Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00467/07.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/17/2011
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Anabela Ferreira Alves Russo
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES
MAIS OU MENOS-VALIAS
GARANTIA BANCÁRIA
INDEMNIZAÇÃO
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
ART. 43º N.º 1DO CIRC
ART. 44º DO CIRC
ART. 23º, N.º 1 DO CIRC
ART. 24º DO CIRC
ART. 53º N.º 1 E 2 DA LGT
ART. 171º CPPT
ART. 661º, N.º 2 DO CPC
Sumário:I - Constituindo as prestações suplementares de capital entradas em dinheiro que podem ser realizadas pelos sócios de sociedade por quotas para reforço do património desta (para além do montante do capital social) não vencem juros e podem ser-lhes restituídas porque não se incluem no capital da sociedade, distintamente do que ocorre com os suprimentos propriamente ditos na medida em que estes constituem empréstimos efectuados pelos sócios à sociedade e, como tal, implicam para esta a obrigação de restituir.
II- As prestações suplementares de capital visam objectivos idênticos aos do aumento de capital, sem envolver o formalismo e a responsabilidade deste e daí que, tal como o aumento de capital realizado pela Impugnante foi considerado pela administração tributária na determinação do valor de aquisição, também o devem ser as referidas prestações suplementares.
III – Nos termos do disposto no art. 171º n.º 1 do CPPT e 53º da LGT, o devedor que tenha obtido a suspensão da a execução fiscal contra si instaurada através da prestação de garantia bancária (ou equivalente) tem direito a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes dessa prestação quando se venha a verificar em sede de impugnação judicial que houve erro na liquidação (suspendenda) imputável à Administração Fiscal nos termos do art. 171º, n.º 2 do CPPT, devendo tal indemnização ser solicitada na impugnação realizada pelo Executado daquela liquidação.
IV – Tendo o Executado apresentado impugnação judicial e formulado pedido de indemnização pela prestação de garantia bancária que comprovou ter prestado, foram por aquele cumpridos ou observados os requisitos, de tempo, modo e lugar de exercício do seu direito indemnizatório e estão alegados e verificados os pressupostos de reconhecimento desse direito à indemnização pela prestação daquela garantia indevida já que, não fora aquela indevida liquidação e a errada actuação dos serviços tributários, o Executado não teria sido forçado a prestar, no seu todo ou em parte, aquela garantia bancária e, consequentemente, a incorrer em despesas.
V – A falta de quantificação dos prejuízos (quantum do custo da garantia bancária) não contende, em definitivo, nesta primeira apreciação, com aquele reconhecimento impondo-se, somente, que o apuramento dos mesmos prejuízos seja realizado em momento posterior em incidente de execução de sentença.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Públia e G..., Lda
Recorrido 1:G..., Lda e Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I - A Fazenda Pública e a G… Portugal …, Lda. [de ora em diante, simplesmente denominada G…], inconformadas com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a impugnação deduzida da liquidação adicional efectuada pela administração fiscal relativa a IRC e juros respectivos e improcedente o pedido de indemnização por indevida prestação de garantia, da mesma vieram interpor recurso.
A Fazenda Pública, pugnando pela revogação da sentença na parte em que julgou procedente a impugnação, conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos:
«1. Não foram, na douta sentença recorrida, objecto de escrutínio, ponderação e valoração todas as razões vertidas, especialmente, no item 4.2.2.2. do relatório da Inspecção Tributária que, de facto e de direito, fundamentarem a não aceitação pela Administração fiscal do valor das prestações suplementares detidas pela G.. Portugal (ora impugnante) sobre a participada “G… Aveiro”.
2. Nessa medida, quanto à decisão atinente a essa questão, terá sido cometido erro de julgamento.
3. Com efeito, as prestações suplementares constituindo empréstimos de financiamento, de longo prazo, na esfera da impugnante, não integram, como custo fiscal, o “valor de aquisição”, para efeitos da determinação da menos-valia fiscal, nos termos do art°. 43°., n°.2 do CIRC.
4.Na óptica/esfera da sociedade detida/participada “G… Aveiro”, as prestações suplementares são componentes dos capitais próprios.
5.As prestações suplementares não são consideradas custos da impugnante, nos termos do art°. 23°. do CIRC como tal não integrando, por isso, o valor de aquisição das participações sociais alienadas em Dezembro de 2002.
6. No apuramento das Mais-valias ou Menos-valias fiscais, apenas releva o custo histórico de aquisição das partes de capital detidas, sem quaisquer alterações.
7. Na alienação em Dezembro de 2002 do direito a prestações suplementares prestadas por € 6.000.000,00, sem indicação do seu valor de venda, não é respeitado o conceito de Mais ou Menos-Valia, previsto no art°.43°., n°1 do CIRC quanto à onerosidade da transmissão.
8. Assim, para efeitos do cálculo das Mais ou Menos-valias fiscais, o valor de € 6.000.000,00 das prestações suplementares não integrando o valor de aquisição das partes de capital da “G… Aveiro” alienadas à “G… Palência”, em 2002, não entra na fórmula desse cálculo, como vem explicitado em 4.2.4. do relatório.» [cfr. fls. 716-717, do I volume]
A este entendimento se opõe a Recorrida G… Portugal que, conclui as suas contra-alegações defendendo que:
«A. O presente processo reporta-se a uma impugnação judicial apresentada pela G… contra uma liquidação adicional efectuada pela administração fiscal de IRC e de juros.
B. Na sentença proferida pelo Tribunal a quo foi julgada procedente a impugnação, ordenando-se a anulação da liquidação adicional efectuada pela administração fiscal de IRC e de juros.
C. O Digno Representante da Fazenda Pública não se conformou com a douta sentença, tendo apresentado recurso contra a decisão de manter as prestações suplementares de capital no custo de aquisição das participações financeiras, cuja posterior alienação deu origem a uma menos-valia fiscal.
D. Todavia, ao contrário do que sustenta o Digno Representante da Fazenda Pública, aqueles montantes fizeram efectivamente parte do custo de aquisição,
POIS,
E. as prestações suplementares de capital fazem parte do capital próprio da empresa e, no momento da sua alienação, essa rubrica do balanço é, inevitavelmente, adquirida em bloco pelo comprador e,
F. ao contrário do que defende o Digno Representante da Fazenda Pública, a transmissão dos montantes relativos às prestações suplementares de capital não depende da assinatura de um qualquer documento específico ou da atribuição de um valor individual.
