Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01519/23.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/22/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR; PENA EXPULSIVA;
SUSPENSÃO DA EFICÁCIA;
ARTIGO 120º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
Sumário:
É de suspender a eficácia do despacho punitivo emitido pelo Chefe de Estado-Maior da Força Aérea que decretou a pena de cessação compulsiva do contrato de trabalho de um militar, e de determinar a reintegração urgente do Requerente no seu posto de trabalho se não se encontra sequer indiciariamente provada a factualidade que serviu de base ao acto punitivo, para além de se verificar a possibilidade de criação de um facto consumado e, na ponderação de interesses, claramente é de prevalecer a defesa dos interesses do requerente, tendo em conta o disposto no artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar para Abstenção duma Conduta (CPTA) - Recurso jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

«AA» veio requerer contra o Estado Maior da Força Aérea a SUSPENSÃO DA EFICÁCIA do despacho punitivo emitido pelo Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, de 18.03.2023, com a máxima urgência, que decretou a pena de cessação compulsiva do seu contrato de trabalho proferido no processo disciplinar comum n.° 007/2022/AM1/002/D, do Aeródromo de ... n.° 1, assim como a reintegração urgente do Requerente no seu posto de trabalho.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão punitiva é excessiva e desproporcionada, não se tendo levado em conta circunstâncias concretas que afastariam tal pena se tivesse sido consideradas, pelo que se verifica o requisito “fumus boni iuris” , acarretará prejuízos graves e irreversíveis para o Requerente pelo que também se verifica o requisito “periculum in mora” e, finalmente, na ponderação de interesses devem prevalecer os interesses do Requerente dado que não se verifica o perigo de lesão irreversível de qualquer interesse público; pelo que se devem considerar verificados todos os requisitos para a concessão, no caso concreto, das providências requeridas.

O Requerido deduziu oposição defendendo a improcedência da providência.

O Ministério Público não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir, em Tribunal Singular, já que nada a tal obsta e o presente processo cautelar não revela especial complexidade ou importância que justifique a intervenção da Conferência – artigo 27º, n. º1, do h), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
*

II –Matéria de facto.

No processo judicial não cabe fazer nova prova dos pressupostos de facto da decisão punitiva, tomada em processo administrativo disciplinar, fazendo tábua rasa e inutilizando toda a prova produzida em processo administrativo, pela simples interposição de uma impugnação judicial, sob pena de violação do princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.

Cabe apenas apreciar se foi feita toda a prova requerida que fosse pertinente e se, tratando-se aqui de uma providência cautelar, os factos que serviram de fundamento à decisão recorrida se podem considerar indiciados face à prova produzida no procedimento disciplinar.

Entendimento que não viola o princípio da igualdade das partes e o direito à tutela jurisdicional efectiva.

Ao demandado ou requerido cabe demonstrar, neste caso de forma perfunctória, que dos elementos de prova recolhidos no procedimento administrativo se podem extrair os factos que serviram de fundamento à decisão punitiva. Ao autor ou requerente cabe abalar a firmeza dessa tese, em termos de se concluir ser provável que se venha a demonstrar no processo principal existir erro nos pressupostos de facto da decisão punitiva. As partes estão em posição de igualdade.

O direito à tutela jurisdicional torna-se efectivo de formas distintas, nos conflitos jurídico-privados e nos conflitos jurídico-administrativos.

Precisamente por isso é que (ainda) existe um Código de Processo Civil e um Código de Processo nos Tribunas Administrativos e Fiscais e embora aquele se aplique subsidiariamente não se aplica indistintamente um ou outro consoante a vontade do julgador – artigo 1º deste último diploma.

Olhando para a prova produzida no processo disciplinar do caso concreto verifica-se, adianta-se, que não estão indiciados os factos essenciais que poderiam justificar o acto punitivo suspendendo aplicado ao Requerente.

Desde logo não se imputa em concreto ao Requerente, mas a “um dos militares” arguidos, que tenha instado os militares lesados a saltarem de um telhado com 4,15 metros de altura, os tenha encapuzado com sacos de lixo e manietado ou que os tenha obrigado a executar treino físico, como abdominais, flexões e pulos de gato e lhes tenha desferido uma cabeçada a cada um dos militares.

Apenas se refere, de forma conclusiva, na oposição aqui apresentada que os militares em adaptação ao serviço estavam sob a tutela do Requerente e no processo disciplinar refere-se, no enquadramento jurídico que o Requerente, tal como o s demais arguidos, violou o dever de cumpriram o dever especial de tutela, nos termos do artigo 15.° do RDM.

Mas nenhum dos depoimentos prestado no processo disciplinar corroboram estes factos relativamente ao Requerente.

Importa reter, desde logo, que a participação que deu lugar ao procedimento disciplinar apenas refere, como eventuais autores das infracções, os militares «BB» e «CC» apesar de, sem explicitação dos motivos, se tenha mandado instaurar processo disciplinar ao militares “«DD», «AA», «BB» e «CC»” – ver cabeçalho e alínea i. do ponto 4 da participação a fls. 4 e 5 do processo disciplinar apenso.

Na participação não aparece o nome do Requerente.

E, pelo contrário, pela prova produzida no decurso do processo disciplinar mostra-se mais plausível a versão apresentada pelo Requerido na sua defesa.

Tal como aqui sustentou na sua petição inicial.

Quanto ao consumo de álcool:

O militar «EE», um dos lesados, declarou que “não foram obrigados a beber, estando os cabos mais antigos a fazer perguntas acerca da unidade... quando erravam algumas perguntas os elementos mais antigos solicitavam a realização de benefício físico... não tendo, contudo, um tom intimidatório para com estes”, sendo que, tudo aconteceu quando “o CADJ/PA «DD» e o CADJ/PA «AA» já não se encontravam presentes” (fls. 19 do processo instrutor).

O militar «FF» declarou que ficaram a beber cerveja “à exceção do CADJ/PA «DD», o CADJ/PA «AA» e o 1CAB/PA «GG»”. Mais declarou que as cervejas eram “para ele e para o 2CAB/PA «EE» e para o CADJ/PA «BB» e CADJ/PA «CC», únicos elementos que ingeriram bebidas alcoólicas” (fls. 13 do processo instrutor).

A testemunha «GG», militar ali presente declarou que só teve contacto com as vítimas “após a hora de jantar na sala de praças na companhia do CADJ/PA «BB» e CADJ/PA «CC»” (fls. 24 do processo instrutor).

O militar «EE», acrescentou ainda ter sido “ele e o 2CAB/PA «FF»” a levar as cervejas (fls. 29 do processo instrutor).

No que diz respeito à subida ao telhado:

Um dos militares lesados, «EE», questionado referiu que antes de saltarem, ficaram no chão a olhar para eles os militares «BB», «CC» e «GG», depois de darem “a ideia de subir para o telhado”, sendo que, só após saltarem do telhado regressou a viatura da ronda com os militares «DD» e «AA» (fls. 21 do processo instrutor).

Nas declarações do militar lesado «FF», o mesmo disse que “foram coagidos a subir ao telhado da sala de praças pelo CADJ/PA «CC» e CADJ/PA «BB»” e que depois de terem saltado ora Requerente lhes “foi dizer para terem calma e respirarem normalmente, mostrando preocupação com os mesmos” (fls. 14 do processo instrutor).

Em segundas declarações o militar «EE» reiterou que o Requerente “falou com eles de seguida reconfortando-os (...) dizendo ao 2CAB/PA «EE» e 2 CAB/PA «FF» para se não quisessem fazer mais nada para dizerem” (fls. 30 do processo instrutor).

Quanto ao “encapuzamento”:

Declarou o militar «EE» “...que foi encapuzado com um saco na cabeça pelo CADJ/PA «BB», tendo sido imobilizado como se estivesse algemado, sem a ocorrência de qualquer tipo de agressão... foram levados para a carrinha juntamente com o 2CAB/PA «AA», ambos encapuzados, e foram colocados na mala da carrinha da ronda (...) informou que ao chegarem ao portão sul a carrinha juntamente com o CADJ/PA «DD» e CADJ/PA «AA» foram embora...” (fls. 21 do processo instrutor).

Outro militar lesado, «FF», disse a este propósito “... que foi levado pelo CADJ/PA «CC» para a parte de trás da carrinha (...) questionado sobre quem estava presente na altura em que lhes colocaram o saco na cabeça, não consegue precisar quem estava presente uma vez que estavam de costas.” (fls. 36 do processo instrutor).

Também a testemunha «GG» declarou que “o pessoal da ronda CADJ/PA «DD» e CADJ/PA «AA», os transportaram para o portão sul, tendo sido levados na parte de trás da carrinha o 1CAB/PA «GG», 2CAB/PA «AA» e 2CAB/PA «EE» (...) ao chegarem ao portão sul a carrinha veio embora, assim como os militares de serviço...” (fls. 26 do processo instrutor).

Finalmente, quando ao transporte do álcool o militar «GG» declarou que foi ele e o lesado «EE» que “levaram as cervejas na carrinha para o portão sul” (fls. 21 do processo instrutor).

Deveremos assim, da documentação junta aos autos, cuja genuinidade e autenticidade não foi posta em causa, e da posição das partes, considerar indiciariamente provados os seguintes factos, com relevo para a decisão do presente processo cautelar:

1. Em 26.06.2017, o Requerente celebrou com o Requerido um contrato individual de trabalho, de acordo com o estabelecido no Despacho n.º ...16 do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, para exercer funções correspondentes à especialidade de Polícia Aérea (Sargentos/Praças) da categoria de Praças da Força Aérea Portuguesa, com início de vigência a 26.06.2017 – cf. contrato junto por fotocópia como documento n.º ... do articulado inicial e se dá por integralmente reproduzido.

2. Em 11.08.2022 o Capitão «HH» do Aeródromo de ... n.º 1 (AM1) participou disciplinarmente do requerente e de outros três camaradas, alegando que os mesmos tinham exercido comportamentos abusivos contra dois camaradas recém-chegados da mesma especialidade – cf. documento ... do articulado inicial e se dá por integralmente reproduzido.

3. Nesta sequência foi instaurado o processo disciplinar n°. ...02... – cf. processo disciplinar apenso.

4. Com a data de 21.2022 foi deduzida acusação contra o ora Requerente, tendo este sido notificado para apresentar defesa – ver processo instrutor.

5. O ora Requerente apresentou defesa negando a prática dos factos que lhe eram imputados - ver processo instrutor.

6. Foi elaborado relatório final e proferido o despacho ora suspendendo, do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, de 18.04.2023, do qual se extrai o seguinte:

(…)

1. Concordo com o Relatório e Conclusões do Oficial Instrutor e com o Despacho do Comandante do Aeródromo de ... n.° 1 (AM1) (fis. 262 a 278 e 281 dos autos, respetivamente), cujo teor aqui se dá por reproduzido e para todos os efeitos
se consideram partes integrantes do presente Despacho, e dou por provados os factos ali descritos.

2. Os Arguidos, CADJ/PA1140150-F «DD», CADI/PAJ140635-D «AA», CADJ/PA/140931-L «CC» e CADJ/PA1140935-C «BB», são militares em regime de contrato, da especialidade de Polícia Aérea (PA), estando colocados no AM1, onde desempenham funções de Operador Tático na respetiva Esquadra de Proteção e Segurança (fis. 40 a 51V dos autos).

3. Na noite do dia 08 de agosto de 2022 e na madrugada do dia seguinte, CADJ/PA «DD» e o CADJ/PA «AA» encontravam-se de serviço no Centro Coordenador de Segurança e Defesa (CCSD) do AM1 e o CADJ/PA «CC» e o CADJ/PA «BB», embora presentes no AM1, encontravam-se a gozar folga de serviço.

4. No referido período temporal, os Arguidos, de forma concertada, utilizaram indevidamente uma viatura de serviço e promoveram diversos comportamentos que perturbaram e constrangeram o 2CAB/PA... «EE» e o 2CABIPAJ... «FF», coagindo-os a cumprirem ordens ilegítimas sem relação com o serviço, sem se preocuparem com os efeitos para a sua dignidade, liberdade e integridade física e psíquica.

5. Ao agirem desta forma os Arguidos tinham por finalidade o seu próprio divertimento, condicionar física e psicologicamente o 2CAB/PA «EE» e o 2CAB/PA «FF», diminuindo a sua autoestima e a sua dignidade enquanto pessoas.

6. Da prova, essencialmente testemunhal, produzida durante a instrução do presente processo, resulta que os Arguidos adotaram comportamentos suscetíveis de censura disciplinar. Consequentemente, em 21 de outubro de 2022 foram deduzidas acusações a todos os Arguidos e concedido o prazo de dez dias úteis para apresentação de defesas.

7. Os Arguidos CADJ/PA «DD» e CADJJPA «AA» apresentaram Defesas escritas, utilizando os mesmos argumentos, nas quais, em suma,
declaram que não concordam “...em absoluto dos factos que lhe (s) são imputados na acusação...”, não aceitando “.. . a culpabilidade que lhe (s) é atribuída neste processo...”.

8. Para o efeito, os Arguidos acima referidos, muito embora reconheçam que
transportaram o CADJ/PA «CC», o CADJ/PA «BB», o 1 CAB/PA «GG», o 2CAB/PA «EE» e o 2CAB/PA «FF» na viatura de serviço até à zona do portão sul da Unidade e que estes, previamente, haviam consumido cervejas “mini”», alegam que não se aperceberam “...se estava alguém encapuzado...” e que não tinham “… conhecimento na altura de que a viatura transportava cervejas...”.

9. Em conclusão, os mencionados Arguidos vêm “...refutar que tenha (m) participado em actos considerados praxantes, violadores dos direitos de personalidade dos ofendidos (..) quer enquanto pessoas, quer como militares...”, requerendo ao senhor comandante do AM1 que os mande “... despronunciar de qualquer punição disciplinar e que ordene o arquivamento destes autos...

10. Os Arguidos CADJ/PA «CC» e o CADJ/PA «BB» constituíram
mandatária e apresentaram Defesa escrita, na qual, em suma, alegam “... que não há nexo de causalidade entre os factos acusados e as normas que na acusação se alegam terem sido violadas, não havendo igualmente argumentação sustentada na prova carreada para o processo disciplinar”.

11. Para o efeito, os Arguidos acima referidos, muito embora reconheçam que:

a) “. . . estiveram todos reunidos na cafrtaria após jantar...” na qual houve “... ingestão de cervejas...”, mas alegam que “...a ingestão das cervejas foi um acto voluntário de cada um...”;

b) o CADJ/PA «CC» tenha colocado o “...desafio...” ao 2CAB/PA «EE» e ao 2CAB/PA «FF» de subirem e saltarem do telhado melhor descrito nos autos, mesmo depois de terem ingerido “...várias minis de cervejas... “, mas alegam que o CADJJPA «CC» apenas colocou o “...desafio...” ao 2CAB/PA «EE» e ao 2CAB/PA «FF» de subirem ao telhado, pelo que a “...subida ao telhado, não foi ordenada; não foi exigida, não foi imposta por ninguém às vítimas que o fizeram de livre vontade” e que a “.,.opção do salto pelas vítimas foi tomada voluntariamente, sem que ninguém as forçasse a tal”;

c) o 2CAB/PA «EE» e o 2CAB/PA «FF» efetuaram “...benefícios físicos. ... “, mas alegam que os mesmos “...eram igualmente feitos pelos demais...”;

d) procederam à “...colocação de sacos pretos de lixo na cabeça...” do 2CAB/PA «EE» e do 2CAB/PA «FF», mas alegam que a colocação dos sacos pretos de lixo nas cabeças dos visados “… foi outra brincadeira... “, com o intuito de “...discernir a capacidade de localização das vítimas...

e) na zona junto ao portão sul, tenham bebido “...mais umas minis que tinham levado na viatura...” e tenham feito “...mais benefícios físicos... “, mas repetem o argumento que eles próprios os acompanharam nessas ações.

12. Em conclusão, os mencionados Arguidos vêm lamentar o sucedido, alegando que tudo “. . . não passou de momentos de convívio e brincadeiras, que porventura, algumas delas possam recomendar-se a sua não prática, não pode todavia ser transformado num episódio reprobatório absolutamente intolerável...”, defendendo que «.. . não mais do que a aplicação da sanção da “repreensão” será razoável no caso dos autos».

13. No entanto, da referida matéria instrutória resulta claramente provado que os Arguidos, de forma concertada, utilizaram indevidamente uma viatura de serviço e promoveram diversos comportamentos que perturbaram e constrangeram o 2CAB1PA «EE» e o 2CAB/PA «FF», coagindo-os a cumprirem ordens ilegítimas sem qualquer relação com o serviço, sem se preocuparem com os efeitos para a respetiva dignidade, liberdade e integridade física e psíquica, o que configura a violação de diversos deveres militares.

14. Com as suas condutas, todos os Arguidos não cumpriram o dever geral, previsto no artigo 11.º, n.° 1, do RDM, em virtude de não terem pautado os seus comportamentos pelos princípios da ética e da honra, assegurando a dignidade da pessoa humana e a condição militar.

15. Consequentemente, os Arguidos não conformaram os seus atos pela obrigação de guardar e fazer guardar a Constituição e a Lei, em especial, o disposto no Memorando n.° 13/03 do CEMFA, de 26 de março de 2003 e no Despacho n.° ...20 do CEMFA, de 28 de fevereiro de 2020.

16. Ao intimarem os referidos militares a ingerirem bebidas alcoólicas, a subirem e a saltarem do telhado da sala de praças, com cerca de 4,15m de altura, e a praticarem atividades físicas sem qualquer relação com o serviço, os Arguidos colocaram em Causa a dignidade, a liberdade e a integridade física e psíquica do 2CAB/PA «FF» e o 2CAB/PA «EE».

17. Na mesma linha, é de sublinhar, ainda, o facto de os Arguidos terem encapuzado os mencionados militares com sacos de plástico, os terem colocado na bagageira da viatura de serviço e os terem transportado para uma zona remota, isolada e sem iluminação junto ao portão sul da Unidade, procurando maior privacidade para a continuidade da prática das ações ilícitas aqui descritas

18. Com as suas condutas, os Arguidos CADJIPA «DD» e CADJIPA «AA» não cumpriram o dever geral que, nos termos do artigo ll.°, n.° 1, do RDM, incumbe aos militares, devendo pautar o seu comportamento à Lei, nomeadamente o disposto no parágrafo 330 do RFA 422-1(B), alíneas a) e 1), uma vez que utilizaram indevidamente a viatura que lhes foi atribuída para fins estranhos ao serviço, em concreto, o transporte de bebidas alcoólicas e de militares que não se encontravam de serviço, na respetiva bagageira.

19. Com as suas condutas, os Arguidos CADJIPA «BB» e CADJ/PA «CC» não cumpriram o dever especial de autoridade, nos termos do artigo 13.°, n.° 1 e n.° 2, alínea e), do RDM, uma vez que abusaram da autoridade inerente ao seu posto e função ao intimarem o 2CABIPA «FF» e o 2CAB/PA «EE» a ingerirem bebidas alcoólicas e a realizarem, em vários momentos, atividades físicas sem qualquer relação com o serviço.

20. Do mesmo modo, ao encapuzarem os mencionados militares com sacos de plástico e os transportarem para uma zona remota e isolada da Unidade, provocaram um claro prejuízo para a dignidade, coesão e segurança militares e puseram em risco a integridade física dos referidos militares.

21. Com as suas condutas, os Arguidos CADJ/PA «DD» e CADJ/PA «AA» não cumpriram o dever especial de autoridade, nos termos do artigo 13.°, n° 1 e n° 2, alínea e), do RDM, uma vez que abusaram da autoridade inerente ao seu posto e função, não promovendo a coesão e a segurança, em virtude de terem transportado o 2CAB/PA «FF» e o 2CAB/PA «EE» na bagageira da viatura de serviço, encapuzados com sacos de plástico, durante o desempenho das suas funções.

22. Com as suas condutas, todos os Arguidos não cumpriram o dever especial de tutela, nos termos do artigo 15.° do RDM, não zelando pelos interesses dos subordinados, na medida em que o 2CABIPA «FF» e o 2CAB/PA «EE», devido às atividades ilícitas promovidas pelos Arguidos, não usufruíram do devido descanso, pois iniciaram nova adaptação ao serviço no dia seguinte, pelas 09H00.

23. Além do exposto, todos os Arguidos colocaram ainda em causa a liberdade e a dignidade dos referidos militares quando intimados a executar atividades físicas sem qualquer relação com o serviço, encapuzados com sacos de plástico, colocados na bagageira da viatura de serviço e transportados para uma zona remota, isolada e sem iluminação junto ao portão sul da Unidade, procurando maior privacidade para a
continuidade da prática das ações ilícitas aqui descritas.

24. Com as suas condutas, os Arguidos CADJIPA «BB» e CAtDJ/PA «CC» não cumpriram o dever especial de tutela, nos termos do artigo 15.0 do RDM, não zelando pelos interesses dos subordinados, na medida em que colocaram em causa a integridade física do 2CAB/PA «FF» e do 2CAB/PA «EE» ao levarem a que os mesmos subissem e posteriormente saltassem do telhado, com cerca de 4,15m, sabendo que os mesmos estavam sob o efeito do álcool.

25. Com as suas condutas, os Arguidos CADJ/PA «DD» e o CADJ/PA «AA» não cumpriram o dever especial de zelo, nos termos do artigo 17.0, n.° 2, a alínea b), uma vez que utilizaram indevidamente a viatura que lhes foi atribuída para fins estranhos ao serviço, em concreto, o transporte de bebidas alcoólicas e de militares que não se encontravam de serviço, na respetiva bagageira.

26. Com as suas condutas, os Arguidos CADJ/PA «BB» e CADJ/PA «CC» não cumpriram o dever especial de camaradagem, nos termos do artigo 18.°, n.° 1 e n.° 2, do RDM, uma vez que todo o conjunto de atividades às quais o 2CAB/PA «FF» e o 2CAB/PA «EE» foram sujeitos pelos Arguidos, não privilegiaram a coesão, a solidariedade e a boa convivência entre os militares, nem garantiram uma relação correta entre camaradas, no sentido de cultivar a harmonia e o espírito de corpo nas Forças Armadas, tendo-os levado, a contrario, a ficarem psicologicamente afetados pelo clima indigno e de humilhação criado pelos Arguidos.

27. Em concreto, os Arguidos intimaram os referidos militares, nomeadamente, a ingerirem bebidas alcoólicas e a praticarem diversas atividades, sem qualquer relação com o serviço, que puseram em risco a respetiva integridade física e que, em consequência da sua duração, os privaram de horas de sono importantes para um descanso apropriado. 2g• Com as suas condutas, os Arguidos CADJ/PA «DD» e o CADJ/PA «AA» não cumpriram o dever especial de camaradagem, nos termos do artigo 18.°, n.° 1 e n.° 2, do RDM, tendo transportado o 2CAB/PA «FF» e o 2CAB/PA «EE» na bagageira da viatura de serviço, encapuzados, até a zona do portão sul da Unidade, zona remota e sem iluminação, tendo-os deixado lá apeados com os restantes Arguidos, não intervindo nem tentando cessar imediatamente as atividades ilícitas aqui descritas e tendo transportado as bebidas alcoólicas na viatura de serviço para posterior consumo na zona do portão sul.

29. Com as suas condutas, todos os Arguidos não cumpriram com o dever especial de correção, nos termos do artigo 23.°, n.° 1 e n.° 2, alínea a), do RDM, por não apresentarem um tratamento respeitoso e digno para com o 2CAB/PA «FF» e o 2CAB/PA «EE», uma vez que os encapuzaram com sacos de plástico e os sujeitaram a atividades físicas sem qualquer relação com o serviço, sem que houvesse justificação para tal, sendo todas estas ações, comportamentos e tratamentos contrários ao brio e ao decoro militar.

30. Enquanto militares, os Arguidos têm o dever de coadunar as suas condutas com os valores militares fundamentais como a hierarquia, a coesão, a disciplina e a obediência à Lei.

31. Não obstante, os Arguidos praticaram factos típicos e ilícitos, violando deveres essenciais e inerentes à condição de militar, denotando falta de compromisso com os valores e virtudes militares.

32. Assim, os Arguidos agiram de forma consciente, livre e voluntária com intenção de praticar atos suscetíveis de humilhar, condicionar física e psicologicamente o 2CAB/PA «FF» e o 2CAB/PA «EE», abusando da sua autoridade e extravasando as funções e necessidades de serviço, atuando por isso com dolo direto, bem sabendo da ilicitude das suas condutas.

33. No quadro da apreciação disciplinar dos Arguidos, é considerada circunstância atenuante, a referida no artigo 41.0, alínea d), do RDM, uma vez que se encontra reunido o pressuposto de comportamento exemplar, tendo decorrido cinco anos de serviço efetivo, sem qualquer punição disciplinar, tal como referido no artigo 29.° do RDM.

34. No quadro da apreciação disciplinar dos Arguidos, são consideradas agravantes, as referidas no artigo 40.°, n.° 1, alíneas d), e) e i), do RDM, por terem cometido inflações na presença de outros militares, especialmente inferiores hierárquicos, concretamente, o 1 CABRA «GG», o 2CAB/PA «FF» e o 2CAB/PA «EE»; por ter havido concurso com outros indivíduos para a prática da infração, uma vez que todos os Arguidos tiveram envolvimento direto em todas as acções cometidas e melhor descritas superiormente; e, ainda, em virtude da acumulação de infrações, uma vez que todos os Arguidos, na noite do dia 08 de agosto de 2022 e na madrugada do dia seguinte, praticaram diversas ações que colocaram em causa a dignidade, a liberdade e a integridade fisica e psíquica do 2CAB/PA «FF» e do 2CAB/PA «EE».

35. No quadro da apreciação disciplinar dos Arguidos resultante dos factos acima referenciados, não se verifica a existência de circunstâncias dirimentes, nomeadamente as previstas no artigo 43.°, do RDM.

36. As condutas dolosas dos Arguidos refletem uma evidente e grave desconformidade com os valores militares das Forças Armadas, não sendo exigível que se mantenha o vínculo contratual existente com os mesmos, face à patente incompatibilidade daquelas condutas ilícitas com a permanência na Força Aérea, situação que não cede perante a existência da circunstância atenuante supra referida.

37. Os Arguidos são militares da Polícia Aérea, com especiais responsabilidades a nível do cumprimento dos deveres militares e da disciplina. Ao agirem da forma descrita violaram deveres intrínsecos à condição militar revelando um total desprendimento à Instituição.

38. Estes comportamentos não merecem qualquer tolerância, mas antes uma total firmeza quanto à sua eliminação, não podendo haver dúvidas para nenhum militar quanto à determinação da cadeia de comando em rejeitar veementemente este género de práticas.

39. Pelo exposto, considerando o dolo direto, o elevado grau de culpa dos Arguidos, a acentuada ilicitude dos factos cometidos, a importância dos deveres militares violados, bem como a conduta ostensivamente incompatível com a condição militar, nos termos dos artigos 7.°, 30.°, a° 3, 38.° e 106.° do RDM, determino a aplicação da PENA DE CESSAÇÃO COMPULSIVA DO CONTRATO aos Arguidos:

a. CADJIPA... «DD»;
b. CADJJPAI... «AA»;
c. CADJ/PAII «CC»;
d. CADJIPA... «BB».

40. Notifiquem-se os Arguidos e a ilustre mandatária do presente Despacho, do Relatório e Conclusões do Oficial Instrutor, bem como dos Despachos do Comandante Aéreo e do Comandante do AM1.

41. Publique-se.

42. Dê-se conhecimento ao AM1 e à DP para os devidos efeitos.

(…)”.

7. Os militares lesados não foram obrigados a beber cerveja pelo Requerido.

8. O Requerido não esteve a beber cerveja.

9. O Requerido só teve contacto com as vítimas após a hora de jantar na sala de praças na companhia dos militares «BB» e «CC».

10. O Requerido disse aos militares lesados para terem calma e respirarem normalmente, mostrando preocupação com os mesmos.

11. O Requerido falou com os militares lesados reconfortando-os e dizendo-lhes que se não quisessem fazer mais nada para dizerem.

*
III - Enquadramento jurídico.

1. O requisito do fumus boni iuris (a aparência do bom direito).

Determina o n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”
Face ao teor deste preceito - que não distingue entre providências conservatórias, como o pedido de suspensão da eficácia de um acto, e providências antecipatórias - é necessário, além do mais, que seja “provável que a pretensão formulada ou a formular no processos principal venha a ser julgada procedente para que uma providência antecipatória possa ser concedida. Como, neste domínio, o requerente pretende, ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da sua pretensão deduzida no processo principal” – Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005.

Dos factos indiciados não resulta a prática pelo Requerente de qualquer infracção disciplinar.

Ainda que se considerasse verificada qualquer infracção, o facto de ser um acto isolado e de quase inexistentes sequelas físicas (sendo que é de supor num militar a força psicológica que permita ultrapassar episódios como o que esta aqui em causa) permite concluir que a sanção máxima aplicada, de cessação compulsiva do seu contrato de trabalho, sempre seria manifestamente excessiva, desadequada e desnecessária.
Na escolha e medida da sanção a Administração goza de uma ampla margem de discricionariedade. Pelo que, sob pena de o Tribunal se imiscuir naquilo que é essencialmente actividade administrativa, ou seja, de violação do princípio da separação de poderes, só no caso de violação dos parâmetros vinculados da decisão, de erro grosseiro ou desvio de poder, pode o acto ser anulado.
O que no caso concreto sucede pois para além de não se verificar a prática de qualquer infração pelo Requerente, sempre se poderia classificar de erro manifesto a aplicação ao caso da sanção máxima.

Pelo que é provável que a acção principal venha a ser julgada procedente por erro nos pressupostos de facto e de direito do acto punitivo.

Encontrando-se, assim preenchido o primeiro requisito para o decretamento das providências requeridas: a aparência do bom direito.

2. O requisito do periculum in mora (facto consumado ou prejuízo de difícil reparação).

Desde logo, não é necessário para a procedência da providência que se demonstre o fundado receio de produção de prejuízos de difícil reparação. Basta que haja perigo, fundado, de constituição de um facto consumado, como resulta da partícula “ou” utilizada, de forma inequívoca.
No caso concreto, para além de se verificar uma situação em que é fundado o receio de produção de prejuízos de difícil reparação - pois o Requerente ficará até à decisão final do processo principal sem a fonte de subsistência que teve até à aplicação da sanção, o seu vencimento como militar da Força Aérea – é manifesta a existência de um facto consumado - o Requerente estará afastado do exercício das funções militares que exigem força física e juventude , qualidades que se vão perdendo com o avançar dos anos, de forma inexorável atá ao desfecho do processo principal.

Também se verifica, portanto, este segundo requisito.
3. A ponderação de interesses.

Estipula o n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”

Como é entendimento pacífico, o interesse público aqui em causa há-de ser específico e concreto, ou seja, diferenciado do interesse genérico da legalidade e eficácia dos actos administrativos, caso contrário por regra a providência seria indeferida.

Deste modo, só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os outros prováveis prejuízos que se contrapõem é que se impõe a execução imediata do acto, indeferindo-se, por esse facto, o pedido de suspensão – acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.01.2005, Proc. n.º 959/04.9BEVIS.

Neste caso os prejuízos invocados pelo Requerido pressupõem quer a prática da infracção pelo Requerente o que, como vimos, não se verifica quer a gravidade da infracção o que, ainda que se considerasse consumada a infração, também não se verificaria.

Tanto mais que no próprio acto punitivo se reconhece que o Recorrente teve um comportamento exemplar, por ter decorrido cinco anos de serviço efectivo, sem qualquer punição disciplinar - artigo 29.° do Regulamento de Disciplina Militar.

Pelo que estão verificados todos os requisitos para decretar as providências requeridas.
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Por tudo o exposto, DECIDE-SE JULGAR TOTALMENTE PROCEDEDENTE O PRESENTE PROCESSO CAUTELAR, deferindo o que é requerido, a título provisório ou cautelar:

a) A suspensão da medida de cessação compulsiva do contrato de trabalho do Requerente até decisão final da ação principal.

b) A reintegração imediata do Requerente no seu posto de trabalho na AM1 com a categoria que detinha à data da cessação do contrato de trabalho.

c) Pagamento provisório de todas as prestações vencidas desde a data de cessação compulsiva do contrato de trabalho até à data de reintegração.

d) A intimação do Estado-Maior da Força Aérea para que se abstenha de praticar qualquer acto que possa agravar ou prejudicar a situação do requerente até decisão final.

Custas pelo Requerido.

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Registe e notifique.

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Aldeia, 22.12.2023

O Juiz Desembargador

Rogério Martins