Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00910/10.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Moura
Descritores:PROVA DO PREÇO EFETIVO DA VENDA DE BEM IMÓVEL;
PROCEDIMENTO PRÓPRIO;
Sumário:
I - Compete aos interessados (comprador ou vendedor, ou segundo os termos legais “alienantes” e “adquirentes” – vide n.º 1 do artigo 64.º do CIRC) na demonstração de que o preço efetivo da transação foi inferior ao valor patrimonial tributário, tomar a iniciativa de instaurar um procedimento administrativo próprio para, nesse procedimento, provarem o preço efetivo da transação, conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 64.º, n.º 2 e 139.º, nos. 3 e 7 do CIRC (anteriores artigos 58.º-A e 129.º).

II - Não havendo essa iniciativa, fica precludida a possibilidade de o interessado poder demonstrar a prova do preço efetivo da transação, no processo de impugnação judicial que deduza contra a liquidação de IRC.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


«[SCom01...], S.A.», interpõe recurso da sentença proferida na impugnação judicial que julgou não poder ser impugnável o ato de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, relativa ao exercício de 2006, por não se mostrar cumprida a condição de impugnabilidade prevista no n.º 7 do artigo 139.º do CIRC, na medida em que não foi realizado prévio pedido de prova do preço efetivo da transmissão do imóvel.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
A. A Recorrente requer a subida do recurso de 29 de Outubro de 2012 que interpôs do despacho proferido a 15 de Outubro de 2019 no sentido da rejeição da produção de prova testemunhal por si requerida.
B. Sem prejuízo desse recurso, entende que, dado estarem provados por documentos e não terem sido contestados pela AT, os factos elencados no ponto II.3. supra devem ser tidos por provados.
C. Nos autos de impugnação judicial que antecedem este recurso, o perímetro da lide consistia em saber se (a) a liquidação é inimpugnável por não ter sido precedida do pedido de demonstração previsto no nº 3 do artigo 129º do CIRC e (b) se padece de erro nos pressupostos por a avaliação subjacente à mesma não ser aplicável à impugnante e padecer de falta de documentação (cfr. III.1. supra).
D. Em complemento, e somente acautelando a hipótese académica de se considerar que a avaliação em causa é oponível à Recorrente – o que não se concede –, (c) alega-se que jamais a não observância do prazo para prova do preço efectivo precludiria o direito de a Recorrente reagir contra a liquidação efectuada na base do VPT que se tem por não oponível à Recorrente, desde logo por ser possível solicitar a revisão do acto nos termos do artigo 78º da LGT, (d) argui-se ainda que, em face da descomunal diferença entre o valor da escritura do imóvel em causa e o VPT que a AT julga ser oponível à Recorrente (este é quase o quíntuplo daquele) e de outras circunstâncias atrás melhor explicitadas, de nada ter feito em sede de inspecção para indagar a razão de tamanha diferença (cfr. III.3.), a inspecção da AT violou clamorosamente os princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação.
E. Finalmente, e a título totalmente subsidiário, mais se arguiu que sempre se teria de ter considerado a mais-valia em causa por metade do seu valor, uma vez que a Recorrente declarou a intenção de reinvestir quaisquer mais-valias obtidas nesse ano e que efectuou esse reinvestimento dentro do prazo devido (cfr. artigo 45º do CIRC, na redação em vigor à data).
F. Ora, a sentença recorrida entendeu que a liquidação é inimpugnável por não ter sido precedida do pedido de demonstração previsto no nº 3 do artigo 129º do CIRC (actual artigo 139º do CIRC), entendo estar a demais argumentação prejudicada por essa conclusão.
G. Todavia, a fixação da base instrutória não esclarece se a resposta positiva à questão (a) (cfr. conclusão C. acima), isto é, que a liquidação é inimpugnável por não observância prévia do procedimento do artigo 139º do CIRC, conduz a que não se tenha de apreciar o quesito (b).
Pois bem, é manifesto que aquela primeira resposta positiva não prejudica a segunda questão, dado que esta pressupõe a não aplicabilidade a priori do artigo 139º do CIRC.
H. Isto é, porque o VPT em causa não pode ser oponível à Recorrente por ter sido apurado com base em imóvel com características diferentes – ou seja, devidamente licenciado – daquelas que existiam quando teve lugar o facto tributário em IMT relevante (celebração de contrato-promessa com tradição e procuração irrevogável para adquirir), altura em que o imóvel não estava licenciado e podia expressamente ser demolido, a questão da inimpugnabilidade por preclusão do mecanismo do artigo 129º do CIRC (hoje, artigo 139º) é necessariamente de apreciação posterior àquela.
I. Para além disso, mesmo na ausência – que não se concebe – dessa não oponibilidade, a sentença omite um dos vícios que a Recorrente imputa à liquidação impugnada e que se encontra devidamente autonomizado nas suas alegações de direito, a saber, o de que o procedimento de inspecção violou princípios constitucionais e da Lei Geral Tributária, que regem esse procedimento.
J. E omite ainda pronúncia sobre uma outra alegação, de natureza subsidiária, que consiste em reconhecer que, mesmo que por hipótese académica se aceitasse estar precludido o direito da Recorrente em reagir contra a dita fixação do VPT como valor de realização dos imóveis em causa para fins do seu IRC, uma vez que essa avaliação só lhe foi notificada dois anos após a entrega do imóvel em causa à alienante (2008) e o registo do correspondente resultado para fins de IRC ocorreu nesse ano de 2006, o facto de a integralidade do valor de realização – mesmo considerando como tal o VPT em causa – ter sido reinvestido deveria ter levado a AT a considerar tributável somente metade da mais-valia que computou para fins fiscais (nos termos do artigo nº 45º do CIRC).
K. Não é, portanto, demais enfatizar que a Recorrente não pode ser sujeito passivo de uma liquidação de imposto que resulta de uma avaliação que lhe não é oponível e, portanto, o uso do procedimento do artigo 139º do CIRC seria, para si, inócuo e a sentença ocorrida é totalmente silente quanto a esta questão, o que constitui nulidade por omissão de pronúncia (cfr. artigo 125º do CPPT).
L. Nesse sentido, a Recorrente elenca 33 factos (reproduzidos supra nas p. 16 a 21 e que se dão por integrantes destas conclusões) que, sem prejuízo daqueles que ainda viessem a ser corroborados por testemunhas, se acham provados por documentos e são integralmente relevantes para das ditas não oponibilidade do VPT em causa e a ulterior questão da (in)impugnabilidade, pelo que a sua omissão consubstancia talqualmente nulidade da sentença à luz do artigo 125.º do CPPT.
M. Em primeiro lugar, a Recorrente demonstra nestas alegações e em todas as suas peças anteriores a sua ilegitimidade como sujeito passivo da correcção fiscal em causa e a inoponibilidade do mecanismo do artigo 58º-A (actual artº. 64) do CIRC, o que faz cair por terra o relevo de se apreciar se o acto de liquidação em crise é impugnável ou não.
N. Para fins de IRC, o resultado tributável da operação em causa foi gerado com a celebração da promessa com tradição e outorga de procuração irrevogável (em Maio de 2006), sendo esta considerada uma transmissão onerosa, para efeitos de IRC (cfr. nº 5 do artigo 43º do CIRC), em linha, aliás, com o tratamento dado pela impugnante. O mesmo se diga em relação à avaliação do VPT e à liquidação do IMT decorrente da celebração do contrato-promessa com tradição de acordo com o nº 3 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro.
O. Ou seja, nada de relevante do ponto de vista fiscal se alterou com a celebração da escritura por parte do alienante consigo mesmo e a cuja data e modo de realização a Recorrente foi completamente alheia (em Novembro de 2007), atenta a procuração irrevogável conferida à adquirente para o efeito: quando transmite a posse do imóvel e promete vender, é nesse momento que se deve capturar a sua capacidade contributiva e tributá-la em conformidade.