G. A quantia paga pela aquisição das acções em causa inclui, naturalmente, os montantes relativos às prestações suplementares de capital.
EM SUMA:
H. Tal como doutamente decidido na sentença recorrida, o montante entregue pela G…, a título de prestações suplementares de capital, não pode deixar de se considerar como parte do custo de aquisição.
SEM PRESCINDIR,
I. A G… entende que o pagamento das dívidas dos vendedores faz parte do custo de aquisição das participações financeiras.
J. Ao contrário do que julgou o Meritíssimo Juiz a quo, a G… entregou efectivamente os montantes relativos às dívidas dos vendedores às sociedades credoras, desonerando-os dessa obrigação.
K. Este pagamento permitiu a realização do negócio e resultou de um novo entendimento acordado entre os compradores e os vendedores.
PELO QUE
L. se tratou de um custo necessário para a aquisição da TIA e da TPS, tendo sido assumido como tal na contabilidade.» [cfr. fls. 750-752].
A G…, vem defender a revogação da sentença na parte que julgou improcedente o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia e a consequente remessa da liquidação dos prejuízos sofridos para liquidação de sentença, alegando, em conclusão, que:
«A. O presente processo reporta-se a uma impugnação judicial apresentada pela G… contra uma liquidação adicional efectuada pela Administração Fiscal de IRC e de juros.
B. Além do pedido de anulação da liquidação adicional, a G… solicitou uma indemnização de acordo com o preceituado no artigo 171.º do CPPT e 53.º da LGT.
C. Na sentença proferida pelo Tribunal a quo foi julgada procedente a impugnação, sendo todavia julgado improcedente o pedido de indemnização por indevida prestação de garantia. É relativamente à improcedência do pedido de indemnização que vem o presente recurso.
D. Os artigos 171.º do CPPT e 53.º da LGT atribuem ao devedor, que para suspender a execução tenha oferecido garantia bancária ou equivalente, o direito a ser indemnizado, total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes dessa prestação, quando se verifique na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
E. O erro imputável aos serviços na liquidação do tributo verificou-se com a procedência da impugnação.
F. O pedido de indemnização por prestação indevida de garantia podendo ser requerido autonomamente, pode e deve ser requerido no processo onde se tenha questionado a legalidade da dívida exequenda, requisito esse que a G… cumpriu, pois apresentou o pedido de indemnização na petição inicial de impugnação.
G. Desse pedido resulta, inequivocamente, que a G… sofreu prejuízos resultantes da indevida prestação de garantia, que são, nada mais, nada menos, os custos suportados com a garantia prestada.
H. O que a G… não referiu no pedido de indemnização foi a quantificação desses prejuízos, pois, nesse momento, não se encontrava em condições de liquidar o valor dos prejuízos.
I. A lei, com expressão no artigo 661.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, faculta a possibilidade da liquidação dos prejuízos em execução de sentença, quando não seja possível quantificá-los no momento do pedido de indemnização.
J. Pelo exposto, o Tribunal a quo deveria ter declarado procedente o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, remetendo a liquidação dos prejuízos efectivamente suportados pela G… para execução de sentença.
K. Outro entendimento que não o exposto colidirá directamente com a norma ínsita no artigo 22.º da CRP.
Relativamente a este recurso não foram apresentadas pela Fazenda Pública contra-alegações.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta sendo que, as questões que importa apreciar - suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões - são as seguintes:
- Saber se a sentença sob recurso evidencia erro de julgamento de facto e direito por não ter ponderação e valorado todas as razões vertidas, especialmente, no item 4.2.2.2. do relatório da Inspecção Tributária que teriam determinado que o Tribunal concluísse pela validade e legalidade da não aceitação pela Administração Fiscal do valor das prestações suplementares detidas pela G… Portugal (ora impugnante) sobre a participada “G… Aveiro”;
- Saber se a sentença recorrida errou de facto e direito ao ter anulado integralmente a liquidação impugnada por, atento o único fundamento invocado, apenas se impor a sua anulação parcial;
- Saber se a sentença sob recurso evidencia erro de julgamento ao ter decidido julgar improcedente o pedido indemnizatório formulado pela G… por falta de concretização do montante indemnizatório.
II – Os Factos
2.1. A decisão recorrida considerou provada a seguinte a matéria de facto:
a) A Impugnante foi constituída em 1995 e tem por objecto a indústria, comércio e gestão de estampagens metálicas e outros derivados para o ramo automóvel e afins.
b) Entre 10 de Maio de 2006 e 6 dë Outubro de 2006, a lmpugnante foi objecto de uma acção inspectiva levada a efeitos pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo, que incidiu sobre o exercício de 2002.
c) Dessa acção inspectiva foi elaborado o Relatório cujo teor consta de fls. 46 a 92 e aqui se dá por integralmente reproduzido.
d) Na sequência da referida acção inspectiva a administração tributária procedeu a correcções de natureza meramente aritméticas da matéria tributável em sede de IRC no exercício de 2002 e que resultou da não aceitação como custo fiscal da menos-valia fiscal declarada no montante de 8.378.489,34 euros resultante da alienação de participações financeiras que detinha na sociedade “T… - Indústria de Acessórios de Automóveis, S.A.” (TIA) e T… - Produtos Siderúrgicos, S.A. (TPS).
e) Em 19 de Janeiro de 2001, foi celebrado o contrato de compra e venda de acções da TIA e da TPS, tendo a lmpugnante adquirido a totalidade do capital social das referidas sociedades, nos termos que constam do “contrato de compra e venda de acções” cujo teor consta de fls. 94 a 114 e aqui e dá por integralmente reproduzido.
f) Nos termos do contrato, a Impugnante comprometeu-se a pagar PTE 1.400.000.000$00 (6.983.170,56 euros) pelas participações financeiras em apreço.
g) Num primeiro momento, a lmpugnante entregou aos vendedores a quantia de PTE 400.000.000$00 (1.995.191,5k euros) ficando o remanescente no montante de PTE 1.000.000.000$00 para pagamento no prazo de 15 dias a contar da data de conclusão do Relatório de Auditoria definitivo.
h) Nos termos da cláusula 3.3. do referido contrato à prestação de PTE 1.000.000.000$00 seriam, deduzidas as quantias relativas a dívidas dos vendedores às sociedades do Grupo T…, que não fossem perdoadas nos termos da cláusula 6 F do aludido contrato.
i) No âmbito de uma auditoria foram apuradas dívidas dos vendedores das participações sociais às sociedades TIA e TPS nos montantes de 4.894.618,97 euros e 337.411,83 euros, respectivamente.
j) Em 27 de Dezembro de 2001 foi celebrado entre a TIA, a TPS, a Impugnante, Ap… e mulher M…, Ab… e mulher S…, An… e marido M…, T.O.L. - … Lda., o acordo denominado “Transacção” cujo teor consta de fls. 217 a 224 e aqui se dá por reproduzido.
k) A lmpugnante procedeu a uma operação de saneamento da T… através de um aumento do respectivo capital social de 25.000.000,00 euros e da realização de prestações suplementares no valor de 6.000.000,00 euros.
l) Paralelamente, a lmpugnante efectuou diversos suprimentos no valor de 5.617.564,55 euros para fazer face às necessidades de tesouraria da T….
m) Posteriormente, em 23 de Dezembro de 2002, a Impugnante alienou a participação sobre a T… à sociedade de direito espanhol G… Palencia, S.A. pelo preço de 22.460.700,00 euros, nos termos que resultam do “contrato” cuja minuta consta de fls. 268 a 280 e aqui se dá por reproduzido no seu teor.
n) Simultaneamente, a Impugnante alienou à T… a participação que detinha na TPS, pelo preço de 91.500,00 euros, no termos que constam da minuta do contrato cujo teor consta de fls. 309 a 317 e aqui se dá por reproduzido.
o) Os preços de alienação das participações sociais da Impugnante na G… Aveiro (TIA) à G… Palencia foram fixados com base no Relatório de Avaliação elaborado por uma sociedade de revisores oficiais de contas cujo teor consta de fls. 593 a 619 e aqui se dá por reproduzido.
p) Em resultado da referida alienação do capital da T… à G… Palencia, a impugnante apurou uma menos-valia fiscal no montante de 8.378.489,34 euros que inscreveu no “mapa das mais-valias e menos-valias fiscais relativo ao exercício de 2002, cujo teor consta de fls. 93 e aqui se dá por reproduzido.
q) Para apuramento dessa menos-valia fiscal, a Impugnante considerou como valor de aquisição o de 38.249.468,86 euros que resultou da soma das seguintes parcelas:
- Preço pago aos vendedores - acções TIA e TPS: 1.995.191,59 euros
- Pagamento aos advogados - negociações TIA e TPS: 22.006,46 euros;
- Dívidas dos vendedores às sociedades TIA e TPS: 5.182.151,02 euros;
- Dívida do Ap… à TIA: 49.87Õ,79 euros;
- Aumento de capital TIA: 25.000.000,00 euros;
- Aumento de capital TPS: 240,00 puros;
- Prestações suplementares TIA: 6.000.000,00 euros.
r) A este propósito escreveu-se no ReIatório de Inspecção Tributária: “Relativamente às situações constantes nas alíneas a), b), e) e f), entendemos que os respectivos montantes fazem parte do valor das aquisição das partes de capital, para efeitos de Mais ou Menos-valias fiscais. O mesmo não sucede com as situações mencionadas nas alíneas c), d) e g), pelos motivos que passamos a expor nos capítulos seguintes”.
s) Escreveu-se, de seguida, no Relatório sob a epígrafe “Dívidas dos vendedores às sociedades TIA e TPS”: “(...) O montante global das dívidas dos sócios (vendedores das acções), foi apurado numa auditoria efectuada às contas das empresas TI e TPS, cujos relatórios constituem os Anexos VI e VII, não estando, na sua quase globalidade, reconhecidas na contabilidade das referidas empresas (...). E depois, o valor das próprias dívidas, atendendo a que os critérios que subjazem ao seu apuramento são, por vezes, bastante discutíveis. Por outro lado, não compreendemos que se essas dívidas eram dívidas dos sócios, às sociedades por si detidas TIA e TPS, porque motivo a G… Portugal contabiliza o seu valor na conta 4111 aumentando o valor de aquisição das participações. (...) Com os procedimentos adoptados, a G… Portugal constrói um valor de aquisição das participações que não corresponde ao montante efectivamente pago aos vendedores empolando desta forma o valor de aquisição e, consequentemente, o valor da Menos-valia fiscal (...)“. Acresce que o valor de aquisição para efeitos de cálculo das Mais ou Menos -valias deverá, evidentemente, ser um valor documentalmente provado, não sendo esse o caso, uma vez que os documentos de suporte à contabilização destas operações se resumem a fotocópias das páginas dos relatórios de auditoria onde se encontram mencionadas as referidas dívidas dos vendedores às sociedades TIA e TPS. Face ao Exposto entendemos que o montante de 5.232.030,81 euros correspondente às dívidas dos vendedores às sociedades TIA e TPS, não constitui parte do valor de aquisição, logo, não será tido em conta no cálculo das Mais ou Menos-valias fiscais, ou seja, para efeitos de determinação do lucro tributável.
t) Mais adiante escreveu-se no Relatório, sob a epígrafe “Prestações Suplementares”:
“(...) No tocante às prestações suplementares não só não foi cumprido o disposto na cláusula 8.3 da Minuta do contrato já referida, como também não foi seguido o procedimento observado para com os suprimentos, ou seja, atribuir-lhes um valor de transmissão para a G… Palencia. (...) Assim sendo, não tendo as partes feito prova de qual o valor de transmissão do direito a prestações suplementares que estavam evidenciadas na contabilidade da G… Portugal por 6.000.000,00 euros, não pode a administração tributária substituir-se àquelas e, por isso, restará concluir que o seu valor foi €0,00. Poder-se-á, então, considerar que pela alienação das prestações suplementares a G… Portugal terá constituído uma perda extraordinária do exercício na importância de 6.000.000,00 euros. Mas, chegados aqui, necessário se torna verificar se tal alegada perda extraordinária pode configurar-se como custo fiscal do exercício. Quanto a nós, parece-nos que tal insuficiente compensação das prestações suplementares não pode gerar efeitos de dedução da correspondente perda para efeitos do lucro tributável da G… Portugal, como o não seria se tal valor tivesse revestido a natureza de subsídio ou doação à G… Aveiro ou à G… Palencia. (...) O valor de 6.000. 000, 00 de euros respeitante ao direito às prestações suplementares detidas pela G… Portugal na G… Aveiro e que em Dezembro de 2002 foi transmitido à G… Palencia não pode ser aceite como custo fiscal do exercício de 2002. Em consequência de tal circunstância e para efeitos fiscais, o valor de aquisição das participações alienadas em Dezembro de 2002 pela G… Portugal à G… Palencia deverá ser construído da seguinte forma:
- Preço pago aos vendedores iniciais: 1.995.191,59 euros
- Pagamento aos advogados: 22.006,46 euros,
- Aumento de capital (G… Aveiro): 25.000.000,00 euros;
- Aumento de capital TPS: 240,00 duros
Total: 27.0178.438,05 euros.”
u) Além de correcções ao valor de aquisição, a administração fiscal procedeu a correcções ao valor de realização.
v) Para tanto escreveu-se no Relatório de Inspecção Tributária: “(…) Sabendo-se que comprador e vendedor são empresas que fazem parte do mesmo grupo, ou seja, entre as quais existem relações especiais, consideramos ser fundamental analisar de forma detalhada esta matéria. Note-se, por exemplo, que os membros do Conselho de administração da TIA e da TPS se mantiveram na totalidade antes e após a transacção, o que traduz que o negócio não se processou entre entidades independentes. Reiteramos a nossa convicção de que o negócio, pelo menos a grande fatia que corresponde às acções da TIA, em que o adquirente é uma sociedade do mesmo grupo, não residente em território nacional, foi concretizado com o objectivo de realizar as menos-valias em momento anterior às alterações legislativas processadas pela Lei do Orçamento de Estado de 2003, principalmente a que decorre do aditamento do n° 7 do art. 23° do Código CIRC (...) O regime dos preços de transferência encontra-se regulado, à data dos factos, no a,t. 58° do CIRC (...) No que concerne aos métodos a adoptar na determinação do preço de plena concorrência, encontram-se elencados no n° 3 do art. 58° do CIRC e no n° 1 do, art. 40 da Portaria (...). Analisadas as disposições em causa e atentos os factos e circunstâncias do caso concreto e o conjunto dos elementos disponíveis, somos forçados a concluir que qualquer um dos métodos não poderá ser aplicado de forma linear e literal à situação em apreço. Porém, tal não significa que o regime não seja aplicável, pois entendemos que sim, aliás, não poderia ser de outra forma, sob pena de a norma ficar (ainda mais) vazia de conteúdo. Podemos desde logo rejeitar o método do preço de revenda minorado, o método do custo majorado e os dois métodos alternativos previstos na alínea b) n° 3, art. 58° do CIRC e na alínea b) da Portaria, pois, manifestamente, são inaplicáveis. Quanto ao preço comparável de mercado, que é no fundo o método regra, previsto na alínea a), n°3, art. 58° do CIRC e na ah a), n° 1, art. 4° e no art. 6° da Portaria, parece-nos o mais ajustado, mesmo tendo em conta a singularidade da operação. O Objectivo a atingir consistirá em encontrar o valor de mercado das acções quê, por sua vez, reflectirá o valor das empresas cujas acções foram transaccionadas. Será esse o preço que em condições normais seria praticado entre pessoas independentes, ou seja, o preço de plena concorrência (...)”.
w) Mais adiante refere-se no Relatório: “Ora, no nosso juízo, o valor da TIA – G… Aveiro em 23/12/2002, correspondente ao preço de plena concorrência que deverá ser considerado será, no mínimo, igual ao valor do custo das participa ções €27.017.438,05, ou seja, igual ao capital próprio da TIA – G… Aveiro (€24. 542.182,83), mais o equivalente a 10% do capital próprio da TPS (€187.584,54), acrescido de €2.287.670, 68”.
x) Em resultado da correcção do valor de aquisição e do valor de realização, a administração tributária considerou que o valor da menos-valia fiscal corrigida no exercício de 2002 foi de €0,00.
y) Em consequência de tal correcção, o valor do lucro tributável foi corrigido para 4.495.628,00 euros que originou a liquidação de IRC e juros compensatórios cuja demonstração consta de fls. 334 a336 e que aqui se dá por reproduzida no seu teor.
z) O prazo de pagamento voluntário da liquidação terminou em 20 de Dezembro de 2006.
aa) A presente impugnação foi apresentada em 20 de Março de 2007.
bb) Em 20 de Março de 2007, a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Vila Nova de Cerveira no âmbito da execução fiscal 23562007601000110 uma garantia bancária no montante de 2.854.44,43 euros, nos termos que constam de fls. 386 e 387 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2.2. A decisão recorrida considerou ainda que:
«Não se provou a demais matéria relevante para a decisão da causa e não referida supra, nomeadamente que a Impugnante tenha entregue à TIA e à TPS os montantes das dívidas dos anteriores accionistas referidas na alínea i) da matéria de facto provada.».
III – O Direito
Expostos em síntese os fundamentos dos recursos interpostos vejamos então as questões por este suscitadas e de que forma o probatório fixado e a relevância do mesmo na decisão jurídica prolatada reflecte, ou não, as criticas que naqueles recursos lhe vêm assacadas.
3.1. Do recurso interposto pela Fazenda Pública
No presente recurso, a Fazenda Pública apenas põe em causa dois segmentos da sentença: (i) a apreciação e decisão contida na sub-questão da «correcção ao valor de aquisição: montante das prestações suplementares de capital efectuadas pela impugnante» e (ii) a decisão de anular totalmente a liquidação impugnada e não a sua anulação parcial atento o concreto e único fundamento invocado [esta ultima parte não está vertida nas conclusões mas constitui a última alegação – art. 16º das alegações de recurso «Por outra, face ao concreto e único fundamento invocado, a liquidação impugnada, não deveria ser anlada (na totalidade), mas apenas parcialmente padecendo, assim, a douta sentença de erro de facto e direito.»
Analisemos, pois, individualmente, as questões suscitadas.
3.1.1. Erro de julgamento pela alegada não consideração na decisão sob recurso das razões vertidas, do Relatório da Inspecção Tributária.
Em defesa da revogação da decisão relativa à «correcção ao valor de aquisição: montante das prestações suplementares de capital efectuadas pela impugnante» aduz a Fazenda Pública um conjunto de alegações que, em síntese, e como pela mesma concluído, se podem reconduzir a um só argumento: se o Tribunal tivesse atendido às razões de facto e direito acolhidas no Relatório de Inspecção Tributária que sustenta a sua decisão, em especial no item 4.2.2.2., teria concluído pela validade e legalidade da não aceitação pela Administração fiscal do valor das prestações suplementares detidas pela G… Portugal (ora impugnante) sobre a participada “G… Aveiro e, em consequência, teria julgado improcedente a impugnação deduzida.
Após traçar um imprescindível «Breve enquadramento geral do problema» , a sub-questão em causa [«correcção ao valor de aquisição: montante das prestações suplementares de capital efectuadas pela impugnante], foi equacionada, apreciada e decidida na decisão sob recurso da seguinte forma:
«- Correcção ao valor de aquisição: montante das prestações suplementares de capital efectuadas pela Impugnante
Ainda no concernente ao valor de aquisição, a administração tributária procedeu a outra correcção respeitante ao montante das prestações suplementares de capital no montante de 6.000.000,00 de euros efectuadas pela Impugnante à TIA.
No entender da administração tributária, não tendo as partes feito prova de qual o valor de transmissão do direito a prestações suplementares que estavam evidenciadas na contabilidade da G… Portugal por 6.000.000,00 euros, não pode a administração tributária substituir-se àquelas e, por isso, restará concluir que o seu valor foi €0,00.
Vejamos.
As chamadas prestações suplementares de capital são entradas em dinheiro que podem ser realizadas pelos sócios de sociedade por quotas para reforço do património desta, para além do montante do capital social, não vencendo juros e podendo ser-lhes restituídas, as quais não se incluem no capital da sociedade — nestes termos, Luís Brito Correia, Direito Comercial, 20 volume, 1989, AAFDL, pág. 29 7-298.
As prestações suplementares de capital distinguem-se dos suprimentos propriamente ditos na medida em que estes constituem empréstimos efectuados pelos sócios à sociedade e, como tal, implicam para esta a obrigação de restituir, ao passo que as prestações suplementares, visam o reforço do património social podendo ou não ser restituídas — neste sentido, acórdão STJ 9 Jan. 92, processo 77834, www.dgsi.pt.
As prestações suplementares assumem o papel de um complemento do património social e não, como os suprimentos, de mero mútuo à sociedade — assim, António Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, Volume II, Das Socieddes em Especial, 2007, pág. 289.
Nesta medida, é de considerar que com transmissão das acções detidas pela Impugnante e representativas do capital da G… Aviro (TIA) para a G… Palencia foram transmitidas a esta, entre o mais, e como consta do contrato, os direitos de conteúdo patrimonial decorrentes das prestações suplementares de capital efectuadas pela Impugnante, sem que se mostre necessário prever expressamente e de modo separado um acordo de cessão de tais direitos, uma vez que eles decorrem da titularidade das participações sociais.
A Impugnante acordou com a G… Palencia em incluir no objecto das participações sociais transmitidas, expressamente, os direitos decorrentes das prestações suplementares de capital efectuadas e isso será suficiente, não sendo de exigir a celebração de um acordo complementar de cessão desses direitos.
Ora, tendo a Impugnante efectuado prestações suplementares de capital no montante de 6.000.000,00 de euros que, subsequentemente, englobou no negócio de alienação das acções da TIA e da TPS, é de considerar que tal montante deve englobar-se no valor de aquisição das referidas sociedades.
De resto, as prestações suplementares de capital visam objectivos idênticos aos do aumento de capital, sem envolver o formalismo e a responsabilidade deste e daí que, tal como o aumento de capital realizado pela Impugnante foi considerado pela administração tributária na determinação do valor de aquisição, também o devem ser as referidas prestações suplementares.
Assim, afigura-se-nos que, nesta parte, a correcção efectuada pela administração tributária não pode manter-se.».
E, efectivamente, pelas razões aduzidas pelo Tribunal a quo, não podia manter-se.
Mas, diz a Fazenda Pública, se na douta sentença recorrida tivessem sido «objecto de escrutínio, ponderação e valoração todas as razões vertidas, especialmente no item 4.2.2.2. do relatório da Inspecção Tributária» a decisão da Administração Fiscal de não aceitar o valor das prestações suplementares» teria sido acolhida pelo Tribunal.
Vejamos, pois, o que se nos oferece dizer, começando, porém, por deixar desde já claro que, apesar de referir genericamente o relatório, é no item especialmente citado, e nas razões de facto e direito aí constantes, que a Recorrente assenta a sua discórdia quanto à decisão pelo que, visto já o decidido, analisemos, então, que especiais factos ali se encontram plasmados a fim de aferirmos se, primeiro, foram ou não ponderados e, segundo, em caso negativo, se tivessem sido, teriam ditado decisão diversa.
Assim, consta daquela parte do relatório que:
“(…)
4.2.2.2. PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES
Na cláusula 8 da “Minuta de contrato de compra e venda de acções da TIA - “G… Aveiro”, que constitui o Anexo n° XVII - fls. 1 a 41, com a epígrafe “Transmissão das Acções”, estipula-se o seguinte:
“8.1. As Acções e os direitos patrimoniais inerentes são definitivamente vendidos e transmitidos para a G… Palencia na Data da Celebração.
8.2. Os direitos patrimoniais referidos no número anterior incluem nomeadamente e sem limitação:
a) direito a lucros e dividendos;
b) direito a suprimentos;
c) direito a subscrever aumentos de capita!;
d) direito a prestações suplementares ou participações, ou a contra prestações de prestações acessórias;
8.3. A vendedora assinará separadamente os documentos necessários para instrumentalizar a cessão dos direitos referidos no número anterior.”
Relativamente aos suprimentos, na cláusula 6.1. do referido contrato, consta que as partes acordaram a cessão desse crédito, pelo seu valor real à data da celebração, o qual ascendia, no dia 23/12/2002, a € 5.617.564,55, tendo o comprador (“G… Palencia”) pago à parte este montante, através de transferência bancária efectuada para a conta da “G… Portugal”.
No tocante às prestações suplementares não só não foi cumprido o disposto na cláusula 8.3. da Minuta de contrato já referida, como, também, não foi seguido o procedimento observado para com os suprimentos, ou seja, atribuir-se-lhe um valor de transmissão para a “G… Palencia”. De facto, a única referência que lhes é feita no contrato, resume-se àquela que anteriormente transcrevemos.
Assim sendo, não tendo as partes feito prova de qual o valor de transmissão do direito a prestações suplementares que estavam evidenciadas na contabilidade da “G… Portugal” por €6.000.000,00, não pode a Administração Fiscal substituir-se àquelas e, por isso, restará concluir que o seu valor foi € 0,00. Poder-se-á, então, considerar que pela alienação das “prestações suplementares” a “G… Portugal” terá constituído uma perda extraordinária do exercício na importância de €6.000.000,00. Mas, chegados aqui, necessário se torna verificar se tal alegada perda extraordinária pode configurar-se como custo fiscal do exercício. Quanto a nós, parece-nos que tal insuficiente compensação das aludidas prestações suplementares não pode gerar efeitos de dedução da correspondente perda para efeitos do lucro tributável da “G… Portugal”, como o não seria se tal valor de €6.000.000,00 tivesse revestido a natureza de subsídio ou doação à “G… Aveiro” ou à “G… Palencia”.
Vejamos:
Segundo o conceito definido no nº 1 do art° 23º do Código do IRC “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora...”
Ora, o que se verifica no caso em apreço é que aquela perda extraordinária de €6.000.000,00 nem cumpre o factor de indispensabilidade, nem está ligada à manutenção da fonte produtora.
Estando prejudicado o enquadramento da situação no conceito de custos ou perdas, importa analisar o assunto no que respeita às variações patrimoniais negativas não reflectidas nos resultados, as quais, nos termos do art° 24°, concorrem para a formação do lucro tributável. Porém, é o próprio n° 1 do art° 24° do Código do IRC que faz depender a respectiva aplicação às condições referidas para os custos ou perdas a que alude o art° 23° do mesmo Código.
Realce-se, ainda, que, tal posição sai reforçada pela excepção prevista na alínea a) do n° 1, daquele art° 24°, ao excluir do âmbito de aplicação do mesmo as variações patrimoniais negativas que “...não estejam relacionadas com a actividade do contribuinte sujeitas a IRC”, como acontece na situação em análise.
Abordando o problema por outra linha de pensamento complementar, poderemos dizer que, independentemente do critério utilizado para contabilizar as partes de capital detidas, o que releva para efeitos do apuramento das Mais-valias ou Menos-valias fiscais, aquando da sua alienação, é apenas o custo de aquisição ao valor histórico, eventualmente corrigido pela aplicação dos coeficientes de desvalorização previstos no art° 44° do Código de IRC; Tal facto implica excluir desse âmbito os montantes envolvidos nas operações em causa, sendo de referir, a este propósito, o disposto no n° 7, do art° 18° do Código do IRC.
Assim, no plano fiscal, a participação financeira deve manter-se registada pelo valor de aquisição, sem quaisquer alterações, prevalecendo este para efeitos do disposto nos artigos 43° e 44º do Código do IRC; Ou seja, o valor de aquisição, para efeitos fiscais, quer relativamente à entrada, quer à saída das participações financeiras, é o valor efectivamente dispendido com a sua aquisição.
Se quisermos, ainda, poder-se-á acrescentar que a transmissão do direito aos €6.000.000,00 das prestações suplementares sem a atribuição de qualquer valor, retira o seu enquadramento do conceito de Mais ou Menos-valia que se lhe queira associar, nos termos do n° 1 do art° 43° do Código do IRC, por não respeitar o conceito de onerosidade ou, até, sublinhar o facto das participações financeiras adquiridas em Julho de 2002 através do aumento de capital apenas terem permanecido na posse da “G… Portugal” por cerca de 5 meses, logo, por período bastante inferior ao de 1 ano referido no art° 45° do Código de IRC.
EM CONCLUSÃO
O valor de €6.000.000,00 respeitante ao direito às prestações suplementares detidas pela “G… Portugal” na “G… Aveiro” e que em Dezembro de 2002 foi transmitido à “G… Palencia” não pode ser aceite como custo fiscal do exercício de 2002.
Em consequência de tal circunstância e para efeitos fiscais, o valor de aquisição das participações alienadas em Dezembro de 2002 pela “G… Portugal” à “G… Palencia” deverá ser construído da seguinte forma:

Descritivo
Data
Valor
Preço pago aos vendedores iniciais19/01/2001
1.995.191,59
Pagamento a advogados02/03/2001
22.006,46
Aumento de capital (G… Aveiro)05/06/2002
25.000.000,00
Aumento de capital (TPS)25/06/2002
240,00
TOTAL
27.017.438,05

(…)”
Chegados aqui, uma primeira afirmação cumpre de imediato proferir e que rebate a argumentação de base da Recorrente, qual seja a de que, as razões vertidas no relatório de inspecção, mormente as constantes da parte do relatório ora transcritas foram efectivamente ponderadas pelo julgador de primeira instância, quer, porque tal resulta claramente do breve enquadramento inicial realizado no qual são apreciadas as normas e princípios jurídicos chamados à colação no ponto 4.2.2.2., quer porque, se dúvidas houvesse, tal parte do mesmo relatório foi, do ponto de vista da matéria de facto, considerado relevante para efeitos dessa apreciação e decisão, como o revela, de forma esmagadora, o facto vertido na alínea t) do probatório.
Mas, refutada esta primeira objecção, subsiste ainda aquela segunda, qual seja a de saber se foi bem valorada, ou, se preferirmos, se a subsunção jurídica daqueles factos foi bem realizada.
Cremos que a resposta continua a ser positiva.
Na verdade, pese embora o distinto entendimento professado pela Recorrente no sentido de que, não tendo, em seu entender, a Recorrida feito prova do valor de venda não foi respeitado o conceito de Mais ou Menos - Valia previsto no art. 43º, n.º 1, do CIRC quanto à onerosidade da transmissão, não lhe assiste razão.
É que encontra-se apurado nos autos, sem que a Recorrente o questione, que a lmpugnante procedeu a uma operação de saneamento da T… através de um aumento do respectivo capital social de 25.000.000,00 euros e da realização de prestações suplementares no valor de 6.000.000,00 euros [alínea K do probatório], que a Impugnante alienou a participação sobre a T… à sociedade de direito espanhol G… Palencia, S.A. pelo preço de 22.460.700,00 euros, nos termos que resultam do “contrato[alínea m dos factos apurados] e que desse contrato consta que as acções e os direitos patrimoniais inerentes são definitivamente vendidos e transmitidos para a G… Palencia na data da celebração, os quais incluem, nomeadamente e sem limitações o direito a prestações suplementares não vemos, salvo o devido respeito, como pode concluir-se, como o faz a Recorrente Fazenda, pela inexistência de prova do valor de transmissão.
E, acrescente-se, muito menos pela atribuição de um custo zero a esse valor de transmissão [«Assim sendo, não tendo as partes feito prova de qual o valor de transmissão do direito a prestações suplementares que estavam evidenciadas na contabilidade da “G… Portugal” por €6.000.000,00, não pode a Administração Fiscal substituir-se àquelas e, por isso, restará concluir que o seu valor foi € 0,00.»] depois de ter assentado teoricamente que o valor de aquisição a considerar para efeito de cálculo de menos-valias "é o valor efectivamente dispendido com a sua aquisição" e este estar apurado nos autos por via daquela venda e transmissão dos direitos patrimoniais.
Temos, pois, por seguro, que a questão em apreciação, não obstante a implícita desconsideração de facto relevante assacada à sentença, se consubstancia mais numa discordância de direito que, se legitima do ponto de vista abstracto, não tem fundamento no caso concreto.
Pelo que, improcede, nesta parte, o recurso interposto pela Fazenda Pública.
3.1.2. Erro de facto e direito imputado à sentença recorrida por nesta ter sido anulada integralmente a liquidação impugnada quando, atento o único fundamento invocado, apenas determinar a sua anulação parcial.
Defende ainda a Fazenda Pública que a sentença sob recurso deve ser revogada na parte em que decidiu anular totalmente a liquidação impugnada uma vez que, tendo a mesma impugnação apenas sido julgada procedente com o fundamento apreciado no ponto 3.1.1., tal deveria ter conduzido, tão só, à sua anulação parcial.
Adiantemos, desde já, que nesta parte lhe deve ser reconhecida inteira razão.
No entanto, ao contrário, do que vem alegado pela Recorrente, a questão não é de erro de julgamento mas de nulidade parcial da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão (cf. artigo 668º, nº 1, alínea c) do CPC).
Na verdade, ocorre nulidade da sentença quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta à que foi adoptada na decisão (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I, 2006, pág. 910).
Ora, como se pode constatar da decisão judicial em apreciação e do confronto desta com o requerimento inicial de impugnação, o Tribunal apenas acolheu a argumentação impugnativa na parte relativa à «Correcção ao valor de aquisição: montante das prestações suplementares de capital efectuadas pela Impugnante» e «Correcção ao valor de realização: preços de transferência » mas já não no que respeita à realizada «Correcção ao valor de aquisição: montante das dívidas dos anteriores accionistas (vendedores) às sociedades TIA e TPS» [cfr. sentença sob recurso, em especial, fls. 673-680 dos autos em suporte de papel].
E, sendo assim, apenas nesta parte deveria ter sido anulada a liquidação impugnada. Donde, a decisão, na medida em que julgou a impugnação totalmente procedente contradiz o julgamento de improcedência do fundamento relativo «Correcção ao valor de aquisição: montante das dívidas dos anteriores accionistas (vendedores) às sociedades TIA e TPS» e por isso incorreu na nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 668 do CPC.
Assim, sem que mais se mostre necessário apreciar ou aferir, deve ser julgado, nesta parte, procedente, o recurso interposto.
3.2. Do recurso interposto pela G… – PORTUGAL
Como resulta do ponto I supra, a G… não se conformou com o decidido pelo Tribunal a quo na parte em que foi julgado improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.
E, como também já referido, mas que agora por comodidade de apreciação se repete, esse inconformismo assenta no facto de, tendo apenas ficado por quantificar os prejuízos sofridos, impor-se-ia ao Tribunal que tivesse julgado procedente o pedido indemnizatório formulado e remetesse para liquidação em execução de sentença o apuramento dos concretos prejuízos sofridos.
Neste segmento decisório, e para julgar improcedente o pedido de indemnização formulado, o Tribunal pronunciou-se nos seguintes termos:
«- Do pedido de indemnização pela prestação indevida de garantia
Finalmente, quanto ao pedido de indemnização pelos prejuízos decorrentes da prestação de garantia indevida, afigura-se-nos que o mesmo não poderá proceder.
É certo que, nos termos do art. 53º n° 1 e 2 da LGT, o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente tem direito a ser indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação.
Por outro lado, nos termos do art. 171° do CPPT, a indemnização pela prestação indevida de garantia deverá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.
Sucede, no entanto e como bem se compreende, que pressuposto da atribuição de uma indemnização é a existência de prejuízos pois sem estes aquela não fará sentido e traduzir-se-á num enriquecimento indevido.
Os prejuízos resultantes da prestação indevida de garantia terão de ser alegados e provados, nos termos gerais por isso que constituem factos constitutivos do direito à indemnização — cfr. art. 342° n° 1 do Código Civil.
Ora, no caso vertente, a Impugnante não alegou nem consequentemente provou ter sofrido prejuízos em resultado da prestação indevida da garantia.
Improcederá, portanto, o pedido de indemnização formulado pela Impugnante.».
Parece-nos, porém, que esta decisão não é a mais acertada.
Na verdade, e como resulta do disposto no art. 171º n.º 1 do CPPT e 53º da LGT, o devedor que tenha obtido a suspensão da a execução fiscal contra si instaurada através da prestação de garantia bancária (ou equivalente) tem direito a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes dessa prestação quando se venha a verificar em sede de impugnação judicial que houve erro na liquidação (suspendenda) imputável à Administração Fiscal.
Acresce que, nos termos do art. 171º, n.º 2 do CPPT, a indemnização deve ser solicitada, para o que ora releva, na impugnação realizada pelo Executado daquela liquidação.
Ora, conforme resulta dos factos apurados, o Executado apresentou a presente impugnação a 20 de Março de 2007, data em que apresentou no Serviço de Finanças de Vila Nova de Cerveira no âmbito da execução fiscal 23562007601000110 uma garantia bancária no montante de 2.854.44,43 euros [cfr. factualidade vertida no probatório em aa) e bb) – vide, ponto II supra].
E, como também resulta da sentença em recurso, ficou demonstrado e decidido que a liquidação, parcialmente, se encontrava realizada de forma ilegal pela Administração Fiscal.
Ou seja, foram, pelo Executado/Impugnante cumpridos ou observados os requisitos, de tempo, modo e lugar de exercício do seu direito indemnizatório e estão alegados e verificados os pressupostos de reconhecimento desse direito à indemnização pela prestação de garantia indevida já que, não fora aquela indevida liquidação e errada actuação dos serviços o Executado não teria sido forçado a prestar, no seu todo ou em parte, aquela garantia bancária e, consequentemente, a incorrer em despesas.
Donde, o Tribunal a quo não podia ter deixado de declarar como reconhecido esse direito indemnizatório.
Questão distinta é a da quantificação desse prejuízo, que, como bem se refere na sentença, a Executada não concretizou.
Porém, e como é sabido, essa falta de concretização não contende, em definitivo, nesta primeira apreciação, com aquele reconhecimento e imporá somente que o apuramento dos mesmos prejuízos seja realizado em momento posterior.
De facto, não tendo ficado provado o “quantum” do custo da garantia bancária prestada e suportado pela Impugnante, a questão que se coloca não é da concessão ou não de indemnização mas a de saber se a Administração deve ser condenada no montante que se vier a liquidar ou se, pelo contrário, o valor desse prejuízo deve ser já fixado com recurso a juízos de equidade nos termos do nº 3 do art. 566º do Código Civil.
No que respeita a danos patrimoniais, a aplicação do regime prescrito nesse preceito legal envolve, desde logo, conforme se pode ler no Ac. do STJ, de 28-10-2010, proc. nº 272/06, cuja doutrina acompanhamos, a questão de saber se a indefinição factual acerca do real valor do dano sofrido é susceptível de suprimento através de uma ponderação equitativa; é que (…) o apelo à equidade é, neste caso, puramente complementar e acessório da aplicação da teoria da diferença, pressupondo que o «núcleo essencial» do dano está suficientemente concretizado e processualmente demonstrado e quantificado – não devendo o juízo equitativo representar um verdadeiro e arbitrário «salto no desconhecido», dado perante matéria factual de contornos manifestamente insuficientes e indeterminados.
A previsão contida no referido preceito legal supõe, na verdade, o preenchimento de duas condições ou requisitos: não estar determinado apenas o «valor exacto» do dano mas terem sido provados «limites», máximo e mínimo, para esse dano (…). (…) é que, se essa base consistente não existir no processo, a solução legalmente imposta é o proferimento de condenação genérica, relegando-se para ulterior tramitação incidental a concretização do montante exacto e preciso dos danos, por ser de supor que a remoção da situação de dúvida sobre o valor de tal tipo de danos possa razoavelmente ser ainda suprida por uma ulterior actividade probatória, sujeita, aliás, a um particular reforço do inquisitório ( cfr. art. 380º, nº4, do CPC)”- (vide, no mesmo sentido, por ex., Acs do STA 1-01-2001, proc. 39011 e de 29-04-2004, proc. nº 1883/02).
Revertendo ao caso “sub judice”, constata-se que, da factualidade apurada, embora as Autoras tenham logrado provar a existência do dano, não provaram o alegado valor do mesmo, como também não provaram, de forma minimamente consistente, quaisquer limites - máximo ou mínimo - do seu valor, ou outros elementos, que pudessem servir de base à formulação, pelo Tribunal, de um juízo complementar de equidade, não possibilitando, desse modo, a fixação, com recurso ao nº 3 do art. 566º do C.C., de um montante compensatório por esse custo, mesmo considerando que, em principio esse limite máximo estará fixado legalmente por força do estipulado no art. 53º n.º 3 da LGT [o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios previstos na LGT].
Portanto, por neste concreto circunstancialismo não haver elementos factuais suficientemente consistentes para quantificar a indemnização devida pelo custo decorrente da prestação da garanta bancária, não se mostra adequado o imediato apelo à equidade.
Acresce que, como já apreciado, a liquidação não devia ter sido totalmente anulada, por não serem procedentes todos os fundamentos deduzidos pela Impugnante sendo que, cumprirá sempre averiguar, em incidente de liquidação, quais os efectivos prejuízos sofridos já que, pelo menos parcialmente, e se o impugnante pretendia suspender a execução fiscal, aquela garantia bancária (ou equivalente) sempre teria que ter sido prestada.
Por isto e considerando que a aplicabilidade do nº 2 do art. 661º do CPC, ao permitir que o Tribunal condene no que se liquidar em execução de sentença, não depende de ter sido formulado um pedido genérico, mas apenas da falta de elementos para fixar o objecto ou a quantidade do pedido, entende-se que é de proferir, ao abrigo daquela disposição legal, uma condenação genérica, relegando-se para execução de sentença a liquidação do dano consubstanciado no custo decorrente da necessidade de prestação de garantia bancária.
IV – DECISÃO
Assim, pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
A) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e, em consequência:
aa) Anular a sentença recorrida na parte em que a anulação da liquidação impugnada abrangeu a parte desta influenciada pela «Correcção ao valor de aquisição: montante das dívidas dos anteriores accionistas (vendedores) às sociedades TIA e TPS»;
bb) No mais e na parte em que conheceu da impugnação judicial, manter a sentença recorrida.
B) Conceder provimento ao recurso interposto pela G… – PORTUGAL e, em consequência:
aa) Revogar a decisão recorrida que julgou improcedente o pedido de indemnização por indevida prestação de garantia;
bb) Em substituição, julgar o pedido de indemnização por garantia indevida formulado pela G… – Portugal procedente na proporção da anulação da liquidação do imposto e condenar a Fazenda Pública a pagar a quantia indemnizatória do dano consubstanciado no custo decorrente da necessidade de prestação de garantia bancária que em, execução de sentença, vier a ser liquidada.
As custas relativas ao recurso da Fazenda Pública serão suportadas por esta e pela Recorrida, no que vão condenadas, na proporção do respectivo decaimento.
Sem custas o recurso da G… PORTUGAL – …, Lda
Porto, 17 de Novembro de 2011
Ass. Anabela Russo
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos