Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00738/17.3BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/30/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; CRÉDITOS EMERGENTES DO CONTRATO DE TRABALHO; DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE; INTEGRAÇÃO DE LACUNAS
Sumário:1 – De acordo com a declaração de inconstitucionalidade em fiscalização concreta, entendeu o Tribunal Constitucional, designadamente no seu Acórdão nº 328/2018, de 27 de Junho de 2018, no âmbito do processo n.º 555/2017, que o artigo 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, que define que o pagamento dos créditos laborais a cargo do FGS segundo o qual o mesmo deverá ser requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, não poderá ser interpretado no sentido de tal prazo não poder comportar a possibilidade de qualquer interrupção ou suspensão.

2 - Perante a referida decisão do Tribunal Constitucional que em fiscalização concreta declarou a inconstitucionalidade da indicada interpretação do Artº 2º nº 8 do DL n.º 59/2015, tal determinou a verificação de uma lacuna em concreto, que correspondentemente determinará a necessidade de, também em concreto, integrar a lacuna assim gerada.

3 - Perante a verificada lacuna, cabe aos tribunais, nomeadamente, criar, com alguma discricionariedade, uma norma “dentro do espírito do sistema” (nº 3 do art.º 10.º do CC), o que envolve para o caso concreto, a “construção” de uma norma segundo critérios de equidade e observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica.

4 – Na integração da lacuna deverá ser respeitada a intenção do legislador constante do Artº 2º nº 8 do DL nº 59/2015, de limitar a um ano o prazo dentro do qual deverá ser requerido ao FGS o pagamento dos créditos reclamados, a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

5 - Importa assim colmatar a lacuna que em concreto resultou da declaração de Inconstitucionalidade do TC, aceitando o prazo de caducidade de um ano criado pelo legislador, mas criando “norma (...) dentro do espirito do sistema” conformando-a com o regime constitucional vigente, restrita ao caso concreto, permissiva da suspensão do referido prazo, em decorrência da reclamação da créditos por parte do interessado no processo judicial de insolvência, até à data em que a insolvência venha a ser, definitivamente, decretada.

6 - Assim, mostra-se legítimo, perante a referida inconstitucionalidade, declarada em concreto, da interpretação adotada pelo FGS do nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, que tornou o referido normativo inoperante, que se lhe restaure a sua operacionalidade, com recurso à interpretação que o próprio legislador, por via do novel nº 9, veio a introduzir através da Lei nº 71/2018, de 31 de dezembro.
Efetivamente legislador acolheu as críticas que o Tribunal Constitucional havia apontado ao nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, assegurando a suspensão do referido prazo de um ano para a apresentação da Ação, até 30 dias após o trânsito em julgado, designadamente, da decisão que venha a ser proferida na Ação de Insolvência.

7 - A interpretação adotada permite pois dar resposta ao facto do TC ter entendido, em concreto, que o artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, não poderia ser interpretado no sentido de impedir que o prazo de um ano para a reclamação dos créditos laborais junto do FGS fosse insuscetível de ser interrompido ou suspenso, interpretação que se adequa ao “espirito do sistema”, comprovado no facto do próprio legislador ter criado, ainda que ex nunc, norma exatamente nesse sentido. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial IP,
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
J., no âmbito da Ação Administrativa que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial IP, tendente a impugnar o Despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial de 25-05-2017, que indeferiu o seu requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, bem como a condenação da ED a praticar o ato que conceda o pagamento dos créditos emergentes desse contrato, no valor de €19.031,39, inconformado com a Sentença proferida em 23 de janeiro de 2019, através da qual a Ação foi julgada improcedente, mais o tendo absolvido a ED do pedido, veio interpor recurso jurisdicional da mesma, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
Formulou o aqui Recorrente/J. nas suas alegações de recurso, apresentadas em 7 de junho de 2019, as seguintes conclusões:
“I - O presente recurso tem por objeto a douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 24/01/2019, que julgou improcedente os pedidos formulados pelo Autor, e desde já, se penetencia pela extensão das conclusões, mas que se deve à complexidade e importância da matéria sub judice.
II - Perante os factos articulados na P. I. e os constantes dos PA juntos pelo Réu, o Tribunal recorrido considerou como provados, os factos A) a O).
III- Quanto a estes factos dados como provados importa salientar que a sentença enferma de diversos erros factuais, a saber:
- no ponto B), quando se dá como provado que foi instaurada ação de insolvência contra a sociedade N., S.A., cuja ação correu termos no 5.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Vila Nova de Famalicão, o que deveria ter sido dado como provado é que aquela sociedade se apresentou à insolvência, e cujo processo correu termos no 5.º Juízo Cível dos Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão, atualmente, Tribunal Judicial de Braga, Juízo de Comércio- Juiz 4, de Vila Nova de Famalicão;
- no ponto F), dá-se como provado que o Autor apresentou o requerimento para pagamento de quantia respeitante a créditos emergentes do contrato de trabalho, junto da ED, no dia 15/07/2011, quando na verdade foi no dia 2 de Agosto de 2011, como resulta do documento n.º 12 junto à PI;
- no ponto J), onde se dá como provado que o Autor “reclamou créditos no processo descrito na alínea I) do probatório, no montante global de € 15.460,68, deveria dar-se como provado que reclamou € 22.947,19 (cfr. documento n.º 19 junto à PI), tudo como melhor resulta dos documentos juntos à PI e do PA.
IV – A sentença recorrida não considerou provados factos com relevância para a presente ação que, alegados pelo Autor, e não tendo merecido contestação do Réu, deveriam ter sido dados como provados e que resultam dos documentos juntos à PI e aos PA, designadamente:
a) Que o Plano apresentado no âmbito do PER n.º 3380/13.4TJVNF, do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão- Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi homologado no dia 4 de Abril de 2017, por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães (Processo n.º 3380/13.4TJVNF.G3, da 2ª. Secção Cível), como resulta do documento junto à PI sob o n.º 18, que não foi impugnado;
b) Que o Réu, perante o Provedor de Justiça havia assumido que iria rever a sua posição relativamente a todos os trabalhadores, quanto à decisão de indeferimento de pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho requeridos na sequência do processo de insolvência n.º 1277/11.1TJVNF, como resulta dos documentos juntos aos autos;
c) Que o Réu, muito embora tenha pago aos trabalhadores que intentaram ações judiciais contra aquela decisão, como a que se encontra junta aos autos, não procedeu ao pagamento dos restantes trabalhadores, em que se inclui o ora Autor, indo contra a sua posição anteriormente assumida, e que criara expectativas nos trabalhadores, considerando o Provedor de Justiça uma decisão “manifestamente injusta e injustificada” e que contrariava “o sentido da informação que oportunamente lhe foi prestada”;
d) Que o FGS tem pleno conhecimento que o PER que corre termos no Tribunal de Vila Nova de Famalicão – Braga, J2, 2ª. Secção de Comércio, processo n.º 3380/13.4TJVNF, surge na continuidade do Processo de Insolvência.
V – Considerando que o FGS não contestou os factos que supra se considera deveriam ter sido dados como provados e o disposto no artº 83º do CPTA, com a epígrafe «Conteúdo e instrução da contestação», que dispõe que:
«(…)
5 – Sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 84.º, a falta de impugnação especificada nas ações relativas a atos administrativos e normas não importa confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios.», o Tribunal recorrido deveria apreciar livremente a atitude da entidade demandada, podendo concluir que aquela omissão constitui uma confissão fática daqueles elementos não contestados.
VI - O Tribunal “a quo” deu como provados os factos das alíneas N) e O), ou seja, que no dia 26/05/2017, a ED remeteu ofício ao Autor notificando-o da intenção de indeferir o seu requerimento, quando já havia proferido decisão definitiva no dia 25/05/2017, através de despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, sendo que o comportamento do Réu constitui uma ilegalidade, ferindo aquele ato de nulidade, porquanto viola o princípio da Legalidade, pois que os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins (art. 3.º do NCPA), tendo a ED violado o disposto no art. 8.º, n.º 1 do Decreto- Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, não tendo proferido as decisões no prazo de 30 dias, tal como a lei impõe, e os arts. 100.º e 121.º do NPCA, ou seja, o direito efetivo de audiência prévia, o qual constitui uma consagração do princípio da participação e do direito dos cidadãos participarem na formulação das decisões ou deliberações que lhe digam respeito (art. 267.º, n.º 5 da CRP), bem como viola os princípios da justiça e da razoabilidade, uma vez que a ED deve pautar as suas decisões e comportamentos critérios e valores de justiça consagrados no ordenamento jurídico, particularmente na esfera constitucional (art. 8.º do NCPA), criando nos cidadãos um sentimento de descrédito para com os órgãos da Administração Pública, violando também o princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos (art. 4º do NCPA).
VII- Acontece que o Tribunal recorrido, na decisão da matéria de facto, é omisso quanto à interpretação da falta de contestação do Réu FGS quanto a estas questões e às consequências processuais de tal omissão, nomeadamente em sede probatória, pelo que aquele deveria ter dado tais factos como assentes, por admitidos e confessados pelo FGS, porque alegados na PI e os documentos que os sustentam não terem sido impugnados, tanto mais que profere despacho no qual afirma não existir matéria de facto controvertida.
VIII– Assim, embora não seja possível a consideração sumária da confissão daqueles factos alegados, fazendo-se mister a prévia interpretação da falta de apresentação da contestação, feita esta para efeitos probatórios, resta inconteste que houve, afinal, admissão e confissão daqueles factos articulados pelo Autor.
IX- A questão que se coloca nos autos é a de saber se o despacho de indeferimento do Senhor Presidente do Conselho de Gestão do FGS relativamente ao requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, na importância de €10.026,00/€9.210,34, apresentado em 04/05/2016, pelo Autor, é ilegal e/ou inconstitucional, por violação dos mais básicos princípios de um Estado de Direito Democrático e constitucionalmente consagrados, e por incorreta interpretação e aplicação do n.º 8 do art. 2.º e 3.º, n.º 3 do NRFGS.
X- O Tribunal recorrido, na esteira do preconizado pelo FGS, entende que a interpretação e aplicação, efetuada por este, daquele preceito, não é merecedora de qualquer censura, desde logo, porque considera que o requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, de 4 de Maio de 2016, não constitui uma reapreciação, renovação/repetição do requerimento apresentado no dia 02/08/2011, no âmbito de processo de Insolvência da sociedade N., S.A., que correu seus termos sob o processo n.º 1277/11.1TJVNF, do 5.º Juízo Cível dos Juízo de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão e atualmente no Tribunal Judicial de Braga, Juízo de Comércio-Juiz 4, de Vila Nova de Famalicão, alegando que o fundamento é diverso, por um ter por base o processo de Insolvência e o outro o PER, ignorando que os factos que estão na base dos requerimentos são exatamente os mesmos: o contrato de trabalho do recorrente com a sociedade N., S.A., o seu despedimento unilateral e sem justa causa em 18/04/2011, os créditos que ficaram por pagar e que foram reclamados, a Insolvência daquela sociedade seguida do PER, em 11/12/2013.
XI- Como tal o Fundo de Garantia Salarial tinha a obrigação de proceder à reapreciação oficiosa dos requerimentos que haviam sido recusados no âmbito do processo de insolvência da sociedade N., S.A., com fundamento no facto daqueles créditos serem “extintos por força da homologação do plano de recuperação da empresa, e na exata medida e termos daquele plano de recuperação, termos nos quais inexistem por impossibilidade e inutilidade do seu objeto, fim ao qual se destinavam, e nos termos do art. 112.º do CPA, uma vez que serão extintos através do pagamento pela devedora – n.º 1 do artigo 762º do Código Civil”, ao abrigo do disposto no art. 3.º, n.º 3, al. b), do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril.
XII- Até porque o requerimento indeferido por despacho de 25 de maio de 2017 mais não é do que a repetição/renovação/reapreciação do pedido que foi apresentado no dia 02/08/2011, e que, embora tempestivo, foi considerado, incorreta e injustamente, indeferido, como se veio a comprovar pelas decisões judiciais que vieram a ser proferidas no âmbito de ações judiciais intentadas por alguns trabalhadores, sendo certo que o Autor não recebeu qualquer quantia enquanto viu outros seus colegas receberem, criando desigualdades, gorando expectativas legitimamente fundadas, gerando sentimentos de desconfiança nos órgãos públicos e, até, de conflitualidade social, porque os trabalhadores que vêm os pedidos de pagamento dos seus créditos recusados pelo FGS, quando confrontados com trabalhadores que receberam, sentem-se injustiçados, como é o caso do Autor, violando-se, de forma manifesta o Princípio da Igualdade na medida em que beneficiou uns trabalhadores da N. em detrimento de outros, que se encontravam na mesma situação de despedimento na sequência da Insolvência, pois aquele foi despedido na mesma data que muitos outros trabalhadores que viram o seu pedido reapreciado, sendo que contribuiu de igual forma para o sistema público da Segurança Social através das suas contribuições mensais e apresentou atempadamente o requerimento que a lei lhe impunha a fim de lhe serem pagos os seus créditos emergentes do contrato de trabalho.
XIII- Atente-se que o PER n.º 3380/13. 4TJVNF, do Juízo de comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, surge na sequência do processo de Insolvência, sendo que no âmbito deste, foi proferida sentença sobre a Impugnação dos Créditos Reconhecidos apenas no dia 22 de Janeiro de 2018, e o Plano, no âmbito do PER, só foi homologado por acórdão de dia 4 de Abril de 2017, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães (Processo n.º 3380/13.4TJVNF.G3, da 2ª. Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães), existindo uma identidade nos requerimentos, uma continuidade, que não pode ser ignorada, e que é do conhecimento do FGS.
XIV- A sentença proferida no âmbito da Impugnação de Créditos, no processo de Insolvência só agora é junta aos autos, porque proferida depois da fase dos articulados e porque o Tribunal recorrido que não havia lugar a audiência prévia por se encontrar na posse de todos os elementos necessários para proferir decisão e por entender que se trata de processo de manifesta simplicidade, encontrando-se, por isso justificada a sua junção nesta fase – doc. 1.
XV- Além disso, o Tribunal recorrido entende não existir qualquer vício de violação de lei, nem de forma, por falta de fundamentação, nem qualquer inconstitucionalidade, defendendo que o prazo de um ano, do n.º 8 do art. 2.º do NRFGS é um prazo de caducidade, não sujeito a quaisquer interrupções ou suspensões.
XVI- Desde logo, o Tribunal recorrido incorre em diversos erros fácticos, como seja, ao considerar provado que o despacho do FGS, referente ao primeiro requerimento, data de 23/11/2012, quando na realidade a decisão final é de Maio de 2013, como melhor resulta do PA, o qual se encontra junto aos autos, e que o Tribunal tem de considerar para efeitos probatórios, pois tem a obrigação de analisar criticamente todas as provas, ao abrigo do disposto no art. 94.º, n.º 2 e 3 do CPTA, enfermando, neste aspeto, a sentença de ilegalidade.
XVII- Na realidade, os fundamentos da sentença recorrida incorrem numa enorme incoerência, uma vez que estão em clara contradição, desde logo, com o teor do Acórdão n.º 328/2018, de 27 de Junho de 2018, o qual julgou “inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.
XVIII - Aliás, na sequência da declaração de inconstitucionalidade da interpretação que vinha a ser dada ao art. 2.º, n.º 8 do NRFGS, já decorreram alterações normativas, com a Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, a qual estatui no art. 322.º uma nova redação ao art. 2.º, n.º 9 do NRFGS, prevendo a suspensão do prazo de um ano com a propositura de ação de insolvência, a apresentação de requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação de requerimento de utilização no procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações.
XIX- A partir da conjugação dos elementos e documentos dos autos impunha-se decisão diversa da recorrida, verificando-se erro manifesto na interpretação e aplicação do direito e contradição na apreciação da prova.
XX- Ao abrigo do disposto no art. 3.º, n.º 1 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, publicado em anexo ao DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, “o Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.º 1 do artigo anterior (os resultantes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação), com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida”- parêntesis nosso -, o que conduziria a que o FGS tivesse que pagar a importância de €10.026,00 ao Autor, a título de créditos emergentes do contrato de contrato, por virtude da sua cessação, por despedimento sem justa causa.
XXI -Esta norma foi criada para salvaguardar a posição dos trabalhadores cujo pedido de acesso ao Fundo de Garantia Salarial foi recusado, sujeitando a reapreciação oficiosa os pedidos apresentados na pendência de PER, bem como os pedidos apresentados entre 1 de Setembro de 2012 e 4 de Maio de 2015 relativos a créditos salariais abrangidos por plano de insolvência homologado no âmbito do processo de insolvência, no entanto, numa interpretação meramente formal e legalista, gera desigualdades em situações são em tudo idênticas, por uma mera questão temporal, pois, requerimentos para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentados por trabalhadores da N., S.A., que foram despedidos em data posterior ao despedimento do Autor foram deferidos, porque apresentados dentro daquelas datas de 1 de Setembro de 2012 e 4 de Maio de 2015, enquanto que os trabalhadores que não apresentaram os seus requerimentos dentro daquelas datas, porque não o podiam ter feito, uma vez que o seu contrato de trabalho cessou no dia 18 de Abril de 2011, não foram oficiosamente reapreciados.
XXII- Afigura-se, pois, ao Autor ter havido má-fé e abuso de direito por parte do FGS, que adiou a decisão sobre os requerimentos apresentados na sequência da Insolvência da N., com o intuito claro de impedir que os trabalhadores viessem a ser ressarcidos.
XXIII- O FGS, embora seja um fundo autónomo, relaciona-se com o âmbito de proteção social garantido pelo sistema de segurança social, quer pela via de parte do seu financiamento, quer pela via da sua gestão entregue ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I.P.), que é um instituto público, integrando a administração indireta do Estado (cfr. arts. 2.º e 3.º, n.º 1 da Lei 3/2004, de 15 de janeiro, na redação dada pelo DL n.º 96/2015, de 29 de Maio.
XXIV – Como o FGS não reapreciou oficiosamente o requerimento do Autor, este viu-se obrigado a apresentar novo requerimento, para relembrar o Fundo de Garantia Salarial da necessidade da sua reapreciação, compulsando aquela instituição a proferir uma decisão sobre o seu requerimento, a qual voltou a ser de indeferimento, agora com o fundamento mencionado no ponto 17 dos factos dados como provados.
XXV- É entendimento do Autor que o FGS não poderia indeferir o seu requerimento com o alegado fundamento, nem com qualquer outro, quer por força do n.º 3 do art. 3.º do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, que obriga à reapreciação oficiosa dos requerimentos recusados, e que sejam apresentados na pendência de PER, como se verifica no caso do concreto do Autor, quer porque esse indeferimento viola os mais elementares princípios do direito que regem a atividade dos órgãos da Administração Pública, como sejam os da legalidade, da igualdade, da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da justiça e da razoabilidade, da imparcialidade, da boa-fé e do Estado de Direito Democrático.
XXVI- Assim, ao contrário do sustentado na Sentença recorrida, o ato impugnado padece do vício de violação de lei, pois o FGS, como órgão público, gerou no Autor a expectativa que lhe fosse pago o que tinha direito, pautando a sua conduta pelo respeito do direito à certeza e seguranças jurídicas, pelo que o indeferimento, além de violar o Princípio da Igualdade, previsto no art. 6.º do CPA, viola os princípios da Prossecução do Interesse Público e da Proteção dos Direitos e Interesses dos Cidadãos (art. 4.º do CPA), da Proporcionalidade (art.7.º do CPA), da Justiça e da Razoabilidade (art. 8.º do CPA), da Imparcialidade (art. 9.º), da Boa-Fé, da Proteção da Confiança e da Segurança Jurídica (art. 10.º do CPA), sendo, também, por isso, ilegal (art. 3.º do CPA), enfermando, pois aquela de manifestos erros de julgamento tendo violado frontalmente, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nas normas e princípios legais referidos, gerando um resultado injustiço, resultado esse que o legislador não quis, e que é contrário à razão de ser da existência do próprio Fundo.
XXVII - Como supra referido, o FGS não atuou em obediência aos princípios da Boa-Fé, da Justiça e da Razoabilidade, isto porque, desde logo, quando indefere os requerimentos do Autor, sabe que está a praticar uma ilegalidade, tando assim é, que posteriormente acata as decisões dos tribunais proferidas nesse sentido, e a intenção que manifesta junto do Provedor de Justiça de corrigir a sua decisão inicial, incorrendo num manifesto abuso de direito – cfr. documentos juntos à PI – pois, como pessoa de bem, deveria ter procedido imediatamente à reapreciação de todos os requerimentos, tanto mais que nunca ficaria prejudicado, porque ficaria sub-rogado nos direitos dos trabalhadores.
XXVIII - Não devendo ter de ser a parte mais fraca, mais frágil, mais desgastada em todo este processo, o trabalhador que ficou sem o emprego e sem os seus créditos, fruto do trabalho prestado, a ter de requerer a extensão dos efeitos de sentenças transitadas em julgado, como sugerido na sentença recorrida, de que o Autor só vem a ter conhecimento muito tarde, com o ónus de ter conhecimento de um certo número de sentenças, transitadas em julgado, favoráveis e desfavoráveis, para dar cumprimento aos pressupostos do art. 161.º do CPTA, para obter uma decisão que desde sempre lhe deveria ter sido favorável.
XXIX - A Boa-Fé consiste num princípio geral da ação administrativa que impõe que, no seu desenvolvimento, deve existir uma conduta leal, conduta segundo o direito que tem um aspeto negativo: não lesar a ninguém, e outro positivo: agir de maneira ativa na execução da prestação devida, cumprir fielmente a sua parte na obrigação; enfim, respeito aos direitos do administrado.
XXX- Apesar do art. 2.º, n.º 8 do referido Regime estatuir que “o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”, aquele prazo não é de caducidade, ao contrário do sustentado pela sentença ora recorrida, como aliás, já decidido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 328/2018, de 27 de Junho de 2018, o qual julgou “inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.” – e está, por isso sujeito a interrupções e suspensões e o agora estatuído no n.º 9 do mesmo artigo, com a redação que lhe foi dada pela Lei 71/2018, de 31 de Dezembro.
XXXI- O que está em causa nos presentes autos é o direito a proteção por parte do Estado, no caso concreto, na sequência de um Processo de Insolvência, seguido de um Processo Especial de Revitalização, consagrado na Lei, na Constituição da República Portuguesa (art. 59.º, n.ºs 1, al. a) e 3) e no Direito da União Europeia (Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008), sendo certo que, de acordo com o Acórdão do TC supra mencionado, “o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1 da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efetividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição)”.
XXXII – Considerando que só em 22/01/2018 foi proferida sentença no processo de Impugnação dos Créditos, no âmbito da Insolvência n.º 1277/11.1TJVNF e que a homologação do Plano do PER só ocorreu em 4 de Abril de 2017, deve considerar-se existirem causas de interrupção ou suspensão do referido prazo de um ano.
XXXIII -Além dos alegados vícios do ato ora em apreço, o Autor não concorda com a sentença recorrida quando preconiza não existir qualquer vício de forma no despacho em causa, por falta de fundamentação, sobre o qual, aliás, não expende grandes considerações, porquanto o art. 152.º do CPA, que impõe o dever de fundamentação dos atos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, sendo que, de acordo com o art. 125.º, do mesmo diploma, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com parecer.
XXXIV- Sendo certo que a obrigação de fundamentar a decisão administrativa surge como concretização da obrigação geral de fundamentação dos atos administrativos, que, de forma expressa e acessível devem dar a conhecer aos respetivos destinatários os motivos por que se decide de determinado modo e não de outro, sendo que a doutrina e a jurisprudência são pacíficas quando entendem que só se considera a fundamentação devidamente levada a cabo “quando cumpridas as exigências externas de clareza e suficiência, exigências essas que são, concomitante e endogenamente exigíveis, aliás na linha do disposto no art. 268.º, n.º3 da CRP” – cfr. Novo Código do Procedimento Administrativo – Anotado e Comentado, pág. 196, 2016, 3ª. Ed., Almedina – sendo um dever constitucional que impõe à Administração que pondere antes de decidir – contribuindo para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem a responsabilidade da decisão – e visa, por outro lado, permitir ao administrado a compreensão do processo mental que conduziu à decisão.
XXXV- A nossa Jurisprudência tem vindo a entender que a fundamentação do ato administrativo é um conceito relativo – porque varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto – mas que a fundamentação só é suficiente quando permite que um destinatário normal se aperceba do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de modo a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
XXVI- A fundamentação do ato consubstancia um dever da Administração, bem como um direito subjetivo do administrado de conhecer os fundamentos factuais e as razões legais que permitem à autoridade administrativa conformar-lhe negativamente a sua esfera jurídica, traduzindo-se em enunciar de forma explícita as razões ou motivos que conduziram a entidade administrativa à prática do ato, enunciar as premissas de facto e de direito nas quais a respetiva decisão administrativa assenta.
XXXVII- A obrigação de fundamentar constitui um importante sustentáculo da legalidade administrativa, e o direito à fundamentação constitui instrumento fundamental da garantia contenciosa, pois que é elemento indispensável na interpretação do ato administrativo.
XXXVIII – No entanto, analisando o ato administrativo impugnado, verificamos que o fundamento para o indeferimento do requerimento apresentado pelo Autor foi o seguinte:
“O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art. 2.º do Dec. Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril” (negrito e sublinhado do Autor), constatando-se que do seu teor sejam patentes as referências factuais e os normativos aplicáveis, o que permite a conclusão de que o ato impugnado não se encontra fundamentado de facto e de direito, nem que documentos se encontram em falta para a instrução do processo, padecendo, pois, do vício de forma por falta de fundamentação que o torna ilegal, gerando a sua NULIDADE ofender o conteúdo essencial dos direitos fundamentais do Autor reclamados (art. 161.º, n.º 1, al. d) do CPA); se assim não se entender, o ato é anulável nos termos do artigo 163.° do CPA, anulabilidade essa que aqui expressamente se argui.
XXXIX- A sentença recorrida também enferma de erro manifesto na interpretação e aplicação do direito, quando conclui não existir qualquer inconstitucionalidade na aplicação e interpretação efetuada pelo FGS ao n.º 8 do art. 2.º do NRFGS, ao considerar que o prazo de um ano é de caducidade, sem possibilidade de interrupções e suspensões, bem como os segmentos da norma do art. 3.º, n.º 3, als. a) e b), do mesmo diploma, que excluem da reapreciação oficiosa, por parte do FGS, os requerimentos para pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho de trabalhadores despedidos da mesma empresa, no âmbito do mesmo processo de insolvência, apresentados na pendência de PER que surge na continuidade daquele processo de Insolvência, bem como os que foram apresentados em datas anteriores a 1 de Setembro de 2012, para cumprimento da tempestividade dos mesmos, e que tinham direito a serem pagos pelo FGS, por se verificarem todos os pressupostos legais, quer formais e materiais, por violação do Princípio da Igualdade amplamente consagrado nos arts. 13.º e 59.º, nºs. 1, al. a) e 3 da CRP, do Princípio fundamental do Estado de garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático, estatuído nos arts. 2.º e 9.º, al. b) da CRP, que tem como objetivo a realização da democracia económica e social, através, designadamente, do princípio da legalidade da administração e da justiça administrativa, da proporcionalidade (art. 18.º da CRP), e dos direitos constitucionais consagrados nos arts. 59.º e 63.º, n.ºs 1 e 3 da CRP, designadamente o direito ao acesso à Segurança Social nas situações de maior carência e fragilidade psicológica e económica.
XL - Os arts. 2.º, n.º 8 e 3.º, n.º 3, als. a) e b) do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, na interpretação que lhes foi dada pelo FGS e pelo Tribunal recorrido, violam, desde logo, o princípio da Igualdade amplamente consagrado no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa e, em especial, na igualdade dos trabalhadores na retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna, assistência material e promoção pelo Estado das condições de retribuição a que os trabalhadores têm direito, bem como nas garantias especiais de que gozam os salários, e bem assim do direito de acesso à segurança social e solidariedade e à proteção do sistema de segurança social e de solidariedade em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência, em igualdade de oportunidades (cfr. arts. 59.º, n.º 1, alíneas a), e e), e n.ºs 2 e 3, e 63.º, n.ºs 1 e 3 da CRP).
