Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01517/07.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/13/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO; FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO; RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO;
ÓNUS DE PROVA; LEI GERAL TRIBUTÁRIA
Sumário:I – O facto de a sentença recorrida não ter considerado toda a factualidade alegada na petição inicial e atendido a todos os elementos probatórios constantes dos autos tendentes a demonstrar essa factualidade, designadamente a prova testemunhal, poderá constituir um eventual erro de julgamento, mas não a nulidade da sentença prevista nos artigos 125º do CPPT e 668º, nº1, alínea b) do CPC.
II - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
III - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.
IV - Compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO
A..., CF 2…, com os demais sinais dos autos, deduziu oposição à execução fiscal n° 1783200601004913 e apensos contra si revertida e instaurada pela Fazenda Pública originariamente contra a sociedade “N...Canalização, Lda”, por dívida de IVA e coimas fiscais, referentes aos anos de 2006 e 2007, no valor global de 2.819,88 euros.
No Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi proferida sentença, em 14-12-2010, que julgou procedente a oposição, decisão com que a Fazenda Pública não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
A. A douta decisão recorrida fez errada valoração da prova, pois não analisa criticamente as provas em que se baseou nem especifica os fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção, como o exigem os art.s 653º e 655º e 659º, nº 3, do CPC, o que conduz à nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto, prevista no art. 125º, nº 1, do CPPT, e no art. 668º, nº 1, al. b), do CPC.
B. O douto acórdão em que a sentença recorrida se estriba (ac. do STA de 28.02.2007, tirado em Pleno no proc. 01132/06) não serve de apoio à tese que a prova da gerência de facto tem que ser feita pela Administração Tributária, porque não goza de qualquer presunção legal, qualquer que sejam as evidências obtidas da produção de prova no processo sub judice.
C. Se o oponente, tendo sido citado como executado após reversão, vier a juízo negar a gerência de facto em processo judicial de oposição à execução, contrariando a prova indiciária dos elementos do registo (a gerência de direito), tal prova tem de ser feita, todavia, em sede de oposição fiscal, assim entendendo a melhor doutrina, como Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado e Comentado, 5ª edição, em nota 6 ao art. 153º, e foi decidido no acórdão do TCA Sul de 29.09.2009, proc. nº 03071/09.
D. Do ponto de vista substantivo ou de mérito, o teor da prova produzida não permite o julgamento da matéria de facto no sentido em que foi efectuado, seja da prova que foi enunciada pelo Tribunal a quo, seja daquela que se pretende seja adicionada à factualidade dada como provada em resultado do presente recurso.
E. Ao invés, da prova produzida, designadamente da testemunhal, resultam provados factos que exigem decisão de sentido inverso, porque indicam que o oponente agiu na condição de gerente aquando da constituição e vencimento das dívidas, tanto assim que se atribuiu ao oponente a responsabilidade pela vinculação perante terceiros da sociedade ao referir no seu depoimento que o oponente assinava cheques quando era preciso e tinha competências na condução da actividade da empresa, assim incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento da matéria de facto.
F. Existindo nos autos elementos probatórios que permitem concluir pela gerência efectiva por parte do oponente, ainda que não carreados pela Fazenda Pública, têm estes de ser escrutinados e valoradas, não podendo escudar-se a sentença em que a prova não foi feita pela Fazenda Pública, para assim decidir contra esta, por força do princípio da aquisição processual (art. 515º. do CPC).
Assim, a douta sentença recorrida não acolheu nem valorizou correctamente a prova testemunhal produzida, não obstante ter sido feita prova da administração efectiva por parte do oponente nos períodos em que se venceram as dívidas, no entender da fazenda Pública, e sem embargo de melhor opinião.
G. Pelas razões acabadas de explanar, tendo a douta sentença feito errada selecção da prova e interpretação dos factos, a recorrente Fazenda Pública reitera que o oponente deve ser julgado parte legítima na execução e, em consequência, ser esta julgada totalmente improcedente, devendo anular-se a douta sentença do Tribunal a quo ser e proferido acórdão que considere improcedente a presente oposição.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que declare improcedente a oposição, tudo com as devidas consequências legais.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo que importa decidir:
- Da nulidade da sentença por falta de especificação ds fundamentos de factos, nos termos dos art. 668º n.º 1 al. b) do CPC e 125º n.º 1 do CPPT;
- Do erro de julgamento de direito em sede de ónus da prova da gerência de facto para efeitos de reversão (art. 24º n.º 1 al. b) da LGT)

III – FUNDAMENTAÇÃO
III -1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
a) Pelo Serviço de Finanças de Gondomar 1 foi instaurado contra a sociedade “N...Canalização, Lda”, o processo de execução fiscal nº 1783200601004913 e apensos, por dívida de IVA e coimas fiscais, referentes aos anos de 2006 e 2007, no valor global de 2.819,88 euros.
b) Por despacho de 4/5/2007, foi ordenada a reversão da execução identificada em a), contra o oponente, na qualidade de responsável subsidiário.
c) A gerência da sociedade executada pertencia a todos os sócios: o oponente, T... e V....
d) A sociedade executada obrigava-se pela intervenção de dois gerentes, sendo sempre obrigatória que uma das assinaturas fosse da gerente T....

Mais aí se consignou:
“Factos não provados:
Não se provaram outros factos para além dos referidos supra, designadamente não se provou que o oponente tivesse alguma vez exercido as funções de gerência de facto da sociedade executada.
*
Motivação da decisão de facto:
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise da prova documental produzida nos autos e os factos não provados na total ausência de prova relativamente aos mesmos.”

III – 2. Decidindo
Da alegada nulidade da sentença
A este propósito, alega a Recorrente Fazenda Pública a nulidade da sentença, ao não analisar correctamente a prova em que se baseou nem especificar os fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção, como o exigem os art. 653º, 655º e 659º n.º 3 do CPC (então em vigor, o que conduz a falta de especificação dos fundamentos de facto, prevista no art. 125º n.º 1 do CPPT, e no art. 668º, n.º 1 al. b) do CPC.

Na verdade, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Tal nulidade - por falta de especificação dos fundamentos de facto prevista no artigo 668º,nº1, alínea b) do CPC (e também no artigo 125º, nº 1 do CPPT) - abrange tanto a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo artigo 123º, nº 2 do CPPT, como a falta do exame crítico das provas previsto no artigo 659º, nº 3 do CPC - a propósito, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, 6ª ed., Vol. II, pág. 358.
Com efeito, decorre do disposto nos artigos 123º, nº 2 do CPPT, 653º, nº 2 e 659º, nº 3 do CPC [aplicáveis, com as devidas adaptações, por força do artigo 2º, alínea e) do CPTT], que o juiz tem o dever de declarar quais os factos que o tribunal julga provados e não provados, fundamentando a decisão sobre a matéria de facto, devendo especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, analisando criticamente as provas. Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida.
Como refere J. Pereira Baptista, Reforma do Processo Civil, 1997, págs. 90 e ss: “Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça”.

O exame crítico da prova deve consistir, pois, na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro. Ou seja, a fundamentação de facto não se deve limitar à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cogniscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre os pontos da matéria de facto - assim, Jorge Lopes de Sousa, ob. cit, pág. 321. O julgador não se deve limitar a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos, impondo-se-lhe que analise criticamente essa prova produzida.
Porém, tal nulidade só ocorre quando faltem em absoluto os fundamentos de facto em que assentou a decisão. Apenas a total e absoluta ausência de fundamentação de facto afecta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada - cfr. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol V, pág. 139/140 (citado pela Recorrente) e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, pág. 687.
No caso dos autos, resulta da leitura da decisão de facto e respectiva motivação que a decisão da matéria de facto dada como assente (e que é a que vem posta em causa pela Recorrente) “…baseou-se na análise da prova documental produzida nos autos e os factos não provados [que o oponente tivesse alguma vez exercido as funções de gerência de facto da sociedade executada] na total ausência de prova relativamente aos mesmos.”. Aliás, os factos dados como provados na decisão recorrida - e que foram os factos relevantes para o sentido decisão de direito que veio a ser proferida pelo tribunal de 1ª instância - são decorrentes de (todos) os documentos juntos pela Recorrente e dos que integram os autos de execução fiscal, sem que o tribunal a quo tenha dado prevalência a qualquer documento em detrimento de outro. Ou seja, o tribunal de 1ª instância valorizou, de igual forma, todos os documentos juntos aos autos e fixou a matéria de facto com base nesses documentos, se bem que não os tenha identificado e indicado quanto a cada um dos factos discriminados no probatório, os mesmos não levantam dúvidas.
Quanto ao facto não provado – o mesmo, como a própria motivação indica, resulta da ausência de prova documental e, mais se diga, da própria contraprova que poderia resultar da prova testemunhal produzida indicada pelo oponente.
Ora, como refere Jorge Lopes de Sousa, nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. (ob cit, pág. 321).

No caso vertente, nem o valor probatório dos documentos foi questionado (como se refere na motivação da decisão de facto) nem, tão pouco, os documentos apontam em sentidos contraditórios, e pela simplicidade e coerência dos mesmos é facilmente perceptível a sua inclusão num procedimento de reversão, de tramitação linear.
De resto, o que a Recorrente verdadeiramente questiona não é a análise crítica da prova feita pelo Tribunal da 1ª instância, mas, antes, as ilações que foram retiradas dos factos provados com base nos indicados elementos probatórios. O que a Recorrente não compreende, nem aceita, é que, o tribunal de 1ª instância tenha concluído pela não prova do exercício das funções de gerência de facto da sociedade executada.
Mas isso, já não contende com a análise crítica das provas prevista no artigo 659º, nº 3 do CPC, mas com um eventual erro de julgamento da sentença recorrida.

Refere ainda a Recorrente que, não obstante a importância do depoimento para factos alegados relevantes para a decisão da causa, a prova testemunhal produzida em sede de inquirição foi totalmente ignorada, não tendo merecido qualquer apreciação, valoração ou simples menção, positiva ou negativa, verificando-se a total ausência crítica da prova testemunhal.
Decorre dos autos, que além da prova documental apresentada, foi ainda requerida (e admitida) a produção de prova testemunhal, tendo sido inquirida a testemunha indicada pelo recorrido [cfr.fls.66/67 dos autos].
Porém, os factos dados como assentes pela sentença recorrida tiveram por único fundamento o acervo de documentos juntos ao processo, não se tendo feito qualquer referência ao depoimento das testemunhas.
Assim sendo, a (óbvia) conclusão a retirar é que o depoimento de tais testemunhas não teve qualquer relevância na formação da convicção do julgador, ou seja, o tribunal não lhe atribuiu qualquer importância. E dos factos alegados na petição inicial e que o Recorrido pretendia ter provado através daquele depoimento, foram-no pela negativa ao dar-se como assente que não se provou o exercício efectivo de funções de gerência por parte daquele, os demais factos se forem relevantes para a decisão da causa, será matéria a ponderar no sentido de tais factos deverem ou não ser levados ao probatório, mas em sede de um eventual erro de julgamento. Ou seja, o facto de a sentença recorrida não ter considerado toda a factualidade alegada na petição inicial e atendido a todos os elementos probatórios constantes dos autos tendentes a demonstrar essa factualidade, designadamente a prova testemunhal, poderá constituir um eventual erro de julgamento, mas não a nulidade da sentença prevista nos artigos 125º do CPPT e 668º, nº1, alínea b) do CPC.

Conclui-se, assim, que o tribunal a quo fundamentou a decisão de facto, indicando os concretos meios de prova que julgou relevantes, não se verificando que tenha omitido a análise crítica de tais meios de prova, pelo que não ocorre a invocada nulidade da sentença recorrida.
O recurso improcede, pois, nesta parte.

Do erro de julgamento de direito
Como se viu, vem o presente recurso interposto da decisão da Mma. Juíza do TAF do Porto que julgou procedente a oposição deduzida pela ora recorrido com o fundamento de que a FP não fez qualquer prova que a oponente tenha exercido de facto as funções de gerente e designadamente que sustentasse a reversão ordenada.
Alega a recorrente FP que tal decisão padece de erro na aplicação do direito por ter violado o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.
Vejamos.
Como ressalta dos autos, a recorrida veio opor-se a dívida de IVA e Coimas fiscais dos anos de 2006 e 2007, inicialmente exigida a sociedade de que aquele era gerente nomeado juntamente com os outros sócios (2) e depois contra ele mandada reverter, invocando não ser responsável pela mesma, e daí a sua ilegitimidade, por não ter exercido de facto a gerência da primitiva devedora.
É certo que, como se afirma na decisão recorrida, a responsabilidade subsidiária da oponente tem de ser apreciada à face do regime que, então, vigorava, ou seja, o previsto no artigo 24.º, n.º 1 da LGT.

Entende a Mma. Juíza a quo que competia à FP o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária da gerente pelo que, não tendo feito nem indicado qualquer prova nesse sentido, a oponente só podia ser declarada parte ilegítima.
Na decisão recorrida considerou-se “… a Fazenda Pública (a quem competia o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente) nada alegou ou provou quanto ao efectivo exercício da gerência de facto por parte do oponente, pelo que sempre contra si teria de ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência (Ac. do Pleno do STA de 28/2/2007, Processo 01132/06) e, por outro lado, também não existem nos autos quaisquer elementos que permitam concluir pelo efectivo exercício da gerência de facto por parte do oponente.
Assim sendo, o oponente não podia ser responsabilizado pela dívida exequenda, por não ter resultado provado nos autos que tenha exercido a gerência de facto da sociedade executada no período de constituição das dívidas ou do seu vencimento.
Conclui-se, pois, pela ilegitimidade do oponente para a execução.”

Discorda a recorrente Fazenda Pública, do assim decidido de que a prova da gerência de facto incumbe à Administração Pública.
Temos então que existe divergência quanto à interpretação do artigo 24.º, n.º 1 da LGT no que se refere ao ónus da prova, pelo que importa esclarecer esta questão.
Dispõe o citado normativo que:
«1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.».
Como se conclui da inclusão nesta disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções, ponto este que é pacífico, a nível da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, à semelhança do que o artigo 13.º do CPT também já consagrava.
No caso em apreço não se questiona que a gerência da sociedade originária pertencia a todos os sócios; o oponente, T... e V..., e que aquela sociedade se obrigava pela intervenção de dois gerentes, sendo sempre obrigatória que uma das assinaturas fosse da gerente T... (item c.) e d.) do probatório), pelo que se mostra provada a gerência de direito do recorrido, quer no período em que a dívida se constituiu, quer no período em que se venceu, ou seja, o oponente sempre esteve nomeado gerente de direito da sociedade devedora.
Alega a recorrente que dessa gerência de direito resulta a presunção judicial de que o oponente agiu na condição de gerente de facto da devedora originária, não resultando dos autos qualquer prova que ponha em causa tal presunção judicial (conclusão B. a contrario).
Vejamos.
Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (art. 350.º e 351.º do CC).
As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.
As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão do STA de 10.12.2008, proferido no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que o revertido tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de o revertido ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.

Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto. Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Na esteira do acórdão do STA de 28.02.2007, proferido no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário (aliás, correctamente citado na sentença sob recurso), «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.».

A decisão recorrida que assim entendeu não merece, por isso, qualquer censura, tendo feito correcto interpretação e aplicação das normas legais referidas.

IV – DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.


Porto, 13 de Março de 2014

Ass. Irene Neves

Ass. Nuno Bastos

Ass. Pedro Marques