P. Por motivos completamente alheios à alienante, a [SCom02...] não cumpriu a sua obrigação de submeter essa Declaração modelo 1 na sequência da celebração do contrato-promessa, e tal omissão não a pode prejudicar, imputando-lhe a venda de um imóvel com características físicas e administrativas já completamente distintas aquando da subsequente escritura, nomeadamente a condição de licenciadas das construções transmitidas, a que a alienante foi alheia.
Q. Assim, compulsada a matéria de facto que devia ter sido considerada assente, é possível constatar que a avaliação efectuada em 2008 não se reportou, de modo algum, aos dados existentes em 2006, tendo-se, ao invés, baseado em numa situação de facto do imóvel que sobreveio somente em 2008:
R. De facto, como se detalhou nas alegações, a avaliação de 2008, ainda que respeitando ao mesmo imóvel, traduz uma realidade fiscalmente relevante muito relevante da vigente em 2006 e tal resulta directamente dos documentos juntos aos autos pela Recorrente e desconsiderados pelo Tribunal recorrido.
S. Por conseguinte, a liquidação é ilegal por erro num dos seus pressupostos de direito, mais concretamente por não ter reconhecido que o acto tributário impugnado não é oponível à Recorrente, e esta conclusão serve logo para demonstrar que a sentença não podia ter decidido, como decidiu, pela inimpugnabilidade do acto.
T. Assim, a não utilização do procedimento de prova do preço efectivo pela Recorrente (artigo 139º do CIRC) jamais pode ter a consequência que lhe é apontada pelo tribunal recorrido, posto que este só poderia ter sido aplicável à Recorrente relativamente a uma avaliação efectuada à luz da situação dos imóveis em causa à data dos factos que desencadearam a liquidação de IMT (contrato-promessa e procuração irrevogável) e não em decorrência de um acto já inócuo para fins de IMT (a escritura) e com imóveis entretanto licenciados pelo adquirente.
U. Sem de algum modo prescindir, refira-se ainda que o artigo 58º-A/64º do CIRC fixa uma presunção de rendimento que, respeitando a um aspecto da incidência do imposto – a determinação do seu quantum – não pode ser inilidível, constituindo o artigo 129º/139º do CIRC um meio específico de ilisão dessa presunção.
V. A lei só atribui 30 dias para a realização deste pedido, ao passo que a reacção por impugnação judicial garante ao sujeito passivo um prazo de 4 meses (o prazo para pagamento da liquidação, mais 3 meses do prazo para impugnar, stricto sensu); para além disso, com a prova do preço efectivo pretende-se afastar somente uma presunção de que o preço observado corresponde ao VPT, sendo esta uma garantia pensada para o sujeito passivo e não para preclusão de direitos de reacção contra liquidações com base nesse mesmo VPT que se encontrem viciadas, tal como resulta do Acórdão do STA de 02/05/2012 (proc. 01131/11), em que este tribunal aplicou o princípio da proporcionalidade para revogar um VPT definitivo, na sequência de uma segunda avaliação de um imóvel.
W. Mas mesmo que assim não fosse, sempre a Recorrente teria direito de reagir mesmo se fosse para provar o preço efectivo.
X. É que o artigo 78º nº 1 da LGT, a ultima ratio processual dos contribuintes, permite que os sujeitos passivos possam reagir contra actos tributários no prazo de quatro anos (na actual redacção, dois anos), quando estejam em causa erros ou omissões na autoliquidação por parte dos sujeitos passivos, o que é o caso de uma declaração de rendimentos que não foi substituída pelo sujeito passivo por virtude de alegadamente ser aplicável um novo VPT nos termos do artigo 64º do CIRC.
Y. A redação do nº 2 do artigo 78º da LGT em vigor à data previa expressamente que se considerava erro imputável aos serviços o erro na autoliquidação, pelo que este este meio subsidiário estaria sempre ao alcance da Recorrente.
Z. Por conseguinte, também por este motivo sempre improcederia totalmente a excepção de inimpugnabilidade a que o tribunal recorrido deu provimento.
AA. Mesmo que, por inconcebível hipótese de raciocínio, se não reconhecer provimento à fundamentação das ilegalidades do acto de liquidação que se vêm de enunciar, sempre será de considerar o procedimento administrativo de inspecção que o precedeu ilegal e inconstitucional – e, por via reflexa, esse mesmo acto de liquidação – por violação dos princípios mais básicos do procedimento inspectivo, em particular, e do direito fiscal, em geral.
BB. Em face da gravidade da situação em apreço e da entorse ao princípio da capacidade contributiva que a mesma consubstanciaria se se viesse a concluir que o preço transaccionado havia sido o declarado e explicando-se a dita divergência pelos motivos explanados nas peças precedentes (designadamente a alienação dos imóveis como não licenciados e passíveis de demolição), incumbiria aos Serviços de Inspecção a realização de todas as diligências necessárias à verificação do preço praticado e à aplicabilidade do VPT em foco à alienação ocorrida.
CC. Ora, é manifesto que a busca da verdade material (cfr. artigo 6º do RCPIT) esteve completamente arredada dos objectivos da inspecção aqui em causa, posto que não procedeu a AT a qualquer diligência de apuramento dos motivos para o enorme fosso entre os valores em causa, e nem sequer se dispôs a debater os factos e argumentos apresentados pela impugnante, provados por documentos.
DD. Concretamente, seria sempre exigível à AT, perante tamanha desproporção de valores, suprir o o desconhecimento da Administração da Recorrente quanto à possibilidade de exercer o direito previsto no artigo 129º do CIRC (que, repita-se, não lhe é, em qualquer caso, oponível), solicitando à mesma Administração o acesso irrestrito à respectiva informação bancária e à dos seus Administradores referente a 2006 e 2005, mas, sobretudo, de tomar em consideração o estado dos imóveis alienados à data, ou mesmo de pedir à [SCom01...] uma avaliação independente dos mesmos imóveis.
EE. Essa indagação seria igualmente necessária para se cumprir o princípio da proporcionalidade na inspecção posta em crise, porque a alegada preclusão do direito de usar o expediente previsto no artigo 129º do CIRC e o seu aludido efeito de imputar à [SCom01...] um VPT que é o quíntuplo do valor declarado e contabilizado vai muito além do que é necessário para se cumprir o desígnio do IRC e do próprio artigo 64º do Código do IRC que é tributar de acordo com o rendimento real, prevenindo conluios entre vendedor e comprador na fixação de preços em transacções imobiliárias.
AINDA SEM PRESCINDIR:
FF. Na suposição – errónea, como vimos – de que a avaliação em causa é oponível à impugnante, tem a mesma de se reportar a 2006 – tal como consta expressamente do RIT, sendo que, havendo a Recorrente declarado na sua Declaração anual/IES a intenção de reinvestir o valor de realização dos activos fixos alienados para fins de tributação metade do valor da mais-valia liquidada, e investido mais de 6,5 milhões de euros em activos fixos tangíveis em 2006, 2007 e 2008 (que são válidos para efeitos de reinvestimento do valor de realização de mais-valias geradas em 2006, cfr. nº 1 artigo 45º do Código do IRC) deve considerar-se reinvestido o valor considerado pela AT como sendo o valor de realização dos imóveis aqui em causa – € 1.447.620,00 (VPT dos imóveis avaliado em 2008).
GG. A sentença a quo fixa como valor da causa € 99.620,64, mas o valor da causa, ie. o valor do imposto mais juros compensatórios, liquidado adicionalmente à Recorrente, e que se pretende seja anulado é de 321.763,51 (cfr. nota de liquidação, junta como Doc. nº 1 à p.i.). Também aqui a sentença recorrida padece de erro, cujo suprimento igualmente se requer.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE POR V. EXAS. SER O PRESENTE RECURSO JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, NOS TERMOS ACIMA EXPOSTOS, POR OMISSÃO DE MATÉRIA DE FACTO RELEVANTE PARA A CAUSA, OMISSÃO DE QUESTÕES DE PRONÚNCIA OBRIGATÓRIA E ERRADA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO, E, EM CONSEQUÊNCIA, SER ANULADA A SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR UMA OUTRA QUE JULGUE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL TOTALMENTE PROCEDENTE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

POR CAUTELA DE PATROCÍNIO, CASO, POR MERA HIPÓTESE ACADÉMICA, ASSIM NÃO SE ENTENDA, DEVE SER CONSIDERADO REALIZADO O REINVESTIMENTO DA TOTALIDADE DO VALOR DE REALIZAÇÃO FIXADO (ILEGALMENTE) PELA AT E POR CONSEGUINTE, TRIBUTADA POR METADE A MAIS-VALIA GERADORA DA LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA.

MAIS SE REQUER QUE, NOS TERMOS DO N.º 7 DO ARTIGO 6.º DO RCP, SEJA CONCEDIDA A DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se a liquidação sindicada pode ser impugnada diretamente ou se carecia de previamente a impugnante ter lançado mão do procedimento de prova do preço efetivo.

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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
Com relevo para a decisão da questão em apreço, resultam provados os seguintes factos:
1. Em 27.11.2009, em nome da impugnante foi emitida a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios n.º ..........300 relativa ao exercício de 2006 – cfr. fls. 108 do PA apenso.
2. A liquidação que antecede assentou na fundamentação constante do relatório de inspecção tributária elaborado em 10.11.2009 por referência à impugnante com o seguinte teor – cfr. fls. 67 e ss. do PA apenso:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]




(...)
3. Em 16.11.2009, sobre o relatório que antecede recaiu despacho de concordância – cfr. 67 do PA apenso.
4. Em 26.11.2007, a impugnante celebrou escritura pública de compra e venda nos termos da qual alienou prédios urbanos pelo preço de € 294.000,00 – acordo.
5. Em 27.02.2008, foram assinados avisos de recepção de cartas de notificação da impugnante relativamente à alteração do valor patrimonial dos prédios alienados pela mesma para € 1.447.620,00 – cfr. fls. 40 e ss. do PA apenso e acordo.

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Apreciação jurídica do recurso.

Alega a Recorrente que nestes autos de impugnação discute-se a legalidade da liquidação de IRC do exercício de 2006, que resulta de uma correção ao lucro tributável daquele ano, no montante de € 1.153.753,48. Esta correção advém, na esteira do disposto no artigo 58.º-A do CIRC (atual artigo 64.º do CIRC), de a AT ter considerado, como valor de realização de um imóvel alienado pela Recorrente, o Valor Patrimonial Tributário (VPT) e não o valor declarado pelas partes.
Diz a Recorrente que a lide consistia em saber, se (a) a liquidação é inimpugnável por não ter sido precedida do pedido de demonstração previsto no n.º 3 do artigo 129.º do CIRC; e (b) se padece de erro nos pressupostos por a avaliação subjacente à mesma não ser aplicável à impugnante e padecer de falta de documentação.
Refere a Recorrente que a sentença recorrida entendeu que a liquidação é inimpugnável por não ter sido precedida do pedido de demonstração previsto no n.º 3 do artigo 129.º do CIRC (atual artigo 139.º do CIRC), entendo estar a demais argumentação prejudicada por essa conclusão, mas que a base instrutória não esclarece se a resposta positiva à questão de saber se a liquidação é inimpugnável por não observância prévia do procedimento do artigo 139.º do CIRC, conduz a que não se tenha de apreciar o quesito (b). Pois bem, é manifesto que aquela primeira resposta positiva não prejudica a segunda questão, dado que esta pressupõe a não aplicabilidade a priori do artigo 139.º do CIRC.
Invoca a Recorrente que o VPT em causa não lhe pode ser oponível por ter sido apurado com base em imóvel com características diferentes daquelas que existiam quanto teve lugar o facto tributário em IMT relevante, altura em que o imóvel não estava licenciado e podia expressamente ser demolido, a questão da inimpugnabilidade por preclusão do mecanismo do artigo 129.º do CIRC (hoje, artigo 139.º) é necessariamente de apreciação posterior àquela. Mas mesmo na ausência dessa não oponibilidade, a sentença omite um dos vícios que a Recorrente imputa à liquidação impugnada e que se encontra devidamente autonomizado nas suas alegações de direito, a saber, o de que o procedimento de inspeção violou princípios constitucionais e da Lei Geral Tributária, que regem esse procedimento.
Mais alega que a sentença omite ainda pronúncia sobre uma outra alegação, de natureza subsidiária, que consiste em reconhecer que, mesmo que por hipótese académica se aceitasse estar precludido o direito da Recorrente em reagir contra a dita fixação do VPT como valor de realização dos imóveis em causa para fins do seu IRC, uma vez que essa avaliação só lhe foi notificada dois anos após a entrega do imóvel em causa à alienante (2008) e o registo do correspondente resultado para fins de IRC ocorreu nesse ano de 2006, o facto de a integralidade do valor de realização – mesmo considerando como tal o VPT em causa – ter sido reinvestido deveria ter levado a AT a considerar tributável somente metade da mais-valia que computou para fins fiscais (nos termos do artigo n.º 45.º do CIRC).
Considera a Recorrente não pode ser sujeito passivo de uma liquidação de imposto que resulta de uma avaliação que lhe não é oponível e, portanto, o uso do procedimento do artigo 139.º do CIRC seria, para si, inócuo e a sentença ocorrida é totalmente silente quanto a esta questão, o que constitui nulidade por omissão de pronúncia (cfr. artigo 125.º do CPPT).
Alega, igualmente, a Recorrente a sua ilegitimidade como sujeito passivo da correção fiscal em causa e a inoponibilidade do mecanismo do artigo 58º-A (atual artº. 64) do CIRC, o que faz cair por terra o relevo de se apreciar se o ato de liquidação em crise é impugnável ou não.
Diz que a não utilização do procedimento de prova do preço efetivo pela Recorrente (artigo 139º do CIRC) jamais pode ter a consequência que lhe é apontada pelo tribunal recorrido, posto que este só poderia ter sido aplicável à Recorrente relativamente a uma avaliação efetuada à luz da situação dos imóveis em causa à data dos factos que desencadearam a liquidação de IMT (contrato-promessa e procuração irrevogável) e não em decorrência de um ato já inócuo para fins de IMT (a escritura) e com imóveis entretanto licenciados pelo adquirente.
Refere, ainda, que mesmo que assim não fosse, sempre a Recorrente teria direito de reagir mesmo se fosse para provar o preço efectivo, pois que o artigo 78.º, n.º 1 da LGT, é a ultima ratio processual dos contribuintes, permitindo que os sujeitos passivos possam reagir contra atos tributários no prazo de quatro anos (na atual redação, dois anos), quando estejam em causa erros ou omissões na autoliquidação por parte dos sujeitos passivos, o que é o caso de uma declaração de rendimentos que não foi substituída pelo sujeito passivo por virtude de alegadamente ser aplicável um novo VPT nos termos do artigo 64.º do CIRC.
Por fim, alega que a sentença a quo fixa como valor da causa € 99.620,64, mas o valor da causa, ie. o valor do imposto mais juros compensatórios, liquidado adicionalmente à Recorrente, e que se pretende seja anulado é de 321.763,51. Também aqui a sentença recorrida padece de erro, cujo suprimento igualmente se requer.
*
Em primeiro lugar compete apreciar as alegações de nulidade de sentença, como a de que o procedimento de inspeção violou princípios constitucionais e da Lei Geral Tributária, que regem o procedimento de liquidação; assim como o facto de a integralidade do valor de realização – mesmo considerando como tal o VPT em causa – ter sido reinvestido deveria ter levado a AT a considerar tributável somente metade da mais-valia que computou para fins fiscais (nos termos do artigo n.º 45.º do CIRC).
Considera, ainda, a Recorrente não pode ser sujeito passivo de uma liquidação de imposto que resulta de uma avaliação que lhe não é oponível e, portanto, o uso do procedimento do artigo 139.º do CIRC seria, para si, inócuo e a sentença ocorrida é totalmente silente quanto a esta questão, o que constitui nulidade por omissão de pronúncia (cfr. artigo 125.º do CPPT).
Apreciando.
Nos termos do artigo 125.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença, quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está diretamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 608.º n.º 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais exceções invocadas), ficando apenas excetuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
Ora, as matérias agora mencionadas como tendo sido objeto de omissão de pronúncia não se encontram invocadas na Petição Inicial, pelo que não ocorre omissão de pronúncia da sentença, na medida em que não tinha de tomar conhecimento das mesmas, uma vez que não foram objeto de causa de pedir.
Mesmo que apresentando novos fundamentos da impugnação nas alegações pré-sentenciais (efetuadas ao abrigo do artigo 120.º do CPPT), tal não obriga o tribunal a conhecer esses novos fundamentos, na medida em que isso alteraria o princípio da estabilidade da instância, bem como violaria o princípio do contraditório, uma vez que as alegações pré-sentenciais são simultâneas e a parte contrária fica sem possibilidade de responder aos novos fundamentos da causa.
Com este entendimento veja-se a anotação ao artigo 120.º efetuada pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no vol. II do Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado (6.ª edição, ano 2011, Áreas Editora), a págs. 297 e 298, onde refere:
«6 – Novos factos e questões – Factos supervenientes
Nas alegações, em regra, apenas é admissível a apreciação crítica das provas e a discussão das questões de direito suscitadas na petição da impugnação, não sendo possível utilizá-las para invocar novos factos ou suscitadas novas questões de ilegalidade do acto impugnado.
Este entendimento tem sido baseado no princípio da estabilidade da instância (art. 268.º do CPC) e, no ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (n.º 1 do art.º 108.º do CPPT).
Assim, só relativamente a questões de conhecimento oficioso ou quando surjam factos subjetivamente supervenientes para o impugnante que lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia ter conhecimento no momento da apresentação da petição, será permitido ao impugnante invocar novos factos ou suscitar novas questões de legalidade do acto impugnado, designadamente imputar-lhe novos vícios.».
Na situação em apreço não estão em causa factos de conhecimento subjetivo superveniente, pelo que não é permitido à impugnante invocar novas questões de legalidade do ato impugnado, por isso a sentença não tinha que se pronunciar sobre nova matéria ou novas questões deduzidas nas alegações pré-sentenciais.
Em face do exposto, a sentença não padece da nulidade que lhe vem assacada.
*
Em segundo lugar, invoca a Recorrente que a sentença não podia ter decidido, como decidiu, pela inimpugnabilidade do ato de liquidação de IRC, conforme fundamentos acima descritos.
O Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão da seguinte forma:
«Tal correcção teve por base o incumprimento por parte da impugnante do estipulado no artigo 58.º-A do Código do IRC uma vez que não considerou, para efeito do apuramento do lucro tributável, o valor patrimonial definitivo que constitui base de cálculo do IMT, não tendo exercido o seu direito de demonstração nos termos do n.º 3 do artigo 129.º do Código do IRC, apesar de ter sido notificada pelo Serviço de Finanças ... para se pronunciar sobre o valor patrimonial definitivo atribuído aos imóveis vendidos por ofícios recepcionados a 27.02.2008.
Efectivamente, tendo a impugnante sido notificada do valor patrimonial definitivo atribuído aos imóveis alienados, não concordando com o mesmo, impunha-se à impugnante que encetasse o procedimento administrativo previsto no citado artigo 129.º do Código do IRC, sem o que não poderia impugnar judicialmente a liquidação emitida posteriormente com base em tal valor corrigido.
Defende a impugnante que não poderia ter pedido a prova do preço efectivo relativamente a uma avaliação que não respeita à transacção incidente de IMT ocorrida e escriturada contabilisticamente em 2006. Todavia, não há dúvidas de que está em causa uma avaliação referente aos prédios que foram objecto dessa mesma transacção, sendo aplicável o dito procedimento.
Não tendo a impugnante requerido, previamente à presente impugnação judicial, a prova do preço efectivo. Não o tendo feito, não se mostra cumprida a condição de impugnabilidade prevista no n.º 7 do mesmo artigo 129.º, pelo que se conclui pela inimpugnabilidade da liquidação, a qual obsta ao conhecimento do mérito, determinando a absolvição da Fazenda Pública da instância.».
Apreciando.
Conforme dado por assente no ponto 5. da matéria de facto, a Recorrente foi notificada pelo Serviço de Finanças da alteração do valor patrimonial tributário dos prédios aqui em apreço. Aliás, a Recorrente reconhece na Petição Inicial (art. 26.º) bem como nas suas alegações de recurso, que recebeu essa notificação, reconhecendo que não reagiu a tais notificações (art. 29.º da PI), por entender que as avaliações em causa não lhe eram aplicáveis para os fins gizados no artigo 64.º do Código do IRC.
Os preceitos ao caso aplicáveis, contém a seguinte redação.
Artigo 64.º (Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis)
1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 - Para aplicação do disposto no número anterior:
a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;
b) O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.
4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do período de tributação a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.
5 - No caso de existir uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, o sujeito passivo adquirente deve comprovar no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 3, o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel.
6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Autoridade Tributária e Aduaneira proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.

Artigo 139.º (Prova do preço efetivo na transmissão de imóveis)
1 - O disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objetivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.
3 - A prova referida no n.º 1 deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor da diferença positiva prevista no n.º 2 do artigo 64.º, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, é da competência da Autoridade Tributária e Aduaneira.
5 - O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.
6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.
7 - A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correções efetuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º, ou, se não houver lugar a liquidação, das correções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa.
8 - A impugnação do ato de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.

Ora, conforme se verifica pela leitura conjugada dos transcritos preceitos, o contribuinte que pretenda questionar o valor patrimonial tributário, deve lançar mão de um procedimento próprio, prévio à possibilidade de poder impugnar a liquidação de IRC que leve em consideração o valor patrimonial tributário quando superior ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis declarado pelas partes.
Este procedimento é uma condição de impugnabilidade do ato de liquidação de IRC que tenha em consideração o valor patrimonial tributário e não o valor declarado pelas partes em reação à compra e venda dos imóveis que estiverem em causa.
Não tendo a Impugnante, ora Recorrente lançado mão de tal procedimento próprio, não pode agora invocar qualquer factualidade inerente ao negócio de compra e venda dos imóveis ou qualquer singularidade da situação em causa, uma vez que ficou precludida essa possibilidade, em virtude de não ter iniciado o procedimento de prova efetiva do preço de compra e venda dos imóveis.
Tem sido este o entendimento deste TCA Norte, como se pode ver, entre outros, pelo Acórdão de 11/02/2021 (em www.dgsi.pt), proferido no processo n.º 03022/10.0BEPRT, assim como pelo Acórdão de 11/11/2021, proferido no processo n.º 01157/11.0BEPRT, cuja parte do sumário com interesse se destaca:
III. A “prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis” (n.º 1) tem necessariamente (“deve”) ser efetuada após decorrido o procedimento a que alude o respetivo n.º 3 e que se rege “pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei” (cf. n.º 5), sem o qual não pode, por isso, ser proferido qualquer ato de deferimento.

Neste sentido também tem decidido o Supremo Tribunal Administrativo, conforme resulta, por exemplo, do sumário do Acórdão de 03/09/2016, proferido no processo n.º 0820/15, cujo teor é o seguinte:
«I - Para determinação do lucro tributável do vendedor e do comprador deve ser tido em conta o valor resultante da fixação do VPT de um prédio quando seja inferior ao estipulado no contrato de compra e venda, constituindo uma presunção de rendimentos o valor constante do contrato que lhe seja inferior, art.º 64, do CIRC.
II - Por não serem admitidas nas normas de incidência tributária presunções inilidíveis - art. 73.º da LGT - o legislador estabeleceu no CIRC um procedimento no seu art. 139.º para prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário permitindo que aí se faça a ilisão de tal presunção.
III - Tal procedimento é accionado pelo sujeito passivo e, como indica o n.º 5 do art. 139.º do CIRC rege-se pelo disposto nos artigos n.º 4 do artigo 86.º, 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações.
IV- Este procedimento constitui condição necessária à abertura da via contenciosa, n.º 7 do art. 139.º do CIRC.
V - O sujeito passivo de imposto sobre o rendimento pode utilizar os seguintes meios contenciosos: impugnação judicial do acto que fixou o valor patrimonial tributário do imóvel; acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento tributário que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão; impugnação judicial do acto de liquidação de IRC, art. 58º-A do CIRC ao abrigo do mesmo preceito legal, com fundamento em qualquer ilegalidade ou erro praticado no procedimento destinado à prova do preço efectivo, podendo oferecer qualquer meio de prova adequado à demonstração do preço efectivamente praticado.
VI - A sentença que analisou detalhada e acertadamente a suscitada questão da condição de procedibilidade, ao fazê-lo, após ter indicado que o processo era o próprio, estava implicitamente a decidir que se não verificava qualquer erro na forma de processo porque as questões a dirimir poderiam ser conhecidas no processo em que estava a ser proferida.»

A dado passo, refere o citado Acórdão do STA:
«(…) A consideração do VPT para efeito de determinação do lucro tributável em IRC, quando o valor constante do contrato seja inferior, constitui uma presunção de rendimentos. Não obstante, esta presunção pode ser ilidida mediante o procedimento previsto no art. 139.º. (…) Deste modo, o legislador criou um procedimento em ordem a permitir ao sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT e, assim, afastar a presunção resultante do referido art. 64º do CIRC. (…) Este procedimento constitui condição necessária à abertura da via contenciosa, como resulta expressamente do n.º 7 do art. 139.º do CIRC, ou seja, o procedimento previsto no n.º 3 do art. 139.º do CIRC, que visa a demonstração pelo sujeito passivo de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT, constitui uma condição de procedibilidade da impugnação quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis – neste sentido, vide Acórdão do STA de 06-02-2013, proc. nº 0989/12.».

Por sua vez, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0881/12, em 03/12/2014, proferiu a seguinte decisão:
I – Tanto o acto de determinação do valor patrimonial tributário definitivo de imóvel como o acto de indeferimento do pedido formulado em procedimento tributário que o alienante do imóvel, enquanto sujeito passivo de IRC, tenha instaurado para prova do preço efectivo da transmissão por virtude de o valor de venda declarado ser inferior ao valor patrimonial tributário fixado (arts. 58º-A e 129º do CIRC, a que correspondem os actuais arts. 64º e 139º), afectam, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos desse sujeito passivo, e, por isso, há que assegurar-lhe a tutela judicial efectiva em relação a estes dois actos (pese embora a lei apenas considere aquele primeiro como “destacável” para efeitos contenciosos), com a possibilidade da sua impugnação contenciosa autónoma e imediata, subtraída ao regime regra da impugnação unitária.
II – Pelo que a este sujeito passivo de imposto sobre o rendimento assistem os seguintes meios contenciosos: (i) impugnação judicial do acto que fixou o valor patrimonial tributário do imóvel; (ii) acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento tributário que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão; (iii) impugnação judicial do acto de liquidação de IRC que vier a resultar da aplicação do disposto no art. 58º-A do CIRC, ou, se não houver lugar a liquidação de imposto, do acto de correcção ao lucro tributável efectuada ao abrigo do mesmo preceito legal, sendo de notar que nesta impugnação pode ainda invocar qualquer ilegalidade ou erro praticado no procedimento destinado à prova do preço efectivo, bem como recorrer a qualquer meio de prova adequado à demonstração do preço efectivamente praticado.

Conforme se verifica pela citada jurisprudência, compete aos interessados (comprador ou vendedor, ou segundo os termos legais “alienantes” e “adquirentes” – vide n.º 1 do artigo 64.º do CIRC) na demonstração de que o preço efetivo da transação foi inferior ao valor patrimonial tributário, tomar a iniciativa de instaurar um procedimento administrativo próprio para, nesse procedimento, provarem o preço efetivo da transação. Não havendo essa iniciativa, fica precludida a possibilidade do interessado poder demonstrar a prova do preço efetivo da transação.
Para além disso, também não é na impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC, que o interessado pode pretender demonstrar que a avaliação patrimonial tributária não é a mais acertada, pois nesse âmbito também existe procedimento próprio estabelecido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
No entanto, o valor patrimonial tributário que venha a ser estabelecido após a compra e venda, é indiferente para os termos da prova do preço efetivo da transmissão dos imóveis, na medida em que o interessado só tem de fazer prova de que o valor da transmissão do imóvel foi inferior ao valor patrimonial tributário.
Por isso é indiferente para o desfecho do procedimento de prova do preço efetivo da transmissão dos imóveis, toda e qualquer argumentação expendida sobre o novo valor patrimonial tributário e eventual comparação com o valor anterior ou com a situação concreta dos imóveis. Isto porque, apenas interessa demonstrar o preço efetivo na transação realizada; e isso os interessados estão em condições de provarem, com a junção dos elementos financeiros do negócio.
Por outro lado, atendendo a que se mostra necessário instaurar o procedimento prévio de prova do preço efetivo do valor da transmissão dos imóveis; procedimento esse que se rege, com as devidas adaptações, pelo disposto quanto aos pedidos de revisão da matéria coletável (artigos 91.º e 92.º da LGT), não pode ser aplicável o regime do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, ao invés do que alega a Recorrente.
Aplicando ao procedimento de prova do preço efetivo da transmissão dos imóveis o mesmo regime do pedido de revisão da matéria coletável, torna a situação diferente da prevista no artigo 78.º da LGT, na medida em que este preceito apenas prevê a revisão de atos tributários e não a revisão de procedimentos prévios ou autónomos em relação à decisão final do ato tributário de liquidação.
Sobre este assunto veja-se a anotação realizada ao artigo 78.º da LGT por Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na Lei Geral Tributária, anotada e comentada (4.ª edição, ano 2012, Encontro da Escrita), onde a pág. 702, referem: «A revisão da matéria tributável a que se reporta este art. 78.º, é distinta da prevista nos arts. 91.º e 92.º da LGT, por os pedidos de revisão desta última só poderem ter lugar nos casos de fixação da matéria tributável por métodos indiretos e se inserirem no procedimento conducente à formação de uma decisão de fixação daquela, enquanto a revisão prevista neste art. 78.º tem o seu campo de aplicação em qualquer caso em que tenha havido um acto autónomo de fixação da matéria tributável ou um acto de liquidação e tem lugar após ter terminado o respectivo procedimento tributário.
Isto é, neste art. 78.º está-se perante um meio procedimental de obter a corecção de uma prévia decisão final de um procedimento (de liquidação ou de fixação da matéria tributável, se ela tiver autonomia), enquanto naqueles arts. 91.º e 92.º está-se numa fase anterior à decisão final do procedimento, sendo aquela revisão uma fase da formação dessa decisão.».
Da mesma forma, com a instauração do procedimento de prova do preço efetivo da transmissão dos imóveis, está-se diante de uma fase prévia ou autónoma à liquidação de IRC, que tenha em consideração o preço que os interessados pretendam demonstrar ter efetivamente acontecido na compra e venda dos imóveis. Se os interessados não tomaram a iniciativa prévia ou autónoma à liquidação de IRC, de iniciar tal procedimento, depois a liquidação já não pode ser afetada por essa inércia dos interessados.
Desta forma, ao caso concreto não se pode aplicar o regime do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.
Em face do exposto, não se verifica qualquer motivo para alterar a sentença recorrida na parte em que decidiu pela inimpugnabilidade do ato de liquidação de IRC do ano de 2006, pelo facto de a Recorrente não ter intentado o procedimento próprio a que alude o n.º 3 do artigo 139.º do Código do IRC, para prova do preço efetivo de venda dos imóveis.
*
Por fim, alega a Recorrente que a sentença errou na determinação do valor da causa que fixou em € 99.620,64, por entender que o valor da ação corresponde ao montante da liquidação adicional do imposto mais juros compensatórios, que se pretende ver anulada e que é no valor de € 321.763,51.
Apreciando.
Na pág. 3 da sentença foi fixado o valor da causa em € 99.620,64, por se entender corresponder ao valor cuja anulação a impugnante pretendente. Valor este que foi fixado nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que à data da instauração da presente impugnação, dispunha da seguinte forma:
Artigo 97.º-A (Valor da causa)
1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:
a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;
c) Quando se impugne o acto de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;
d) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício.
2 – Nos casos não previstos nos números anteriores, o valor é fixado pelo juiz, tendo como limite máximo o valor da alçada da 1.ª instância dos tribunais judiciais.
3 - Quando haja apensação de impugnações ou execuções, o valor é o correspondente à soma dos pedidos.
Estando em causa a impugnação da liquidação de IRC do ano de 2006, o valor da impugnação deve corresponder ao montante que nessa liquidação se pretenda ver anulado. Portanto, caso se pretenda a anulação parcial de uma liquidação, o valor da impugnação não deve ser o valor total da liquidação, mas apenas o valor que dentro dessa liquidação se pretenda ver anulado.
Ora, na sentença fixou-se o valor da causa em € 99.620,64, por se entender corresponder ao valor cuja anulação a impugnante pretendente, mas sem explicar de onde resulta tal montante.
Analisado o Relatório de Inspeção, bem como a documentação junta com a Petição Inicial, não se deteta de onde ocorre o valor fixado na sentença.
Verifica-se, sim, do teor da liquidação de IRC do ano de 2006, que o montante total a pagar é de € 321.763,51 (fls. 31 do pdf da PI) e não se deteta qual seja o valor dentro deste total, que corresponda à matéria que está em causa nestes autos.
Desta forma, o valor da impugnação é fixada em € 321.763,51.
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Atenta a decisão deste recurso, mostra-se prejudicada a análise do recurso interlocutório interposto (a págs. 196 do SITAF) contra o despacho de 15/10/2012, que indeferiu a produção de prova testemunhal; que havia disso admitido com subida a final (vide despacho de 28/11/2012 – págs. 333 do SITAF).
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Atenta a fixação do valor da impugnação em € 321.763,51 e considerando o disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, verifica-se que a causa passa a ter valor superior a € 275.000,00, pelo que compete saber se pode ser dispensado o remanescente da taxa de justiça.
Tem sido entendido pela jurisprudência que a complexidade da causa ou a conduta das partes constituem fatores que devem ser atendidos para a dispensa do remanescente da taxa de justiça, mas outros fatores também podem ser relevantes para o efeito, em função do princípio da proporcionalidade, designadamente a natureza e a atividade exercida pelos sujeitos processuais, o valor dos interesses económicos em discussão ou os resultados obtidos.
Veja-se, por exemplo, o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 06/05/2016, proferido no processo n.º 03192/11.0BEPRT, cujo sumário é:
I – O artigo 6º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais concede ao juiz, oficiosamente ou a instâncias tempestiva das partes, um poder/dever de dispensar, nas causas de valor superior a 275.000,00€, o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, em função da apreciação casuística da especificidade da situação em causa, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, ou seja à falta de especial complexidade da mesma e ao comportamento processual positivo das partes, de recíproca correcção, cooperação e de boa-fé.
II – Dessa forma permite-se ao juiz adequar o valor da taxa de justiça aos custos que, em concreto, o processo consumiu ao sistema de administração de justiça, em ordem à salvaguarda, entre outros valores, dos da proporcionalidade e da justiça distributiva na responsabilização/pagamento das custas processuais.
Relativamente a este aspeto cumpre referir que a conduta das partes não foi belicosa, o processo não oferece especial complexidade, assim como pela salvaguarda do princípio da proporcionalidade, na medida em que o processo não teve especiais ou demoradas diligências, deve ser dispensado o remanescente da taxa de justiça.
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No concerne a custas, é a Recorrente a responsável pelas mesmas, ainda que o recurso tenha provimento da parte do valor da causa, na medida em que tal situação não corresponde a um pedido da causa e não contente com o mérito do recurso, onde a Recorrente acaba por ficar vencida (vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do Código de Processo Civil).
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I - Compete aos interessados (comprador ou vendedor, ou segundo os termos legais “alienantes” e “adquirentes” – vide n.º 1 do artigo 64.º do CIRC) na demonstração de que o preço efetivo da transação foi inferior ao valor patrimonial tributário, tomar a iniciativa de instaurar um procedimento administrativo próprio para, nesse procedimento, provarem o preço efetivo da transação, conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 64.º, n.º 2 e 139.º, nos. 3 e 7 do CIRC (anteriores artigos 58.º-A e 129.º).
II - Não havendo essa iniciativa, fica precludida a possibilidade de o interessado poder demonstrar a prova do preço efetivo da transação, no processo de impugnação judicial que deduza contra a liquidação de IRC.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso apenas na parte relativa à fixação do valor da causa e negar provimento ao recurso no demais, assim confirmando a sentença recorrida.
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Fixa-se à impugnação, o valor de € 321.763,51.
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Custas a cargo da Recorrente, dispensando-se o remanescente da taxa de justiça.
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Porto, 25 de janeiro de 2024.

Paulo Moura
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares