apelantes, não há omissão de pronuncia que afete a sentença recorrida da apontada nulidade.
(ii) da inconstitucionalidade do artigo 615.º, n.º1, alínea d) do CPC
5. Quanto à tese dos apelantes nos termos da qual o artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC deverá ser julgado inconstitucional por violação do artigo 205º, nº 1 da CRP, trata-se de fundamento, salvo o devido respeito, sem qualquer sustentação.
5.1. Nos termos do disposto no artigo 205º, nº 1 da Constituição: “1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
O dever de fundamentação das sentenças proferidas pelos tribunais, previsto no artigo 205.º da CRP, tem concretização ordinária nos artigos 154.º, n.º1 e 607.º, n.ºs 2 do CPC e 94.º, n.º2 do CPTA, que impõem ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, apenas se dispensando no caso de decisões de mero expediente.
5.2. O dever de fundamentar as decisões (art.º 154.º do CPC) impõe-se por razões de ordem substancial, na medida em que cabe ao juiz demonstrar que, da norma geral e abstrata, soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão a fim de, podendo, a impugnar.
5.3.O incumprimento do dever de fundamentação implica nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º1, al. b) do CPC, não podendo confundir-se a falta de fundamentação com fundamentação alegadamente insuficiente e menos ainda com fundamentação divergente.
A fundamentação deverá ser ajustada ao caso a decidir, dependendo da complexidade das questões a decidir ou da maior ou menor discussão que exista na jurisprudência ou na doutrina sobre as mesmas, não podendo a mesma medir-se pelo seu volume ou extensão, antes pelo seu conteúdo substancial.
5.4. O entendimento perfilhado pelos Apelantes de que a interpretação do artigo 615.º n.º1, al. d) do CPC que dispensa o juiz de apreciar todos os argumentos/razões invocadas pelas partes sobre uma determinada questão constitui violação da obrigação de fundamentação consagrada no artigo 205.º da CRP para as decisões judiciais, não tem qualquer arrimo sustentável.
O facto de o juiz estar dispensado de conhecer todos os argumentos ou razões invocados pelas partes, estando antes obrigado a decidir a questão, não significa que, não tendo conhecido de todos os argumentos ou razões expendidos pelas partes, esteja a violar o dever de fundamentação previsto no art.º 205.º da CRP, conquanto, este dever de fundamentação não se mede por referência aos argumentos avançados pelas partes mas por referência à decisão tomada, em relação à qual se impõe que o juiz enuncie de forma clara e consistente os fundamentos que o levaram a decidir dessa forma e não de outra, viabilizando a adequada compreensibilidade da decisão por parte dos seus destinatários de modo a conscientemente decidirem se com ela se conformam ou dela interpõem recurso.
Como vimos, “questões” não se confundem com “razões ou argumentos”. Como já advertia Alberto dos Reis (in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143):“Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.
Esta interpretação da nulidade da sentença por omissão de pronúncia consagrada na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º, não viola o artigo 205.º da CRP, na medida em que não contende com o dever de fundamentação das sentenças judiciais aí previsto.
Termos em que improcede a invocada inconstitucionalidade da alínea d) do n.º1do artigo 615.º do CPC na interpretação segundo a qual questões não se confundem com argumentos, não impendendo sobre o juiz o dever de conhecer todos os argumentos/razões invocados pelas partes mas apenas o dever de decidir todas as questões colocadas, que subsistam.
b.2. Do erro de julgamento sobre a matéria de facto
(i) do ponto 5 do elenco dos factos provados.
6. Os Apelantes assacam à sentença recorrida erro de julgamento sobre a matéria de facto.
6.1. Começam por impugnar o ponto 5 dos factos assentes, afirmando não corresponder à verdade que a primitiva Autora devia, à data da sentença, a título de rendas, a quantia de € 5.844,26, como se dá por assente, uma vez que, conforme documentos que juntaram, em janeiro de 2019 teriam já sido pagos €2.594,64.
Como tal, pretendem que o ponto 5.º dos factos assentes seja alterado por forma a que dele passe a constar que: «A aqui A., originária, à data do julgamento, devia em sede de rendas atrasadas € 3.249,62 (três mil duzentos e quarenta e nove euros e sessenta e dois cêntimos)».
6.2. Quanto a esta matéria, o Tribunal a quo, na sentença proferida, deu como provado que:
“A A. Primitiva é devedora do valor de € 5.844,26 a título de rendas pela utilização do fogo identificado no ponto 3.º antecedente, relativas aos períodos compreendidos entre Junho de 2007 e Fevereiro de 2012 (cf. Fls. 183 a 186 e 195 do PA).
6.3. Os Autores não têm razão quando pretendem a alteração deste ponto da matéria de facto provada de modo a que dele fique a constar que a primitiva autora devia, à data do julgamento, € 3.249,62, na medida em que, o que releva para a discussão do mérito da ação, é saber o montante de rendas que estavam em dívida à data da prolação do ato administrativo que decidiu a cessação do direito à utilização do locado em causa nestes autos. E conforme resulta dos documentos a fls. 183 a 186 e 195 do PA, a Autora primitiva devia a quantia de € 5.844,26 à data da prolação do ato administrativo em crise nos presentes autos.
Assim, e porque a data relevante para poder sindicar a legalidade do ato administrativo impugnado é a da emanação do ato – e não a do julgamento – indefere-se a requerida alteração deste ponto 5.º, mantendo-se conforme consta da decisão recorrida.

(ii) do ponto 6.º do elenco dos factos provados.

6.2. No ponto 6 do elenco dos factos provados o Tribunal a quo deu como assente que: «O locado encontra-se em mau estado de conservação”.
Os Autores pretendem que este ponto da matéria de facto seja alterado, sustentando que deverá ser concluído que a “A A., pré falecida estava num estado depressivo e em constante pânico, triste e adoentada não só pela questão da cessação do contrato mas por viver décadas numa casa degradada que em muito mau estado de conservação” – cfr. Conclusão 48º.
6.3. Ora, do que se depreende das alegações e das conclusões de recurso, os Apelantes pretendem não a alteração do ponto 6 da matéria de facto dada como provada, mas sim a ampliação do facto dado como provado em 7 na sentença, i.e., “os actos impugnados provocaram na A. Primitiva preocupação, sobressalto e tristeza”.
Contudo, dir-se-á que, independentemente do facto que os Autores pretendem alterar, e independentemente da questão de saber se os Autores cumpriram os ónus de impugnação da matéria de facto previstos no artigo 640.º do CPC para a impugnação da prova gravada ( que não observaram), no caso, a matéria cuja prova pretendem ver considerada na fundamentação de facto da sentença recorrida, não foi sequer alegada como causa de pedir.
Em rigor, como resulta da consideração do alegado pela primitiva autora nos artigos 25 a 30 da petição inicial, aquela alicerçou o seu pedido de danos não patrimoniais no “terror e sobressalto constante e diário na sua vida” resultantes dos atos administrativos impugnados, ou seja, do aumento de renda e da cessação do direito a utilizar o fogo, e não como resultado do mencionado estado de degradação do locado.
6.4. Os Autores habilitados pretendem agora dar como provado um facto que não foi por estes alegado e que não constituiu causa de pedir na ação tal como esta foi desenhada na petição inicial, o que, por si só, determina a improcedência da pretendida alteração da matéria de facto, pelo que nos dispensamos de tecer outras considerações, especificamente, sobre o incumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto previstos no artigo 640.º do CPC.
Termos em que improcede o invocado fundamento de alteração da matéria de facto provada, impondo-se confirmar a decisão recorrida.

b.3 Da Inconstitucionalidade da alínea a) do n.º2 do art.º 3.º da Lei n.º 21/2009

7. Os Apelantes assacam à sentença recorrida erro de julgamento sobre a matéria de direito decorrente da inconstitucionalidade do artigo 3º, nº 2º, al. a) da Lei 21/2009 por entenderem que “é inconstitucional essa interpretação, por violação do princípio da proporcionalidade, com conforto no artigo 18º, nº 2 da CRP, quando interpretado o artigo 3º, nº 2, al. A) da Lei nº 21/2009 no sentido de aumentar a renda de modo desproporcional face aos rendimentos efetivos da locatária e quando no caso concreto o fim pretendido seria igual face à hipotética informação que a A., deveria ter prestado”.

7.1. Mas sem razão. Damos aqui por reproduzidas todas as considerações que supra se expenderam sobre o regime jurídico aplicável à atribuição a título precário da habitação em causa nos autos, à primitiva autora, para sua habitação e do seu agregado familiar.
A norma da alínea a) do n.º2 do artigo 3.º da Lei 21/2009 apenas dispõe que “é ainda fundamento da cessação da utilização do fogo, o incumprimento pelo ocupante das seguintes obrigações: a) efetuar as comunicações e prestar as informações à entidade proprietária relativas à composição e aos rendimentos do agregado familiar”.
Logo, a referida norma não contende com aquilo que os Apelantes pretendem, nada dispondo sobre o montante das rendas devidas, não enfermando do vício gerador de inconstitucionalidade que os mesmos lhe imputam.

7.2. Em nome do princípio da cooperação, dir-se-á ainda que foi a primitiva autora quem incumpriu por diversas vezes a notificação para entregar ao réu os documentos necessários à atualização de dados do seu agregado familiar e à fixação da renda, acabando por ser notificada pelo Réu de que lhe seria aplicada a renda técnica (máxima) no valor de €143, 30.
Logo, a responsabilidade pela não apresentação dos referidos documentos apenas é imputável à primitiva autora, sendo que, perante o comportamento inadimplente daquela, o réu não podia deixar de atuar como atuou, estando como está vinculado ao cumprimento dos ditames do princípio da legalidade e comprometido com a prossecução do interesse público.
Destarte, o direito à habitação não tem natureza absoluta.
Como bem refere o apelado, o legislador constituinte, quando elencou os direitos fundamentais, procedeu a uma summa divisio, ou seja, dividiu os direitos fundamentais em “direitos, liberdades e garantias” e em “direitos e deveres económicos, sociais e culturais”. Trata-se de uma divisão meramente formal, sendo necessário proceder a uma divisão material para aferirmos qual o regime jurídico aplicável a estes direitos.
Assim, poderemos dividir os direitos fundamentais em direitos “contra o Estado” – direitos de defesa e de non facere – e, por outro lado, em direitos “através do Estado” – direitos prestacionais e de facere.
Os direitos, liberdades e garantias, aí já enquadrando todos aqueles direitos fundamentais, consagrados ou não no texto constitucional, com natureza análoga a esses direitos, são historicamente enquadrados nesses direitos de defesa.
Tais normas constitucionais, que têm o seu conteúdo determinado pela Constituição, são assim normas preceptivas que consagram verdadeiros direitos constitucionais, ou seja, são normas com capacidade para diretamente atribuir direitos subjetivos aos cidadãos.
Sendo certo que, tal como ensina Manuel Afonso Vaz, “a determinabilidade constitucional tem precedência logica sobre a aplicabilidade direta” ( cfr. MANUEL AFONSO VAZ, Lei e Reserva da Lei – A causa da Lei na Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 367) ou seja, quando o legislador constituinte optou por não determinar certos direitos, impondo ao legislador ordinário essa determinação, a posição jurídica subjetiva, a existir, será atribuída não pela lei constitucional mas pela norma ordinária que a determine.
Nesse sentido, Maria Lúcia Amaral, na sua declaração de voto do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 575/2014, defendeu que “O direito a receber, em substituição dos rendimentos de um trabalho que no ciclo final da existência humana se não pode mais prestar, um certo montante de pensão é um direito conformado pela lei ordinária e não pela Constituição. É a Lei que determina quais os pressupostos que devem estar reunidos para que este direito se constitua, com um conteúdo líquido e certo, na esfera jurídica do seu titular; é a lei que determina a partir de que momento dele se pode fruir; é nos termos da lei que se determina o montante exato da prestação que a ele corresponde.”, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
Ora, todos aqueles direitos fundamentais que não sejam consagrados como direitos, liberdades e garantias e que não sejam análogos a estes, não tendo sido determinados na nossa Lei Fundamental, não conferem, do ponto de vista constitucional, qualquer posição jurídica subjectiva aos cidadãos.( cfr. Neste sentido, de que os direitos a prestações derivados da lei não são verdadeiros direitos fundamentais vide JOSÉ MELO ALEXANDRINO, Direitos Fundamentais – Introdução Geral, Coimbra Editora, págs. 24 e 25.).
Esses direitos fundamentais, aliás como supra já se referiu, impõe ao legislador ordinário um programa ou um caminho que este deverá cumprir, determinando assim o direito – e por isso tais normas constitucionais são denominadas por alguma doutrina como normas-tarefa ou normas programáticas.
Em anotação ao artigo 65º da Constituição, Rui Medeiros defende que “... enquanto direito fundamental de natureza social, o direito à habitação “pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo” (Ac. Nº 829/96 – cfr. ainda Acs. nºs 131/92, 508/99 e 29/00)” (4 Cfr. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª Edição, pág. 1328).
O mesmo reputado constitucionalista continua dizendo que “Em qualquer caso, nesta dimensão impositiva, do artigo 65º não se retira “um direito imediato a uma prestação efectiva, porquanto não é directamente aplicável ou exequível, exigindo uma actuação do legislador que permita concretizar tal direito, pelo que o seu cumprimento só pode ser exigido nas condições e nos termos definidos na lei” (Ac. Nº 280/93 – cfr. ainda Acs. nºs 130/92 e 374/02).” (5 Cfr. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, ob. cit., págs. 1328 e 1329.).
Ora, a Lei 21/2009, enquanto regime transitório do arrendamento apoiado – constitui expressão disso mesmo. Na verdade, e com respeito pela imposição constitucional, o legislador ordinário emanou o referido diploma legal determinando, na exata medida desse diploma, a vertente prestacional e/ou positiva do direito à habitação social.
E, é a própria Lei que, quando define e determina esse direito habitacional, impõe as condições e obrigações que os destinatários da mesma, têm de cumprir.
É ainda esse diploma ordinário que determina, em termos de legalidade, quais os fundamentos e em que circunstâncias a Administração Pública tem o poder de resolver esses contratos.
Ora, caso um concreto destinatário desse diploma, neste caso os aqui Autores, não cumpram as suas obrigações legais decorrentes de tal direito social, os mesmos “perdem” esse direito.
Na verdade, e em primeira linha, foi o próprio legislador ordinário que entendeu ser causa de resolução o não cumprimento da obrigação de prestar informações quanto à composição do agregado e rendimentos auferidos ( alínea a),
Sendo certo que, a ponderação efetuada pelo proprietário da habitação social, neste caso o aqui apelado, não tem que ver, apenas, com o cumprimento estrito da legalidade mas sim ponderando o interesse daquele que incumpriu com as suas obrigações legais, com o interesses de todos aqueles que se encontram em situação de lhes ser atribuída uma habitação social e não o logrem, dado o limite de habitações que o Município tem para afetar como habitações sociais.
Neste sentido, vide douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29/03/2006, onde bem se decidiu que “o direito à habitação, assegurado pelo art. 65.º da CRP, é um direito da generalidade dos cidadãos, que não é necessariamente afetado quando é retirado a determinado agregado familiar o direito a ocupar uma habitação social para o atribuir a outro agregado”.
Ora, e mesmo para aqueles que entendem que o núcleo essencial do direito prestacional encontra-se constitucionalmente consagrado e, também, para aqueles que defendem a aplicação do regime normativo dos direitos, liberdades e garantias a todos os direitos fundamentais, o que apenas se admite arguendo, o direito não é absoluto.
Sendo que o próprio texto constitucional admite, em certos casos, leis restritivas de direitos, liberdades e garantias – cfr. nº 3 do artigo 18º da Constituição.
Ora, quer se entenda que o direito à habitação social é apenas determinado pela lei ordinária, quer se entenda que tal direito tem o seu conteúdo essencial ou mínimo determinado constitucionalmente, quer se entenda que o regime dos direitos, liberdades e garantias deverá ser aplicado a todo e qualquer direito fundamental – tese unitária defendida por Jorge Reis Novais -, o certo é que o direito à habitação de que os Apelantes se arrogam não é, de todo, absoluto.
O direito de habitação, enquanto direito fundamental de natureza social, exige a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo, de modo a que, tendo em conta que a procura por habitação social é muito superior à sua oferta, o acesso a esse bem público seja assegurado a quem mais necessite, justificando-se que os utilizadores de habitação social fiquem adstritos ao cumprimento de especiais de deveres de informação, de modo a, igualmente, se salvaguardar os interesses daqueles que necessitam e procuram habitam social e se encontram em lista de espera.
Assim, o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei 21/2009 onde se estabelece que “é ainda fundamento da cessação da utilização do fogo, o incumprimento pelo ocupante das seguintes obrigações: a) efetuar as comunicações e prestar as informações à entidade proprietária relativas à composição e aos rendimentos do agregado familiar”, não enferma de inconstitucionalidade decorrente de violação do direito de habitação previsto no artigo 65.º da CRP, que não é um direito absoluto.
Na situação em análise, sendo incontornável que os Apelantes não cumpriram a sua obrigação por facto que se desconhece, mas que só a estes – enquanto herdeiros habilitados da Autora primitiva – lhes pode ser imputável, e como tal, não tendo indicado ao apelado qual era a composição do agregado familiar e os rendimentos auferidos, mal seria que esse comportamento inadimplente não tivesse consequências.
Assim, o fundamento de cessação do direito de utilização do locado por não cumprimento do dever de informar a composição do agregado e os rendimentos auferidos- alínea a), n.º2, do artigo 3.º da Lei n.º 21/2009- não é inconstitucional, quer por não violar o artigo 65º da Constituição, quer por não violar qualquer outra norma ou preceito constitucional. A boa gestão do interesse público na disponibilização de habitação social às famílias mais carenciadas justifica plenamente que quem beneficia da atribuição de um imóvel público para habitação social, faça prova de que mantém as condições para continuar a beneficiar desse direito, sob pena de, a não ser assim, se estar a prejudicar outras famílias que aguardam pelo acesso a uma habitação social e que se encontram em lista de espera.

Termos em que soçobram os invocados fundamentos de recurso.
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IV-DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
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Porto, 25 de março de 2022

Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa