Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00237/07.1BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/16/2014
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Cristina Flora
Descritores:EMBARGOS
PRÉDIO RÚSTICO E URBANO
POSSE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Sumário:I. Um prédio rústico consiste numa parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, enquanto um prédio urbano é um qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro (art. 204.º, n.º 2 do Código Civil);
II. Tendo a Embargante adquirido por escritura pública de compra e venda um prédio rústico, não se pode concluir que tem a propriedade de um prédio urbano penhorado na execução fiscal;
III. Para efeitos do art. 237.º do CPPT não basta invocar a posse, há que alegar factos que consubstanciem actos materiais que possam conduzir à conclusão de que entre a Embargante e o bem penhorado nos autos de execução fiscal existe uma relação de facto.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A... e S..., Lda.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Mirandela, que julgou procedente os Embargos de Terceiro apresentados por A…, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2496200501001221 e apensos, instaurado contra a executada S…, Lda.

A Recorrente FAZENDA PÚBLICA apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

1. A douta sentença considerou erradamente provado a seguinte matéria de facto, concluindo também em erro que o prédio urbano inscrito sob o artigo 9... é o mesmo prédio que o rústico inscrito na matriz sob o artigo 13.195 da freguesia de V...:
«Quer pela área, quer pela localização, quer pelas confrontações, verifica-se que o prédio, que já na sua configuração de urbano veio a ser penhorado pela Fazenda Nacional à executada S… Lda é o mesmo que ainda na sua configuração de rústico, a ora embargante havia comprado à sociedade T...- Imobiliária Lda e que esta, por sua vez, ainda nessa configuração de rústico, havia comprado em inícios de 2004 àquela sociedade S… Lda.
Existindo uma mera duplicação de artigos, quer na CRP de Vila Real, quer no respectivo Serviço de Finanças, nos seguintes termos:
Por um lado, como prédio rústico descrito na CRP de Vila Real sob o n° 4... e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de V... sob o n°. 1...;
Por outro lado, como prédio urbano descrito na CRP de Vila Real sob o n° 2... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de V... sob o artigo 9....
Tendo sido na sequência da apresentação por parte da sociedade S… Lda do modelo 129 junto da Administração Fiscal que o prédio em causa deixou de ser identificado matricialmente com o artigo 1... rústico e passou a ser com o artigo 9... urbano».
2. A douta sentença considerou como questão a decidir:
«Em 01-06-2006, a Administração Fiscal procedeu à penhora do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de V... sob o artigo 9.... Contra a referida penhora foram deduzidos os presentes embargos de terceiro por A… com o fundamento de que o prédio lhe pertence por escritura de compra e venda de 28-12-2005, registado na CRP de Vila Real em 08-02-2006 sob o n° 4... e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de V... sob o n° 1...».
3. Seguidamente a douta sentença faz apelo às normas aplicáveis - art° 237°, n° 1 do CPPT:
«Quando o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este faze-lo valer por meio de embargos de terceiro.».
4. O prédio penhorado pela Administração Fiscal em 01-06-2006, à executada S… Lda, NIPC.5…, foi o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de V... sob o artigo 9....
A embargante não fez qualquer provo da propriedade deste prédio (artigo 9... urbano de V...) nem da sua posse.
5. A embargante prova que através da Escritura Pública de Compra e Venda e Cessões de Quotas exarada em 28-12-2005, de fls.22 a 24 do Livro n°.17-A do Cartório Notarial do Notário Dr. A…, que adquiriu a propriedade de um prédio rústico composto de monte, sito no lugar de S…, freguesia de V..., concelho de Vila Real, descrito na CRP de Vila Real sob a ficha 4... da freguesia de V..., inscrito na respectiva motriz sob o artigo 1..., com o valor patrimonial de € 11,08, à firma T...Imobiliária Lda, NIPC.5…, pelo preço de € 20.000,00.
6. O conceito de prédio rústico e de prédio urbano no deixam margem para dúvida, de que não se trata do mesmo prédio, uma coisa é um prédio rústico de monte, apto a produzir moto ou lenha para a agricultura, outra coisa totalmente diferente é um prédio urbano composto de armazém de materiais de construção e estaleiro de construção civil, um prédio urbano afecto o uma actividade comercial/industrial de construção civil da executado S… Lda.
7. A douta sentença no faz distinção entre prédio rústico e urbano, concluindo erradamente que o prédio urbano penhorado pela Administração Fiscal era o mesmo prédio (rústico) que a embargante havia adquirido por Escritura de 28-12-2005, o que viola o disposto no n° 2 do art°204° do Código Civil e art°2°, 3º, 4º, 5° e 6° do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).
8. A douta sentença não fez a apreciação e correcta valoração dos factos constantes dos autos, violando o disposto no art° 13° do CPPT, dos quais só se poderá concluir que a embargante nunca teve a propriedade nem a posse do prédio penhorado pela Administração Fiscal inscrito na matriz predial urbana da freguesia de V... sob o artigo 9...:
- Em 12-02-1990, por Escritura de Compra e Venda lavrada no Cartório Notarial de Vila Real, a fls.85 do Livro 139-A, a executado S… Lda representada pelo seu sócio gerente G… comprou a Silvino de Assunção Correia o prédio rústico inscrito na matriz de V... sob o artigo 1..., pelo preço de (100.000$00) € 498,80 (fls.180/181);
- Em 09-07-1990, a executada S… Lda, representada pelo seu sócio gerente G… apresentou no Serviço de Finanças de Vila Real a declaração modelo 129 referente à construção de um prédio urbano destinado a arrumos de materiais de construção civil e estaleiro, por transformação do prédio rústico inscrito na matriz de V... sob o artigo 1.... Esta declaração mod.129 deu origem à avaliação do prédio urbano e à sua inscrição na matriz predial urbana sob o artigo 9... (fls.159/161):
- Em 03-12-2002, por Escritura de Compra e Venda lavrada no Cartório Notarial de Vila do Conde, a fls.49 do Livro 335-b, a executada S… Lda, representada pelo seu gerente G..., vendeu à T...- Imobiliária, Lda, NIPC.5…, com sede em R…. - Felgueiras, os seguintes prédios; Prédio rústico inscrito na matriz de V... sob o artigo 1..., pelo preço de € 20.000.00; Uma parcela de terreno para construção urbana, designada por Lote 6-A, omisso à matriz predial de M…, tendo sido apresentada em 03-12-2002 a declaração para a sua inscrição no Serviço de Finanças de Vila Real, pelo preço de € 150.000,00 (fls.163/166);
- Em 28-12-2005, por Escritura de Compra e Venda e Cessões de Quotas lavrada no Cartório Notarial de Dr. A…, de Marco de Canaveses, de fIs.22 a 24 do Livro 17-A, o Dr. A… como procurador em representação de: A…; A…; B…: R…: A… e T...- Imobiliária Lda, vendeu à A… o Prédio rústico inscrito na matriz de V... sob o artigo 1..., pelo preço de € 20.000,00 e cedeu as quotas que os representados A… e B… e únicos sócios da T...- Imobiliária Lda, com o capital social de € 5.000,00, pelo preço de € 5.000,00 a R… (fIs. 13/18);
- A embargante A… e o cessionário das quotas da T...- Imobiliária Lda R… são filhos de G... sócio gerente da executada S… Lda (fls.182/184);
- A Contribuição Autárquica (CA) e Imposto Municipal Sobre Imóveis (IMI) do prédio penhorado - artigo 9... - sempre foi liquidada em nome da executada S…, Lda (fls.167/179).
9. O douto Parecer do Ministério Público refere expressamente “De qualquer modo sempre se diria que o bem vendido à aqui embargante, na configuração física de rústico, nu inscrição matricial n° 1... e na descrição da CRP n° 4.../100490 não é o bem penhorado. E se não é o bem penhorado não poderiam os presentes embargos ser julgados procedentes.” (fIs 195/196), porém, a douta sentença não o seguiu nem o refutou, o que viola o disposto no nº 3 do art° 659°CPC.
10. A embargante apresentou prova testemunhal, prova essa que não chegou a realizar-se, eventualmente porque o Tribunal a considerou inútil, mas não foi referida na fundamentação da sentença nos termos do art° 659° CPC, violando o disposto nos art°.13° e 118° do CPPT e 621° CPC.
11. O Tribunal a quo não teve dúvidas ao decidir, sem apreciar a prova testemunhal e ponderar sobre a distinção entre prédio rústico e prédio urbano, concluindo apressada e erradamente de que se tratava do mesmo prédio como alegava a embargante, sem atender a que não foi feita provo da propriedade ou posse pelo embargante do prédio urbano penhorado inscrito na matriz sob o art° 9... da freguesia de V..., podia e devia inquirir a prova testemunhal oferecida pela embargante, a qual poderia dissipar quaisquer dúvidas sobre os factos, bem como, realizar e ordenar quaisquer diligências julgadas pertinentes à descoberta da verdade material nos termos do art° 13° do CPPT.
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A Recorrida, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de a pretensão da Recorrente deve proceder.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão a apreciar e decidir consiste em saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, por errónea apreciação e valoração dos factos, aferindo se a Embargante fez prova da propriedade ou da posse do prédio penhorado, e ainda se a sentença violou o disposto no art. 659.º do CPC, art. 13.º e 118.º do CPPT e 621.º do CPC ao não ter realizado a prova testemunhal.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“1.
No âmbito de execução fiscal instaurada contra a sociedade “S…, Lda”, a Administração Fiscal procedeu, em 01/06/2006, à penhora do seguinte imóvel:
Prédio Urbano - S… - Edifício de um pavimento - 120m2, logradouro - 4.380m2; Norte e Nascente - Caminho; Sul – J…, Poente - Estrada. V.P.- 2.727,17€ - Artigo 9...°.
Facto provado pelos documentos constantes dos autos.
2.
Em 20/06/2006, a Administração Fiscal registou a seu favor esta penhora na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n°2....
Facto provado pelos documentos constantes dos autos.

3.
A…, veio deduzir os presentes embargos de terceiro insurgindo-se contra aquela penhora com o fundamento de que o imóvel lhe pertence por tê-lo adquirido por compra à sociedade “T...Imobiliária, Lda” através de escritura pública lavrada em 28/12/2005, tal como no respectivo registo predial consta:
Prédio Rústico - sito no lugar de S… - monte - área de 4.500m2 - a confrontar norte caminho, sul J… e Outros, nascente caminho e poente Estrada. Artigo 13.195°. R.C. 52$00.
Facto provado pelos documentos constantes dos autos.
4.
Em 28/02/2006, a ora Embargante registou a seu favor esta aquisição na
Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n° 4....

Facto provado pelos documentos constantes dos autos
5.
Quer pela área, quer pela localização, quer pelas confrontações verifica-se que o prédio, que já na sua configuração de “urbano”, veio a ser penhorado pela Fazenda Nacional à sociedade “S…, Lda” é o mesmo que, ainda na sua configuração de “rústico”, a ora Embargante havia comprado à sociedade “T...- Imobiliária, Lda”, e que esta sociedade “T...- Imobiliária, Lda”, por sua vez, ainda nessa mesma configuração de “rústico”, havia comprado, em inícios de 2004, àquela sociedade “S…, Lda”.
Facto provado pelos documentos constantes dos autos.
6.
Existindo uma mera duplicação de artigos, quer na Conservatória do
Registo Predial de Vila Real, quer no respectivo Serviço de Finanças, nos
seguintes termos:

Por um lado, como “Prédio Rústico” descrito na CRP Vila Real sob o n° 4... e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de V... sob o no 13.195°;
Por outro lado, como “Prédio Urbano” descrito na CRP Vila Real sob o n° 2… e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de V... sob o artigo 9...°.
Facto provado pelos documentos constantes dos autos.
7.
Tendo sido na sequência da apresentação por parte da sociedade “S…, Lda” do modelo 129 junto da Administração Fiscal que o prédio em causa deixou de ser identificado matricialmente com o artigo 13.1950 rústico e passou a ser com o artigo 9...° urbano. Facto provado pelos documentos constantes dos autos.”
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Acorda-se em alterar a matéria de facto, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do CPC:

Altera-se o facto fixado no ponto 3 e 4, do seguinte modo:

3. A…, por escritura pública outorgada em 28/12/2005 adquiriu à sociedade “T...Imobiliária, Lda”, pelo preço de 20.000€, o Prédio Rústico - sito no lugar de S… - monte - área de 4.500m2 - a confrontar norte caminho, sul J… e Outros, nascente caminho e poente Estrada. Artigo 1…°. R.C. 52$00. (cfr. escritura pública de fls. 14 e ss dos autos).

4. Em 08/02/2006, a ora Embargante registou a seu favor esta aquisição na
Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n° 4... (cfr. certidão da conservatória do registo predial de Vila Real).


Eliminam-se os pontos 5) e 6) da matéria dada como provada, considerando que se trata de ilação tirada com base nos factos 1), 3) e 7), e por conseguinte, renumera-se a matéria de facto sendo que o facto n.º 7 passa a ser o n.º 5.

Adita-se os seguintes factos à matéria de facto dada como provada:

6. A executada “S…, Lda” foi citada para os termos da execução fiscal em 19/10/2005 (cfr. documento a fls. 145 dos autos).

7. A Embargante e R… filhos de G… e M… (cfr. assentos de nascimento a fls. 182 e 183 dos autos).

8. G… e M… são os únicos sócios da sociedade “S…, Lda” (cfr. documento de fls. 163 dos autos).

9. R… por escritura pública outorgada em 28/12/2005 adquiriu a totalidade das quotas da sociedade “T...– Imobiliária, Limitada” (cfr. escritura pública de fls. 14 e ss dos autos).

10. Por escritura pública outorgada a 03/12/2002 a sociedade “T…- Imobiliária, Limitada” adquiriu à “S…, Lda”, o prédio rústico sito no lugar de S…, da Freguesia de V..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º 004..., da freguesia de V..., o artigo 1… inscrito na matriz rústica, com valor patrimonial de 4,99€, pelo preço de 170.000,00€ e para revenda, beneficiando de isenção de Sisa nos termos do n.º 3 do art. 11.º do CIMS (cfr. escritura pública de fls. 163 e ss dos autos).

2. Do Direito

A questão a apreciar e decidir consiste em saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, por errónea apreciação e valoração dos factos, aferindo se a Embargante fez prova da propriedade ou da posse do prédio penhorado, e ainda se a sentença violou o disposto no art. 13.º e 118.º do CPPT e 621.º do CPC ao não ter realizado a prova testemunhal.

Invoca a Recorrente Fazenda Pública, que o Meritíssimo juiz do TAF de Mirandela não apreciou nem valorou adequadamente os factos, pois deveria ter ponderado sobre a distinção de prédio rústico e prédio urbano, uma vez que a Embargante é proprietária de um prédio rústico e o prédio penhorado nos autos de execução fiscal é urbano.

Mais invoca que a Embargante não fez prova da propriedade nem da posse do prédio urbano penhorado, sendo que, requerida pela Embargante a realização da prova testemunhal, o Meritíssimo juiz do TAF de Mirandela deveria ter procedido à sua produção, pois esta diligência teria dissipado quaisquer dúvidas sobre os factos.

Apreciando.

O Meritíssimo juiz do TAF de Mirandela julgou procedente os embargos com o fundamento, em síntese, de que à data da penhora a ora Embargante era titular do direito de propriedade sobre o mesmo imóvel, posto que, quer pela área, quer pela localização, o prédio adquirido pela Embargante seria o mesmo que foi penhorado.

Resulta provado que em 01-06-2006 foi efectuada uma penhora de um prédio urbano inscrito na matriz predial urbano da freguesia de V... sob o artigo 9..., composto por Edifício de um pavimento - 120m2, logradouro - 4.380m2, penhora essa registada em 20/06/2006.

Também resulta provado nos autos, que por Escritura Pública de Compra e Venda e Cessões de Quotas outorgada em 28-12-2005, a Embargante adquiriu à sociedade T… Imobiliária Lda, pelo preço de € 20.000,00, a propriedade de um prédio rústico, composto de monte, sito no lugar de S. Vicente, freguesia de V..., concelho de Vila Real, descrito na CRP de Vila Real sob a ficha 4... da freguesia de V..., inscrito na respectiva matriz sob a artigo 1..., com o valor patrimonial de € 11,08. A aquisição foi levada a registo em 28/02/2006.

Por outro lado, resulta provado que foi “na sequência da apresentação por parte da sociedade “S…, Lda” do modelo 129 junto da Administração Fiscal que o prédio em causa deixou de ser identificado matricialmente com o artigo 13.1950 rústico e passou a ser com o artigo 9...° urbano.” (ponto 7 da matéria de facto dada como provada).

Por conseguinte, da prova produzida resulta que o prédio urbano penhorado nos autos de execução fiscal surge na sequência da apresentação da declaração modelo 129 e tem a sua origem no prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 13.1950.

Dito de outro modo, apresentada a declaração modelo 129 passou a existir um prédio urbano com edificações que estão na origem da alteração da natureza jurídica do prédio, de rústica para urbana. Assim, o anterior prédio rústico deixou de existir, dando lugar a um prédio urbano.

Nos termos do n.º 2 do artigo 204.º do Código Civil “[e]ntende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro(sublinhado nosso).

Um prédio será rústico ou urbano quando consista essencialmente no solo, ou em construções (A. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, 274).

In casu, não se pode afirmar que a Embargante é proprietária do prédio urbano penhorado nos autos quando resulta provado que o prédio que adquiriu por escritura pública, e de que é proprietária, é um prédio como natureza jurídica diferente, ou seja, um prédio rústico.

O prédio penhorado nos autos, prédio urbano, contém edificações que de modo algum se encontram contempladas na escritura pública outorgada pela Embargante. E são essas edificações que conferem ao prédio penhorado a qualificação como urbano nos termos do n.º 2 do art. 204.º do Código Civil.

Por conseguinte, a Embargante não é proprietária de qualquer prédio urbano, mas tão-somente de um terreno rústico, sem qualquer edificação.

Face ao exposto, há que concluir que a propriedade da Embargante não é sobre o bem penhorado nos autos de execução fiscal, pois o que adquiriu por escritura pública de compra e venda foi um prédio rústico, juridicamente distinto do prédio urbano que foi penhorado nos autos, pelo que, ao contrário do decidido na sentença recorrida, a penhora não ofende a propriedade da Embargante.

Sucede que, a Embargante, na petição inicial, para além de ter invocado ter a propriedade sobre o bem penhorado nos autos de execução fiscal, também invocou ter a posse daquele bem (cfr. art. 14.º, 16.º e 17.º e 18.º da p.i).

O Meritíssimo juiz do TAF de Mirandela, tendo decidido a procedência dos embargos com fundamento na propriedade, não se pronunciou sobre a posse da Embargante sobre o bem penhorado.

Cumpre, então, de acordo com o art. 715.º, do CPC (art. 665.º, do C.P.C., na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), aplicar a regra da substituição do Tribunal ad quem ao Tribunal recorrido.

Nos termos do disposto no art.º 237.º do C.P.P.T. “[q]uando o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este faze-lo valer por meio de embargos de terceiro.”

No entanto, como ensina o Prof. Alberto dos Reis (Processos Especiais, Vol. I, pg. 406) que “[a] posse há-de ser anterior à diligência contra a qual se reage; de nada vale a posse posterior. Se no acto da penhora, do arrolamento, do arresto, etc., a pessoa não tinha posse, ou a sua posse não revestia os requisitos necessários, segundo a lei civil, para ser protegida pelas acções ou meios possessórios, é óbvio que os embargos não oferecem condições de viabilidade.”.

Por outro lado, saliente-se que o acto de investidura na posse há-de ser, necessariamente um acto material, pois este denuncia que entre uma pessoa e uma coisa existe uma relação de facto, relação que quando revestir certos caracteres, será a própria relação possessória.

O mesmo já não sucede quando estamos perante actos que se situem meramente no plano jurídico, por serem insuficientes para demonstrar a existência de um poder de facto sobre as coisas, porque recaem exclusivamente não sobre a própria coisa, mas sobre os elementos espirituais dos direitos, e por isso podem ser praticados por qualquer pessoa, ainda que esta não tenha nenhum poder sobre a coisa.

Como ensina Manuel Rodrigues (A Posse, 1981, pág. 183), “sobre um objecto podem exercer-se actos de gozo material ou real e actos de gozo ideal ou jurídico”.

In casu, e apesar de ter sido invocada a posse, a verdade é que não foram alegados quaisquer factos que consubstanciem actos materiais que possam conduzir à conclusão de que entre a Embargante e o bem penhorado nos autos de execução fiscal existe uma relação de facto.

Da leitura da p.i. ressalta que a Embargante centrou a sua defesa sobretudo na propriedade do bem penhorado, alegando os respectivos factos, mas o mesmo já não sucedeu quanto à posse, cuja menção é sempre feita em termos jurídicos e nunca factuais.

Ora, não basta invocar a “posse”, há que alegar factos que possam ser objecto de prova documental e testemunhal e que sejam susceptíveis de consubstanciar actos materiais sobre o bem penhorado e permitam ao tribunal concluir pela posse do bem pela Embargante.

Não basta a indicação genérica do direito que se pretende fazer valer, sendo antes necessário a indicação especificada dos factos constitutivos desse mesmo direito.

Como corolário do princípio dispositivo, recai sobre o autor o ónus de alegar os factos de cuja prova seja possível concluir pela existência do direito invocado (art. 264.º, nº 1, CPC, actual art. 5.º, n.º 1).

De igual modo, no âmbito do processo tributário, o juiz tem de limita-se aos factos alegados pelas partes, e aos de conhecimento oficioso, mesmo no exercício de poderes inquisitórios, constando esse limite no art. 99.º, n.º 1 da LGT (nesse sentido, vide, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. I, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 173-174).

“O ónus de alegação representa um postulado do direito do acesso ao tribunal e do princípio da autonomia da vontade, nas matérias abarcadas por este, que estão reconhecidos constitucionalmente (art. 20.º, 26.º e 61º da CRP) (…)” - Diogo Leite de campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotda e Comentada, 4.ª ed., Vislis, 2012, p. 860.

À Embargante, competia, pois, articular factos essenciais e concretos que se subsumissem na previsão do art. 237.º do CPPT, norma constitutiva do direito a que se arroga, não o tendo feito, a causa será, necessariamente, contra ela ser decidida.

Em suma, não havendo factos alegados quanto à posse da Embargante sobre o bem penhorado nos autos de execução fiscal, não há sequer que equacionar a produção de qualquer meio de prova, pois esta pressupõe, necessariamente, que haja factos alegados, que in casu, não existem, pelo que, os embargos devem improceder, concedendo-se provimento o recurso.

3. Sumário

I. Um prédio rústico consiste numa parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, enquanto um prédio urbano é um qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro (art. 204.º, n.º 2 do Código Civil);
II. Tendo a Embargante adquirido por escritura pública de compra e venda um prédio rústico, não se pode concluir que tem a propriedade de um prédio urbano penhorado na execução fiscal;
III. Para efeitos do art. 237.º do CPPT não basta invocar a posse, há que alegar factos que consubstanciem actos materiais que possam conduzir à conclusão de que entre a Embargante e o bem penhorado nos autos de execução fiscal existe uma relação de facto.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, e por conseguinte, julgar improcedente os embargos.
****
Sem custas.
D.n.
Porto, 16 de Outubro de 2014.
Ass. Cristina Flora
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Mário Rebelo