Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00482/08.2BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2014
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL. DESPACHO DE REVERSÃO. FUNDAMENTAÇÃO.
GERÊNCIA DE FACTO. ÓNUS DA PROVA. DÉFICE INSTRUTÓRIO.
Sumário:I) A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
II) Assim, não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reacção do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência.
III) A leitura da contestação permite dizer que a FP pretendeu discutir tal questão, apontando que, de acordo com a informação do Serviço de Finanças, ambos os gerentes e, por isso, também o oponente, participaram, nessa qualidade, na aquisição e alienação de vários imóveis, além de que o oponente recebeu salários na qualidade de gerente da empresa e apresentou-se, por diversas vezes, junto da AF na qualidade de gerente e assinou, nessa mesma qualidade, várias facturas, juntando prova documental relativa à matéria alegada.
IV) A partir daqui, é manifesto que a decisão recorrida não pode manter-se, pois que a discussão da matéria em apreço não pode desconsiderar a alegação da FP neste âmbito, sendo que, mostrando-se controvertida a questão da gerência de facto, face às diferentes posturas assumidas nos autos pelo oponente e pelo RFP, deveria o Juiz, a quem incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, ordenar todas as diligências que considere úteis para o apuramento da verdade e assim que reunidos todos esses elementos, concluir ou não pela efectiva gerência do oponente.
V) Nesta sequência, tendo sido suscitada nos autos a pertinência neste domínio das sentenças condenatórios proferidas em dois processos penais pela prática de crimes de natureza dolosa relacionados com a retenção de IVA e contribuições para a segurança social, onde também o ora Recorrido terá sido condenado, matéria que consta dos autos de oposição 295/08.1BECBR, tem de entender-se que, para além da realidade vertida na contestação da FP, a matéria agora apontada tem relevância bastante no sentido de poder contribuir para estabelecer o quadro factual a ponderar no âmbito da questão da gerência de facto, existindo a possibilidade séria de a produção da prova agora referida implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:M... e Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O Ministério Público, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 31-01-2012, que julgou procedente a pretensão deduzida por M...na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução fiscal nº 0795200401002406 e apensos originariamente instaurada contra a sociedadeConstruções..., Lda.”, e contra ele revertida, por dívidas de IVA do ano de 2003, no montante de € 15.179,66.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 317-323), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
- a) A douta sentença julgou procedente a pretensão da oponente quando alegou não poder ser considerado responsável subsidiário pelo pagamento das dívidas, em virtude de o despacho de reversão se revelar omisso quanto ao exercício de facto da gerência;
- b) Para assim concluir, não teve em consideração os elementos juntos com a contestação, nem considerou as decisões proferidas em processo de natureza criminal, transitadas em julgado, integradas nos autos de oposição nº 295/08.1, deste Tribunal, intentados pela outra sócia, mulher do oponente, por ordem do Juiz;
- c) Do despacho de reversão constam os fundamentos de facto e de direito, designadamente os relativos ao oponente - ser gerente da devedora principal à data limite para o pagamento da dívida exequenda - já enunciados no respetivo projeto e sem qualquer pronúncia em sede de direito de audição;
- d) Questionada já em sede de oposição a gerência efetiva, é admissível que na contestação o R.F.P. tome posição contrariando a argumentação expendida e oferecendo provas, como decorre da atribuição de tal faculdade ao oponente e do princípio da igualdade de faculdades e meios processuais;
- e) Por outro lado, mostrando-se controvertida a questão da gerência de facto, face às diferentes posturas assumidas nos autos pelo oponente e pelo RFP, deveria o Juiz, a quem incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, ordenar todas as diligências que considere úteis para o apuramento da verdade;
- f) E assim que reunidos todos esses elementos, concluir pela efetiva gerência do oponente;
- g) Assim não tendo acontecido, a sentença violou o disposto nos artºs 206º do C.P.P.T., 98º e 99º, nº 1, ambos da L.G.T. e ainda nos artºs 22º, 23º e 24º, nº 1 alínea b), também da L.G.T.;
- h) Pelo que deve ser revogada, nessa parte, e substituída por outra que considere os elementos juntos com a contestação e o teor das sentenças condenatórias, a solicitar aos autos de oposição nº 295/08.1, deste Tribunal;
- i) Desse modo se julgando improcedente a pretensão do oponente no que se refere à alegada ilegitimidade por falta de demonstração da gerência de facto, por resultarem reunidos, ao contrario, fortes indicadores dessa gerência. …”

O recorrido M...não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão sucitada pelo recorrente resume-se, em suma, em saber se o ora Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1) A Administração Fiscal instaurou processo de execução fiscal nº 0795200401002406 e apensos contra Construções..., Lda para cobrança coerciva das seguintes dívidas (fls. 25 a 28 e 49):
PEF N° Período PROV. DÍVIDA Nº CERTIDÃO VALOR
0795200401002406 2003-04 IVA 48516 426,05
0795200401003275 2003-07 IVA 154739 7 095,88
0795200401003275 2003-10 IVA 154741 7 657,73
SOMA .................. 15 179,66
2) Consta dos autos informação datada de 18.02.2008, onde pode ler-se o seguinte (fls. 32):
1 - A sociedade supra identificada, consultado o Cadastro Electrónico de Bens Penhoráveis, é titular dos seguintes bens:
- Veículo de matrícula PC, marca TOYOTA, modelo HILUX (33LNG8), cujo registo de propriedade é de 2003, e o seu valor presumível é de 5.000,00 € - este bem encontra-se penhorado no PEF 0795200501002767, estando a aguardar a respectiva venda judicial;
- Veículo de matrícula AL, marca TOYOTA, modelo DYNA (KDY250)-DD, cujo registo de propriedade é de 2006, já vendido nos presentes autos ao Sr. N… com o NIF: 2…;
- Não foi possível determinar a existência de quaisquer outros bens;
Devido ao valor estimado da 1.ª viatura, está-se perante um caso de fundada insuficiência de bens penhoráveis do responsável originário, conforme o preceituado no n.° 2 do art.º 23 da Lei Geral Tributária.
3) Foi elaborado projeto de reversão, datado de 18.02.2008, do qual consta o seguinte (fls. 33):
PROJECTO DE REVERSÃO
Em face das diligências a fls. 18 a 27, e para efeitos de accionamento dos mecanismos conducentes à efectivação da responsabilidade subsidiária, prepare-se o processo com vista à reversão contra:
1. M…, NIF 1…, com domicílio fiscal em … - 3140 MEÃS DO CAMPO;
2. M…, NIF 1…, com domicílio fiscal em … - 3140 MEÃS DO CAMPO;
na qualidade de gerentes, e pela dívida abaixo identificada.
Tal efectivação da responsabilidade subsidiária e de acordo com as referidas diligências, fundamenta-se no facto de que:
1 - Ao devedor principal são conhecidos bens penhoráveis mas o valor presumível dos mesmos mostra-se insuficiente para o pagamento da dívida;
2 - Não são conhecidos responsáveis solidários;
3 - A sociedade já não labora nas instalações da morada fiscal;
4 - Os referidos responsáveis supra identificados serem os gerentes da executada à data limite para o pagamento da dívida exequenda.
Assim, tendo conta o disposto nos art.s 22, 23, 24, n.º 1, alínea b) da Lei Geral Tributária, art. 153, n° 2 e 159° do C.P.P.Tributário e estando reunidos os pressupostos consignados nos artigos referidos pelo que as dívidas abaixo identificadas serão de reverter contra os responsáveis subsidiários identificados, logo que cumprido o disposto no n° 4 ao art. 23 da LGT.
4) O oponente foi notificado nos seguintes termos (fls. 34):
Pela presente fica ciente de que, por despacho de 18/02/2008, determinei a preparação do processo para efeitos de reversão da(s) execução(ões) fiscal(ais) infra indicada(s) contra V. Ex.ª, na qualidade de gerente.
Face ao disposto nos normativos do n° 4 do Art.º 23° e Art° 60º da Lei Geral Tributária, fica notificado(a) para, no prazo de 10 dias a contar da presente notificação, exercer o direito de audição prévia para efeitos de avaliação da prossecução ou não da reversão contra V. Ex.ª.
O direito de audição tem por objecto as dividas exigidas no(s) processo(s) abaixo(s) discriminado(s) e deverá ser exercido no prazo acima indicado, e findo este ficará o respectivo direito precludido.
5) Com data de 11.03.2008 foi elaborada informação com o seguinte conteúdo (fls. 33 e 34):
INFORMAÇÃO
Em face das diligências de fls. 37 a fls. 44, verifica-se que o responsável subsidiário M…, exerceu o seu direito de audição por escrito.
Do referido exercício daquele direito argúi primeiramente da impossibilidade legal de ser considerada a reversão ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art.º 24. ° da L.G.T. por não ter sido fundamentada a responsabilidade no projecto de reversão a fls. 28.
Ora em matéria de direito de certo que houve alguma falta de atenção na leitura do projecto de reversão na medida em que do mesmo consta:
‗Assim, tendo conta o disposto nos art.s 22. 23. 24, n.º 1, alínea b) da Lei Geral Tributária, art. 153. n° 2 e 159° do C.P.P.Tributário e estando reunidos os pressupostos consignados nos artigos referidos pelo que as dívidas abaixo identificadas serão de reverter contra os responsáveis, subsidiários identificados, logo que cumprido o disposto no n.º 4 do art. 23 da LGT.‘ e fundamentou-se em:
1 - Ao devedor principal são conhecidos bens penhoráveis mas o valor presumível dos mesmos mostra-se insuficiente para o pagamento da dívida;
2 - Não são conhecidos responsáveis solidários;
3 - A sociedade já não labora nas instalações da morada fiscal;
4 - Os referidos responsáveis supra identificados serem os gerentes da executada à data limite para o pagamento da dívida exequenda.
Fica assim prejudicada a fundamentação de direito referida.
Em matéria de facto fundamenta com:
1) -Inexistência de responsabilidade com factos como "a requerente nunca praticou ou omitiu, alguma vez, censuravelmente, qualquer acto, que tivesse deixado de praticar ou omitir, e que tivesse causado ou determinado a insuficiência do património da executada para solver a dívida em questão e “A ora requerente em nada contribuiu para que o património da sociedade se tornasse insuficiente para o pagamento aos credores e entre eles o Fisco, nunca tendo vendido ou se desfez de quaisquer móveis, imóveis ou direitos de sociedade ou renunciou a quaisquer créditos da sociedade ou perdoou dívidas a qualquer dos seus devedores."
Trata-se de fundamentação não consentânea com os factos relevados porque, não constando do registo que a sociedade contratou gerente, todos os actos economicamente relevantes teriam de ser efectuados por um dos sócios-gerentes, como por exemplo os orçamentos, supervisão dos trabalhos realizados, as aquisições e vendas que foram efectuadas com intervenção dos gerentes ou então ter-se-ia que reduzir o conceito da gerência a uma contradição — o da sua inexistência;
Por exemplo as vendas seguintes foram efectuadas pelos representantes legais (sócios-gerentes):
Notário N° da Escrlt. Data Escritura , TIPO ARTIGO FREGUESIA
I… 1795 (1) 14-06-2006 Compra Rustlco-9215 Tentúgal
J… 2534(11 30-12-2005 Venda Urbano-1135 Meãs do Campo
E… 120-1/31 31-05-2005 Venda Urbano-1134 Meãs do Campo
PRIMEIRO CARTORIO NOTARIAL DE COMPETENCIA ESPECIALIZADA DE COIMBRA 110A/27 21-02-2005 Venda Urbano-1133 Meãs do Campo
CARTORIO NOTARIAL DE MONTEMOR O VELHO 178F/41>600022773 21-05-2004 Compra Urbanos 611, 612 e 613 Meãs do Campo

A sociedade declarou ter procedido ao pagamento dos seguintes salários aos gerentes:
M…
ANO NIF DAENT. PAGADORA REND. PAGOS IRSP RETIDO
2006 5… 12.040,00 791,00
2005 5…12.040,00 937,00
2004 5…12.040,00 1.023,00
2003 5…12.040,00 1.023,00
2002 5…9.245,00 786,00
M…
ANO NIF DAENT. PAGADORA REND. PAGOS IRSP RETIDO
2006 5…12.040,00 791,00
2005 5…12.040,00 937,00
2004 5…12.040,00 1.023,00
2003 5…12.040,00 1.023,00
2002 5…9.245,001 786,00

5… -CONSTRUÇÕES... LDA
Não juntou qualquer prova material dos factos invocados.
Oferece prova testemunhal nas pessoas C… e J….
Pelo facto de se tratar do exercício de direito de audição no decurso de projecto de reversão efectuado ao abrigo da referida alínea b) do n° 1 do Art.º 24.° da L.G.T., sendo minha convicção de que, atendendo a que os fundamentos invocados não se mostram relevantes para o afastamento da reversão e de que atendendo a que as testemunhas não poderiam contraprovar o bastante poderá dispensar-se a audição das mesmas.
6) Foi proferido despacho de reversão, datado de 11.03.2008, com o seguinte conteúdo (fls. 38):
Verificando-se que o responsável subsidiário M..., não exerceu o direito de audição prévia, e o responsável subsidiário Mª..., exercendo esse direito por escrito, verifico que não subscreveu ou juntou qualquer elemento novo que contrarie os pressupostos em que se apoiou o referido projecto de decisão, reverto a execução relativamente às dívidas infra identificadas, com os fundamentos expressos no projecto de decisão a fls. 28, contra:
1. M..., NIF 1…, com domicílio fiscal em … - 3140 MEÃS DO CAMPO:
2. Mª..., NIF 1…, com domicílio fiscal em … - 3140 MEÃS DO CAMPO: na qualidade de gerentes, e pela dívida abaixo identificada.
Assim, proceda-se a citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do artigo 160 ° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia em dívida que contra si reverteu (€ 1.381,34), sem juros de mora nem custas, de harmonia com o que determina o n.° 5 do art.° 23.°, da Lei Geral Tributária.
7) O oponente foi citado a 26.03.2008 (fls. 36 e 37).
*
III. 2 – FACTOS NÃO PROVADOS:
Com interesse para a decisão da causa importa dar como não prova-los os seguintes factos:
1. A situação deficitária da originária executada ficou a dever-se ao aumento os custos em permanente crescendo face à orçamentação antecipadamente feita; a custos extraordinários com os veículos e pessoal, os prejuízos verificados e ao facto de terceiros terem ficado devedores de avultadas quantias;

2. Quando a originária executada realizou diligências para tentar cobrar os seus créditos, os devedores nenhum património detinham, ficando aquela impossibilitada de reaver aqueles;

3. O oponente para tentar salvar a situação económica da empresa, hipotecando o seu património pessoal, ainda fez àquela suprimentos;

4. O oponente nunca vendeu ou se desfez de quaisquer móveis, imóveis ou direitos de sociedade ou renunciou a quaisquer créditos da sociedade ou perdoou dívidas a qualquer dos seus devedores;

5. Ao oponente nunca lhe foram atribuídas ou recebeu quaisquer quantias a título de gratificação;

6. O oponente nunca teve qualquer intervenção em quaisquer deliberações ou decisões na gestão e administração da empresa, não sendo chamado para intervir como gerente ou administrador, nem sendo responsável por qualquer ato da empresa;
7. O oponente não teve qualquer intervenção ou sequer conhecimento de atos de não pagamento de impostos, de contribuições para a segurança social, situações que desconhecia, em absoluto e de que lhe não foi dado conhecimento.

*
III. 3 – FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
A convicção do tribunal baseou-se nos documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados pelas partes.
Deram-se como não provados os factos elencados nos pontos 1. a 7. dos factos não provados em virtude de não ter sido oferecida qualquer prova, nomeadamente documental, em relação aos mesmos.
Não se teve em consideração os documentos juntos com a contestação, por se ter verificado que os mesmos foram juntos posteriormente ao despacho que determinou a reversão, sendo que de tal despacho não resulta que esses elementos tivessem sido considerados pelo autor no momento em que verificou os pressupostos da reversão e proferiu o referido despacho.
Ora, processo tributário é configurado como um processo de anulação, pelo que está fundamentalmente em análise saber se os elementos que a entidade que praticou o ato conhecia e dispunha à data o sustentam.
Assim o Tribunal não pode socorrer-se de elementos, com vista a sustentar o acto em crise, que não foram tidos em consideração pelo autor por não constarem do respectivo processo administrativo – cfr. Acórdão do STA de 02.04.2009, Proc. 01120/08. …”
«»
3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que, como já ficou dito, a questão sucitada pelo recorrente resume-se, em suma, em saber se o ora Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.


Na sentença recorrida, foi entendido que:
“…
Assim, tal como já ocorria no regime consagrado no artigo 13º do CPT, o artigo 24º, nº 1 da LGT vem responsabilizar subsidiariamente pelas dívidas tributárias das pessoas colectivas apenas quem efetivamente exerça ou tenha exercido a administração, direcção ou gerência das mesmas, ainda que não de direito, já que a sua conduta pode não ser de todo despicienda para o incumprimento dos créditos tributários ou para a insuficiência de bens da devedora originária para garantir o pagamento da dívida em causa.
E não há qualquer presunção legal atinente a esta matéria, sendo que da inscrição no registo comercial de alguém como administrador ou gerente apenas resulta a presunção de que tem a titularidade do cargo, mas já não que a exerce de facto, conforme decorre do artigo 11º do Código de Registo Comercial, que presume a existência da situação jurídica, mas não a situação de facto – cfr. Acórdão do TCA Norte de 11.03.2010, Proc. 00349/05.6BECBR.
Poderá, todavia, se as circunstâncias dos autos tal permitirem, formar-se uma presunção judicial – cfr. Acórdão do STA de 10/12/2008, Proc. 0861/08.
Mas, de qualquer forma, ao contrário do afirmado pela Representação da Fazenda Pública, tal não poderá ocorrer com mero recurso ao registo comercial, já que tal representa a mera possibilidade de exercício de gerência, a mera titularidade ou situação jurídica, como se referiu, o que não é suficiente para fazer nascer a responsabilidade subsidiária tributária; além desse elemento é ainda necessário existir prova no sentido de que o gerente desempenhava efetivamente atos de gestão, por exemplo, participava das deliberações, assinava documentos, dava ordens aos trabalhadores, efetuava pagamentos, etc...
Relevante é ainda que o despacho de reversão tenha considerado tais elementos, sob pena de se estar a fundamentar a posteriori tal despacho o que é contrário ao princípio da separação de poderes - os Tribunais não podem substituir-se às competências que incumbem à Administração, entre as quais a obrigação de fundamentarem as suas decisões -, e aos princípios do contraditório, da defesa e da confiança ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático (artigo 2º da CRP) - o particular ver-se-ia surpreendido com um decisão diferente daquela que lhe foi inicialmente dada a conhecer, porque alicerçada em fundamentos e elementos diversos que não lhe foram dados a conhecer e em relação aos quais não teve oportunidade de se pronunciar.
Assim, não é de admitir o recurso a elementos que o autor do ato não teve em consideração para tomar a sua decisão, nomeadamente por não constarem do respetivo processo administrativo na altura em que tal despacho foi proferido ou por não serem direta ou indiretamente referenciados na decisão - cfr. Acórdão do STA de 02.04.2009, Proc. 01120/08.
Na verdade, o processo tributário constitui um processo de mera anulação, pelo que o ato em causa constitui um elemento inexcedível, uma unidade fechada, apenas interessando os elementos de facto e de direito por este considerados e não outros, por mais relevantes que sejam, que poderia ter considerado, mas que lida a respetiva fundamentação se verifica que o autor do ato não considerou.
Vertendo agora estas considerações para o caso sub iudice.
O despacho de reversão remete expressamente para a fundamentação do projeto de reversão, pelo que este último faz parte integrante daquele, nos termos do artigo 125º, nº 1 do CPA.
Trata-se, portanto, de uma fundamentação por remissão, que é admissível desde que se identifique expressamente o ato para o qual se remete, de modo a poder verificar, de modo inequívoco, quais os concretos fundamentos a que o autor do ato aderiu.
Ora, o projeto de reversão refere expressamente os seguintes elementos de facto: o executado tem bens penhoráveis mas cujo valor presumível se mostra insuficiente para o pagamento da dívida; não são conhecidos responsáveis solidários; a sociedade já não labora nas instalações da morada fiscal; e M... e Mª... eram os gerentes da executada à data limite para o pagamento da dívida exequenda.
No despacho impugnado afirma-se, portanto, que o oponente foi gerente da executada à data do vencimento da dívida tributária de IVA de 2006.
Mas limita-se a fazer esta constatação, sem apresentar quais os elementos com base nos quais conclui essa gerência.
Tal constatação não permite ao Tribunal perceber quais os factos de que o autor lançou mão: com mero recurso ao registo comercial?, com base em outros elementos?, apoiado numa presunção de que pensasse beneficiar?
E, não permite, como é evidente ao oponente defender-se de tal afirmação, porque se omite completamente os elementos com base nos quais o autor do ato chegou a tal conclusão.
Como se referiu a Administração não goza de qualquer presunção legal quanto ao exercício efetivo do cargo de gerência, condição sine qua non para efeitos da questão em análise: só quem exerceu efetivamente o cargo de gerência pode ser responsável subsidiário pelas dívidas tributárias da pessoa coletiva.
De referir ainda que a presunção judicial só pode operar nas situações em que o ato em causa contenha os elementos que permitam ao Tribunal inferir, de acordo com as regras da experiência, dos factos conhecidos um facto desconhecido – cfr. Acórdão do STA de 28.02.2007, Proc. 01132/06.
Ora, do despacho impugnado e respetiva fundamentação não consta qualquer elemento que permita ao Tribunal lançar mão para inferir o que quer que seja, razão pela qual tal despacho não pode manter-se.
E sob pena de o Tribunal se substituir à Administração Tributária, não podem ser considerados os elementos juntos pela Representação da Fazenda Pública, e que não constavam dos autos aquando da decisão de reverter o processo de execução fiscal contra o oponente.
E, não obstante constarem da informação de 11.03.2008 ou da informação de 21.04.2008 – elaborada antes da subida da oposição ao Tribunal – ou ainda dos documentos apresentados pela Representação da Fazenda Pública elementos relevantes para a questão em análise, que permitiriam eventualmente formar uma presunção judicial, ou como afirma o Ministério Público concluir razoavelmente que o oponente exercia efetivamente o cargo de gerência, o certo é que tais elementos não são de considerar, porquanto o despacho de reversão não refere ou remete para essas informações e documentos – a informação de 21.04.2008 é mesmo posterior ao despacho impugnado, assim, como as decisões em processo penal referidas pelo Ministério Público – e, portanto, não pode concluir-se que o autor do ato tenha considerado o teor de tais elementos, já que se o fizesse teria remetido expressamente para eles ou tinha pelo menos feito referência expressa aos mesmos já que o projeto de decisão não os referia.
De salientar que da informação de 11.03.2008 constam integralmente os fundamentos invocados no projeto de reversão, pelo que se fosse intenção do autor do ato absorver os elementos que constam da informação e não constam do projeto de decisão, teria remetido para a fundamentação da informação e não para a fundamentação do projeto de decisão.
E dos elementos constantes dos autos resulta inequívoco que, aquando da elaboração do projeto de reversão, apenas constavam dos autos, com relevância para o tema agora em análise, o registo comercial, o que como se referiu é insuficiente para concluir pela gerência efetiva, sendo necessário a existência de outros factos que conjugados com a titularidade permitam, recorrendo a regras da experiência, a formação de uma presunção judicial do exercício efetivo de funções de gerência.
Ora, tendo em consideração que a lei não se basta, relativamente à responsabilidade subsidiária dos gerentes, com a prova da gerência de direito, sem qualquer outra concretização, e que não consta em parte alguma dos autos que o autor da decisão tivesse considerado quaisquer indícios de que o oponente tivesse exercido de facto o cargo de gerência, importa concluir que não estão reunidos os pressupostos da responsabilidade do oponente que, consequentemente, não é parte legítima no processo de execução fiscal de que os presentes autos dependem.
Deste modo, assiste razão ao oponente quando alega que à Administração Fiscal cabia demonstrar o exercício efetivo do cargo de gerência, sendo o despacho de reversão omisso quanto a tal prova, razão pela qual é de concluir que a presente oposição deve ser julgada procedente e em consequência deve ordenar-se a extinção do processo de execução fiscal em relação ao aqui oponente, conforme pedido por este na parte final da p.i.. …”.

Nas alegações, o Recorrente começa por dizer que a douta sentença julgou procedente a pretensão da oponente quando alegou não poder ser considerado responsável subsidiário pelo pagamento das dívidas, em virtude de o despacho de reversão se revelar omisso quanto ao exercício de facto da gerência e para assim concluir, não teve em consideração os elementos juntos com a contestação, nem considerou as decisões proferidas em processo de natureza criminal, transitadas em julgado, integradas nos autos de oposição nº 295/08.1, deste Tribunal, intentados pela outra sócia, mulher do oponente, por ordem do Juiz.
Ora, do despacho de reversão constam os fundamentos de facto e de direito, designadamente os relativos ao oponente - ser gerente da devedora principal à data limite para o pagamento da dívida exequenda - já enunciados no respetivo projeto e sem qualquer pronúncia em sede de direito de audição, sendo que, questionada já em sede de oposição a gerência efetiva, é admissível que na contestação o R.F.P. tome posição contrariando a argumentação expendida e oferecendo provas, como decorre da atribuição de tal faculdade ao oponente e do princípio da igualdade de faculdades e meios processuais;
Por outro lado, mostrando-se controvertida a questão da gerência de facto, face às diferentes posturas assumidas nos autos pelo oponente e pelo RFP, deveria o Juiz, a quem incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, ordenar todas as diligências que considere úteis para o apuramento da verdade e assim que reunidos todos esses elementos, concluir pela efetiva gerência do oponente;
Assim não tendo acontecido, a sentença violou o disposto nos artºs 206º do C.P.P.T., 98º e 99º, nº 1, ambos da L.G.T. e ainda nos artºs 22º, 23º e 24º, nº 1 alínea b), também da L.G.T., pelo que deve ser revogada, nessa parte, e substituída por outra que considere os elementos juntos com a contestação e o teor das sentenças condenatórias, a solicitar aos autos de oposição nº 295/08.1, deste Tribunal e desse modo se julgando improcedente a pretensão do oponente no que se refere à alegada ilegitimidade por falta de demonstração da gerência de facto, por resultarem reunidos, ao contrario, fortes indicadores dessa gerência.

Que dizer?
Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.
Ora, sendo as dívidas exequendas provenientes de IVA de 2003, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.

Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

Antes de avançar, crê-se pertinente aludir ao exposto no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-10-2013, Proc. nº 0458/13, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “… De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).
Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). …”.

A partir daqui, e independentemente da análise que venha ser feita da questão suscitada nos autos, não pode acompanhar-se a decisão recorrida quando, no âmbito do seu discurso, aponta que o despacho de reversão é omisso em relação à gerência de facto, defendendo que tal matéria comprometeu, desde logo, a posição da AT, o que implicou a desconsideração da matéria alegada em sede de contestação pela FP, fazendo do despacho de reversão e seu enquadramento o centro da análise da questão da gerência de facto.

Ora, como se colhe do aresto agora descrito, que traduz jurisprudência do Pleno do S.T.A., não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reacção do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência.

Por outro lado, não pode deixar de notar-se na leitura da decisão recorrida uma certa oscilação na análise desenvolvida, navegando entre a questão da fundamentação do despacho de reversão e a matéria da gerência de facto enquanto pressuposto da reversão, ficando a sensação de que não lhe basta que o acto contenha as razões de facto e de direito de que a decisão brotou, quer que as razões mostrem que a decisão é boa - o que confunde a forma com o fundo, muito embora a decisão final tenha sido no sentido da falta do aludido pressuposto, o que redundou na extinção da execução.

Ora, e por maioria de razão, não estando em causa a fundamentação do despacho de reversão, em função da doutrina vertida no aresto descrito, tem de conceder-se pleno abrigo ao exposto pelo Recorrente quando refere que do despacho de reversão constam os fundamentos de facto e de direito, designadamente os relativos ao oponente - ser gerente da devedora principal à data limite para o pagamento da dívida exequenda - já enunciados no respetivo projeto e sem qualquer pronúncia em sede de direito de audição, sendo que, questionada já em sede de oposição a gerência efetiva, é admissível que na contestação o R.F.P. tome posição contrariando a argumentação expendida e oferecendo provas, como decorre da atribuição de tal faculdade ao oponente e do princípio da igualdade de faculdades e meios processuais.

Pois bem, a leitura da contestação permite dizer que a FP pretendeu discutir tal questão, apontando que, de acordo com a informação do Serviço de Finanças, ambos os gerentes e, por isso, também o oponente, participaram, nessa qualidade, na aquisição e alienação de vários imóveis, além de que o oponente recebeu salários na qualidade de gerente da empresa e apresentou-se, por diversas vezes, junto da AF na qualidade de gerente e assinou, nessa mesma qualidade, várias facturas, juntando prova documental relativa à matéria alegada.

A partir daqui, é manifesto que a decisão recorrida não pode manter-se, pois que a discussão da matéria em apreço não pode desconsiderar a alegação da FP neste âmbito, sendo que, como bem refere o Recorrente, mostrando-se controvertida a questão da gerência de facto, face às diferentes posturas assumidas nos autos pelo oponente e pelo RFP, deveria o Juiz, a quem incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, ordenar todas as diligências que considere úteis para o apuramento da verdade e assim que reunidos todos esses elementos, concluir ou não pela efectiva gerência do oponente.
Diga-se ainda que foi suscitada nos autos a pertinência neste domínio das sentenças condenatórios proferidas em dois processos penais pela prática de crimes de natureza dolosa relacionados com a retenção de IVA e contribuições para a segurança social, onde também o ora Recorrido terá sido condenado, matéria que consta dos autos de oposição 295/08.1BECBR.
Neste particular, o art. 712.º do C. Proc. Civil (actual art. 662º), ao fixar perspectiva e orientação para o julgamento, por parte do tribunal de recurso, da decisão proferida em 1.ª instância sobre a matéria de facto, prevê, no respectivo nº 4, a hipótese de esta ser anulada sempre que se “repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando (se) considere indispensável a ampliação desta”. Trata-se da conferência de uma faculdade processual, coberta pela força das decisões proferidas por tribunais de grau hierárquico superior, tendente a, por princípio, permitir buscar todos os dados factuais disponíveis, com potencial interesse e relevo para um julgamento o mais acertado possível das pretensões formuladas pelas partes numa concreta demanda judicial, que, no âmbito específico da jurisdição tributária, pressupõe particular enfoque e atenção, por virtude do privativo ónus que impende sobre os juízes dos tribunais tributários de realizar ou ordenar todas as diligências consideradas úteis ao apuramento da verdade material - cfr. arts. 13º n.º 1 CPPT e 99º nº 1 LGT. Não se olvide, ainda, que é no estabelecimento da matéria de facto relevante que o juiz exercita o núcleo, a excelência, do seu múnus, é nesse momento que tem de fazer jus à sua condição de julgador, que se lhe impõe o acertado e responsável exercício do poder de julgar, aqui ao serviço da melhor, mais justa e equitativa, apreensão e tradução da realidade, da verdade, dos factos, com relação aos quais importa, sequentemente, aplicar o direito, tarefa, sobretudo, de cariz e apuro técnico (acessível, pois, a qualquer cultor do direito), determinada, condicionada, pelo quadro factual previamente traçado.
A partir daqui, e perante o que ficou exposto, tem de entender-se que, para além da realidade vertida na contestação da FP, a matéria relacionada com a matéria descrita nas sentenças condenatórias proferidas nos processos crime em causa tem relevância bastante no sentido de poder contribuir para estabelecer o quadro factual a ponderar no âmbito da questão da gerência de facto, existindo a possibilidade séria de a produção da prova agora referida implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa.
E no âmbito dos poderes consignados nos art. 13º do CPPT e 99º da LGT compete ao Juiz realizar as diligências para apuramento da situação concreta e só após isso conhecer da oposição, o que significa que, como se disse, não se pode, pois, manter o decidido, sendo que em função do mais exposto, os autos terão de regressar à 1ª instância no sentido de ser ordenada a junção aos autos do teor das sentenças condenatórias, a solicitar aos autos de oposição nº 295/08.1 e, posteriormente, ser aí proferida decisão sobre a questão da gerência de facto em função de todos os elementos presentes nos autos em função das posições assumidas por ambas as partes, sem olvidar, se necessário, o mais invocado no âmbito da presente oposição.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, revogar a sentença recorrida, volvendo os autos à 1ª Instância no sentido de ser ordenada a junção aos autos do teor das sentenças condenatórias, a solicitar aos autos de oposição nº 295/08.1 e, posteriormente, ser aí proferida decisão sobre a questão da gerência de facto em função de todos os elementos presentes nos autos em função das posições assumidas por ambas as partes, sem olvidar, se necessário, o mais invocado no âmbito da presente oposição.
Sem custas.
Notifique-se. D.N..
Porto, 30 de Abril de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves