Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02560/18.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/01/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:ABONO PARA FALHAS
Sumário:I- Para que se possa concluir que um trabalhador tem direito a auferir abono para falhas necessário se tornar resultar demonstrado que este ocupa um posto de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reporte às áreas de tesouraria ou cobrança ou que tenha o direito a abono para falhas reconhecido por despacho dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública.
II- Não legitimando a matéria de facto dada como provada a referência a qualquer elemento no sentido da R.A. ocupar um posto de trabalho reportado às áreas de tesouraria ou cobrança ou de ter o direito a abono para falhas reconhecido por despacho dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública, assoma evidente que não lhe assiste o direito à percepção do abono para falhas e do respetivo suplemento remuneratório, na medida em que faltam os pressupostos apontados.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
O SINDICATO DOS TRABALHADORES EM FUNÇÕES PÚBLICAS E SOCIAIS DO NORTE, em representação dos seus associados, mormente a associada AA, vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, em 17.02.2022, julgou improcedente a presente ação, e, em consequência, absolveu o Réu dos pedidos formulados nos autos.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
1. A Sentença recorrida não contempla uma solução legal e completa do litígio, nomeadamente, no que respeita à subsunção do direito aplicável ao caso concreto, porquanto dela não resulta uma composição justa e completa da causa.
2. Por outro lado, quer em termos materiais, quer em termos formais, a sentença sob recurso padece de falta de fundamentação e erro de direito, na exata medida em que o direito aplicável se mostra claramente violado com a interpretação tirado pelo tribunal a quo, porquanto demonstrado ficou que os trabalhadores exerciam de facto funções inerentes ao disposto na lei para atribuição do competente suplemento.
3. Acrescendo ainda que ao não reconhecer o direito da associada do RR. como a lei substantiva reconhece e atribui in casu está claramente em contradição com a lei e o direito vigente à data dos factos, o que consubstancia erro na aplicação da lei.
4. De facto, a sentença ao não dar acolhimento global aos documentos e ao entendimento, resultante dos autos de que a trabalhadora era a única a exercer aquelas funções e que se esta não recebesse ninguém o faria, não podia dizer que aquelas não eram funções predominantes, porque por este lado o seriam sempre. Até porque esta era aa única funcionária administrativa do estabelecimento.
5. Daí a relevância jurídica do presente recurso, e a reapreciação do caso concreto com a devida subsunção jurídica, i. é, aplicação e interpretação do direito substantivo em causa, justamente com os factos provados.
6. Deste modo, ousamos dizer que a sentença ora sob análise pronunciou-se infundada e ilegalmente, em situação de clara afronta às alíneas c) e d) do n° do art.° 615 do CPC, ex vi do art.° 1° do CPTA.
7. Deste modo, salvo o devido respeito, a decisão a quo ao decidir como decidiu por errada aplicação dos normativos em causa, incorre também em vício de violação de Lei e, consequentemente, erro de julgamento.
8. A função do Tribunal a quo, de controlo judicial, e a interpretação e aplicação do direito substantivo ao caso concreto plasmada na sentença recorrida não foi bem exercida, pelo que urge a sua reapreciação de forma a que não se cristalize na ordem jurídica.
9. E, com o devido respeito, reitera-se, Representada do Autor preenche todos os requisitos previstos na Lei para lhe ser reconhecido o direito ao suplemento remuneratório que o Recorrido pretende, ilegalmente, não pagar.
10. Pelo que, a sentença a quo ao decidir como decidiu desresponsabiliza o Recorrido perante os trabalhadores do RR. a reconhecer os direitos resultantes da Lei, violando também assim o princípio da tipicidade.
11. Ofendendo, também, os princípios que norteiam a atividade administrativa, especialmente, o princípio da legalidade, da justiça, da boa-fé e da decisão consagrados, respetivamente, nos Arts.3°, 8°, 10° e 13° todos do CPA, na medida em que permite um tratamento para estes representados do recorrente diferente do que a lei determina.
12. O que não pode ser consentido num Estado de Direito (Art.2° CRP). 
13. Além de não decorrer do presente aresto, a interpretação e aplicação do direito substantivo em conformidade com a Lei e com a Constituição, na medida em que o reconhecimento dos direitos e garantias à associada do RR. se mostra conforme o texto e a coerência interna das normas interpretadas, respeitar a natureza jurídica e a ratio daqueles direitos e garantias, no quadro de estrita legalidade a que o disciplina dos requisitos/pressupostos objetivos exigíveis, a que o intérprete e aplicador da lei não se pode subtrair.
14. Como referido, o aresto sob recurso não contempla a solução jurídica propugnada e consentânea com o próprio regime jurídico vigente do suplemento remuneratório recebido, tão só e apenas por uma errónea interpretação das funções exercidas, confundindo-se a lei com o quantum das funções.
15. Não curou por exemplo a sentença recorrida ao facto de ser a aquela trabalhadora e em todas as casa de estudantes apenas e uma só pessoa a receber todas as importâncias e a efetuar os pagamentos, etc, independentemente do montante das verbas em causa.
16. Uma decisão justa e congruente com o Direito aplicável, teria reconhecido à aqui associada RR o direito ao suplemento remuneratório “abono para falhas”
17. Reitera-se assim que, indubitavelmente, que a natureza jurídica do suplemento remuneratório em causa, é um direito subjetivo, um interesse legalmente protegido que, a trabalhadora por força da Lei e das funções efetivamente exercidas, têm direito a auferir.
18. Pelo que, e em face de todo o exposto a sentença ora recorrida não fez uma correta interpretação e aplicação da Lei e da Constituição aos factos provados, pelo que deve ser revista, evitando a sua manutenção na ordem jurídica, para as devidas e legais consequências.
19. Desde logo, a lei não determina nem o quantum recebido nem a quantidade de atos de receção ou manuseamento.
20. Impõe-se, pois, concluir pela procedência do presente recurso dado o manifesto erro de julgamento, por indevida interpretação e aplicação de lei substantiva, ao caso concreto, bem assim como à prova produzida em sede da própria PI (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido Ministério da Educação contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida, não tendo, todavia, emitido pronúncia sobre as imputadas nulidades de sentença, o que se aceita excecionalmente, por razões de celeridade processual e, bem assim, por não se reputar a mesma como indispensável [cfr. nº. 5 do artigo 617º do CPC].
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não exerceu a competência prevista no nº.1 do artigo 146º do CPTA.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir é a de saber se a decisão judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu (i) nulidade de sentença, por “(…) clara afronta às alíneas c) e d) do n° do art.° 615 do CPC, ex vi do art.° 1° do CPTA (…)”, bem como em (ii) erro de julgamento de direito, por não ter feito “(…) uma correta interpretação e aplicação da Lei e da Constituição aos factos provados (…)”.
É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida [e aqui sem reparos] foi o seguinte: “(…)
1. A representada do A. (RA) AA foi assistente técnica do Agrupamento de Escolas ..., a cujo mapa de pessoal pertencia - cf. fls. 10 a 12 e 32 verso do suporte físico do processo e processo administrativo constante de fls. 57 a 110 do SITAF.
2. Em 13 de setembro de 2012 o Diretor Regional Adjunto da Direção Regional de Educação do Norte (DREN) nomeou BB para o exercício das funções de Diretora da Residência para Estudantes Calouste Gulbenkian e AA para assumir as funções de Assistente Técnica da direção da referida residência, continuando esta última “a ser abonada pelo Agrupamento de Escolas ..., a cujo mapa de pessoal pertence” - cf. fls. 32 a 34 do suporte físico do processo e processo administrativo constante de fls. 57 a 110 do SITAF.
3. Dos normativos das residências para estudantes do ensino não superior, homologados por despacho do Senhor Diretor Regional Adjunto de 30/05/2007, consta, com relevo para a decisão da causa, o seguinte - cf. processo administrativo constante de fls. 57 a 110 do SITAF:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
4. Da Circular Interna n.º 01/GASE/2018 de 26/01/2018 da Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares relativa a “Residências para Estudantes – Uniformização de Procedimentos” consta o seguinte – cf. processo administrativo constante de fls. 57 a 110 do SITAF
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
5. A partir da nomeação referida em 2), os novos titulares da conta bancária da Residência passaram a ser BB e AA - cf. fls. 32 verso do suporte físico do processo.
6. Em 5 de fevereiro de 2014 BB (Diretora da Residência) declarou que AA tinha “como funções, além de outras, ter à sua guarda valores, numerário e documentos, sendo por eles responsável” - cf. processo administrativo constante de fls. 33 a 53 do SITAF.
7. No âmbito do exercício de funções na residência de estudantes, a RA AA, além das funções de assistente de ação educativa referidas em 3), em coadjuvação da Diretora da Residência, pontualmente, recebeu mensalidades de alunos e efetuou depósitos de valores na conta da Residência e na conta da DGESTE conforme documentos n.°s ... a ...0 juntos a fls. 134 e seguintes do SITAF, que aqui se dão por integralmente reproduzidos - cf. fls. 134 e seguintes do SITAF.
8. No Agrupamento referido em 1), existia assistente técnica a exercer funções de tesouraria, a quem o abono para falhas foi pago - cf. processo administrativo constante de fls. 33 a 53 do SITAF.
9. À RA AA não foi pago abono para falhas - cf. processo administrativo e exemplificativamente, fls. 10 a 12 do suporte físico do processo (…).
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III.2 - DO DIREITO
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III.2.1 – DA NULIDADE DE SENTENÇA
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O Recorrente começa por invocar a nulidade da sentença recorrida, com fundamento nas alíneas c) e d) do artigo 615º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA.
Porém, não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer nulidade de sentença, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, sob pena de não se mostrar evidenciada a tese invocada pela Autora/Recorrente.
Ora, in casu, temos que a alegação da Recorrente resume-se ao invocado no ponto 6) das alegações, ou seja, que (…) a sentença ora sob análise pronunciou-se infundada e ilegalmente, em situação de clara afronta às alíneas c) e d) do n° do art.° 615 do CPC, ex vi do art.° 1° do CPTA (…)”.
Esta argumentação, porém, é manifestamente insuficiente no sentido da sua conformação com a verificação das invocadas nulidades de sentença, não constituindo suporte para logicamente se concluir sequer pela probabilidade da ocorrência das mesmas.
Realmente, esta alegação carecia de mais e melhor densificação e justificação, o que só por si determina a sua inverificação da mesma.
Não se reconhece, portanto, qualquer nulidade de sentença, nos termos da alínea c) e d) do nº1. do artigo 615º do CPC.
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III.2.2 - DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO
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O Autor, em representação dos seus associados, mormente a associada AA, intentou a presente ação, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser o Réu condenado, em substância, a reconhecer o direito da R.A. à percepção do abono para falhas e do respetivo suplemento remuneratório.
O T.A.F. do Porto, porém, julgou a presente ação improcedente.
A ponderação de direito na qual se estribou o juízo de procedência integral da presente ação foi, sobretudo, a seguinte: ”(…)
A questão que cumpre decidir é se o Réu deve ser condenado a reconhecer o direito à perceção do abono para falhas aos RA que exercem funções nas residências de estudantes.
Vejamos.
O abono para falhas é regulado pelo Decreto-Lei n.°4/89, de 6 de janeiro, tendo as últimas alterações a tal diploma sido introduzidas pela Lei n.° 64-A/2008, de 31 de dezembro.
O artigo 2.° de tal Decreto-Lei dispõe o seguinte:
«Artigo 2.°
1- Têm direito a um suplemento remuneratório designado "abono para falhas" os trabalhadores que manuseiem ou tenham à sua guarda, nas áreas do tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, sondo por eles responsáveis.
2- As carreiras e ou categorias, bem como os trabalhadores que, em cada departamento ministerial, têm direito a “abono para falhas”, são determinadas por despacho conjunto do respetivo membro do Governo e dos responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.
3- O direito a “abono para falhas" pode ser reconhecido a mais de um trabalhador por cada órgão ou serviço, quando a atividade de guarda ou manuseamento referidas no n.° 1 abranja diferentes postos de trabalho.»
O Despacho n.° 15409/2009 de 30 de junho de 2009, publicado no Diário da República, 2a série, n.° 130, de 8 de julho de 2009, veio, no seguimento do que dispõe o artigo 2.°, n.° 2 do Decreto-Lei n° 4/89, determinar o seguinte:
«1- Têm direito ao suplemento designado «abono para falhas», regulado peto Decreto-Lei n° 4/89, de 6 de janeiro, alterado peto Decreto-Lei no 276/98, de 11 de setembro, e pela Lei no 64-A/2008, de 31 de dezembro, os trabalhadores titulares da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico que ocupem postos de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reportem às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos.
2- (...)
3- O montante pecuniário do abono para falhas é o quo se encontra fixado na portaria a que se refere o n.° 2 do artigo 68° da Lei n° 12-A/2008. de 27 de fevereiro.
4- Nos termos dos n°s 4 e 5 do artigo 73° da Lei n° 12-A/2008, o abono para falhas é apenas devido quando haja efetivo exercício de funções e enquanto perdurarem as condições que determinaram a sua atribuição.
(…)
6- O presente despacho produz efeitos a 1 de janeiro de 2009, relativamente aos trabalhadores que nessa data se encontrassem nas condições para o reconhecimento do direito ao abono para falhas.»
Sobre esta matéria se pronunciou recentemente o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 23/04/2020, proferido no processo n.° 0928/14.0BEPRT, disponível em www.dgsi.pt, nos seguintes termos:
«Porque o reconhecimento do direito ao abono para falhas ficara dependente da identificação das carreiras e ou categorias, bem como dos trabalhadores que manuseavam ou tinham à sua guarda, nas áreas de tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis, foi emitido, ao abrigo daquele art.° 2.°, n.° 2, o Despacho n.° 15409/2009, de 30/6, do Ministro do Estado e das Finanças (publicado no DR, II série, n.° 130, de 8/7/2009), onde se estabeleceu que "têm direito ao suplemento designado "abono para falhas" (...) os trabalhadores titulares da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico que ocupem postos de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reportem às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos".
Esta solução foi justificada, no preâmbulo desse Despacho, por, no actual elenco das carreiras, não existir qualquer carreira ou categoria inequivocamente associada à área de tesouraria ou cobrança, como anteriormente acontecia com a carreira de tesoureiro e em virtude de os trabalhadores que nesta estavam integrados haverem transitado para a carreira e categoria de assistente técnico.
Assim, porque, ao contrário do que sucedia com a antiga carreira de tesoureiro, a de assistente técnico não implicava necessariamente o exercício de funções na área de tesouraria ou cobrança, estatuiu-se que estes só tinham direito ao abono desde que ocupassem postos de trabalho que, de acordo com a caracterização das funções constante do mapa de pessoal, se reportassem a essas áreas, podendo, nos termos do n.° 3 do citado art.° 2.°, esse direito ser reconhecido a mais que um trabalhador por órgão ou serviço quando a aludida atividade de manuseamento ou guarda nas áreas de tesouraria ou cobrança abrangesse diferentes postos de trabalho.
Portanto, para que se possa concluir que um trabalhador titular da categoria de assistente técnico tem direito a auferir abono para falhas, por exercer funções nas áreas de tesouraria ou cobrança, tem de se atender à caracterização de funções do seu posto de trabalho de acordo com o mapa de pessoal.».
No respetivo sumário, conclui-se da seguinte forma:
«I - Para que se possa concluir que um trabalhador titular da categoria de assistente técnico tem direito a auferir abono para falhas por exercer funções nas áreas de tesouraria ou cobrança há que atender à caracterização de funções do seu posto de trabalho de acordo com o mapa de pessoal.
II - Assim, o representado pelo A. que detém a categoria de assistente técnico e que, entre outras funções, realiza a cobrança de taxas moderadoras, não tem direito a esse suplemento se não ocupa, no mapa de pessoal da ARS do Norte, IP, um posto de trabalho nas áreas de tesouraria ou cobrança que envolvesse a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos.».
No mesmo sentido, e mais recentemente, veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 02/06/2021, proferido no processo n.° 00407/19.0BEVIS.
Face ao exposto, resulta determinante para a perceção de abono para falhas pelos trabalhadores titulares da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico que os mesmos ocupem postos de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reportem às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos (cf. artigo 2.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 4/89, de 6 de janeiro e ponto 1 do despacho n.° 15409/2009).
Verifica-se que não é o caso da RA, seus substitutos e demais funcionários no exercício de idênticas funções. Com efeito, como assistentes técnicos no âmbito das residências de estudantes os mesmos não exercem funções predominantes de manuseamento de valores e ou bens - cf. facto não provado A)-, mas antes as funções descritas no facto provado n.° 3, sob o ponto 3.1.4. (assistentes de ação educativa), cabendo as tarefas de gestão administrativa e financeira ao Diretor da Residência (cf. factos provados n.°s 3 e 4).
Assim, os RA assistentes técnicos a exercer funções nas residências de estudantes não ocupam postos de trabalho que, de acordo com a sua caracterização, se reportem às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos, pelo que não têm direito à perceção de abono para falhas nos termos do artigo 2.°, n.°s 1 e 2 do Decreto-Lei n.°4/89, de 6 de janeiro e ponto 1 do Despacho n.° 15409/2009 de 30 de junho de 2009.
De todo o modo, tais assistentes podem pontualmente substituir o Diretor (em caso de ausência ou impedimento), como foi o caso da RA AA, que em coadjuvação da Diretora da Residência, pontualmente, recebeu mensalidades de alunos e efetuou depósitos de valores na conta da Residência e na conta da DGESTE (cf. facto provado n.° 7). No entanto, e apesar do exercício pontual destas funções, tal situação não lhe confere o direito à perceção do abono para falhas, porquanto a mesma, tal como os restantes RA nesta situação, não ocupa posto de trabalho que, de acordo com a sua caracterização, se reporte às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvesse a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos (cf. facto provado n.° 3 e artigo 2.°, n.°s 1 e 2 do Decreto-Lei n.°4/89, de 6 de janeiro e ponto 1 do Despacho n.° 15409/2009 de 30 de junho de 2009).
Em abono desta não perceção, veja-se também o facto provado n.° 8, existindo no mapa de pessoal do Agrupamento assistente técnica a exercer funções de tesouraria, a quem o abono para falhas foi pago.
Em suma, e face ao exposto, a presente ação improcede (…)”.
O Recorrente não se conforma com o assim decidido, insistindo na tese veiculada em sede declarativa, ademais e especialmente, no que tange ao efetivo preenchimento por parte da R.A. de “(…) todos os requisitos previstos na Lei para lhe ser reconhecido o direito ao suplemento remuneratório que o Recorrido pretende, ilegalmente, não pagar (…)”.
Mas, adiante-se, desde já, sem razão.
Efetivamente, cotejando a constelação argumentativa da sentença recorrida com a natureza do alegado pelo Recorrente no âmbito do presente recurso jurisdicional, entendemos ser a conclusão de que a decisão judicial recorrida não merece o menor reparo, encontrando-se certeiramente justificada.
Na verdade, sobre a questão decidenda convocada no presente recurso jurisdicional, e que prende ora a nossa atenção, pronunciou-se já o presente Coletivo no processo nº. 1011/18.5BEPRT, que versou sobre situação em tudo semelhante à dos presentes autos.
Efetivamente, o citado processo nº. 1011/18.5BEPRT diz respeito a uma ação administrativa instaurada por parte de uma associada de um Sindicato com vista ao reconhecimento do direito desta à percepção do abono para falhas e do respetivo suplemento remuneratório.
A questão tratada neste processo foi a de saber, tal como fundamentalmente sucede no presente recurso jurisdicional, se a sentença promanada pela 1ª Instância, ao considerar que assistia à R.A. o direito a auferir o abono para falhas, incorreu em erro de direito, tendo este T.C.A.N. julgado ser de verificar tal erro de julgamento, por não lhe assistir tal direito.
O reconhecimento da falta de sustentáculo do direito pretendido foi tomado na senda da assunção, também ela derivada do aresto do S.T.A. tirado no processo nº. 00928/14.0BEPRT, de “(…) que, para que se possa concluir que um trabalhador com a categoria de assistente técnico tem direito a auferir abono para falhas necessário se tornar resultar demonstrado que este ocupa um posto de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reporte às áreas de tesouraria ou cobrança, ou que tenha o direito a abono para falhas reconhecido por despacho dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública (…)”, condições que não resultaram demonstradas naqueles autos.
Ora, esta linha jurisprudencial tem pleno enquadramento no presente caso recursivo.
De facto, não se vislumbra, nem descortina, qualquer argumento de natureza jurídica ou prática para inverter a direção seguida no referido processo, assomando a mesma, a nosso ver, como a mais concordante e consentânea com o bloco legal aplicável ao caso versado nos autos.
Assim, para que procedesse a pretensão do Autor nos precisos termos em vem formulada, era necessário demonstrar-se que a R.A. ocupava um posto de trabalho reportado às áreas de tesouraria ou cobrança ou que esta tivesse direito a abono para falhas reconhecido por despacho dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública.
Todavia, como se apreciou na decisão judicial recorrida, o A. fracassou na demonstração de tais realidades.
Realmente, como dimana do probatório coligido, a R.A. não ocupava posto de trabalho reportado às áreas de tesouraria ou cobrança, contrariamente à funcionária referenciada no ponto 8) do probatório, que, por tal razão, logrou [bem] obter o pagamento do respetivo suplemento remuneratório.
De igual modo, ignora-se se a R.A. [porque nada foi alegado e demonstrado] tem direito a abono para falhas reconhecido por despacho dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública.
Assim sendo, e considerando que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado [art.º 342º, n.º 1 do Código Civil], não resta outra alternativa que não a de concluir, sem necessidade mais discussão, que não está evidenciada nos autos a tese da A. no plano do ao efetivo preenchimento por parte da R.A. de “(…) todos os requisitos previstos na Lei para lhe ser reconhecido o direito ao suplemento remuneratório que o Recorrido pretende, ilegalmente, não pagar (…)”.
Bem andou, pois, a MMª. Juiz a quo ao também decidir de acordo com o que se vem de expender.
Deste modo, à luz do que ora se vem de expor, é mandatório concluir pela improcedência do erro de julgamento de direito imputado à decisão recorrida.
Concludentemente, improcedem as todas conclusões de recurso em análise.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida, ao que se se provirá em sede de dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e manter a sentença recorrida.
Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo da isenção de que beneficia o Autor.
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Porto, 01 de julho de 2022,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia