Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00596/12.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/07/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:CONCURSO; CASO JULGADO; NULIDADE
Sumário:
I- São nulas as decisões administrativas que desrespeitem o caso julgado.
II- O novo júri do concurso, nomeado por força da decisão da TAC de Lisboa, apenas poderia introduzir na acta os critérios de avaliação dos factores da prova pública de discussão curricular e não quaisquer outros, como se refere na decisão transitada em julgado.
III- Se por sua iniciativa, e à revelia do que tinha sido decidido, deliberou alterar todo o critério referente à avaliação curricular, introduzindo novos factores, com novas ponderações, e algumas com peso significativo, tem de se concluir que violou o caso julgado.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Centro Hospitalar de São João, EPE
Recorrido 1:LMMGL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
Centro Hospitalar de São João EPE vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 30 de Setembro de 2016, que julgou parcialmente procedente a presente acção administrativa especial intentada por LMMGL, e onde era solicitado que:

a) Deve a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada e, em consequência, ser declarado nulo (ou, se assim não se entender, anular-se) a deliberação do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de São João, EPE de 10/11/2011 que homologou a lista de classificação final do concurso que se discute, e o acto de indeferimento tácito do recurso, interposto junto ao Ministério da Saúde, do supra citado acto homologatório da lista de classificação final do concurso, com as legais consequências;
b) Consequentemente deve o Centro Hospitalar de S. João ser condenado a reformular o Aviso n.º 4753/2011, publicado no D.R., II Série, n.º 33, de 16/02/2011, de modo a cumprir as vinculações constantes do Acórdão TACL, constantes do artigo 6º da presente petição inicial;
c) Caso assim não se entenda, deve o Ministério da Saúde ser condenado na prática do acto devido consistente na apreciação do recurso do acto homologatório da lista de classificação final do concurso;
d) Cumulativamente, deve ser declarada a manutenção da situação jurídica da Autora, decorrente do acto de nomeação, datado de 04/03/2005, nos termos do previsto no art.º 173.º, n.º 3 do CPTA;

Em alegações o recorrente concluiu assim:

O presente Recurso vem interposto da sentença proferida nos Autos n.º 596/12.4BEPRT que julgou a Ação parcialmente procedente e, em consequência, anulou a deliberação do CA do CHSJ de 10.11.2011 que homologou a lista de classificação final do concurso interno geral de acesso para enfermeiro chefe no CHSJ aberto por aviso publicado no DR n.º 14 II série de 17.01.2002 e reformulado por aviso n.º 4753/2011, publicado no DR II série n.º 33 de 16.02.2011; anulou o ato de indeferimento expresso do recurso interposto junto do Ministério da Saúde; condenou o CHSJ a reformular a ata de 12.07.2010 (julga-se que é 02.07.2010) a fim de na mesma passarem a constar a fórmula de classificação final, a fórmula de classificação da avaliação curricular e os critérios de avaliação curricular fixados no aviso n.º 588/02 e a praticar os atos subsequentes do procedimento concursal.

Para fundamentar a nulidade da deliberação do CA do CHSJ de 10.11.2011 a Mª. Juiz apreciou diversas questões que haviam sido invocadas pela A. considerando procedente o vicio de violação do art. 158 n.º 2 do CPTA e art. 133 n.º 24 do CPA e improcedente os restantes.

Ou seja, a Mª. Juiz considerou que houvera violação do Acórdão anulatório do anterior concurso, proferido nos Autos 721/05.1BEPRT do TACL, que impusera apenas a reformulação da ata de 16.11.2001, mantendo incólume todo o restante.

É nossa convicção que não houve incumprimento do referido Acórdão, nem violação do caso julgado.

Na verdade, a entidade, ora Recorrente, executou a decisão anulatória, reformulando o concurso a partir do momento procedimental em que se verificou o vício com vista à sua extirpação.

O procedimento regressou ao momento da enunciação dos critérios classificativos, com designação de um novo júri.

O novo júri, como lhe competia, elaborou uma nova grelha classificativa, expurgada do vício que inquinara o procedimento - a ata n.º 1 de 02.07.2010.

Fixou os critérios de avaliação, sendo certo que era livre para fixar os critérios que reputasse mais adequados, desde que respeitasse os procedimentos legais.
O TACL anulou a deliberação de homologação da lista classificativa do concurso e, ao abrigo do art.º 95 n.º 3 do CPTA, explicitou as vinculações a observar pelo Réu, Hospital.

10ª Este cumpriu tais explicitações ao nomear novo júri que reformulou a ata de 16.11.2001, fazendo constar da mesma os critérios de avaliação dos fatores da prova pública de discussão curricular.

11ª O júri nomeado, e que passou a ser responsável por todas as operações do concurso, para além de fazer constar os critérios de avaliação dos fatores da prova pública de discussão curricular, elaborou uma nova grelha classificativa.

12ª E fê-lo por entender que deveria dar maior relevo à experiência e à formação profissional na área da gestão dos candidatos, já que se tratava de um concurso para uma categoria que implicava o exercício de funções de gestão (Enfermeiro Chefe).

13ª Decidiu também o novo júri valorizar "a apresentação geral do currículo" (aspeto, apresentação de anexos, organização de conteúdos, discurso, utilização de linguagem técnico cientifica e descrição do desempenho profissional com ênfase na área de gestão) por entender que tal se inseria dentro dos objetivos dos métodos de seleção previstos no art.º 35º do Dec-Lei 437/91, merecendo uma avaliação que havia sido descurada pelos anteriores júris.

14ª. O júri definiu, assim, critérios objetivos a que iria recorrer para avaliar a competência técnico profissional dos candidatos, definindo os critérios de avaliação da prova pública de discussão curricular e da própria avaliação curricular.

15ª O novo júri não podia estar vinculado a uma grelha classificativa elaborada por um anterior júri, que foi julgada ilegal.

16ª Aliás, o novo júri não se podia sentir vinculado a critérios, designadamente os relativos à avaliação curricular, que não constavam expressamente de uma ata, assinada por todos os elementos do júri, mas apenas de um aviso a publicar em D.R. datado de 20.11.2001 e assinado apenas pelo Presidente do júri (vd Apenso Administrativo fls 1 a 5)

17ª Em suma: Em execução do Acórdão do TACL de 04.02.2010 a entidade, ora recorrente, nomeou novo júri e este determinou e publicitou atempadamente os critérios de avaliação dos fatores da prova pública de discussão curricular, bem como os restantes critérios de avaliação.

18ª Não parece, assim, que a entidade, ora recorrente, tenha violado a obrigação de execução de caso julgado nem as suas deliberações concernentes ao concurso em causa contrariam a decisão judicial, não havendo, assim, violação do art.º 158º n.º 2 do CPTA e art.º 133º n.º 2 al.. h) do CPA.

A Autora, devidamente notificada não contra-alegou.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no art.º 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer nos termos que aqui se dão por reproduzidos, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento, pelo Tribunal a quo, por ter concluído ter ocorrido violação do caso julgado no que se refere à deliberação do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de São João, EPE, datada de 10/11/2011, e que homologou a lista de classificação final do concurso interno geral de acesso para enfermeiro-chefe.

2– FUNDAMENTAÇÃO

2.1 – DE FACTO

Na decisão sob recurso ficou assente, e permanece não impugnado, o seguinte quadro factual:

A) Por aviso n.º 588/02 publicado no D.R., 2.ª Série, n.º 14, de 17/01/2002 foi aberto concurso interno geral de acesso para provimento de 15 lugares para a categoria de enfermeiro-chefe da carreira de enfermagem do quadro de pessoal do Hospital de S. João.

B) A Autora apresentou a sua candidatura ao concurso, tendo sido admitida – facto não controvertido.

C) Por deliberação de 05/01/2005, publicada pelo aviso n.º 715/2005, no DR 2.ª Série, n.º 18 de 26/01/2005, foi homologada a lista de classificação final referente ao concurso aludido em A), tendo a Autora ficado graduada dentro dos primeiros 15 lugares.

D) Por despacho de 04/03/2005, ratificado pelo CA a 9/3/2005, foi autorizada a nomeação definitiva dos candidatos classificados nos 15 primeiros lugares da lista homologada.

E) A Autora tomou posse do lugar de enfermeiro-chefe em 02/05/2005.

F) Pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, em representação da associada MFBQC, foi instaurada acção administrativa especial a que foi atribuído o n.º 721/05.1BEPRT que correu termos no TAC de Lisboa, tendo em vista obter a anulação da deliberação de 05/01/2005 que homologara a lista de classificação final do aludido concurso.

G) No âmbito do proc. n.º 721/05.1BEPRT que correu termos no Tribunal

Administrativo de Círculo de Lisboa peticionou-se o seguinte:

(Dá-se por reproduzido o documento constante dos factos provados da decisão de 1ª instância, nos termos do art.º 663º nº 6 CPC).

H) No âmbito do processo a que se alude no ponto anterior, em que a aqui Autora foi contra-interessada, citada editalmente, foi proferida sentença nos seguintes termos, no que ao caso releva:

(Dá-se por reproduzido o documento constante dos factos provados da decisão de 1ª instância, nos termos do art.º 663º nº 6 CPC).

I) Posteriormente, foi instaurado o processo de execução do julgado anulatório mencionado no ponto antecedente que correu os seus termos sob o n.º 721/05.1BEPRTA de cuja sentença de 11/07/2011 se extrai o seguinte, no que ao caso releva:

(Dá-se por reproduzido o documento constante dos factos provados da decisão de 1ª instância, nos termos do art.º 663º nº 6 CPC).

J) O CA emitiu a deliberação de 27/05/2010, da qual consta, designadamente:

(Dá-se por reproduzido o documento constante dos factos provados da decisão de 1ª instância, nos termos do art.º 663º nº 6 CPC).

K) O novo júri nomeado pela deliberação do CA de 27/05/2010 reuniu a 12/07/2010 e definiu os critérios da avaliação curricular e da prova pública de discussão curricular nos seguintes termos contantes do aviso de abertura n.º 4753/2011 publicado na 2.ª Série, n.º 33, de 16/02/2011:

(Dá-se por reproduzido o documento constante dos factos provados da decisão de 1ª instância, nos termos do art.º 663º nº 6 CPC).

L) Em 25/03/2011, foi publicada a declaração de rectificação n.º 606/2011, no Dr n.º 60, 2.ª Série, nos seguintes termos:

(Dá-se por reproduzido o documento constante dos factos provados da decisão de 1ª instância, nos termos do art.º 663º nº 6 CPC).

M) Por nota de serviço de 30/5/2011, os curricula de todos os candidatos concorrentes ao concurso foram enviados à Sra. Presidente do Júri do concurso.

N) Pelo aviso n.º 17265/2011 de 15/06/2011 foi publicada a lista de candidatos admitidos e excluídos do concurso.

O) Em 11/08/2011, o júri do concurso deliberou elaborar o calendário provisório da prova pública de discussão curricular e detectou que, no que respeita à prova pública de discussão curricular, deveria ter objectivado a escala de avaliação a aplicar, deliberando que utilizaria a seguinte escala, em cada um dos itens (AOC, AED, DECP) determinados:

5- Excelente; 4 – Muito bom; 3-Bom; 2-Satisfatório; 1-Insatisfatório.

P) Na reunião a que se alude no ponto antecedente, o Júri deliberou, também, objectivar a avaliação a atribuir no que respeita ao tempo para a apresentação curricular de cada candidato e determinou: 5-Excelente; 4–Muito bom; 3-Bom; 2-Satisfatório; 1-Insatisfatório, sendo que de: 1 a 4 minutos -Insatisfatório; 5 a 8 minutos – Satisfatório; 9 a 12 minutos – Bom; 13 a 14 minutos – Muito Bom; de 15 minutos – Excelente; de 16 a 20 minutos – Satisfatório; de 20 a 30 minutos – Insatisfatório.

Q) Não consta do PA apenso aos autos que o teor da acta a que se alude no ponto antecedente tenha sido divulgado aos candidatos.

R) Em 7/11/2011, o Júri do concurso deu a possibilidade dos candidatos se pronunciarem em sede de audiência prévia, não constando do PA que os candidatos tenham sido informados do sentido provável da decisão final.

S) Pelo aviso n.º 22852/2011, de 15/11/2011 foi publicada a lista de classificação final do concurso tendo a Autora ficado graduada em 23.º lugar.

T) A autora interpôs recurso hierárquico para o Ministro da Saúde.

U) À data de entrada da presente acção em juízo o recurso hierárquico ainda não tinha sido apreciado.

V) Sobre o recurso hierárquico recaiu despacho de indeferimento expresso datado de 20/06/2012.

2.2 De Direito

Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.

O recorrente vem sustentar que não ocorreu, no caso em análise, violação do caso julgado pelo que não deveria ter sido anulada a deliberação do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de São João, EPE de 10/11/2011 que homologou a lista de classificação final do concurso interno geral de acesso para enfermeiro-chefe.

É esta a única questão em apreciação neste recurso.

A decisão recorrida sustenta que ocorreu violação do caso julgado com o seguinte fundamento na sua parte final:

… Por conseguinte, é por demais evidente que a ED alterou a fórmula da classificação final e da avaliação curricular, introduzindo novos factores de ponderação no método de avaliação curricular, em claro desrespeito do acórdão proferido no âmbito do proc. n.º 721/05.1BEPRT que impôs apenas a reformulação da acta de 16/11/2001 a fim de na mesma passarem a constar os critérios de avaliação dos factores da prova pública de discussão curricular procedendo à enunciação dos critérios de avaliação de cada factor (os quais eram quatro – expressão verbal, qualidades intelectuais, atitude profissional e conhecimentos profissionais orientados para a função).

Como escreve Mário Aroso de Almeida, in “Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes”, Almedina, pág. 221/222 a respeito do acto anulado “não se afigura, por isso, legítimo extrair da anulação a consequência de que é como se o acto nunca tivesse existido” “ a anulação pauta-se por critérios de estrita reintegração da legalidade ofendida pelo acto inválido. Como ela não atende, portanto, a quaisquer outros valores e circunstâncias que não sejam o imperativo de eliminar os vestígios da ilegalidade cometida e, desse modo, de assegurar a integral reintegração da legalidade ofendida […] ”. Desta forma, à ED cabia apenas o cumprimento estrito do julgado anulatório, expurgando o acto das ilegalidades apontadas pela sentença, mantendo tudo o resto incólume, o que não sucedeu.

Assim, o acto impugnado é nulo, nos termos do art.º 158.º, n.º 2 do CPTA que dispõe que a prevalência das decisões dos tribunais administrativos sobre as das autoridades administrativas implica a nulidade de qualquer acto administrativo que desrespeite uma decisão judicial, bem como nos termos do art.º 133.º, n.º 2, h) do CPA por violação do caso julgado, sendo o caso dos autos.

O recorrente vem insurgir-se contra o assim decidido, sustentado que a decisão impugnada não violou o caso julgado.

O caso julgado é a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão decorrente do seu trânsito em julgado (artigo 628º do CPC). O caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário (Miguel Teixeira de Sousa – Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, pág. 567).

Ocorre, assim, caso julgado quando uma determinada decisão já não seja susceptível de recurso ordinário. Este instituto decorre da exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois que evita que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir (ver, Miguel Teixeira de Sousa, in obra citada, pág. 568).

Decorrentes do caso julgado podem verificar-se duas situações que não se confundem. Uma, a excepção do caso julgado. A outra a autoridade do caso julgado, que a jurisprudência e a doutrina referem ter o efeito positivo (o contrário da excepção do caso julgado) de impor a primeira decisão a uma segunda decisão de mérito.

Ou seja, decidida que se encontra uma questão através de caso julgado, uma segunda decisão a proferir tem que se enquadrar nos limites já anteriormente fixados.

Ver neste aspecto Acórdão do TRG proc. 3490/08.0TBBCL.G1, de 17-12-2013. I - A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a excepção de caso julgado são efeitos distintos da mesma realidade jurídica. II - Pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, enquanto que a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito.

I- Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.

II- IV - A autoridade de caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o art. 498º do CPC, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.

Quando se profere decisão que contrarie o anteriormente já decidido, então ocorre violação do caso julgado.

Ver, neste sentido, Acórdão STJ proc. 123/12.3TTVFR.P1.S1 de 18-02-2016, quando refere: I. Ocorre violação do caso julgado quando o Tribunal profere decisão sobre questão já anteriormente decidida com trânsito em julgado, havendo identidade de partes, de pedido, bem como de causa de pedir.

No âmbito do procedimento administrativo, tendo uma decisão transitada em julgado devem as autoridades administrativas respeitar o caso julgado sob pena de nulidade das decisões que procederem à sua violação, de acordo com o referido no artigo 158º n.º 2 do CPTA.

Menciona este artigo que “ 2- A prevalência das decisões dos tribunais administrativos sobre as das autoridades administrativas implica a nulidade de qualquer acto administrativo que desrespeite uma decisão judicial …”.

Referem, neste âmbito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunas Administrativos, 2017, 4ªa edição, Almedina, pág. 2013) Ofensa ao caso julgada - Quando não se consubstancia numa atitude meramente passiva, de incumprimento do que seria devido, e se concretiza numa atitude de rebeldia ativa, consubstanciada na tomada de uma decisão e, portanto, na prática de um ato administrativo, o desrespeito pelas decisões judiciais, por parte da Administração, traduz-se na introdução de uma definição que ofende o caso julgado quando nessa definição se contraria a pronúncia emitida pelo tribunal com autoridade de caso julgado. É o que sucede, para dar apenas alguns exemplos, quando, tendo o tribunal reconhecido, numa sentença de simples apreciação, que determinada situação se apresentava de determinada maneira, a Administração venha emitir um ato em que afirma que ela se apresenta de maneira diferente; ou quando, tendo o tribunal condenado a Administração a praticar um ato administrativo com determinado conteúdo, ela pratica um ato com conteúdo diferente.

Feitas estas considerações, vamos ao caso dos autos.

O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, em representação da associada MFBQC instaurou, no TAC de Lisboa, acção administrativa especial a que foi atribuído o n.º 721/05.1BEPRT com o objectivo de anular a deliberação de 05/01/2005 do CA do Hospital de S. João.

Esta deliberação procedeu à homologação da lista de classificação final do concurso aberto pelo aviso n.º 588/02 publicado no D.R., 2.ª Série, n.º 14, de 17/01/2002 para provimento de 15 lugares para a categoria de enfermeiro-chefe da carreira de enfermagem do quadro de pessoal do referido Hospital.

No processo ora referido foi decidido:

a) anular a deliberação impugnada;

b) Condenar:

I) O Réu a nomear novo júri do concurso;

II) Tal júri a reformular a acta de 16/11/2001 a fim de na mesma passarem a constar os critérios de avaliação dos factores da prova pública de discussão curricular e, seguidamente, a praticar os actos subsequentes actos do procedimento de concurso (v.g. publicação do aviso de abertura, elaboração da lista de candidatos admitidos e excluídos, aplicação dos métodos de selecção, classificação e ordenação dos candidatos, audiência prévia e aprovação da lista de classificação final) e a fundamentar as suas deliberações conforme explicitado no ponto 3 deste Acórdão;

III) O réu a homologar a lista de classificação final.

Esta decisão transitou em julgado.

Após processo executivo (ponto 9) da matéria de facto), e na sequência do trânsito em julgado da decisão referida anteriormente o CA da entidade demandada deliberou anular todos os actos posteriores ao aviso de abertura do concurso em questão, revogar a sua deliberação de 05-01-2005 e nomeou novo júri.

O novo júri reuniu a 12/07/2010 e definiu critérios de avaliação curricular e da prova pública de discussão curricular.

O método de selecção passou a constar a seguinte fórmula:

CF= (ACx2) + (PPDCx3) /5.

A avaliação curricular (AC) passou a ter a seguinte fórmula:

AC= AGC+HA+ (EPx3) + (EAGx9) + (FPx4) + (OERx2) /20.

A avaliação da Prova Pública de Discussão Curricular (PPDC) passou a ter a seguinte fórmula:

PPDC= (AOCx4) + (AEDx4) + (DECPx12) /20

Foi esta a fórmula utilizada no Aviso de abertura n.º 4753/2011, e que fundamentou a deliberação ora impugnada.

No entanto, no aviso de abertura n.º 588/02, publicado no DR II série de 17/01/2002, a fórmula de classificação final utilizada era a seguinte:

CF (classificação final) = AC+ PPDC/2.

Foi esta a fórmula utilizada e sobre a qual se fundamentou a deliberação de 05-01-2005, que foi anulada por decisão do TAC de Lisboa ocorrida no processo n.º 721/05.1BEPRT.

Como vemos da análise dos métodos de selecção utilizados, após a decisão do TAC de Lisboa e cuja execução está agora em causa, o Júri do concurso, para além de fazer constar da mesma os critérios de avaliação referentes à Prova Pública de Discussão Curricular, também alterou, e significativamente, o critério referente à avaliação curricular. Acrescentou critérios de ponderação globais e na avaliação curricular propiamente dita, para além de criar critérios de ponderação, retirou o item Experiências relevantes (ER) e criou dois novos itens: 1) Experiência na área de Gestão (EAG), com uma ponderação de 9; e 2) Outros elementos relevantes (OER) com ponderação de 2.

Ou seja, alterou significativamente o critério referente à avaliação curricular.

Como vemos da decisão ocorrida no TAC de Lisboa, e que transitou em julgado, foi decidido que o júri deveria reformular a acta de 16/11/2001 a fim de na mesma passarem a constar os critérios de avaliação dos factores da prova pública de discussão curricular.

É que a fundamentação para a decisão da TAC de Lisboa prendeu-se, essencialmente com a falta de critérios que densificassem o factor Prova Pública de Discussão Curricular.

Ou seja, e conforme o decidido, o júri do concurso apenas poderia introduzir na acta em causa os critérios de avaliação dos factores da prova pública de discussão curricular e não quaisquer outros.

No entanto, por sua iniciativa, e à revelia do que tinha sido decidido e tinha transitado em julgado, o júri do concurso decidiu alterar todo o critério referente à avaliação curricular, colocando ponderações no mesmo, e algumas com peso significativo, e introduziu novos factores. Ora, esta alteração estava vedada por respeito ao caso julgado, como já referimos.

Vem, no entanto, o recorrente sustentar que o novo júri, como lhe competia, elaborou uma nova grelha classificativa, expurgada do vício que inquinara o procedimento, sendo certo que era livre para fixar os critérios que reputasse mais adequados, desde que respeitasse os procedimentos legais.

Mas o novo júri do concurso, ao contrário do referido nestas conclusões, não era livre para fixar os critérios de avaliação que reputasse de mais adequados. A decisão que ora se pretende executar, referia expressamente quais as vinculações a que se encontrava adstrita. Era livre de criar os critérios de avaliação dos factores da prova pública de discussão curricular, mas apenas quanto a esta matéria. A ser como refere o recorrente então o Tribunal apenas se teria bastado bastava com o anular o acto impugnado. Mas não, anulou o acto e criou as vinculações para o prosseguimento do concurso. Vinculações estas que não foram seguidas. Ou seja, o júri do concurso, ao contrário do referido pelo recorrente estava sim obrigado a uma grelha classificativa anterior, a não ser na parte que o Tribunal decidiu que deveria ser alterada. Por outro lado, apesar de os critérios poderem constar do aviso de abertura, e não de uma acta, como vem referir o recorrente, tal facto não vem por em crise o anteriormente referido. O Júri do concurso estava sempre vinculado ao caso julgado.

Assim sendo, e tendo sido este o entendimento seguido pela decisão recorrida tem de se concluir que não podem proceder as conclusões do recorrente, não merecendo a decisão recorrida a censura que lhe é assacada e, em consequência, nega-se provimento ao recurso interposto

3. DECISÃO

Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Notifique

Porto, 7 de Julho de 2017
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass: Frederico de Frias Macedo Branco