Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00781/10.3BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/20/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:IRS;
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO; PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO;
MÉTODOS INDIRETOS;
Sumário:I - Ao Recorrente que impugne a matéria de facto contida na sentença recorrida, cabe cumprir os ónus processuais vertido no art.º 640.º do atual CPC, aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT.

II – O princípio do inquisitório em sede jurisdicional está consagrado no n.º 1 do art.º 13.º do CPPT e n.º 1 do art.º 99.º da LGT e consiste no poder de o Juiz ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade material. Este princípio não exime as partes das suas obrigações processuais, nomeadamente da alegação da factualidade em que assenta a sua pretensão e de indicarem eventuais elementos de prova de que disponham ou que entendam mais apropriados à demonstração da sua versão dos factos.

III – Cabe à Administração Tributária fazer prova dos factos que integrem os fundamentos previstos no artigo 88.º da LGT, por remissão da alínea b) do artigo 87.º da LGT, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


I – A Representação da Fazenda Pública – RPF (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, pela qual se concedeu provimento à impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IRS dos anos 2007 e 2008, intentada por «AA», agora representada por «BB», este na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por decesso daquela.

Na presente apelação a Recorrente apresenta as seguintes conclusões:
1- A Mma. Juiz do Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, nos autos acima identificados, por existência de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto de que dependeu o recurso a métodos indirectos na origem das correcções que fundaram as liquidações de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de 2007 e 2008.
2- Sentença essa com os fundamentos reproduzidos nos pontos 2 a 6 das presentes alegações.
3- Com todo o respeito pela douta decisão “a quo”, e reconhecendo a profunda análise levada a cabo pela MMa. Juiz, entende, no entanto, esta Representação da Fazenda que existiu erro na apreciação da prova, que conduziu à decisão pela procedência da impugnação, não tendo sido levado em conta nos factos dados como provados, o invocado por esta Representação da Fazenda Pública em sede da contestação apresentada, bem como existe violação do princípio do inquisitório.
4- Relativamente ao processo e capacidade produtiva da suinicultura em causa, a Inspecção Tributária não ignorou, como consta expressamente do Relatório de Inspecção, que se tratavam de leitões para assar e não para abate.
5- Sendo que, nunca foi referido em sede do procedimento inspectivo, em especial no exercício direito de audição, no procedimento de revisão da matéria colectável e na própria p.i. que se tratavam de porcos com genética especial, sendo o processo de criação foi explicado pelo herdeiro ao Inspector Tributário.
6- A própria Confraria Gastronómica do Leitão da Bairrada, no seu sítio Internet, refere como leitão ideal para assar o das raças Bisara e Malhado de Alcobaça, nada referindo acerca de híbridos cruzados da primeira dessas raças.
7- Quanto ao facto considerado no ponto 8 como provado, de a suinicultura estar preparada para uma produção máxima de 7488 leitões por ano, tal resultou de um plano de produção apresentado pelo próprio impugnante e de prova testemunhal, inexistindo qualquer reflexo contabilístico de tal facto ou prova produzida de forma independente.
8- Nem tal genética especial dos suínos criados, com os efeitos que as testemunhas lhe atribuem em termos de fecundidade das porcas, está reflectido na contabilidade da autora seja onde for.
9- Quanto à utilização de uma taxa de leitões desmamados por ninhada, proveniente de uma obra de referência, refira-se que se trata de uma tese de doutoramento intitulada Epidemiologia das afecções dos suínos em amostras da população explorada intensivamente em Portugal, da autoria do Doutor RUI AUGUSTO PERESTRELO VIEIRA, publicada pela Escola Superior de Medicina Veterinária, Lisboa 1989, pelo que a mesma teve em conta todas as variantes de suínos criados em exploração intensiva.
10- No que respeita às conclusões da Administração Tributária, quanto ao controlo de existências e quantidades vendidas, refira-se relativamente à invocada epidemia que terá dizimado centenas de leitões, que não existe qualquer reflexo da mesma na contabilidade, nem junto de qualquer entidade pública nomeadamente a Direcção de Serviços de Alimentação e Veterinária da Região Centro.
11- Sendo que, nunca em sede do procedimento inspectivo, em especial no exercício direito de audição e no procedimento de revisão da matéria colectável, tal foi invocado, mas apenas em sede da douta p.i, onde são referidas 255 devoluções de leitões por parte de clientes, ao que esta RFP, contrapôs a inexistência de quaisquer notas de crédito na contabilidade.
12- Mais refere nessa p.i. a interposição de um acção contra a empresa fornecedora da rações que estariam na origem da doença, ... e [SCom01...], Sociedade Unipessoal, Lda. juntando cópia da p.i (doc. 4), mas sem carimbo de entrada no Tribunal Judicial de ..., sendo que esta terá dado origem ao P.º ...9/08...TBMIR, conforme cópia de mensagem de correio electrónico, junta a essa p.i.
13- Ora, com todo o respeito, a Mma. Juiz ignorou totalmente as invocadas devoluções e existência do referido processo no Tribunal Judicial de ..., do qual haveria todo o interesse para os presentes autos conhecer o desfecho.
14- Violando o princípio do inquisitório, previsto no art. 99.º da LGT, pois tal conhecimento era fundamental, senão prejudicial para o conhecimento desta questão e deveria ter sido solicitada informação acerca da decisão proferida e seu trânsito em julgado ao referido Tribunal Judicial, conforme é jurisprudência reiterada do STA, de que é exemplo o acórdão de 12/02/2003 proferido no P.º 01293/02.
15- Quanto à admitida desconformidade entre as existências iniciais e o número de leitões vendidos em Janeiro e Fevereiro de 2007, refira-se que não é só nestes meses que tal sucede, mas também no mesmos meses de 2008, o que o impugnante explica com a mortandade dos suínos provocada pelas rações.
16- Estes meses iniciais do ano foram utilizados como amostragem pelo inspector tributário, por serem os mais próximos da data do Inventário do ano anterior (em 31-12-2006 e 31-12-2007, respectivamente), permitindo apurar uma percentagem aplicável aos restantes meses de cada ano como critério da omissão de vendas.
17- Não correspondem a uma possível correcção técnica, pois elas próprias contém uma presunção de mortalidade dos leitões conforme consta do relatório inspectivo: “O SP declarou vendas de 371 leitões nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2007, quando no final do ano anterior a 31/12/2006 existiam 563 leitões, note-se que embora não existam comunicações destas mortes à DGCI ou a outras entidades são consideradas 41, para cálculo da percentagem omitida nas vendas.”
18- A Mma. Juiz não levou em conta, na apreciação da prova, o invocado no art. 54.º a 60.º da contestação desta RFP tempestivamente apresentada, em que se apreciou a documentação junta por esta com a douta p.i. (Doc. 2 e 3) e que aqui reiteramos, para todos os efeitos legais e reproduzimos supra no ponto 22.º.
19- Face ao exposto, entende esta Representação da Fazenda Pública erro na apreciação da prova, que conduziu à decisão pela procedência da impugnação, não tendo sido levado em conta nos factos dados como provados, o invocado por esta Representação da Fazenda Pública em sede da contestação apresentada, bem como existe violação do princípio do inquisitório.
20- A Representação da Fazenda Pública entende existirem as irregularidades e omissões na contabilidade da empresa que impossibilitaram a comprovação directa e exacta da matéria tributável, descritas no Relatório de Inspecção, pelo que devem ser mantidas as liquidações impugnadas e anuladas na douta sentença recorrida, por não existir qualquer vicio que as inquine.
Termina a Recorrente pedindo que seja julgado procedente o presente recurso, sendo revogada a sentença recorrida, sendo substituída por acórdão que dê por verificados os factos descritos no Relatório de Inspeção Tributária, que legitimam a tributação em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, do Impugnante, por métodos indiretos, nos exercícios de 2007 e 2008, com fundamento no art. 88.º da LGT, por remissão do art. 87.º, al. b) do mesmo diploma legal.
O Recorrido apresentou contra-alegações, nestas concluindo que:
1. No caso sub judice, apesar de ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados em audiência, não é possível proceder à requerida reapreciação, uma vez que a recorrente, nas conclusões do recurso, não especificou quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação nele realizada, que foram mal interpretados e que, em sua opinião, impunham, em relação a esses pontos, uma decisão diferente da que foi tomada, nem indicou onde se localizam, nessa gravação o início e o termo de cada um dos depoimentos a reapreciar e que, em seu entender, impunham a alteração da referida decisão.
2. Tratando-se de gravação digital, a Recorrente não estava impossibilitada de fazer uma identificação precisa e separada dos depoimentos e de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda.
3. Não o tendo feito, nem procedido à respectiva transcrição, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com esse fundamento, deve ser rejeitada de imediato.
4. Acresce: contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão. De resto, a lei determina a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
5. Nessa perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
6. A decisão que dirimiu a matéria de facto controvertida deve, assim, manter-se inalterada, tal como foi decidida pela 1ª instância.
7. A Administração Tributária não fez prova de que se verificam factos que integram os fundamentos previstos no artigo 88.º da LGT, por remissão da alínea b) do artigo 87.º da LGT, pelo que não estava legitimada a recorrer a métodos indirectos de determinação da matéria colectável para os anos de 2007 e 2008.
Termina o Recorrido pedindo que seja rejeitado o recurso ou, subsidiariamente, ser julgado o mesmo improcedente.
*
Os autos foram com vista ao distinto magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, tendo este emitido parecer no sentido de rejeitar o recurso na parte incidente sob a matéria de facto e, no demais, declarar a improcedência do presente recurso (cf. fls. 619 e segs. dos autos – paginação do SITAF).
*
Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.

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II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:
1. O sujeito passivo «CC», Herdeiros (doravante Impugnante, por facilidade de exposição) exerce a actividade de suinicultura, a que corresponde o CAE 1460 – cfr. fls. 43 do processo administrativo.
2. O Impugnante dedicou-se à multiplicação e engorda de porcos com destino para abate, mas desde, aproximadamente, o ano de 2005 tem-se dedicado à multiplicação de leitões para assar, explorando maioritariamente cruzamentos de porcos de raça bísara com outros de genética adequada àquele fim – cfr. depoimento da testemunha «DD» e «EE».
3. A genética dos porcos destinados a leitões para assar é menos prolífera do que a genética dos que são destinados para abate, sendo a média de animais desmamados de apenas cerca de oito leitões por ninhada – cfr. depoimento da testemunha «DD», «FF» e «EE».
4. A capacidade reprodutiva de uma porca varia, entre o mais, em função da sua genética, do varrasco que é usado e respectiva genética e das condições da exploração – cfr. depoimento das testemunhas «DD», «FF» e «EE».
5. Uma porca reprodutora tem, em média, o seu pico de produção às terceira e quarta barrigas, pelo que as mais novas e mais velhas têm, tendencialmente, ninhadas mais pequenas – cfr. depoimento das testemunhas «DD» e «FF».
6. Como as instalações da suinicultura eram muito antigas, foram realizadas obras de remodelação no ano de 2005 e seguintes – cfr. depoimento da testemunha «EE».
7. No período compreendido entre o final do ano de 2007 e o início do ano de 2008 ocorreu um episódio de doença que provocou a morte a centenas de suínos na exploração do Impugnante – cfr. depoimento da testemunha «DD», «FF» e «EE».
8. A suinicultura explorada pelo Impugnante tem uma capacidade máxima para 350 porcas reprodutoras que se forem de uma genética adequada à criação para abate poderão produzir uma média de 7488 leitões desmamados por ano – cfr. plano de produção de fls. 25 a 32 do processo físico e depoimento da testemunha «EE».
9. Nos anos de 2007 e 2008 o Impugnante manteve um registo dos suínos que saíram da exploração para abate ou para exploração através do registo de existências e deslocações de suínos – cfr. registo de existências e deslocações de suínos de fls. 33 a 85 do processo físico.
10. Nos meses de Março de 2007 a Novembro de 2008 o Impugnante pagou à sociedade “[SCom02...], Lda” honorários pela prestação de serviços de veterinária – cfr. recibos de honorários a fls. 143 a 158 do processo físico.
11. Em 19.03.2008 o Impugnante celebrou um contrato de locação financeira com o Banco 1... para a aquisição de um equipamento para a suinicultura à “[SCom03...] para Pecuária, S.A.” e à “[SCom04...], S.A”, equipamento que consistia em vinte e oito maternidades aéreas e respectivo sistema de automatização e alimentação – cfr. contrato de locação financeira e facturas proforma números ...69 e ...08 de fls. 216 a 224 do processo físico.
12. Até 23.06.2009, data em que teve início na região centro do país o processo de recolha de cadáveres de suínos, os animais que morriam eram enterrados na exploração – cfr. informação prestada pela Direcção de Serviços de Alimentação e Veterinária da região Centro e Edital de fls. 289 a 293 do processo físico e depoimento das testemunhas «DD» e «FF».
13. Em 25.01.2010 o Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., «GG», decidiu proceder a uma inspecção a «AA», de âmbito interno e extensão parcial, em IRS, aos exercícios de 2007 e 2008 – cfr. ordens de serviço n.º ...04 e ...05 de fls. 1 e 2 do processo administrativo.
14. Em 05.01.2010 foi enviado ao Impugnante o ofício n.º ...37, com o assunto “Projecto Relatório da Inspecção Tributária – artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT)”, destinado a notificar o mesmo para se pronunciar em sede de audiência prévia quanto ao projecto de relatório de inspecção tributária – cfr. ofício e registo postal de fls. 16 (frente e verso) do processo administrativo.
15. Em 19.01.2010 o Impugnante apresentou na Direcção de Finanças ... o requerimento pelo qual se pronuncia em sede de audição prévia – cfr. requerimento de fls. 17 a 39 do processo administrativo
16. Em 10.02.2010 o Inspector Tributário dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... elaborou o “Relatório de Inspecção Tributária” cuja cópia junta a fls. 40 a 54 do processo administrativo aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:
“(...)
II – Objectivos, âmbito e extensão da acção de inspecção
II – 1. Credencial e período em que decorreu a acção
Em cumprimento da ordem de serviço número ...53 de 13/10/2009, procedeu-se à inspecção do sujeito passivo «CC», Herdeiros com o NIPC ...05. A acção decorreu entre os dias 13/10/2009 e 18/12/2009.
II – 2. Motivo, âmbito e incidência temporal
Esta acção foi motivada pelo facto do sujeito passivo ter solicitado o reembolso de IVA após cessação da sua actividade e nunca ter sido alvo de inspecção.
A actividade empresarial passou a exercida pelo Herdeiro «BB» como empresário em nome individual.
O âmbito da acção incidiu sobre IVA e IRS, nos anos de 2007 e 2008.
II – 3. Outras situações
II – 3. 1. Actividade desenvolvida pelo sujeito passivo
O sujeito passivo «CC», Herdeiros exerce a actividade de Suinicultura, à qual corresponde o código CAE 1460.
A actividade é exercida em instalações próprias em ..., Concelho ... onde produz leitão para abate.
Para efeitos de IR, o sujeito passivo enquadra-se no regime geral sendo o lucro tributável determinado nos termos do nº 1 do Artº 17º do CIRC. O lucro ou prejuízo apurado pelo cabeça de casal é imputado aos respectivos contitulares na proporção das respectivas quotas nos termos dos artsº 3º e 19º do CIRS.
Para efeitos de IVA, o sujeito passivo enquadrava-se no regime normal de periodicidade trimestral.
(...)
IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
IV – 1. Actividade e instalações
A actividade económica exercida de suinicultura remonta ao início dos anos 80 por «CC», que faleceu em 1995, desde então é exercida pelos herdeiros «AA» e «BB».
As instalações são constituídas por dois edifícios (pavilhões) com uma área de implantação de 1.300,00m2. Existem sete salas de maternidades com capacidade total para 98 porcas, 20 parques onde são agrupadas em grupos homogéneos de 6 a 12 animais, 10 “iglos” cada um com 30 a 40 leitões, no entanto no verão devido à subida da temperatura o limite por “iglo” são 30 leitões. Dispõem ainda de um laboratório, enfermaria, silos e armazém.
IV – 2. Processo e capacidade produtiva
Na exploração trabalham uma Engenheira Agrária e três trabalhadores indiferenciados, além do herdeiro «BB» que trata da parte administrativa e da gerência. A exploração dedica-se à produção de leitão para assar. Na visita à exploração e da conversa com o herdeiro «BB», inteiramo-nos do processo produtivo que consiste essencialmente no seguinte:
a) As porcas reprodutoras são inseminadas durante três dias consecutivos, ficando em gestação em celas individuais em pavilhão por 45 dias; no 23º dia é feito o controlo por ecografia para confirmar a gestação.
b) As que não foram fertilizadas são novamente inseminadas.
c) Após, confirmação da gestação continuam nas mesmas celas até aos 45 dias, sendo nesta altura transferidas para parques colectivos onde são agrupadas em grupos homogéneos de seis ou 12 porcas, até uma semana antes do parto.
d) Nesta altura, entram nas maternidades para parirem os leitões. Entre a inseminação e o nascimento dos leitões decorrem até 120 dias.
e) Os leitões ficam ainda nas maternidades em lactação e até ao desmame com 30 dias.
f) Após o desmame, passam para os “iglos” onde ficam em engorda por mais 15 dias até saírem para abate.
g) As porcas reprodutoras cinco dias após o desmame entram novamente em cio, sendo inseminadas durante três dias consecutivos.
No que respeita à capacidade produtiva, temos a referir o seguinte:
A suinicultura, cuja actividade agora é exercida em nome individual pelo herdeiro «BB», em 31/12/2006 tinha 267 porcas reprodutoras, em 31/12/2007 detinha 349 e em 31/12/2008 332 porcas (anexo 2 -.5 fls)
Assim, durante os dois anos em análise a exploração, em média teve 316 porcas reprodutoras. Como estas estão em gestação 4 meses e um mês em lactação, 1/5 das reprodutoras está em lactação (cerca de 63 a 64) 4/5 estão em gestação (cerca de 252 a 253).
A exploração dispõe de sete salas de maternidades com um total de 98 celas individuais, e 10 “iglos” com capacidade máxima de 40 leitões, no entanto no verão o número tem que ser reduzido a 30 leitões, aqui ficam em engorda durante 15 dias até ao abate.
Assim, a média mensal considerando o número médio de 316 porcas reprodutoras, e que um quinto destas está em lactação temos uma capacidade mensal, após desmame de (316/5X10,31)=650,96 durante oito meses e limitada a 600 leitões mês entre Junho e Setembro, o que equivale a calcular em média 7600 leitões desmamados anualmente. Ora como veremos nos pontos V-1.1 e V-2.1. o sujeito passivo apenas contabilizou, nos anos em análise, as seguintes quantidades: 2007 –4023 Leitões;
2008 – 5935 Leitões.
Resumindo o processo produtivo:
(...)
[Passa a reproduzir-se o teor da nota de rodapé n.º 1:
Taxa de leitões desmamados por ninhada, Vieira, Rui Augusto Perestrelo em Epidemiologia das afecções dos suínos em amostras da população explorada intensivamente em Portugal. Escola Superior de Medicina Veterinária, Lisboa 1989. (Anexo 3 – 1 fls).]
IV – 3. Controlo das existências e quantidades vendidas
Com base nos inventários contabilísticos elaborados pelo sujeito passivo (anexo 2) procedeu-se a um controlo das quantidades vendidas durante os dois primeiros meses do ano, ou seja a partir das existências iniciais dos anos 2007 e 2008, e sabendo que o leitão para assar “tipo Bairrada” deverá ter 12Kg a 15Kg para abate. Peso este, que em média é atingido aos 45 dias de vida.
Tal é confirmado pela análise do próprio processo produtivo na exploração, porquanto o desmame é efectuado aos 30 dias e depois ficam mais 15 dias nos “iglos” antes do abate, ou seja seguem para abate com 1,5 meses de vida.
Então, mesmo considerando que os leitões teriam nascido todos a 31/12 de cada ano, a sua venda seria realizada no máximo até final do mês de Fevereiro, o que foi confirmado pelo herdeiro, pelo que partindo dessa premissa obtemos o quadro seguinte:
Descrição20072008
El. (Leitões)563850
Leitões Vendidos (Jan+Fev)371662
Divergência192188

Nestas existências iniciais declaradas pelo SP, temos leitões em aleitamento (30 dias), e engorda (15 dias), e a mortalidade considerada aceitável entre os leitões nados vivos e o desmame é 10% e entre os leitões desmamados e o abate é 2% (anexo 3 – 1 fls.), assim vamos calcular a mortalidade aceitável para as existências declaradas, tendo em conta que 2/3 dos leitões estão em aleitamento e 1/3 em engorda, porquanto os leitões estão um mês em aleitamento e 1/2 mês em engorda.

DescriçãoTaxa de Mortalidade considerada aceitável (em %)
PercentagemConversorTaxa total
Leitões até ao desmame10%2/36,67%
Leitões em engorda2%1/30,67%
7,33%
Vamos agora apurar os leitões que teriam sido vendidos em Janeiro e Fevereiro dos anos de 2007 e 2008, tendo em conta a taxa de mortalidade antes calculada, conforme se evidência no quadro seguinte:

Descrição20072008
Existências Iniciais de LeitõesQuantidadea)563850
Taxa de mortalidade
(7,33%)
Quantidadeb)4162
Leitões para venda (Jan +
Fev)
Quantidadec)=a-b522788
Leitões declarados nas vendas de Janeiro e FevereiroQuantidaded)371662
% (vendas em falta)Quantidade em faltae)=c-d151126
Percentagem em faltaf)=1-(c-e)/c28,93%15,99%

Ou seja, comparando as existências iniciais às quais é deduzida a correcção da taxa de mortalidade, com as vendas declaradas nos primeiros dois meses de 2007 faltam 151 leitões e no ano de 2008 faltam 126 leitões. O que, em termos percentuais representam a omissão de 28,92% no ano 2007 e 15,98% no ano de 2008.
Refira-se que não consta qualquer contabilização de perdas em existências, nem qualquer comunicação quer à DGCI quer a outras entidades oficiais.
IV – 4. Trabalhadores da suinicultura que não constam da Contabilidade
Nos anos em análise apenas constam remunerações a dois trabalhadores da exploração, um referente a estágio profissional e de um trabalhador indiferenciado. No entanto, face à estrutura industrial de produção, o número de trabalhadores constantes na contabilidade é manifestamente insuficiente para o manejo nesta suinicultura. Também constatámos na visita que havia quatro trabalhadores para manejo da suinicultura.
IV – 5. Em conclusão
Face ao exposto, nomeadamente:
– capacidade de produção da suinicultura;
– divergências no controlo de quantidades vendidas, quando comparadas com as existências iniciais;
– trabalhadores da exploração que não constam na contabilidade;
verifica-se a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de imposto sobre o rendimento o que constitui fundamento à aplicação de métodos indirectos nos termos da al.b) art. 87º e art. 88º ambos da LGT e art.º 52º do CIRC, relativamente aos anos de 2007 e 2008.
(...)” – cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 40 a 49 e respectivos anexos de fls. 50 a 54 do processo administrativo.
17. Em 19.02.2010 o Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças ..., «HH», por delegação, exarou o seguinte despacho sobre o relatório de inspecção tributária identificado no ponto anterior do probatório e os pareceres confirmativos emitidos em 10.02.2010 pelo Chefe de Equipa e em 17.02.2010 pelo Chefe e Divisão: “Concordo com as conclusões do relatório e determino o(s) valor(es) proposto(s) para tributação” – cfr. despacho constante da primeira página do relatório de inspecção tributária a fls. 40 do processo administrativo.
18. Em 22.02.2010 foi assinado o aviso de recepção do ofício n.º ...85, elaborado sob o assunto “Notificação do relatório de inspecção tributária – (art.º 77.º da Lei Geral Tributária – LGT e art.º 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária – Artigo 40.º do CPPT)”, destinado a notificar o Impugnante do relatório de inspecção tributária – cfr. ofício, registo e aviso de recepção de fls. 56 (frente e verso) do processo administrativo.
19. Em 09.03.2010 deu entrada na Direcção de Finanças ... um pedido de revisão da matéria tributável apresentado pelo Impugnante – cfr. requerimento de fls. 57 a 78 do processo administrativo.
20. Nos dias 07 de Abril e 03 de Maio de 2010 os peritos designados pelo Impugnante e pela Administração Tributária reuniram em debate contraditório e não alcançaram acordo – cfr. Actas n.º 008/LGT e 008-A/LGT de fls. 81 a 86 do processo administrativo.
21. Em 15.06.2010 o Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças ..., «HH», por delegação, elaborou o despacho n.º ...5/2010, com o assunto “Procedimento de revisão da matéria tributável (artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro)”, referente aos impostos IRS e IVA dos anos de 2007 e 2008, que aqui se dá por reproduzido e transcreve parcialmente:
“(...)
Deste modo
Determina, o acima exposto, a nossa total adesão aos fundamentos e quantificação constantes do relatório da Inspecção tributável e seus anexos – cujos cálculos e fundamentos aqui damos por integralmente reproduzidos – o que vale por não aceitarmos a pretensão do contribuinte, por não provado, o excesso na quantificação da matéria tributável, mantendo-se os pressupostos fixados nos artigos 87.º e 88.º da Lei Geral Tributária para a avaliação indirecta.
Pela legalidade do uso do critério operado na quantificação, porquanto, se baseia nas alíneas d) e h) do n.º 1 do art.º 90.º da LGT.
Pelo que:
Mantenho os valores inicialmente fixados para efeitos de I.R.S. a imputar a cada um dos herdeiros nas percentagens respectivas, sendo o rendimento líquido da categoria B no total de € 55.077,73 (cinquenta e cinco mil setenta e sete euros e setenta e três cêntimos), para o ano de 2007 e de € 16.196,88 (trinta e nove mil e dezassete Euros e noventa e dois cêntimos), para o exercício de 2008; (...).
(...)”. – cfr. fls. 87 a 92 do processo administrativo.
22. Em 20.07.2010 foi assinado o aviso de recepção do ofício n.º ...83, com o assunto “Procedimento de revisão da Matéria Colectável. Decisão”, pelo qual foi remetido ao Impugnante o despacho identificado no ponto anterior do probatório – cfr. ofício e aviso de recepção de fls. 93 (frente e verso) do processo administrativo.
23. Em 02.08.2010 a Administração Tributária procedeu à compensação entre o estorno da liquidação de IRS do exercício de 2007 com o n.º ...36, no valor de EUR 0,00, e o acerto decorrente da liquidação de IRS, para o mesmo período, com o n.º ...22, no valor de EUR 10.593,88, e a liquidação de juros compensatórios n.º ...84, no valor de EUR 724,44, da qual resultou o saldo de EUR 11.318,32 a pagar pelo Impugnante até ao dia 08.09.2010 – cfr. documento de cobrança de fls. 23 do processo físico.
24. Em 02.08.2010 a Administração Tributária procedeu à compensação entre o estorno da liquidação de IRS do exercício de 2008 com o n.º ...04, no valor de EUR 0,00, e o acerto decorrente da liquidação de IRS, para o mesmo período, com o n.º ...54, no valor de EUR 1.411,70, e a liquidação de juros compensatórios n.º ...79, no valor de EUR 40,06, da qual resultou o saldo de EUR 1.451,76 a pagar pelo Impugnante até ao dia 08.09.2010 – cfr. documento de cobrança de fls. 24 do processo físico.
25. Em 07.12.2010 foi apresentada no Tribunal a petição inicial dos presentes autos – cfr. documento comprovativo de entrega de fls. 2 do processo físico.
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Na sentença recorrida considerou-se igualmente que:
«Com relevo para a decisão da causa não resultou provado que:
A) A taxa de mortalidade de 10% para os leitões em desmame esteja desajustada da realidade.»
*
No que diz respeito à motivação factual, escreveu-se na sentença recorrida que:
«A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise da documentação constante dos autos e do processo administrativo conforme discriminado supra no probatório.
A convicção do tribunal quanto ao ponto 2 do probatório assentou exclusivamente nos depoimentos das testemunhas «DD» e «EE» que revelaram um conhecimento directo e imediato dos factos. Com efeito, a testemunha «DD» revelou ser amigo do Impugnante «BB» e empresário do mesmo ramo de actividade, tendo um conhecimento próximo da exploração em causa nos autos, através de conversas com aquele e por conhecer as instalações. A razão de ciência da testemunha «EE», que, além do mais, exerce as funções de médico veterinário, assenta no facto de prestar serviços ao Impugnante desde data exacta que não se recorda, mas que será desde 2004 ou 2005, e de já conhecer a suinicultura em apreço antes de lhe prestar serviços por ter trabalhado para uma exploração que vendia reprodutores para a mesma. As referidas testemunhas prestaram depoimento de forma objectiva e concordante entre si, pelo que merecem credibilidade.
No que respeita ao ponto 3 do probatório, a convicção do tribunal assentou também no depoimento das já indicadas testemunhas e ainda de «FF». Esta testemunha demonstrou ter conhecimento da factualidade em apreço por ser médico veterinário. Demonstrou ainda ter um conhecimento imediato da suinicultura explorada pelo Impugnante por trabalhar para uma empresa que lhe fornece a ração e aí se deslocar com regularidade. A testemunha «DD» demonstra ter um conhecimento especial da actividade de suinicultura por exercer a mesma e as demais testemunhas exercem as funções de médico veterinário, pelo que sendo as mesmas consentâneas quanto à factualidade em causa e na ausência de indícios que apontem em sentido contrário, inexistem quaisquer motivos para duvidar da veracidade dos seus depoimentos.
Também o ponto 4 do probatório deriva dos depoimentos das três testemunhas inquiridas nos autos, uma vez que estas foram concordantes quanto à matéria de facto aí vertida.
A factualidade constante do ponto 5 do probatório resultou assente em consequência do depoimento das testemunhas «DD» e «FF», que foram unânimes quanto à mesma.
A matéria de facto dada por assente no ponto 6 do probatório assentou exclusivamente no depoimento da testemunha «EE» que revelou ter sido o próprio quem acompanhou a remodelação a realizar nas instalações do Impugnante.
No que se refere ao ponto 7 do probatório, a convicção do tribunal assenta nos depoimentos das já indicadas testemunhas. A testemunha «DD» demonstrou ter conhecimento de uma perda muito grande de leitões e de inclusivamente ter dispensado ração para aquele testar se era essa a origem da doença. Por seu lado, a testemunha «FF» revelou que teve participação directa na resolução da doença que surgiu na exploração do Impugnante, por estar relacionado com as rações que forneceu, e que morreram bastantes animais. Também a testemunha «EE» afirmou ter tido conhecimento de vários animais doentes e ter ajudado na resolução do problema, mas que ainda assim morreram cerca de 600 leitões. Os referidos depoimentos foram unânimes quanto à morte de vários animais da exploração do Impugnante e derivam de um conhecimento imediato, pelo que inexistindo à data a obrigação de registo e recolha dos cadáveres (cfr. ponto 12 do probatório) que possa indiciar o número correcto de animais mortos ou que possa indiciar o contrário, inexistem razões para duvidar das indicadas testemunhas.
O ponto 8 da matéria de facto resultou assente em função de prova documental, já identificada, e de prova testemunhal. As testemunhas «DD» e «FF» foram concordantes em afirmar que até se ter iniciado a recolha obrigatória de cadáveres, cada exploração era responsável por enterrar os animais que aí morriam.
Quanto ao ponto 8 do probatório, a convicção do tribunal assentou no teor do plano de produção junto a fls. 25 a 32 do processo físico, cujo conteúdo foi confirmado pela testemunha «EE» que revelou ter sido o próprio quem o elaborou.
Quanto à alínea A) dos factos não provados, o Impugnante não apresentou qualquer prova. Por outro lado, a testemunha «EE» que, como já referido, tem um conhecimento directo da exploração do Impugnante, afirmou que a taxa de mortalidade de 10% é compatível com a exploração do Impugnante, considerando que a genética dos animais é menos prolífera e os leitões são tendencialmente mais robustos.»

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III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões colocadas pela Recorrente quanto aos erros de julgamento invocados, nomeadamente quanto aos erros de julgamento de facto e na apreciação da prova, violação do princípio do inquisitório e errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 88.º e alínea a) do artigo 87.º, ambos da LGT.

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IV – Do mérito do presente recurso
No presente recurso, a ora Apelante veio questionar o acerto da sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que negou provimento à impugnação intentada pela de cuius, agora representada pelo Recorrido, direcionada contra as liquidações adicionais de IRS dos anos de 2007 e 2008.
As liquidações supra referidas têm a sua génese inicial uma ação inspetiva levada a cabo pelos serviços da AT, na qual se concluiu pela aplicação de métodos indiretos para a fixação da matéria coletável em sede de IRS relativamente aos anos de 2007 e 2008 A ação inspetiva referida incidiu, igualmente, sobre o IVA dos anos de 2007 e 2008.. Após o aludido procedimento inspetivo, teve lugar o procedimento de revisão da matéria coletável que culminou na decisão do Sr. Diretor de Finanças ..., a que se faz menção no n.º 21 da matéria de facto assente na sentença apelada.
IV.1 – Do erro de julgamento de facto e erro na apreciação da prova.
Nas conclusões do presente recurso, que delimitam o seu âmbito, a ora Apelante invoca um conjunto de factos e de ilações de facto, fazendo-o, designadamente, nas conclusões números 4 a 6, 8 a 12 e 15 a 17. No entanto, esta alegação não é complementada com qualquer juízo crítico feito à sentença recorrida no que concerne aos ditos factos e/ou ilações de facto. Ora, sendo os recursos o meio de tutela jurisdicional para questionar as decisões judiciais, têm os mesmos que ser direcionados contra estas. Na presente situação, quanto à apontada matéria, a Recorrente não se insurgiu explicita, ou sequer implicitamente, contra a sentença apelada, pelo que, naqueles pontos, terá que se considerar que o presente recurso falha o seu necessário alvo. Por isso, tem o mesmo que ser considerado improcedente quanto às referidas conclusões.
Porém, no que diz respeito à alegação contida no número 7 das conclusões da presente apelação, a ora Recorrente manifesta expressamente o seu inconformismo com a matéria de facto provada indicada sob o n.º 8 dos factos tidos por assentes na sentença recorrida.
Assim, tendo sido impugnada a matéria de facto provada em primeira instância, cabe, antes de mais verificar se a Recorrente cumpre os ónus processuais vertido no art.º 640.º do atual CPC (aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT e art.º 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, uma vez que a sentença recorrida foi proferida em 05.01.2017). Deste modo, como refere António Abrantes Geraldes in «Recursos no Novo Código de Processo Civil», 2018, pag. 165 e segs.:
“[…] Sem nos alongarmos demasiado em considerações sobre os regimes anteriores, podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. a), ou mesmo, a produção de novos meios de prova nas situações referidas na al. b). Porém, como anotamos à margem desses preceitos, não estamos perante um direito potestativo do recorrente, antes em face de um poder-dever da Relação que esta deve usar de acordo com a perceção que recolher dos autos;
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
f) Na posição em que o recorrido se encontra, incumbe-lhe o ónus de contra-alegação, cujo incumprimento produz efeitos menos acentuados do que os que se manifestam em relação ao recorrente. O facto de inexistir efeito cominatório para a falta de apresentação de contra-alegações ou para o incumprimento das regras sobre a sua substância ou forma e o facto da a Relação ter poderes de investigação oficiosa determinam que sejam menos visíveis os efeitos que decorrem da sua deficiente atuação. […]”.
O mesmo autor na obra supra citada a fls. 168, refere que a rejeição total ou parcial da decisão da matéria de facto dever ocorrer quando:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2 al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.
Na presente situação, como vimos, a Recorrente não concorda com o teor do n.º 8 dos factos assentes. Contudo, na aludida conclusão ou na motivação do recurso que a sustenta, a Apelante não indica com a necessária concretização, qual ou quais as provas, documentais ou outras, que pudessem infirmar o que ali foi dado como demonstrado. Por isso, não cumpriu o ónus processual exigível e previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, aplicável por força da remissão contida no art.º 281.º do CPPT. Assim, quanto a este subitem, terá que ser rejeitado o presente recurso.
Por outro lado, a Recorrente invoca que o Tribunal recorrido errou na apreciação da prova, tendo desconsiderado parte da alegação contida na contestação que apresentou. No entanto, da referida alegação não consegue esta instância apurar, mais concretamente, qual o erro supostamente perpetrado pela primeira instância. Efetivamente, a Recorrente não indica qual, ou quais os factos, erroneamente ajuizados pelo tribunal recorrido, tendo em conta a prova colhida nos autos. Assim, dada a aludida incompletude, não pode esta instância se pronunciar utilmente sob o dito erro na apreciação da prova.
Por isso, terá que improceder o presente recurso quanto à questão supra indicada.
IV.2 – Da violação do princípio do inquisitório em sede jurisdicional.
Nas conclusões n.ºs 12 e 13 do presente recurso, a Apelante invoca que o Tribunal recorrido não respeitou o princípio do inquisitório, na sua vertente jurisdicional.
Deste modo, no que se refere à aplicação do princípio do inquisitório em sede jurisdicional, relatou-se no Acórdão deste Tribunal, datado de 12.03.2015 e proferido no processo n.º 199/09.0BEAVR, que: “[…] De acordo com o disposto no artigo 13º, nº 1 do CPPT "Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja licito conhecer".
Por seu turno, também o artigo 99º, nº 1 da LGT determina que "O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer".
Está, pois, consagrado nestas normas o princípio do inquisitório ou da investigação, um dos princípios estruturantes do processo tributário e que consiste no poder de o juiz ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade material.".
Este princípio não desonera, todavia, as partes das suas obrigações processuais, nomeadamente da alegação da factualidade em que assenta a sua pretensão e de indicar eventuais elementos de prova de que disponha ou que entenda mais apropriados à demonstração da sua versão dos factos […]”.
Neste ponto recursivo, a Recorrente invoca que a então Impugnante havia alegado em sede de petição inicial que uma doença ocorrida no efetivo suíno teria levado à diminuição deste e que tal supostamente teria ocorrido por defeito da ração que lhe havia sido disponibilizada e, como tal, teria sido demandada judicialmente pela Recorrida a empresa produtora da dita ração.
Ora, quanto à sobredita alegação, há que denotar que na contestação a RFP não se insurge contra a existência da dita ação movida contra terceiros, dando até a entender que aceitaria a sua existência (vide artigos 43.ª a 46.º do referido articulado). Por outro lado, a RFP não adiantou, então, qualquer questão ou argumento no sentido de eventual importância da dita ação para a decisão a proferir nestes autos, assim como não solicitou ao Tribunal que tomasse qualquer providência probatória quanto ao que naquela ação teria sucedido. Acresce, ainda, que também não esclareceu, por algum modo que fosse, qual a eventual influência para a sentença a proferir da alegada circunstância dos serviços da AT não terem sido informados em sede de procedimento da existência da mencionada ação judicial. Assim sendo, não se vê como poderia o Tribunal de primeira instância ter posto em causa o princípio do inquisitório, quando nada de factualmente relevante haveria para instruir e descortinar.
Por isso, neste ponto, terá que improceder o presente recurso.
IV.3 – Do erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação do disposto no artigo 88.º e alínea a) do artigo 87.º, ambos da LGT.
Na parte final do presente recurso, a ora Recorrente veio afirmar que a atuação dos serviços da AT havia respeitado o disposto nos artigos 88.º e 87.º, alínea a) da LGT, pelo que, quanto a esta questão, a sentença recorrida enfermava de erro de julgamento.
A propósito da questão acima referida na sentença recorrida formulou-se o seguinte juízo:
“[…]
Vejamos.
A tributação em sede de IRS privilegia como fonte de obtenção da matéria tributável a declaração apresentada pelo contribuinte (cfr. n.º 1 do artigo 57.º e n.º 1 do artigo 76.º do CIRS, na redacção em vigor à data das liquidações em crise nos presentes autos). O legislador partiu do princípio que o sujeito passivo é quem está melhor informado sobre a situação tributária e é o maior interessado em cumprir as normas tributárias. Complementarmente, o artigo 75.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT) dispõe expressamente que as declarações apresentadas pelos contribuintes se presumem verdadeiras e de boa-fé, bem como as informações constantes da contabilidade, se cumpridos os respectivos requisitos legais. Como refere Saldanha Sanches, a reforma fiscal “Ao despojar a Administração dos seus poderes quase majestáticos sem lhe dar mais informação sobre a situação do contribuinte veio consagrar o direito do contribuinte ser tributado de acordo com a sua declaração: o que vale dizer o direito de ser tributado na exacta medida do seu rendimento real.” (cfr. SANCHES, J. L. Saldanha, “Sistema e Reforma Fiscal: que evolução”, Revista Fisco n.º 82/83, Setembro/Outubro de 1997, p. 109).
Os sujeitos passivos singulares que auferem rendimentos de natureza comercial e profissional, como sucede com o Impugnante, são tributados em sede de IRS, de acordo com o regime simplificado de tributação (que tem por base um rendimento presumido, cfr. artigo alínea a) do artigo 28.º do CIRS, na redacção em vigor à data da liquidação) ou pelo regime normal de tributação (cfr. alínea b) do artigo 28.º do CIRS, na redacção em vigor à data da liquidação). O Impugnante está integrado no referido regime normal de tributação (cfr. ponto 16 do probatório), pelo que lhe são aplicáveis as regras estabelecidas no CIRC com as adaptações previstas no CIRS (cfr. artigo 32.º do CIRS, na redacção em vigor à data). Assim, é na contabilidade que estão registados todos os actos relevantes ao apuramento da matéria colectável e que servem de base, entre o mais, à declaração de IRS apresentada pelo Impugnante.
Sucede que, em determinados casos, nomeadamente quando existem omissões ou inexactidões na contabilidade do sujeito passivo, a matéria apurada com base na declaração pode ser alvo de correcção por parte da administração tributária por meio de métodos directos ou indirectos de avaliação (cfr. n.º 1 do artigo 81.º e artigo 82.º da LGT). Assim, apesar de o rendimento real constituir a bitola de tributação das empresas (o que abrange as pessoas singulares com rendimentos empresariais) nos termos do n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP), não é vedada a tributação de rendimentos presumidos (que, em princípio, não serão iguais aos que resultariam se o sujeito passivo não tivesse incumprido com as suas obrigações fiscais) – cfr. neste sentido o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de 29.04.1997. Nesta medida, o recurso à metodologia indiciária visa obstar a que o sujeito passivo, através da violação dos seus deveres tributários, impossibilite a determinação e apuramento da matéria tributável de forma directa, e, desse modo, se exima ao pagamento dos impostos devidos. Contudo, porque tal metodologia não reflecte a realidade mas uma mera aproximação à mesma, tem de ser utilizada de forma cautelosa e residual constituindo um último reduto para a administração fiscal quantificar a matéria tributável.
O recurso a métodos indirectos está expressamente previsto no artigo 39.º do CIRS, na redacção em vigor a data da liquidação, dispositivos que remetem para a LGT. Ora, resulta dos artigos 87.º e 89.º da LGT que o legislador estabeleceu uma preferência pela utilização de métodos directos no apuramento da matéria tributável. Neste sentido, a avaliação da matéria tributária com recurso a métodos indirectos (presunções) é subsidiária da avaliação directa e só pode efectivar-se nos casos expressamente previstos na lei, configurando, por isso, uma situação excepcional (cfr. ainda n.º 1 do artigo 85.º da LGT).
De acordo com o n.º 3 do artigo 74.º da LGT quando a matéria tributável seja determinada e apurada com recurso a métodos indirectos de avaliação é à administração tributária que compete “o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”. Ou seja, impende sobre a administração tributária o ónus da prova dos factos que integram os pressupostos legais de que depende a utilização de métodos indirectos (cfr. também o disposto no artigo 342.º do Código Civil, segundo o qual é àquele que invoca um direito que cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito invocado, cabendo à outra parte, nos termos do artigo 346.º do Código Civil, a contraprova dos mesmos, a fim de os tornar duvidosos).
Acresce que, para o apuramento da matéria colectável ser feito com recurso a métodos indirectos é ainda necessário que não seja possível apurar a mesma de forma directa e exacta com base na contabilidade ou noutros elementos fornecidos pelo sujeito passivo. Destarte, se os factos relevantes para o apuramento da matéria tributável forem conhecidos e não incidir sobre os mesmos qualquer controvérsia, a administração fiscal deve recorrer a métodos directos, se os factos não forem conhecidos ou se for necessário determiná-los a partir de outros factos que sejam conhecidos, é justificado o recurso a métodos indirectos. Exige-se, assim, o cumprimento de um dever de especial fundamentação quanto ao recurso a métodos indirectos que implica justificar a impossibilidade de comprovar de forma directa e exacta a matéria tributável (cfr. n.º 4 do artigo 77.º da LGT).
Feito o enquadramento jurídico da possibilidade de determinação da matéria tributável do Impugnante com recurso a métodos indirectos, importa apurar se, in casu, a administração fiscal demonstrou a existência de factos subsumíveis nos pressupostos de tributação por presunção previstos no artigo 87.º da LGT. Para tanto, é necessário atentar ao relatório final da inspecção pois é nessa fase que a administração tributária identifica as irregularidades verificadas na contabilidade e fundamenta o recurso à utilização da metodologia indirecta na determinação da matéria tributável.
Compulsado o relatório final da inspecção verifica-se que no ponto IV do mesmo são elencados os motivos que, no entender da administração tributária, indiciam omissões ao nível dos proveitos e implicam o recurso a métodos indirectos nos termos da alínea b) do artigo 87.º da LGT e artigo 88.º da LGT (cfr. ponto IV do relatório de inspecção tributária constante do ponto 16 do probatório). De acordo com a alínea b) do artigo 87.º da LGT a administração tributária recorre a métodos indirectos de determinação da matéria tributável quando é impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à sua correcta determinação, o que sucede, quando se verificam qualquer das situações previstas no artigo 88.º da LGT.
Resulta do relatório final que a contabilidade do Impugnante padece de diversas irregularidades e omissões, resumidamente a saber:
– Quanto à actividade e instalações: as instalações são constituídas por dois edifícios com uma área de implantação de 1.300,00m2 e existem sete salas de maternidades com capacidade total para 98 porcas, 20 parques onde são colocados grupos de 6 a 12 animais e 10 iglos com capacidade para 30 a 40 leitões. Existe ainda um laboratório, enfermaria, silos e armazém.
– Quanto ao processo e capacidade produtiva: a exploração dedica-se à produção de leitão para assar e teve em média 316 porcas reprodutoras (em 31.12.2006 tinha 267 porcas reprodutoras, em 31.12.2007 tinha 349 e em 31.12.2008 tinha 332). Considerando que um quinto dessas porcas está em lactação existe uma capacidade mensal, após desmame, de 650,96 durante oito meses e limitada a 600 leitões entre Junho e Setembro, o que equivale a uma média de 7600 leitões desmamados anualmente, quantidade que fica aquém do contabilizado pelo sujeito passivo.
– Quanto ao controlo das existências e quantidades vendidas: a Administração Tributária considerou que os leitões em existências iniciais seriam vendidos até ao fim do mês de Fevereiro de cada ano e apurou divergências com as quantidades vendidas, mesmo considerando uma taxa de mortalidade de 10% para os leitões em desmame e de 2% para os leitões em engorda.
– Quanto aos trabalhadores da suinicultura que não constam da contabilidade: apenas constam remunerações a dois trabalhadores, quantidade que é insuficiente em face da estrutura da exploração, tendo sido constatado pela inspecção que havia quatro trabalhadores na suinicultura.
Importa pois analisar os diversos elementos recolhidos pela Administração Tributária, sem deixar de ter em vista que em causa nos presentes autos está uma suinicultura, pelo que os bens transaccionados são animais e não seres inanimados sobre os quais exista um controlo absoluto.
Desde logo, e no que respeita à proliferação das porcas reprodutoras, é de salientar que a administração apurou a quantidade de nascimentos por porca reprodutora, por simples cálculo matemático, em função da capacidade física da exploração, sem ter em consideração a genética dos animais. Ora, resulta do probatório que a exploração em causa nos autos é direccionada para a produção de leitão para assar (cfr. ponto 2 do probatório), o que implica, de acordo com o que foi apurado na instrução dos autos, que a genética dos porcos utilizada seja diferente daquela que é usualmente utilizada na produção para abate (cfr. ponto 3 do probatório). Assim, os porcos que estavam a ser utilizados na exploração à data, maioritariamente de raça bísara cruzada com outras adequadas ao referido destino, têm uma capacidade de reprodução relativamente baixa, de cerca de oito leitões por ninhada (cfr. pontos 2 e 3 do probatório).
Por outro lado, há ainda que considerar que as porcas reprodutoras não têm todas o mesmo nível de proliferação. O pico de reprodução das porcas ocorre por volta da terceira e quarta barriga, pelo que as porcas que iniciam a produção e as mais velhas têm, tendencialmente, ninhadas menores (cfr. ponto 5 do probatório). Acresce que, além do factor genética, a quantidade de leitões por porca reprodutora varia também em função do varrasco e respectiva genética e das condições da exploração (cfr. ponto 4 do probatório).
Não pode também deixar de relevar o facto de a suinicultura estar preparada para uma produção máxima de 7488 leitões desmamados por mês, com porcas reprodutoras de genética destinada ao abate (cfr. ponto 8 do probatório), quantidade essa que é inferior à considerada pela Administração Tributária para uma raça que é menos prolífera.
Todos estes factores apurados na instrução dos autos, inquinam a média apurada pela Administração Tributária de 316 porcas reprodutoras por ano com “uma capacidade mensal, após desmame de (316/5X10,3)=650,96 durante oito meses e limitada a 600 leitões mês entre Junho e Setembro, o que equivale a calcular em média 7600 leitões desmamados anualmente”. Note-se ainda que a taxa de leitões desmamados usada pela Administração Tributária foi retirada de uma obra de referência, porém, ignora-se qual a genética de porcos a que a mesma respeita, pelo que não pode ser aplicada sem mais ao caso em apreço.
No que respeita às conclusões da Administração Tributária quanto ao controlo de existências e quantidades vendidas é de salientar, desde já, que a quantidade de animais existente na exploração varia diariamente, não só com as vendas ou com as compras, mas também com as mortes e com os nascimentos. Ora, resultou da instrução dos autos que no final do ano de 2007 e início do ano de 2008 ocorreu um surto na exploração que dizimou centenas de leitões (cfr. ponto 7 do probatório), situação que não foi considerada pela Administração Tributária. Então, não se pode concluir que o Impugnante omitiu vendas de animais nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2008, pois não é possível afirmar que em tal período os leitões tenham sido vendidos. Acresce que, o facto de a Impugnante ter aumentado as vendas no ano de 2008 não invalida que tal incidente não tenha ocorrido, pois como já referido, os nascimentos e mortes de suínos são acontecimentos bastantes incertos quanto ao seu número.
No que respeita aos meses de Janeiro e Fevereiro do ano de 2007 existe efectivamente uma desconformidade entre as existências iniciais e número de leitões vendidos. Embora se admita que possa existir uma certa margem de erro na contabilização dos animais, que devido à sua natureza volátil podem variar em apenas um dia em algumas dezenas para mais e/ou para menos, não se pode ignorar que os registos contabilísticos têm que ser fidedignos. Porém, sendo possível identificar o número exacto de leitões cuja venda foi omitida, torna-se desnecessário o recurso a métodos indirectos de quantificação da matéria colectável, pois a contabilização da venda de tais leitões está ao alcance de uma correcção fundada em métodos directos de determinação da matéria colectável.
Por fim, quanto ao número de trabalhadores da suinicultura é de referir que mesmo que existissem quatro trabalhadores e nem todos constassem da contabilidade, tal evidência, na ausência de outros indícios, não permite concluir pela omissão de vendas por parte do Impugnante.
Sendo assim, verifica-se que os fundamentos em que a Administração Tributária se baseia para concluir pela necessidade de recorrer a métodos indirectos de determinação da matéria colectável para os anos de 2007 e 2008 não se verificam no caso em apreço. Efectivamente, apenas quanto ao ano de 2007 se comprovou a omissão do registo de vendas de leitões, porém perspectiva-se a sua correcção com recurso a meras correcções técnicas, uma vez que não é colocada em causa a fiabilidade e credibilidade da contabilidade de uma forma generalizada.
Constata-se assim que a Administração Tributária não fez prova de que se verificam factos que integram os fundamentos previstos no artigo 88.º da LGT, por remissão da alínea b) do artigo 87.º da LGT, pelo que não está legitimada a recorrer a métodos indirectos de determinação da matéria colectável para os anos de 2007 e 2008.
[…]”
Primeiramente, há que referenciar que, seguindo aquela que é a jurisprudência uniforme deste TCA, entendemos que a fundamentação das liquidações aqui em causa há que encontrar-se na decisão final tomada no âmbito do procedimento da revisão da matéria coletável e não tanto diretamente no relatório formulado no âmbito da inspeção tributária realizada à contribuinte. Assim, neste particular, afastamo-nos um pouco do decidido na sentença recorrida que fundamentou as liquidações adicionais de IRS aqui mencionadas diretamente no sobredito relatório inspetivo. Não obstante esta circunstância, a verdade é que a decisão final proferida pelo Sr. Diretor de Finanças ... no âmbito do procedimento de revisão aqui referida, acaba por remeter para o sobredito relatório de inspeção tributária.
Posto isto, analisado o recurso apresentado pela RFP, apenas conseguimos deduzir o argumento no sentido que se justificariam a aplicação de métodos indiretos à luz das normas da LGT citadas, na medida em que existiriam irregularidades na contabilidade da empresa que impossibilitariam a comprovação direta e exata da matéria tributável.
Ora as discrepâncias enunciadas no relatório de inspeção referentes à contabilidade, dizem respeito a:
a) a existência de trabalhadores que não constam como direta ou indiretamente referenciados na contabilidade.
Ora, nesta alínea, a dita omissão, como se refere na sentença recorrida, não coloca em causa os rendimentos apurados, uma vez que a ser considerada a existência dos ditos trabalhadores, apenas se antevê que o trabalho prestado pelos mesmos, contabilisticamente falando, poderia influenciar os custos e não os rendimentos da contribuinte (embora tal circunstância pudesse eventualmente vir a ser considerado como um custo e contribuir, por essa via, para um correto e completo apuramento da matéria coletável).
b) se ter apurado que de acordo com os inventários contabilísticos de existências, de acordo com a capacidade produtiva presumida da contribuinte, se teriam omitido vendas nos anos de 2007 e 2008.
Assim, o que temos, nesta alínea, é a construção de uma presunção (da omissão de vendas) unicamente com base numa outra presunção que é o da alegada capacidade produtiva.
Deste modo, decorre do acima evidenciado que o que a AT utilizou foi um método presuntivo, não para determinar a matéria coletável, mas para concluir que houve omissão de proveitos.
Ora, há que ter presente que o recurso a métodos indiretos de tributação impõe, pelas consequências onerosas que pode ter para o património dos contribuintes, um desenvolvido esforço de fundamentação não só formal, mas, principalmente, material, através de uma inequívoca e segura demonstração probatória dos pressupostos que justificam o recurso a tais métodos.
No caso presente, à AT a cabia demonstrar a existência dos pressupostos factuais e objetivos para a determinação da matéria coletável, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova do n.º 1 do art.º 74.º da LGT o que, no caso não ocorreu. Por outro lado, a dúvida quanto à verificação dos pressupostos de determinação da matéria tributável por métodos indiretos teria sempre que de ser resolvida contra quem tem esse ónus probatório, ou seja, a Administração Tributária.
Deste modo, ainda que com diferente fundamentação, consideramos que a sentença recorrida não errou quanto ao seu sentido decisório, devendo declarar-se improcedente o presente recurso quanto ao erro de julgamento invocado.

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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário:
I - Ao Recorrente que impugne a matéria de facto contida na sentença recorrida, cabe cumprir os ónus processuais vertido no art.º 640.º do atual CPC, aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT.
II – O princípio do inquisitório em sede jurisdicional está consagrado no n.º 1 do art.º 13.º do CPPT e n.º 1 do art.º 99.º da LGT e consiste no poder de o Juiz ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade material. Este princípio não exime as partes das suas obrigações processuais, nomeadamente da alegação da factualidade em que assenta a sua pretensão e de indicarem eventuais elementos de prova de que disponham ou que entendam mais apropriados à demonstração da sua versão dos factos.
III – Cabe à Administração Tributária fazer prova dos factos que integrem os fundamentos previstos no artigo 88.º da LGT, por remissão da alínea b) do artigo 87.º da LGT, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT.

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V – Dispositivo
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida com os presentes fundamentos.

Custas pela Recorrente.


Porto, 20 de dezembro de 2023

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Irene das Neves
Cristina da Nova