XLI - Na sua dimensão material ou substancial o Princípio Constitucional da Igualdade vincula em primeira linha o legislador ordinário, mas não impede o órgão legislativo de definir as circunstâncias e os fatores tidos como relevantes e justificadores de uma desigualdade de regime jurídico num caso concreto, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, sendo que o mesmo não pode ser entendido de forma absoluta, em termos tais que impeça o legislador de estabelecer uma disciplina diferente quando diversas forem as situações que as disposições normativas visam regular, pois enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio.
XLII -Esta dualidade de tratamento, sufragada pela interpretação seguida pelo ato administrativo impugnado, na medida em que permite que trabalhadores da mesma empresa declarada insolvente, despedidos na mesma data, com as suas contribuições pagas, com os requerimentos dirigidos ao FGS apresentados tempestivamente, sejam tratados injustificadamente de forma diferenciada, perfila-se como uma desigualdade desprovida de fundamento material ou objetivo bastante, não se vislumbrando qualquer razão sustentada em valores ou interesses radicados numa racional fundamentação ou na prossecução de valores constitucionalmente tuteláveis que justifique uma diferenciação consubstanciada na garantia do pagamento da aludida prestação pecuniária para as situações em que os trabalhadores apresentaram os seus requerimentos ao FGS entre os dias 1 de Setembro de 2012 e 4 de Maio de 2015, e para a negação desse pagamento a outras situações, como aquela em que se encontra o Autor, apenas porque o FGS e o Tribunal recorrido não fizeram uma correta interpretação e aplicação das normas estabelecidas nos arts.2.º, n.º 8 e 3.º, n.º 3, als. a) e b) do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril.
XLIII - Tendo presente esta argumentação e a realidade factual subjacente ao presente litígio, o Autor tem para si que o ato administrativo impugnado incorreu no vício de inconstitucionalidade que lhe vem assacado, o que aliás, parece confirmado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional já referido e que assenta a sua decisão nas normas constitucionais (arts. 2.º, 13.º e 59.º, n.ºs 1, al. a) e 3 da CRP) e europeias, bem como nas decisões jurisprudenciais do TJUE, designadamente, segundo o Tribunal de Justiça”(…) quando se verifica uma discriminação contrária ao direito comunitário e enquanto as medidas que restabelecem a igualdade de tratamento não forem adotadas, o respeito do princípio da igualdade só pode ser assegurado pela concessão, às pessoas da categoria desfavorecida, das mesmas vantagens de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada (acórdão Rodriguez Caballero[…] n.º 42). (…)Em tal hipótese, o juiz nacional deve afastar toda e qualquer disposição nacional discriminatória, não tendo de pedir ou aguardar a sua eliminação prévia pelo legislador, e aplicar aos membros do grupo desfavorecido o mesmo regime de que beneficiam os outros trabalhadores (acórdão Rodriguez Caballero […] n.º 43, e jurisprudência aí indicada). Esta obrigação incumbe-lhe independentemente da existência, no ordenamento jurídico nacional de disposições que lhe atribuam competência para assim proceder” - “ processo C-309/12, Anacleto Cordero Alonso c. Fondo de Garantia Salarial (Fogasa), acórdão de 7 de setembro de 2006, ECLI:EU:C:2006:529, pontos 45 e 46.”
XLIV - Perante os factos alegados e os documentos juntos, o Tribunal recorrido adotou uma posição legalista e formalista, em detrimento da realização da justiça material e efetiva, da defesa dos direitos fundamentais do trabalhador, garantidos constitucionalmente, como seja a garantia especial dos salários incluída no Fundo de Garantia Salarial, a qual é efetivada através do pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, em virtude da situação de insolvência da entidade empregadora ou de processo especial de revitalização (art. 1.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial), a satisfazer pelo FGS, nos termos da Constituição da República Portuguesa (art.º 59.º, n.ºs 1, al. a) e 3.
XLV - Aquele pagamento visa proteger os trabalhadores (e as suas famílias) na situação de insolvência ou de PER da entidade empregadora, através da concessão de prestação pecuniária pelo Estado substitutiva dos rendimentos da atividade profissional perdidos, constituindo uma prestação pecuniária indemnizatória/compensatória, e que é efetivada por se verificar a situação de insolvência ou PER da entidade empregadora, destinando-se a assegurar aos trabalhadores, detentores de créditos remuneratórios em dívida e indemnização relativa à cessação da relação de trabalho, os rendimentos que estes deixaram de auferir, tornando-se um dos direitos que dão ¯expressão àquilo que poderá designar-se por constituição social (não, obviamente, no sentido de ordem constitucional da sociedade, mas sim no sentido de ordem constitucional dos direitos e prestações sociais)‖ [Vide neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 814] e parece estar também abrangida pelo teor literal dos n.ºs 1 e 3 do art. 63.º da CRP, que consagram o direito do acesso à segurança social e à solidariedade e do direito à proteção do sistema de segurança social e à solidariedade em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência, em igualdade de oportunidades.
XLVI - E aqueles direitos têm a natureza análoga a direito, liberdade e garantia (cfr. art. 17.º da CRP), atenta a sua densificação constitucional [Vide neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1993, págs. 141-142 e 318-320], pelo que os direitos constitucionais dos trabalhadores à igualdade na retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna, assistência material e promoção pelo Estado das condições de retribuição a que têm direito, bem como nas garantias especiais de que gozam os salários, e bem assim do direito de acesso à segurança social e solidariedade e à proteção do sistema de segurança social e de solidariedade em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência, em igualdade de oportunidades, aproveitam do regime constitucional próprio dos direitos, liberdades e garantias.
XLVII - Em suma, os arts. 13.º, 59.º e 63.º da CRP são dotados de aplicabilidade direta, não obstante caber ao legislador ordinário a tarefa de assegurar a sua efetividade e concordância com os direitos constitucionalmente protegidos, sendo que as leis que os restrinjam têm de revestir carácter geral e abstrato, e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e alcance do seu conteúdo essencial (arts. 17.º e 18.º da CRP).
XLVIII - Isto porque o art. 3.º, n.º 3 do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, ao estatuir a reapreciação oficiosa dos requerimentos apresentados pelos trabalhadores no âmbito de PER e os que tiverem sido entregues entre os dias 1 de Setembro de 2012 e a data da entrada em vigor daquele diploma, ou seja, dia 4 de Maio de 2015, viola o mencionado Princípio da Igualdade, previsto nos artigos supra identificados da Constituição: Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, quando interpretado no sentido de excluir dessa reapreciação oficiosa os requerimentos apresentados no FGS, com vista ao pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho de trabalhadores da mesma entidade empregadora insolvente, apresentado atempadamente, cujo fundamento de indeferimento inicial foi o mesmo, em data anterior a 1 de Setembro de 2012, porque assim eram obrigados para cumprimento da lei, e permitir a reapreciação de requerimentos de trabalhadores que os apresentaram no intervalo de tempo entre 1 de Setembro de 2012 e 4 de Maio de 2015, isto porque foram despedidos mais tarde.
XLIX- Aquela norma, quando interpretada no sentido de excluir a reapreciação oficiosa por parte do FGS dos requerimentos para pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho de trabalhadores despedidos da mesma empresa, no âmbito do mesmo processo de insolvência, apresentados em datas anteriores a 1 de Setembro de 2012, e que tinham direito a serem pagos pelo FGS, por se verificarem todos os pressupostos legais, quer formais e materiais, é inconstitucional por violação grosseira do Princípio da Igualdade, previsto no arts. 13.º, n.º 1, 59.º, n.ºs 1, al. a) e 3 da CRP, e do princípio fundamental do Estado de garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático, estatuído nos arts. 2.º e 9.º, al. b) da CRP, que tem como objetivo a realização da democracia económica e social, através, designadamente, do princípio da legalidade da administração e da justiça administrativa.
L - O Tribunal recorrido ao não concluir desta forma, viola aqueles dispositivos legais e constitucionais.
LI - E não se diga que o trabalhador tinha meios de defesa, pois embora que sendo verdade que o recorrente poderia ter impugnado aquela decisão, é também verdade que foi induzido em erro pelos diversos despachos proferidos pelo FGS, e que constam do PA, e pelo facto daquele ter assumido perante o Provedor de Justiça que iria rever todos os requerimentos apresentados pelos trabalhadores, tendo faltado ao seu compromisso.
LII- Diga-se, ainda, que o FGS ao interpretar o art. 3.º, n.º 3 do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, no sentido em que o fez, importa também a violação do Princípio da Proporcionalidade, previsto nos arts. 2.º e 18.º, n.ºs 2 e 3 da CRP
LIII - Aos tribunais é vedada a aplicação de normas que infrinjam o disposto na Constituição, ou os princípios nela consignados, devendo recusar a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade (cf. Arts. 204.º, 277.º e 280.º, n.º 1, da CRP), pelo que deverá proceder a presente ação, devendo a Sentença ser alterada e ser judicialmente determinado que o FGS proceda ao pagamento ao Autor da quantia de €10.026,00, à qual deverá subtrair-se as deduções legais, pelo que o Despacho do Senhor Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial de 25 de Maio de 2017, que indeferiu o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado pelo Autor, além de inconstitucional, nos termos supra expostos, é NULO, nos termos do art. 161.º, n.º 1, al. d), do CPA, por ofender o conteúdo essencial dos direitos fundamentais do Autor; se assim não se entender, é anulável, nos termos do artigo 163.º do citado diploma, ANULABILIDADE essa que aqui também expressamente se deixa arguida, pelos fundamentos supra expostos e que por uma questão de economia processual se dão aqui por integralmente reproduzidos.
LIV- A douta decisão recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento tendo violado frontalmente, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nas normas e princípios legais e constitucionais supra referido, incluindo o art. 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPTA, ao não fundamentar devidamente de facto e de direito a decisão tomada, nem analisando criticamente as provas, ignorando documentos com relevância para os presentes autos.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exªs proficientemente suprirão, requer-se a V. Exªs que seja concedido provimento ao recurso e, em consequência:
A) Ser admitida a certidão da sentença proferida no âmbito do processo de Impugnação de Créditos, proferida no dia 22/01/2018, que se junta, atendendo a que a mesma é posterior à fase dos articulados e o Tribunal recorrido proferiu de imediato despacho saneador, sem audiência prévia;
B) Ser alterada a matéria de facto dada como provada, aditando aos «Factos Provados» os factos constantes do ponto IV das Conclusões, bem assim dando como provados os factos constantes do ponto III das Conclusões;
C) Declarar-se modificada a Sentença recorrida para ser substituída por outra, pela qual, julgue a ação totalmente procedente e condene o Réu FGS a pagar ao Autor a quantia de €9.210,34, acrescida dos respetivos juros legais, à qual deverá subtrair-se as deduções legais, por violação:
a) Do princípios da Legalidade, da Igualdade, previsto no art. 6.º do CPA, da Prossecução do Interesse Público e da Proteção dos Direitos e Interesses dos Cidadãos (art. 4.º do CPA), da Proporcionalidade (art.7.º do CPA), da Justiça e da Razoabilidade (art. 8.º do CPA), da Imparcialidade (art. 9.º), da Boa-Fé, da Proteção da Confiança e da Segurança Jurídica (art. 10.º do CPA);
b) do princípio da Igualdade, amplamente consagrado nos arts. 13.º e 59.º, nºs 1, al. a) e 3 da CRP, do princípio fundamental do Estado de garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático, estatuído nos arts. 2.º e 9.º, al. b) da CRP, que têm como objetivo a realização da democracia económica e social, através, designadamente, do princípio da Legalidade da Administração e da Justiça Administrativa, da Proporcionalidade (art. 18.º da CRP), no art. 63.º, n.ºs 1 e 3 da CRP, designadamente o direito ao acesso à Segurança Social, porquanto a interpretação da norma do art. 3.º, n.º 3, als. a) e b) do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, no sentido de excluir a reapreciação oficiosa por parte do FGS, os requerimentos para pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho de trabalhadores despedidos da mesma empresa, no âmbito do mesmo processo de insolvência, apresentados na pendência de PER que surge na continuidade daquele processo de Insolvência, bem como os que foram apresentados em datas anteriores a 1 de Setembro de 2012, para cumprimento da tempestividade dos mesmos, e que tinham direito a serem pagos pelo FGS, por se verificarem todos os pressupostos legais, quer formais e materiais, é inconstitucional;
D) Declarar-se a inconstitucionalidade do art. 2.º, n.º 8 do NRFGS quando interpretado no sentido de se estar perante um prazo de caducidade, com a consequência do mesmo estar sujeito a interrupções e suspensões, assim se fazendo JUSTIÇA!”

Não foram apresentadas Contra-alegações de Recurso.
Após vicissitudes de ordem processual e procedimental que aqui não relevam, em 28 de outubro de 2019 foi proferido Despacho de admissão do Recurso Jurisdicional.
O Ministério Público junto deste Tribunal, devidamente notificado, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, mormente no que concerne aos erros na fixação da matéria de facto e erros de julgamento quanto à matéria de direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
A) O Autor trabalhou na sociedade “N. , S.A.”, desde 08-08-1988 até ao dia 18-04-2011, data em que foi despedido (facto não impugnado e considerado admitido por acordo nos termos do disposto no art. 83º nº4 do NCPTA);
B) Em 19-04-2011, foi instaurada ação de insolvência contra a sociedade “N.- , S.A.”, que correu termos no 5.º juízo cível do Tribunal da Comarca de Vila Nova de Famalicão, com o n.º de processo 1277/11.1TJVNF, e em 16-05-2011 foi proferida sentença nos autos identificados no ponto anterior, que decretou a insolvência da “N.- , S.A.”, onde foi nomeado administrador da insolvência, A. (facto não impugnado e considerado admitido por acordo nos termos do disposto no art. 83º nº4 do NCPTA e cfr. documento junto a fls.41 do SITAF);
C) O Autor reclamou créditos no processo descrito na alínea anterior, no montante global de €20.826,75 (cfr. documento junto a fls.43/127 e ss do SITAF);
D) O Administrador de Insolvência nomeado no processo n.º 1277/11.1TJVNF, melhor descrito na alínea B) do probatório, reconheceu ao Autor um crédito no montante global de €19.031,39 (cfr. documento junto a fls.43/127 e ss do SITAF);
E) O Autor impugnou os créditos reconhecidos pelo Administrador de Insolvência (cfr. documento junto a fls.128/129 do SITAF);
F) Em 15-07-2011, o Autor apresentou nos serviços da ED requerimento no qual peticiona o pagamento de quantia respeitante a créditos emergentes de contrato de trabalho, tendo aí referido que auferia a retribuição mensal ilíquida de € 681,70 e que os valores reclamados respeitavam a processo judicial de insolvência, a decorrer no Tribunal de Vila Nova de Famalicão, 5.º juízo, processo n.º 1277/11.1TJVNF (cfr. documento junto a fls.130/131 do SITAF e cujo teor se dá por reproduzido);
G) Por ofício datado de 07-12-2012, o requerimento referido em F) foi indeferido (cfr. documento junto a fls.133/134 do SITAF e cujo teor se dá por reproduzido);
H) O Autor não deduziu processo judicial contra a decisão proferida pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial identificada em G) do probatório (facto não impugnado e considerado admitido por acordo nos termos do disposto no art. 83º nº4 do NCPTA);
I) Em 11-12-2013, a sociedade comercial “N., S.A.” deu entrada em juízo de um PER, que correu os seus termos na Comarca de Vila Nova de Famalicão – 2.ª Secção do Comércio, J.2, sob o processo n.º 3380/13.4TJVNF, tendo sido proferido despacho de nomeação de Administrador Judicial provisório (cfr. documento junto a fls.165/205 do SITAF e facto considerado admitido por acordo nos termos do disposto no art. 83º nº4 do NCPTA e cfr. documento junto a fls.5 do PA);
J) O Autor reclamou créditos no processo descrito na alínea I) do probatório, no montante global de € 15.460,68 (cfr. documento junto a fls.244/248 do SITAF);
K) Em 04-05-2016 Autor apresentou requerimento junto dos serviços da ED com vista ao pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho ao aqui Autor, indicando como nome de empregador a sociedade “N., S.A.”, a retribuição base mensal ilíquida de € 681,70, a data de cessação do contrato de trabalho em 18-04-2011, no qual peticiona o pagamento da quantia global de € 19.031,39, tendo aí referido que os valores reclamados respeitavam a processo judicial de PER, a decorrer no Tribunal de Vila Nova de Famalicão – Braga, J2, 2.ª Secção de Comércio, processo n.º 3380/13.4TJVNF, cuja ação foi apresentada em 11-12-2013 (cfr. fls.1/1v do PA e cujo teor se dá por reproduzido);
L) Em 19-01-2017, foi elaborada informação pelos Serviços da Unidade de Apoio à Direção/Núcleo de Apoio Jurídico do Instituto da Segurança Social, I.P., nos termos da qual se propunha o indeferimento dos requerimentos apresentados, entre os quais o do aqui Autor e do qual consta, além do mais, o seguinte (cfr. fls.4/5v do PA):
“(…)
I - A empresa em referência deu entrada de um processo Especial de revitalização (PER), no âmbito do Processo N.º 3380/13.4TJVNF que correu os seus termos na Comarca de Vila Nova de Famalicão – 2.º Secção do Comércio, J2 em 12/12/2013, sendo proferido despacho de nomeação de administração judicial provisório em 26/12/2013, encontrando-se assim, preenchido o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril.
II- Os requerentes reclamam créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, em conformidade com a previsão do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
(…)
Proposta:
Nestes termos, por não se encontrarem preenchidos os requisitos previstos nos artigos 1.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, conducentes à intervenção do FGS, parece-nos de indeferir os requerimentos apresentados, porquanto:
A) Os requerimentos não foram apresentados no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril”;
M) Em 08-03-2017, foi elaborada informação pelo Fundo de Garantia Salarial, sancionada superiormente pelo Presidente do Fundo de Garantia Salarial, com despacho concordante de 13-03-2017 (cfr. fls. 6/11 do PA);
N) Por ofício datado de 26-05-2017 a ED remeteu ao Autor ofício notificando-o da intenção de indeferir o pedido m.i. na alínea K) do probatório (cfr. fls.12 do PA e cujo teor se dá por reproduzido);
O) Por ofício datado de 17-06-2017 remetido pela ED, foi comunicado ao Autor o seguinte (cfr. fls.13 do PA):
“(...)
O fundamento para o indeferimento é o seguinte:
O Requerimento não foi apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, de 21 de abril
(...)”
Foi neste Tribunal introduzido o seguinte facto, nos termos do Artº 662º nº 1 do CPC:
P) No âmbito do Processo nº 3380/13.4TJVNF - Processo Especial de Revitalização que correu no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão - Juiz 2 de Vila Nova de Famalicão, foi proferido Acórdão homologatório do Plano de Revitalização no Tribunal da Relação de Guimarães do dia 04-04-2017. (Cfr. Doc. 19 PI SITAF)

IV – Do Direito
No que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...) Á data da apresentação do requerimento m.i. na alínea K) já se encontrava em vigor o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (NRFGS) aprovado pelo DL nº 59/2015, de 21/04 e mais concretamente o art.º 2º nº8 do Anexo do DL n.º 59/2015 de 21/04.
(...)
De facto, o requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho apresentado pelo Autor deu entrada em 04-05-2016, ou seja, já na vigência do NRFGS – alínea K) do probatório.
Assim sendo, como é, impõe-se agora aquilatar se assiste ao Autor o direito em ver a sua pretensão satisfeita e em obter sentença condenatória da ED no pagamento dos créditos requeridos por aquele a título de créditos emergentes de contrato de trabalho por os mesmos se encontrarem abrangidos à luz do NRFGS.
Porém, a resposta é negativa.
(...)
Aqui chegados, importa, primeiramente, averiguar se o requerimento apresentado pelo Autor em 04-05-2016, configura uma renovação/reformulação/reapreciação do requerimento inicial apresentado em 15-07-2011, que mereceu por parte da ED, a decisão de indeferimento notificada ao Autor em 07-12-2012.
(...)
Aqui chegados, concluindo-se que o requerimento constante da alínea K) apresentado em 04-05-2016 não é um pedido de reapreciação do requerimento apresentado em 15-07-2011 – alínea F) -, por assentar em pressupostos fácticos diferentes, entendemos que não tem acolhimento legal a tese defendida pelo Autor de que incumbia à ED, por aplicação das normas transitórias previstas no n.º 3 do art.º 3.º do DL n.º 59/2015, reapreciar, oficiosamente, o requerimento inicial, por duas ordens de razões:
-por um lado, à data da entrada em vigor do referido diploma, não existia qualquer decisão administrativa que tivesse apreciado qualquer requerimento apresentado pelo Autor ao abrigo do PER (note-se que a Lei nº 35/2004 não previa a possibilidade de requerimento do pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho em caso de PER), de nada valendo a alegação do Autor de que o requerimento apresentado em 04-05-2016 foi apresentado na pendência do PER pois o termo “reapreciação” significa apreciar novamente, ou seja, apreciar algo que já tenha sido objeto de uma decisão anterior, o que não sucede no caso sub juditio;
-por outro lado, também não tem enquadramento legal a reapreciação oficiosa prevista na alínea b) do referido n.º 3 do art.º 3.º do DL n.º 59/2015, porquanto o requerimento inicial foi apresentado antes de 01-09-2012, não se situando na baliza temporal definida na aludida norma.
(...)
Aqui chegados, e relativamente à pretensão material formulada pelo Autor no concerne ao requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, datado de 04-05-2016 e m.i. na alínea K) do probatório e como referimos supra, sublinhe-se que atenta a data em que o Autor apresentou nos serviços da ED o seu requerimento para pagamento dos créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho - 04/05/2016 -, já se encontrava em vigor o NRFGS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, pelo que nos termos do art.º 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, “ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial (…), os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor”, ou seja, a pretensão do Autor deve ser apreciada à luz do regime estabelecido pelo NRFGS, razão pela qual, tratando-se de uma situação abrangida pelo disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 1.º do NRFGS – O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização -, o acolhimento da pretensão do Autor não pode deixar de cumprir o requisito estabelecido no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS.
Todavia, o referido art.º 2º nº8 do NRFGS dispõe que “o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
Ora, no caso sub juditio resulta do probatório que o contrato de trabalho do Autor cessou em 18-04-2011 e o requerimento foi apresentado em 04-05-2016, portanto, depois de ter decorrido o prazo de um ano sobre o dia seguinte à data em que cessou o referido contrato de trabalho, sendo certo que o prazo previsto na aludida norma, tem sido entendido pela jurisprudência como se tratando de um prazo de caducidade
(...)
In casu, resulta provado que o contrato de trabalho cessou em 18-04-2011 pelo que assim sendo, atendendo a que os créditos laborais se vencem com a cessação do contrato de trabalho, a caducidade do direito do Autor ocorreria em 19-04-2012.
Deste modo, tendo o Autor apresentado o requerimento junto da ED em 4/05/2016, já há muito que havia sido ultrapassado o prazo de caducidade de um ano previsto no citado artigo 2.º, n.º 8, motivo pelo qual se conclui que a apresentação do requerimento em 04-05-2016 se mostra intempestiva.
Poder-se-ia questionar se o prazo estabelecido para o pagamento dos créditos requeridos, sendo condição de admissibilidade e constitutivo do exercício do direito, poderia ser compatibilizado com a formulação anterior prevista no artigo 3.º do artigo 319.º do Regulamento do Código do Trabalho, que rezava o seguinte: “o fundo de garantia salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição”.
É certo que considerando as datas a que se reportam a formação dos créditos laborais em causa (ano de 2011), ocorreu uma alteração das regras de contagem para a apresentação tempestiva dos requerimentos para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, por força do novo regime legal aplicável.
Nos termos do disposto no artigo 337.º, n.º 1, do anexo da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, “o crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”, o que permite concluir que os créditos laborais reclamados, por efeito das referidas normas, prescreveriam em 19/04/2012, sendo que, atendendo à regra do já citado no artigo 319.º, n.º 3, do Regulamento, o fundo de garantia salarial só assegurava o pagamento dos créditos que lhe fossem reclamados até três meses antes da respetiva prescrição. Não se ignora o entendimento sufragado no recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo 00840/16.9BEPRT, e datado de 28/04/2017, segundo o qual, “Sendo de 20 anos – prazo ordinário de prescrição dos direitos – o prazo para reclamar créditos salariais junto do Fundo de Garantia Salarial que foram reconhecidos por sentença judicial, face ao disposto nos artigos 309.º e 311.º, n.º1, do Código Civil e no artigo 319.º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29.07, e faltando assim anos para a caducidade do direito de reclamar o pagamento dos referidos créditos, o prazo de caducidade de um ano a contar da cessação do contrato de trabalho que resulta da aplicação do artigo 2º, nº 8, do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, só começa a contar-se a partir da entrada em vigor deste último diploma legal, 4 de Maio de 2015, face ao disposto no 297º do Código Civil”, analisada a argumentação aí expendida, conclui-se que o mesmo não tem aplicabilidade ao caso que nos ocupa uma vez que ao contrário do que sucede no caso em apreço, naquele outro processo ficou demonstrado que foi instaurada uma ação judicial na qual os ali Autores viram reconhecidos os seus créditos, e, tendo a citação interrompido o prazo de prescrição, o reconhecimento desses créditos tem como consequência que o prazo de prescrição dos mesmos só ocorra passados vinte anos, conforme resulta do disposto no artigo 311.º, n.º 1, conjugado com o artigo 309.º, ambos do Código Civil.
Ora no caso sub juditio, não se extrai do probatório que tenha sido proferida uma qualquer sentença que, conhecendo do mérito, se tenha pronunciado sobre a relação substancial - os créditos salariais - em litígio e reconhecido o direito do Autor às quantias pecuniárias, que constitua, nessa parte, um título condenatório inequívoco para a sociedade empregadora, com efeito interruptivo ou suspensivo do prazo de prescrição, nem o Autor assim invoca que tenha transitado em julgado uma sentença de condenação ao pagamento dos créditos em que tivesse sido visada a sua antiga sociedade empregadora (mormente, emitida por um Tribunal do Trabalho).
Assim, por determinação legal expressa, exceto nos casos em que a lei o determine, os prazos de caducidade não se suspendem nem se interrompem, nos termos do disposto no artigo 328.º do CC, sendo de aplicar o prazo de caducidade a que se refere o art.º 2.º, n.º 8, do NRFGS, e constatando-se que o mesmo se iniciou no dia 19-04-2011, em 04-05-2016 já tinha decorrido o prazo de caducidade para o exercício do direito que o Autor pretende efetivar em juízo.
Pelo exposto, aquando da apresentação do requerimento m.i. na alínea K) do probatório, á se encontrava em vigor o novo regime do Fundo de Garantia Salarial que estabelece um prazo especifico de caducidade, sendo que, o mesmo requerimento será analisado à luz do regime aplicável no momento da sua apresentação (cfr. artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 59/2015), que estipula um prazo de caducidade que não foi observado pelo Autor, não podendo proceder a pretensão material deduzida em juízo pelo Autor.
Acresce uma outra razão aponta para a improcedência da pretensão material do Autor.
Com efeito, por força do disposto no art.º 2.º, n.º 4 do NRFGS, “o Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores (…) à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização”, e o n.º 5 da mesma disposição legal acrescenta que “caso não existam créditos vencidos após o referido período de referência mencionado no número anterior ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo assegura o pagamento, até este limite, de créditos vencidos após o referido período de referência.”; ora, analisando o probatório verifica-se que os créditos salariais reclamados pelo Autor reportam-se à data de cessação do contrato de trabalho, ou seja, em 18-04-2011 e o PER foi apresentado pela sua anterior entidade empregadora em 11-12-2013, o que significa que o período de referência a que alude o n.º 4 do art.º 2.º do NRFGS situar-se-ia entre o dia 11-06-2013 e 11-12-2013, pelo que tendo os créditos laborais reclamados pelo Autor se vencido em 18-04-2011, os mesmos não se encontram dentro do referido período de referência, motivo pelo qual a ED, por a tal estar vinculada, não poderia efetuar qualquer pagamento ao Autor a título de créditos por cessação de contrato de trabalho.
Finalmente, o Autor alega que a interpretação adotada pela ED no ato administrativo ora impugnado, é materialmente inconstitucional por violar os princípios da igualdade (art.º 13.º da CRP), do princípio fundamental do Estado de garantir os direitos e garantias fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático (art.ºs 2.º e 9.º, al. b) da CRP), dos princípios da legalidade administrativa, da justiça administrativa, da proporcionalidade (art.º 18.º da CRP), e dos direitos constitucionais consagrados nos artigos 59.º e 63.º, n.ºs 1 e 3 da CRP, na medida em que permite que trabalhadores nas mesmas circunstâncias – trabalhadores da mesma empresa declarada insolvente e despedidos na mesma data -, sejam tratados de forma diferenciada e que o ato em crise violou o princípio da igualdade previsto no n.º 1 do art.º 13.º da CRP, porque o FGS não reapreciou oficiosamente o pedido que já havia recusado – requerimento apresentado em 2011 e que foi objeto de decisão de indeferimento mas que reunia todas as condições para ser deferido (porque apresentado tempestivamente na sequência de um processo de insolvência, encontrando-se devidamente instruído) bem como, não deferiu o pedido agora renovado no âmbito do PER, na continuação do pedido anterior, em desconformidade com o disposto na al. a) do n.º 3 do art.º 3.º do DL 59/2015 e, ainda, porque o regime previsto na al. b) do n.º 3 do art.º 3.º do DL 59/2015 permite um tratamento diferenciado para trabalhadores despedidos da mesma entidade empregadora, na mesma data, com direito a reclamarem o pagamento dos seus créditos, porquanto aqueles que apresentaram os seus requerimentos de forma tempestiva, não têm direito a ver os seus pedidos reapreciados enquanto que outros, que apresentem os seus requerimentos entre o dia 01-09-2012 até ao dia 04-05-2015, já têm esse direito.
Desde já adiantámos que não acompanhámos o entendimento do Autor.
Relativamente à violação do art. 63º da CRP, note-se que do mesmo não resulta um direito potestativo dos cidadãos obterem por parte do Estado o pagamento de prestações sociais de uma forma automática, desregulada e arbitrária; o que resulta é que o sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho, sendo certo que a regulamentação das condições de atribuição de tais prestações sociais deverá ser levada a cabo pelo legislador ordinário, criando o tal “sistema de segurança social”, nomeadamente, fixando as condições de acesso e os limites de tais prestações (como sucede com o NRFGS), sob pena de, a não entender-se assim, falência do sistema de segurança social.
Trata-se de um direito programático à segurança social, assumindo-se como um direito fundamental social cuja concretização exige uma intermediação legislativa (lei ordinária - infra constitucional). Assim, a invocação de vício de violação de lei por errada interpretação de um determinado regime legal – como faz aqui o Autor, quando alega o vício de violação de lei por errada interpretação da al. a) do n.º 3 do art.º 3.º do DL 59/2015 - configurará – em primeira linha – uma violação legal e não uma violação de norma constitucional, a qual, aliás, como vimos de dizer, não ocorreu, atendendo que a ED não atuou ilegalmente quando indeferiu a pretensão do Autor por apresentação intempestiva do seu requerimento, nem a norma acima identificada podia ser convocada pela ED, na medida em que só seriam objeto de reapreciação oficiosa, as decisões já proferidas e apresentadas no âmbito de um PER, o que não é o caso dos autos, dado que o requerimento apresentado em 04-05-2016, portanto, já depois da entrada em vigor do NRFGS, não tinha sido objeto de qualquer decisão anterior.
Sublinhe-se que nada impede o órgão legislativo ordinário de definir as circunstâncias e os fatores tidos como relevantes e justificadores como determinantes para aceder ao referido regime, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, como sejam normas para assegurar situações que mereçam proteção transitória entre regimes ou prazos para o exercício dos direitos regulados pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, não merecendo censura, por desconformidade com a ordem constitucional, o ato que, em observância da lei, indefere um pedido vertido num requerimento com um fundamento que se encontra previsto no respetivo regime e que não se afigura desproporcionado ou desrazoável em face dos valores e objetivos que visa tutelar.
Quanto à alegada violação do princípio da igualdade, o mesmo traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio, i.e., o princípio da igualdade consagrado na CRP define os limites externos da discricionariedade legislativa, proibindo o arbítrio, não podendo, no entanto, ser castrador da liberdade legislativa infraconstitucional, cabendo ao legislador ordinário definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar desigualmente.
No caso em apreço o Autor alega, em síntese, que o legislador ordinário, ao permitir a reapreciação oficiosa de requerimentos apresentados ao FGS entre 01-09-2012 e 04-05-2015, por trabalhadores que reclamam o pagamento de créditos emergentes da cessação de contrato de trabalho, viola o princípio da igualdade na medida em que impede outros trabalhadores que apresentaram os seus requerimentos antes desse período.
Competia ao Autor pormenorizar e concretizar as situações que mereceram tratamento desigual para situações iguais, de molde a permitir ao Tribunal desaplicar a norma legal convocada para a situação concreta, tal como impõe o art.º 204.º da CRP, o que não é o caso.
Com efeito, o princípio da igualdade consagrado constitucionalmente, não impede o legislador ordinário de estabelecer prazos para o exercício de direitos por parte dos destinatários da norma legal, em obediência ao princípio da certeza e segurança jurídica, nem impede o legislador ordinário de consagrar soluções para situações da vida que mereçam tutela através de normas transitórias entre regimes legais, desde que, como acima ficou explicitado, não sejam violados os limites externos da discricionariedade legislativa, através da proibição do arbítrio.
No caso em apreço resulta do probatório que ao abrigo do anterior regime de acesso ao Fundo de Garantia Salarial, o Autor, bem como outros trabalhadores, apresentaram os seus requerimentos ao FGS, no sentido desta Entidade Administrativa assegurar o pagamento de créditos emergentes da cessação de contrato de trabalho, em virtude da declaração de insolvência da sociedade “N.”.
A todos os requerimentos apresentados, o FGS decidiu pelo seu indeferimento, com o fundamento de que “Verifica-se no requerimento em apreço, que os créditos requeridos ao FGS serão extintos por força da homologação do plano de recuperação da empresa, e na exata medida e termos daquele plano de recuperação, termos nos quais inexistem por impossibilidade e inutilidade do seu objeto, fim ao qual se destinavam, e nos termos do artigo 112.º do CPA, uma vez que serão extintos através do pagamento pela devedora – n.º 1 do artigo 762.º do Código Civil” – tal como o Autor refere no art. 25º da PI.
Em face desta decisão, o Autor não utilizou como se impunha os mecanismos legalmente previstos que possibilitavam a impugnação administrativa ou judicial do ato de indeferimento.
Ou seja, o regime legal de acesso ao FGS, não impedia, de forma geral e abstrata que os ex-trabalhadores da empresa “N.” despedidos na mesma data que o Autor, utilizassem os mecanismos administrativos ou judiciais de molde a verem assegurados os direitos que o regime lhes proporcionava.
(...)
Uma última palavra para aludir à alegada violação dos princípios da Prossecução do Interesse Público e da Proteção dos Direitos e Interesses dos Cidadãos (art. 4.º do CPA), da Proporcionalidade (art.7.º do CPA), da Justiça e da Razoabilidade (art. 8.º do CPA), da Imparcialidade (art. 9.º), da Boa-Fé, da Proteção da Confiança e da Segurança Jurídica (art. 10.º do CPA).
Desde logo diga-se que o Autor se queda por uma alegação genérica quando invoca a violação de tais princípios sustentando a sua violação, em síntese, pelo facto de a decisão de indeferimento proferida pela ED ser injusta e criar situações desiguais, estar mal fundamentada, criar desconfiança nos cidadãos e se traduzir num manifesto abuso de direito.
Ainda assim, diga-se que já concluímos supra que o ato impugnado não viola os princípios da igualdade, da segurança social e da solidariedade ou que padeça de falta de fundamentação.
O mesmo se diga quanto à alegada violação dos restantes princípios que norteiam a atividade administrativa.
Com efeito, e relativamente à alegada violação dos princípios da confiança e segurança jurídica implícitos no art. 2º da CRP, sublinhe-se que o facto de o legislador ter tomado outra opção relativamente aos pressupostos de acionamento do FGS não contende com os princípios da segurança jurídica ou da proteção da confiança, pois o Tribunal Constitucional, a este respeito, afirmou no acórdão n.º 188/2009 que “o Tribunal Constitucional tem já firmado o entendimento de que o princípio do Estado de direito democrático postula «uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», conduzindo à consideração de que «a normação que, por natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança jurídica que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica» (entre outros, o acórdão n.º 303/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17º vol., pág. 65). Não há, no entanto, como se afirmou no já citado acórdão nº 287/90, «um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados». O legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na manutenção do regime legal.”.
(...)
Ora no caso dos autos, o novo regime legal não envolve uma direta violação dos princípios da segurança ou da proteção da confiança pois não existem factos integradores de um investimento de confiança, o desenvolvimento de ações ou omissões baseadas nessa situação de confiança e os danos resultantes da frustração de confiança, pelo que não se mostra violado tal princípio da tutela da confiança. Antes pelo contrário, o que ocorreu foi uma alteração legislativa no sentido de assegurar apenas o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Note-se que o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho requeridos pelos trabalhadores constituem meras expectativas e não um direito adquirido visto que, mesmo perante o reconhecimento dos créditos em sede de processo de insolvência, sempre se impõe à ED - perante um impulso do Autor traduzido na apresentação de um eventual requerimento e no qual este identifique e peticione o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho – que esta aprecie o mesmo e profira uma decisão (um ato administrativo) em cuja apreciação está (a ED) balizada pelos preceitos legais aplicáveis – in casu o NRFGS - não decorrendo sequer ipso facto de uma sentença de reconhecimento, verificação e graduação dos créditos proferida em sede de processo de insolvência, o direito de se obter o pagamento ali reconhecido e naquela exata medida por parte do FGS uma vez que, repete-se, estando tal pagamento sujeito à emissão de um ato administrativo, o mesmo está sujeito à aplicação dos princípios que norteiam a atividade administrativa como o princípio da legalidade, do qual decorre e desde logo que o pagamento a efetuar ao trabalhador está, designadamente, limitado quantitativa e temporalmente (como sucede no nº2 do art. 8º do NRFGS por exemplo), pelo que (o eventual) direito do Autor só após a prolação de tal ato nasceria na sua esfera jurídica, não sendo despiciendo recordar nesta sede que nos encontrámos no domínio de poderes vinculados e não discricionários.
Relativamente á alegada violação dos princípios da boa-fé, da prossecução do Interesse Público e da Proteção dos Direitos e Interesses dos Cidadãos, da Proporcionalidade, da Justiça e da Razoabilidade, da Imparcialidade, não se descortina que tal violação tenha ocorrido, uma vez que entendemos que a ED aplicou corretamente o quadro legal aplicável ao caso e fundamentou devidamente o ato, pelos motivos já supra expostos, tendo atuado ao abrigo de poderes vinculados e respeitado os princípios da igualdade e da legalidade tendo, ademais, respeitado os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica, pelo que assim sendo, não desrespeitou os direitos e interesses legalmente protegidos do Autor por ter observado o quadro legal aplicável, tratou o requerimento apresentado por este de forma justa face ao quadro legal aplicável tendo interpretado corretamente as normas jurídicas aplicáveis, tratou o Autor de forma imparcial e adequou o seu comportamento ao fim prosseguido pelo Autor mas respeitando o princípio da legalidade – aliás, note-se que deram entrada neste tribunal pelo menos mais 5 ações de idêntico teor à presente não sendo esta caso isolado – e, ainda, denota-se que foram respeitados, como referimos supra, valores fundamentais do direito relevantes em face da situação em apreço – nomeadamente o princípio da legalidade -, sublinhando-se novamente o facto de nos encontrarmos no domínio de poderes vinculados.
Em suma, entendemos que o ato impugnado não padece do vício de falta de fundamentação, de violação dos princípios da igualdade, da segurança social, da legalidade, da boa-fé, da prossecução do Interesse Público e da Proteção dos Direitos e Interesses dos Cidadãos, da Proporcionalidade, da Justiça e da Razoabilidade, da Imparcialidade, tendo a ED se limitado a aplicar ao caso a regra inserta no art. 3º nº1 da Lei nº 59/2015, ou seja, que “ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao presente decreto-lei, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor” pelo que assim sendo, como é, pelas razões supra expostas impõe-se concluir que os créditos emergentes de contrato de trabalho reclamados pelo Autor, não se mostram abrangidos pelo disposto no art. 2º nº8 do NRFGS, razão pela qual o tribunal não pode dar resposta afirmativa à pretensão do Autor e condenar a ED no pagamento dos créditos requeridos por aquele, por falta de fundamento legal improcedendo, assim, a presente ação.

Vejamos:
Atenta a factualidade dada como provada, importa evidenciar aqui a principal factualidade relevante para o que se decidirá:
a) O Autor trabalhou para a N. até ao dia 18/04/2011;
b) Em 19/04/2011 foi requerida a Insolvência da N.;
c) Em 16/05/2011 foi decretada a insolvência da N.;
d) O Autor reclamou os seus créditos no Processo de Insolvência;
e) Em 11/12/2013 a N. deu entrada em juízo de um PER;
f) O Autor reclamou os seus créditos igualmente no Processo PER;
g) O Autor apresentou requerimento para pagamento dos seus créditos laborais junto do FGS em 04/05/2016
h) Foi proferido Acórdão homologatório do PER - Plano de Revitalização no Tribunal da Relação de Guimarães do dia 04/04/2017.
i) Por despacho de 25/05/2017, o FGS indeferiu o pedido do Autor de atribuição dos seus créditos laborais, uma vez que “o requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”

O Recorrente suscita um conjunto de questões relativas à matéria de facto, as quais, de um modo geral, não têm qualquer repercussão no que se decidirá infra, em face do que se mostraria inútil a sua análise detalhada.

Com efeito, nos termos da primeira parte do n.º2, do artigo 608º do CPC, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Em qualquer caso, sempre se aludirá ao sumariado recentemente no Acórdão deste TCAN nº 02764/17.3BEPRT, de 13-03-2020, no qual se pode ler que “determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa”.
Na interpretação deste preceito, já na anterior versão (Artº 712º CPC), tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
(...)
Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.”

Não obstante o referido, e por se mostrar essencial para a verificação do prazo de caducidade da pretensão do Recorrente, tal como requerido em sede recursiva, entendeu-se acrescentar o seguinte facto à matéria de facto dada como provada, já incorporado supra no local próprio, nos termos do Artº 662º nº 1 do CPC:
P) No âmbito do Processo nº 3380/13.4TJVNF - Processo Especial de Revitalização que correu no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão - Juiz 2 de Vila Nova de Famalicão, foi proferido Acórdão homologatório do Plano de Revitalização no Tribunal da Relação de Guimarães do dia 04-04-2017.

Aqui chegados, analisemos então a situação do ponto de vista de Direito em função da factualidade dada como provada entendida como relevante.

Por despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial de 25/05/2017, o requerimento do Recorrente foi indeferido, com o fundamento de que a pretensão não terá sido apresentada no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do no n.º 8 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04.

É certo que o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04 - lei reguladora do Fundo de Garantia Salarial - fixa no artigo 2.º, nº 8, um prazo de caducidade de um ano contado a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

Determina, por outro lado, o artigo 3º do mesmo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04 que ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao diploma, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.

O requerimento aqui controvertido do Autor foi apresentado em 04/05/2016, ou seja, depois de 4 de Maio de 2015, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04 – artigo 5º do mesmo diploma legal, pelo que, por força do artigo 3º do mesmo, é-lhe aplicável o prazo de caducidade do novo diploma legal.

No entanto, já a anterior legislação regulamentadora do Fundo de Garantia Salarial estabelecia requisitos temporais para apresentação do requerimento junto do Fundo de Garantia Salarial, dispondo o artigo 319.º da Lei 35/2004, de 29.07, no seu n.º 3, que o Fundo de Garantia Salarial só assegurava o pagamento dos créditos que lhe fossem reclamados até 3 meses da respetiva prescrição.

A prescrição está prevista no artigo 337º nº 1 do anexo da Lei nº 7/2009, de 12.02, que aprovou a revisão do Código do Trabalho que dispõe:
“O crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”

O contrato de trabalho do Autor cessou em 18/04/2011, pelo que o respetivo crédito prescreveria, se não se verificasse interrupção, seguida de alteração do prazo, em 19.04.2012.

Mas a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito – artigo 323º, nº 1, do Código Civil.

A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte – artigo 326º nº 1 do Código Civil.

A nova prescrição está sujeita ao prazo de prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311º, nos termos do disposto no artigo 326º, nº 2, ambos do Código Civil.

Estabelece o artigo 311º, nº 1, do Código Civil que o direito para cuja prescrição, ainda que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença transitada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.

Provou-se que o Autor reclamou os seus créditos, quer no Processo de insolvência (Abril de 2011), quer no Processo PER (Dezembro de 2013), pelo que tal constituiu manifestamente a intenção de exercer o direito, o que determinou a interrupção do prazo de prescrição, o que determinou que a mesma só viria a ocorrer passados vinte anos, como resulta do artigo 311º nº 1, conjugado com o artigo 309º, ambos do Código Civil.
É assim notório que à face da lei antiga faltava muito tempo para ocorrer a prescrição dos créditos cujo pagamento é requerido ao FGS e, consequentemente, ocorrendo a caducidade da reclamação desses direitos, três meses antes da respetiva prescrição, faltariam muitos anos para ocorrer essa caducidade.

Em qualquer caso, a nova lei estabelece um prazo mais curto de caducidade – um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho - artigo 2.º nº 8 do Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04.

Perante um prazo mais longo de caducidade ao abrigo da lei antiga e um prazo mais curto de caducidade ao abrigo da nova lei, impõe-se o recurso ao artigo 297º CC para determinar a contagem desse prazo.

Determina este artigo que a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.

Já vimos que segundo o artigo 319º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29.07, faltavam anos para a caducidade do direito de reclamar o pagamento dos créditos do Autor e que segundo o artigo 2º, nº 8, do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, o prazo de um ano de caducidade só começou a contar a partir da entrada em vigor desse diploma legal – 4 de Maio de 2015, caducando em 4 de Maio de 2016.

Tendo o controvertido requerimento dado entrada no FGS exatamente em 04/05/2016, já se tinha verificado a caducidade do direito do Autor, aqui Recorrente, o que determinaria que a presente abordagem se mostrasse encerrada, não fora o caso da decisão homologatória do PER só se ter verificado em 4 de Abril de 2017.

Assim, importa agora apreciar a suscitada questão à luz, de entre outros no mesmo sentido, do Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 328/2018, de 27 de Junho de 2018, no âmbito do processo n.º 555/2017, que veio “Julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.”

Em bom rigor, o Tribunal Constitucional não questiona a existência do prazo de um ano “para requerer o pagamento dos créditos laborais”, a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, mas tão-só o facto desse prazo ser “insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.”

Mais se afirma no mesmo Acórdão do TC que “Cabe ao Tribunal Constitucional a última palavra sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, não lhe cabe, porém, determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa).”

Sintomaticamente afirma-se ainda no identificado Acórdão do Tribunal Constitucional que “(...) não releva, propriamente, de forma direta, a qualificação do prazo como de caducidade ou de prescrição – questão que, na ausência de uma opção legal expressa, se prefigura como de âmbito fundamentalmente doutrinário que, em todo o caso, nos aparece aqui ligada a uma opção interpretativa do direito infraconstitucional –, relevando antes a circunstância de, no contexto descrito, a contagem de tal prazo ocorrer sem qualquer suspensão ou interrupção, gerando um sinal – rectius, potenciando um efeito – de valor contrário ao próprio direito.”

O sinal dado pelo TC vai pois singelamente no sentido de, na situação em apreciação, não dever ser fixado um prazo sem que o mesmo comporte potencialmente “qualquer suspensão ou interrupção”.

O importante é que aquando da fixação de um qualquer prazo, seja o mesmo estabelecido antecipadamente, com certeza e sem ambiguidades. Como se afirmou no nº 39 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2002, Marks & Spencer (C-62/00, Colect., p. I-6325), “para cumprir a sua função de garantia da segurança jurídica, um prazo de prescrição deve ser fixado antecipadamente. Uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um Estado-Membro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza” (acórdão de 24 de Março de 2009, Danske Slagterier, C-445/06).

Perante o referido acórdão do Tribunal Constitucional, importará verificar se deverá ser considerada a existência de causas interruptivas e/ou suspensivas da caducidade do art.º 2.º, n.º 8 do Decreto-lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, designadamente o tempo que mediou entre a cessação do contrato de trabalho e a ocorrência do pedido de insolvência e do ulterior recurso ao PER, por forma a verificar se o prazo de 1 (um) ano, para requerer o fundo, foi cumprido pelo recorrente.

Em decorrência da referenciada inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional, em termos de fiscalização concreta, cujo teor se acompanha nos mesmos termos e condições, enquanto desaplicação de norma por inconstitucionalidade, importa encontrar solução interpretativa e integradora, adequada e compatível com o declarado.

Assim, e não obstante a condicionante interpretativa imposta ao n.º 8 do artigo 2.º do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, pelo Tribunal Constitucional, há, em qualquer caso, que limitar no tempo o exercício do direito ao pagamento de créditos salariais pelo FGS, a um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato (cfr. artº 337.º, n.º 1, do CT), considerando, no entanto, as vicissitudes decorrentes da tramitação do Processo de Insolvência e do PER, junto dos quais foram reclamados os créditos laborais, por forma a acautelar que os atrasos processuais e procedimentais não se venham negativamente a refletir-se na esfera jurídica do trabalhador.

Como decorre da Diretiva 80/987, não há qualquer impedimento à aplicação de um prazo de prescrição ou de caducidade de um ano (princípio da equivalência).
Todavia, compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar se a configuração deste prazo não torna impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos reconhecidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efetividade).

Como de algum modo decorre do acórdão do Tribunal Constitucional aqui em análise, importa predominantemente que o trabalhador não veja o prazo que lhe é atribuído para recorrer ao FGS, substancialmente diminuído em resultado de questões colaterais que vão consumindo o prazo.

Independentemente da interpretação que se adote no que respeita à suspensão ou interrupção do prazo para exercício do direito, não se poderá subverter a intenção do legislador de acordo com a qual o FGS só deverá assegurar o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
O que se vem referindo, encontra acolhimento na filosofia que presidiu ao Acórdão do TC nº 257/2008 em cujo ponto 13 se afirma lapidarmente que:
“[…]
Na verdade, a retribuição da prestação laboral, quer na sua causa, quer na sua destinação típica, está intimamente ligada à pessoa do trabalhador. Ela é a contrapartida da disponibilização da sua energia laborativa, posta ao serviço da entidade patronal. Ela é também, por outro lado, o único ou principal meio de subsistência do trabalhador, que se encontra numa situação de dependência da retribuição auferida na execução do contrato para satisfazer as suas necessidades vivenciais.
É esta dimensão pessoal e existencial que qualifica diferenciadamente os créditos laborais, justificando a tutela constitucional reforçada de que gozam, para além da conferida, em geral, às posições patrimoniais ativas.
É, na verdade, esta perspetiva valorativa que levou à consagração do direito à retribuição do trabalho entre os direitos dos trabalhadores enumerados no n.º 1, alínea a), do artigo 59.º da CRP, por forma a ‘garantir uma existência condigna’ – direito este já expressamente considerado pelo Tribunal Constitucional como um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (Acórdão n.º 379/91). Por outro lado, no n.º 3 do mesmo preceito estabelece-se que ‘os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei’.
Esta previsão constitucional de garantias especiais para créditos salariais seguramente que, não só justifica, como impõe, regimes consagradores da sua discriminação positiva, em relação aos demais créditos sobre os empregadores (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, 777).
[…]
Como a norma [da alínea a) do n.º 1] expressamente acentua – nos seus próprios termos, tem-se em vista ‘garantir uma existência condigna’ –, o reconhecimento de tal direito exprime o valor básico da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRP), constituindo, no seu específico âmbito de proteção, um instrumento do preenchimento das condições materiais da realização deste valor. E o relevo nuclear do direito à (justa) remuneração do trabalho é atestado pela vinculação do legislador ao estabelecimento de garantias especiais para os salários (n.º 3 do artigo 59.º).
[…]”.

É pois manifesto que “é pacífico na doutrina, e este Tribunal tem também afirmado, que o direito à retribuição é um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias (v., entre muitos, os Acórdãos n.ºs 620/2007 e 396/2011), que, de resto, o Estado tem o dever de proteger (cfr. artigo 59.º, n.º 2, da Constituição) ” (Acórdão TC n.º 510/2016).

Como se afirmou no Acórdão nº 328/2018, do TC, “Não é inócua a apontada ligação entre o mecanismo do FGS e a norma do n.º 3 do artigo 59.º da CRP. Tratando-se de uma das garantias ali previstas, ao escolher (apesar de, nessa escolha, se encontrar vinculado pelo Direito da União) instituir o FGS como uma das garantias especiais da retribuição, o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efetividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).

Assim, acolhe-se o entendimento plasmado no identificado Acórdão do Tribunal Constitucional, o qual, em síntese, decidiu que o artigo 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, que define que o pagamento dos créditos laborais a cargo do FGS deve ser requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, não poderá ser interpretado no sentido de tal prazo não poder comportar a possibilidade de qualquer interrupção ou suspensão.

Estamos pois perante uma decisão do Tribunal Constitucional que em fiscalização concreta declara a inconstitucionalidade do Artº 2º nº 8 do DL n.º 59/2015, e que como tal determina a verificação de uma lacuna em concreto, que correspondentemente determinará a necessidade de, também em concreto, integrar a mesma, em resultado da circunstância do referido normativo ter ficado inoperacional, esvaziado de conteúdo, e insuscetível de ser aplicado.

Com efeito, a lacuna é uma falha de legislação, na regulação de uma situação da vida que exige uma disciplina normativa.

A existência de lacunas é inevitável, pois as leis são impotentes para prever todas as situações que carecem de ser disciplinadas pelo Direito. Tal ocorre, seja pelo facto de existirem matérias não reguladas, seja porque o conteúdo da lei é incompleto pois não contempla certos domínios de uma determinada matéria, seja porque a mesma lei, abarcando os referidos domínios, não é suficientemente pormenorizada para reger determinados efeitos jurídicos que neles emirjam.

Assim, a lacuna pode envolver quer uma falha de previsão (a lei não contempla uma situação que deve ser regulada juridicamente) ou de estatuição (a lei prevê a referida situação mas não determina as correspondentes consequências jurídicas).

As razões que conduzem à existência de lacunas prendem-se a fatores tão diversos como, a intenção do legislador em não regular; falhas técnicas do legislador ou incapacidade de o mesmo encontrar uma solução jurídica adequada para uma dada situação; o aparecimento de situações imprevistas; ou, finalmente, uma declaração de inconstitucionalidade de uma norma, ainda que em apreciação concreta.

Na medida em que a lacuna é uma falha normativa que desafia exigências de completude reclamadas pelo sistema jurídico, este prevê mecanismos de integração do vazio jurídico.

A integração de lacunas pode envolver institutos normativos, como é o caso da emissão de uma lei ou o efeito automático de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, que determina, de acordo com o nº 1 do art.º 282.º da Constituição, a reposição em vigor (repristinação) de uma lei revogada por aquela que foi julgada inconstitucional.

Perante a verificada situação de inoperacionalidade da norma declarada inconstitucional, os tribunais devem criar, com alguma discricionariedade, uma norma “dentro do espírito do sistema” (nº 3 do art.º 10.º do CC), o que envolve para o caso concreto, a “construção” de uma norma segundo critérios de equidade e observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica.

É incontornável que os tribunais não podem abster-se de julgar invocando falta da lei, de acordo com o n.º 1 do art.º 8.º do CC (proibição de juízos de non liquet).

Como por outro lado se afirmou no Acórdão do STA nº 0292/16, de 08.09.2016, “(...) a ideia do juiz como mero intérprete - uma espécie de “correia de transmissão do legislador” - e, portanto, sem um poder criativo da própria ordem jurídica não corresponde à realidade.”
(...)
Podemos concluir, portanto, que no pensamento jurídico atual, não é acolhido o entendimento que vê o Juiz como um mero operador judiciário, um mero prestador de serviço administrativo ou, nas palavras de Castanheira Neves, um mero instrumento técnico de legitimação da coação. Podemos afirmar com toda a segurança que as funções exercidas pelo Juiz são funções públicas, mas não são predominantemente técnicas, porque predominantemente exercem um poder público, sendo o exercício desse poder o núcleo essencial do conteúdo das respectivas funções”.

A questão da desaplicação da referida norma por inconstitucionalidade, já foi tratada, desde logo na Sentença do TAF de Coimbra, proferida no Procº 585/16.0BECBR de 7 de fevereiro de 2017 que veio a determinar a declaração de inconstitucionalidade que se tem vindo a apreciar.

A presente questão já foi igualmente tratada e decidida neste tribunal, através da criação no caso concreto de norma “dentro do espírito do sistema” (nº 3 do art.º 10.º do CC), “construindo-se” uma norma segundo critérios de equidade e observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica, correspondente àquele que se presume ser a vontade do legislador.

Nos acórdãos deste TCAN nº 662/18.2BEBRG, de 1 de fevereiro de 2019, nº 616/17.6BEPNF, de 29.03.2019, nº 519/17.4BEAVR, de 28.06.2019, nº 2342/18.0BEPRT, de 18.10.2019 e nº 717/17.0BEBRG de 17.01.2020, adotou-se a solução que aqui se retomará, sendo que todos os referidos acórdãos, transitaram já em julgado.

Na realidade, é incontornável que era intenção do legislador no Artº 2º nº 8 do DL nº 59/2015, limitar a um ano o prazo dentro do qual deverá ser requerido ao FGS o pagamento dos créditos reclamados, a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

Por outro lado, o próprio Tribunal Constitucional não questiona aquele prazo, apenas se “opondo”, por via de declaração concreta de inconstitucionalidade, a que esse prazo não seja suscetível de suspensão ou interrupção.

A solução a dar à controvertida questão, na “construção” de norma em observância dos princípios estruturantes da ordem jurídica, encontra-se facilitada em decorrência do facto do próprio legislador a ter introduzido, ainda que apenas ex nunc, nova norma, através da Lei n.º 71/2018, de 31/12, compatibilizando o Artº 2º nº 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, com o entendimento do Tribunal Constitucional estabelecido no seu Acórdão nº 328/2018 que se tem vindo a referir.

Com efeito, a Lei n.º 71/2018 introduziu no Artº 2º do Decreto-Lei n.º 59/2015, um nº 9, no qual se refere que O prazo previsto no número anterior suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações.” (Sublinhado nosso)

O novel normativo permitiu assim percecionar de forma clara quais os princípios estruturantes da ordem jurídica, correspondentes à vontade do legislador.

Assim, em face de tudo quanto se expendeu, mostra-se legítimo, perante a referida inconstitucionalidade, declarada em concreto do nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, que tornou o referido normativo inoperante, que se lhe restaure a sua operacionalidade, com recurso à interpretação que o próprio legislador, por via do novel nº 9, veio a introduzir através da Lei nº 71/2018, de 31 de dezembro.

Efetivamente o legislador acolheu as críticas que o Tribunal Constitucional havia apontado ao nº 8 do Artº 2º do DL nº 59/2015, assegurando a suspensão do referido prazo de um ano para a apresentação da Ação, até 30 dias após o trânsito em julgado, designadamente, da decisão que venha a ser proferida no âmbito do Processo Especial de Revitalização (PER)

A interpretação que se adotará permite pois dar resposta ao facto do Tribunal Constitucional ter entendido, em concreto, que o artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, não poderia ser interpretado no sentido de impedir que o prazo de um ano para a reclamação dos créditos laborais junto do FGS fosse insuscetível de ser interrompido ou suspenso, interpretação que se adequa ao “espirito do sistema”, comprovado no facto do próprio legislador ter criado entretanto norma exatamente nesse sentido.

Deste modo, à luz do precedentemente discorrido, uma vez que o contrato de trabalho cessou em 18/04/2011, tendo o trabalhador manifestado intenção de exercer os seus direitos, tempestivamente, quer no processo de Insolvência quer no processo PER, tendo a homologação Processo PER ocorrido em 04/04/2017, tal determina que quando o requerimento a reclamar os créditos laborais junto do FGS foi apresentado em 04/05/2016, mostrava-se o mesmo tempestivo.

Em face da decisão que se adotará, mostra-se prejudicada e inútil a verificação dos restantes vícios suscitados no Recurso.

Assim, revogar-se-á a decisão recorrida, mais se determinando que o FGS proceda à reapreciação do Requerimento do aqui Recorrente à luz da sua tempestividade.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso interposto, revogando-se a sentença Recorrida, mais se determinando a reapreciação do Requerimento do aqui Recorrente, pelo FGS, à luz da sua declarada tempestividade.

Custas pela Entidade Recorrida, em ambas as instâncias, sem prejuízo da isenção de que goza.

Porto, 30 de abril de 2020


Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa