Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00175/11.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/26/2013
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:LIQUIDAÇÃO
ANULAÇÃO PARCIAL
Sumário:1- O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.
2- Se o vício invocado pelo impugnante apenas afectar parte da liquidação, e não a sua totalidade, como é o caso em que a matéria tributável resulta de diferentes correcções aritméticas e a parte apenas ataca a legalidade de uma, a liquidação apenas deve ser anulada na parte que fica afectada pelo vício.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:Parque..., S.A.
Decisão:Concedido provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por PARQUE…, S.A., com sede na Estrada…,Vila Nova de Paiva, contribuinte fiscal n.º 5…, contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2010 8310007625, de 26 de Novembro de 2010, referente ao exercício de 2007, interpôs o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 29-01-2013, que julgou procedente a impugnação da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2008, com fundamento na aceitação da dedutibilidade fiscal do custo decorrente do “ramal de ligação”.
B. Se bem interpretamos o relatório da acção inspectiva, tais correcções são de duas ordens, como se visualiza claramente no quadro constante de fls. 11/12 do relatório da acção inspectiva (€47.126,10 Amortizações não aceites fiscalmente, por utilização de taxa de amortização superior + € 114.819,15 Amortização da linha eléctrica de alta tensão cuja propriedade não é do sujeito passivo = €161.945,25).

C. Porque ambas influenciam a liquidação aqui impugnada, importaria, salvo melhor opinião, fazer reflectir tal na sentença, o que determinaria decisão de procedência parcial.
D. No processo com o presente conexo a que alude a sentença (a Impugnação no 548/11.1 BEVIS) foi tida em conta a correcção ora abordada, como a sua regularização no exercício de 2008; o que determinou a dedução do valor de €47.126,10 no quadro 07 da modelo 22 da impugnante naquele exercício (2008).
E. Tratar-se-á de lapso manifesto, cuja rectificação poderá ter lugar antes da subida do recurso, de acordo com a estatuição do art. 667° do CPC, ex vi art. 2° e) do CPPT, o que desde já se requer.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências.».

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Tribunal o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Questões a decidir:
Saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter anulado totalmente a liquidação impugnada quando o vício invocado apenas a invalida parcialmente.

II– FUNDAMENTAÇÃO
II.1. DE FACTO
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu não fixou a factualidade provada e não provada, ao arrepio do disposto no n.º 2 artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Ao abrigo do disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC) este Tribunal de recurso, porque os autos reúnem os elementos suficientes, dá como assente a seguinte factualidade relevante para a decisão a proferir:
1- No âmbito da Ordem de Serviço n.º O01201000231, foi levada a cabo pela Divisão de Inspecção Tributária – II (DIT) da Direcção de Finanças de Viseu, uma acção de inspecção cujo âmbito incidiu sobre o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas referente ao exercício de 2007.
2- Na sequência da referida acção de inspecção foi emitido o respectivo relatório junto a fls. 5 e seguintes do processo administrativo e cujo teor se dá aqui por reproduzido, dele constando, além do mais:
22. Nos termos da alínea g) do artigo 23.° e dos números 1 e 2 do artigo 28.° do CIRC(10), as reintegrações e amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os elementos do activo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas, são consideradas custos ou perdas quando, comprovadamente. forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
23. Segundo o n.° 1 do artigo 29.° e números 1 e 2 do artigo 30.° do CIRC (10) o cálculo das depreciações e amortizações faz-se, em regra, pelo método das quotas constantes, sendo a quota anual de reintegração e amortização que pode ser aceite como custo do exercício determinada, aplicando ao custo de aquisição, as taxas de reintegração e amortização, definidas no Decreto-Regulamentar nº 2/90, de 12-01, ou as consideradas razoáveis tendo em conta o período de utilidade esperada.
24. Pela analise do mapa de reintegrações e amortizações, verificamos que os montantes das amortizações contabilizadas relativas ao elemento patrimonial “construção civil parque”, segundo o método das quotas constantes, não correspondem a vida útil estimada (20 anos) e refenda tanto no relatório e contas como nas notas explicativas anexas ao Balanço e a Demonstração de Resultados, mas a um período inferior.
25. Assim, o valor das amortizações registadas e consideradas para apuramento do resultado liquido do exercício de 2007 foram superiores em €47.126,10 ao valor aceite, conforme explicitação constante do anexo 8, pelo que as mesmas não são aceites por aplicação do disposto nos artigos 23 ° e 33º do CIRC e no DR n°2/90, de 12-01.
26. O sujeito passivo contabilizou, no ano de 2007, a título de amortizações dos elementos patrimoniais referentes à linha de alta tensão identificados no ponto 17., os seguintes valores, explicitados no anexo 9:

DesignaçãoMontante (em €)
66230002 - LINHA ALTA TENSÃO
66220001 – CONSTRUÇÃO CIVIL PARQUE (FISCALIZAÇÃO)
105.526,82
9 292,33

114 819,15

27. Segundo o POC, constituem imobilizações “os bens detidos com continuidade ou permanência e que não se destinem a ser vendidos ou transformados no decurso normal das operações da empresa, que sejam de sua propriedade, quer estejam em regime de locação financeira” e “quando os elementos do activo imobilizado tiverem urna vida útil limitada, ficam sujeitos a urna amortização sistemática durante esse período”
28. Tal foi referido anteriormente, a ligação da instalação de produção a rede receptora (11) é efectuada por um ramal construído por iniciativa da entidade proprietária da instalação de produção (Parque…), o qual, por definição legal (12), fica a fazer parte da rede receptora e a entidade que explora a rede que recebe a energia tem a seu cargo as operações de exploração, manutenção e reparação do ramal de interligação (artigo 17.º DL 168/99, de 18-05).
29. A entrega do ramal de ligação à rede receptora foi titularizada através de auto de entrega de infraestruturas datado de 11/12/2006, no qual expressamente se refere que se procede à entrega à EDP Distribuição Energia SA das referidas infraestruturas, para ficarem integradas no património (imobilizado) desta entidade, sem quaisquer reservas ou ónus.
30. Constatamos assim que, no ano de 2007, por aplicação do POC, a infraestrutura “ramal de ligação à rede receptora” ou “LAT - linha eléctrica de alta tensão”, não é um elemento patrimonial do imobilizado do sujeito passivo, por não cumprir o requisito da propriedade.
31. Assim, as amortizações contabilizadas nas contas 66230002- LINHA ALTA TENSÃO e 66220001 - CONSTRUÇÃO CIVIL PARQUE (FISCALIZAÇÃO) não podem ser consideradas para efeitos de apuramento do resultado operacional do exercício de 2007 e consequentemente do resultado liquido do mesmo exercício.
32. O apuramento do lucro tributável do exercício, de acordo com o n.° 1 do artigo 17.º do CIRC, é constituído pela soma algébrica do resultado liquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do CIRC, pelo que a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e deve reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo (alínea a) e b) n.° 3 do artigo 17.° CIRC).
33. Em consequência, as amortizações contabilizadas pelo sujeito passivo no ano de 2007, relativas à linha eléctrica de alta tensão tem que ser acrescidas, por esta infraestrutura não cumprir o requisito da propriedade constante do POC e este valor estar a influenciar negativamente o resultado líquido do exercício.
34. Assim, o sujeito passivo deveria ter inscrito na linha 225 do quadro 07 da declaração modelo 22, o valor de € 114.819,15, a acrescer ao resultado líquido do exercício.
35. O lucro tributável do exercício de 2007, determinado de acordo com as correcções anteriormente descritas e tendo em conta os acréscimos e deduções constantes do quadro 07 da declaração modelo 22 entregue pelo sujeito passivo, passa a ser o seguinte:

Campo
Designação
Montante (em €)
201 Resultado líquido exercício
A acrescer
777.986,84
211 IRC e autos impostos incidentes sobre o lucro
189.936,76
189.936,76
A deduzir
234 Benefícios fiscais
8.333,33
8.333,33
240 Lucro tributável declarado
959.590,27
207 Correcções (a acrescer ao resultado liquido do exercido) Reintegrações e amortizações não aceites como custos
47.126,10
225 Amortização linha eléctrica de alta tensão
114.819,15
161.945,25
240 Lucro tributável estimado
1.121.535,52

(…)
».

3- Das correcções determinadas no referido relatório resultou um acréscimo ao resultado fiscal de IRC no valor de € 161.945,25 - idem
4- Em virtude destas correcções foi apurado na liquidação impugnada n.º 2010 8310007625 de IRC do ano de 2007, o montante de € 35.551,64 de imposto em falta – documento n.º 1 junto com a petição inicial, fls. 24 dos autos.

II.2. DE DIREITO
A sociedade Parque…, S.A. impugnou a liquidação de IRC do exercício de 2007, invocando a ilegalidade da desconsideração pela administração fiscal da perda resultante da entrega do ramal de ligação à entidade distribuidora de energia (artigos 20.º e 96.º da petição inicial que sintetizam a ilegalidade invocada). A final formula o seguinte pedido:
«NESTES TERMOS deverá a presente impugnação ser julgada procedente, por provada, sendo consequentemente anulada a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios aqui impugnada, com os devidos e legais efeitos.».
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu dando razão à impugnante quanto à ilegalidade invocada decidiu: «Pelo exposto julga-se procedente a presente impugnação».

A Fazenda Pública recorre apenas no que toca ao âmbito da procedência da impugnação, pugnando pela procedência apenas parcial.
Em jeito de parêntesis há que dizer que apesar de na conclusão 1ª a recorrente falar em sentença proferida em 29-01-2013, tal deve-se a lapso de escrita manifesto, pois a sentença dos autos em causa foi proferida em 05-01-2013 (estando correcta a data da sentença no primeiro artigo das alegações de recurso); também é referido na mesma conclusão 1ª que a liquidação respeita ao exercício de 2008, o que também se deve a lapso de escrita manifesto, pois o exercício em causa, como decorre da petição inicial e da sentença sindicada, bem como do relatório de fiscalização invocado pela própria recorrente, é o do ano de 2007.
Posto isto.
Diz a Fazenda Pública para sustentar a sua pretensão que as correcções efectuadas foram de duas ordens: a) uma, de € 47.126,10, de amortizações não aceites fiscalmente por utilização de taxa de amortização superior; b) outra, de € 161.945,25, respeitante à amortização da linha eléctrica de alta tensão cuja propriedade não é do sujeito passivo.
E que tendo ambas as correcções influenciado a liquidação impugnada, apesar de a primeira não ser especificadamente controvertida, deveria fazer-se reflectir tal situação na sentença, devendo a decisão de procedência ser parcial.

Analisado o relatório de inspecção na parte que acima inserimos no probatório e comparando o que aí é dito no que toca às correcções efectuadas com o alegado na petição inicial, constatamos, que o valor de € 161.945,25, a que a impugnante se refere no artigo 2.º daquele articulado, respeita, tal como diz a recorrente, a duas correcções distintas à matéria tributável, e apenas uma delas é colocada em causa pela contribuinte.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu julgou a impugnação procedente, julgamento que tem implícito a procedência total do pedido, pedido este que, como se viu, foi o da anulação (total) da liquidação. Deste modo, o Tribunal recorrido ao julgar procedente a impugnação determinou a anulação total da liquidação.

Tal como vem sendo jurisprudência corrente, os actos administrativos que impõem a obrigação de pagamento de uma quantia, designadamente os actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial dos mesmos (artigo 100.º da Lei Geral Tributária) –por todos o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 10-04-2013, recurso n.º 298/12.

Deste modo, se o vício invocado pelo impugnante apenas afectar parte da liquidação, e não a sua totalidade, a liquidação apenas deve ser anulada na parte que fica afectada pelo vício.

Como diz o Supremo Tribunal Administrativo naquele aresto «se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira».
Se assim não fizer, isto é, se anular na totalidade uma liquidação quando o vício apenas a invalida em parte, estamos perante erro de julgamento.

Se a parte apenas invoca um vício, e esse vício é reconhecido pelo Tribunal estamos perante o que se pode chamar de procedência total dos fundamentos, mas que, pelas razões acima ditas, não implica necessariamente a procedência total da impugnação na qual é pedida a anulação total da liquidação.
Só assim será, se o único vício afectar a liquidação na sua totalidade.

Ora, não sendo este o caso, resultando a liquidação de diferentes correcções, e tendo apenas uma sido posta em causa pela impugnante, as restantes mantêm-se na ordem jurídica, pelo que nesta parte a liquidação não podia ter sido anulada.

Impõe-se, assim, o provimento do recurso.

Sumariando:
1- O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.
2- Se o vício invocado pelo impugnante apenas afectar parte da liquidação, e não a sua totalidade, como é o caso em que a matéria tributável resulta de diferentes correcções aritméticas e a parte apenas ataca a legalidade de uma, a liquidação apenas deve ser anulada na parte que fica afectada pelo vício.

III – DECISÃO
Em conformidade como exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso.
Sem custas.
Porto, 26 de setembro de 2013

Ass. Paula Ribeiro

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Aragão Seia