Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02496/19.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/30/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:SUSPENSÃO EFICÁCIA; DISPENSA DA PROVA TESTEMUNHAL; FUMUS BONI IURIS.
Sumário:1-As providências cautelares são por natureza processos urgentes, que se caracterizam por uma tramitação sumária, destinada a garantir a sua celeridade.

2-O despacho que dispense a produção de prova testemunhal é proferido juntamente com a decisão do processo cautelar ou dentro do prazo previsto para a decisão.

3- O erro de julgamento que afete o despacho de dispensa de produção de prova constitui fundamento de recurso da própria decisão final.

3- O fumus boni iurius exige, para a concessão da providência cautelar, que seja provável que a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no processo principal venha a ser julgada procedente.

4- Não se verifica o requisito do fumus boni iuris quando em relação aos atos cuja suspensão de efeitos se requer, se conclua que um deles é inimpugnável e o outro nada provável que venha a ser anulado em sede de ação principal. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:T,, Lda
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte:

I.RELATÓRIO

1.1.T., LDA, com sede na Rua (…), (…), intentou o presente processo cautelar contra o MUNICÍPIO DE (...), pedindo a suspensão de eficácia dos atos administrativos datados de 13 de agosto de 2019 e 14 de outubro de 2019, referente ao despacho emanado pela Chefe de Divisão do Planeamento da Mobilidade e Transportes, com o número NUD/369622/2019/CM_ em que foi comunicada a extinção do alvará de exploração emitido para o circuito turístico-comboio respeitante aos veículos XX-XX-RL e XX-XX-RP com o número I82480/2017/CM_.

Alegou, para o efeito, em síntese, que com a publicação das alterações à parte D do Código Regulamentar do MUNICÍPIO DE (...), instruiu um requerimento a solicitar a emissão das licenças já existentes, optando pela manutenção das respetivas licenças tituladas por alvará, ajeitando-as às regras dos artigos D-17 do Código Regulamentar.

De acordo com o teor do alvará o mesmo tem um prazo de validade até 02/07/2019, mas após 02/07/2019, continuou a circular com o comboio turístico, convencida de que o seu alvará estava em pleno funcionamento.

Não tendo solicitado a renovação da licença ao abrigo das normas do Código Regulamentar, em 13/08/2019 foi notificada pelo Requerido de que a sua licença se encontrava extinta, por decurso do prazo e não por ter sido requerida atempadamente a sua renovação, nos termos dos artigos D-7/16 e D-7/17;

Nesse momento, apresentou pedido de renovação da licença, mas em 17 de setembro de 2019 o Requerido enviou-lhe uma carta a comunicar-lhe que as licenças estavam caducadas desde 02/07/2019 e que atenta a época alta de turismo podiam circular com os comboios até 14 de outubro de 2019;

No dia 14 de outubro o Requerido enviou-lhe ofício no qual era determinado o indeferimento definitivo do pedido de renovação das licenças de comboio turístico;

A Requerente entende que o seu alvará de exploração emitido para circuito turístico-comboio não se encontra extinto, com o fundamento de após 02/07/2019 o Requerido ter-lhe permitido continuar a circular com os comboios turísticos, de forma livre e sem qualquer tipo de constrangimentos, tendo até recebido a 27 de junho, da parte Chefe de Divisão do Departamento de Planeamento da Mobilidade e Transportes, um email com a informação de alterações de sentido de circulação do trânsito;

Mais alega que a licença se renovou por mais dois anos após a caducidade em virtude de o direito à circulação dos comboios se ter mantido, não se tendo extinto pelo não exercício durante um determinado período de tempo, como consta na notificação de 14/10; que existe a obrigação da comunicação da caducidade da licença, e que não foi comunicada a data de extinção na notificação de 13/08/2019, e bem assim que não existe no Código Regulamentar norma a operar os efeitos da extinção, o que configura uma lacuna;

Sustenta que os atos impugnados são inválidos porque praticados em desconformidade com as leis aplicáveis, violando ainda os princípios da proporcionalidade, justiça e imparcialidade.

1.2. Regularmente citado, o MUNICÍPIO DE (...) deduziu oposição, alegando que não se verificam os requisitos para o decretamento da providência, pugnando pela improcedência da providência requerida.
Quanto ao fumus boni iuris, invocou, em síntese, que a licença caducou no dia 3 de julho de 2019, e operando a caducidade automaticamente, a mesma não carecia de ser declarada;
E que os atos visados são insuscetíveis de qualquer censura: ( i) o “ato administrativo” de 13 de agosto de 2019 não é impugnável, por não conter qualquer decisão, constituindo uma mera comunicação ; (ii) e a licença ao abrigo da qual a Requerente operava já se tinha extinguido, visando apenas advertir a Requerente que o seu título tinha deixado de produzir efeitos (pelo que exercia a sua atividade ilegalmente);

Quanto ao periculum in mora, aduziu que os prejuízos invocados não se mostram provados, sequer sumariamente, bem como que tais prejuízos sempre resultariam da caducidade da licença e não do não decretamento da providência.

1.3. Proferiu-se despacho saneador, fixou-se o valor da ação em 50 000,01 € (cinquenta mil euros e um cêntimo), e dispensou-se a produção de prova suplementar por os autos conterem prova documental bastante para a apreciação da causa.

1.4. Em 10.12.2019, o TAF do Porto proferiu decisão, constando a mesma do seguinte segmento decisório:
«Em face do exposto, julga-se esta ação cautelar improcedente.
Custas pela Requerente.
Registe e notifique.»

1.5. Inconformada com a decisão proferida que julgou improcedente a providência cautelar requerida a Recorrente interpôs o presente recurso jurisdicional pretendendo a sua revogação.
Para o efeito formulou as seguintes conclusões:
«I. Nos presentes autos discute-se uma providência cautelar de suspensão da eficácia dos atos administrativos datados de 13 de agosto e de 14 de outubro de 2019, referente ao despacho emanado pela Chefe de Divisão do Planeamento da Mobilidade e Transportes, com o número NUD/369622/2019/CM_, em que foi comunicada a extinção do alvará de exploração emitido para o circuito -comboio respeitante aos veículos XX-XX-RL e XX-XX-RP com o número 182480/2017/CM_.
II.A requerente discorda da decisão que declarou como improcedente a providência cautelar, porquanto considera que o tribunal recorrido realizou uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso em concreto.
III. Forma violados os artigos n.º 2, n.º 3.º, 114.º, n.º 3, al. g), e art.º 118 todos do CPTA e ainda na violação dos art.º 367.º do CPC e art.º 342 do CC.
IV.E Art.º 120.º n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativo, inexistência do fumus boni iuris”.
V.O tribunal a quo, nos termos dos artigos 118.º n.º 1 e n.º 5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, indeferiu a produção de prova, nomeadamente, os requerimentos probatórios que foram juntos com a providência cautelar.
VI.O requerente requereu a produção de prova testemunhal, pois, na sua petição inicial, indicou e identificou factos concretos e prejuízos dos atos cuja suspensão solicitou.
VII.Com a produção dessa prova testemunhal, o requerente pretendia fazer prova dos factos invocados e dos prejuízos; prova esta que considera imprescindível para se proceder à verificação dos requisitos do “periculum in mora” (artigo n.º 120.º n.º 1 do CPTA), que tem que se verificar cumulativamente com o “fumus boni iuris”.
VIII.Com a presente sentença a produção de prova ficou prejudicada e inviabilizada pelo próprio tribunal a quo.
IX.O tribunal antes da prolação a sentença, deveria a MM.ª Juíza, emitir um despacho fundamentado a indeferir a produção de prova e dar conhecimento do teor do mesmo, às partes para se pronunciar (artigos 118.º n.º 1 e n.º 5 do CPTA); O que não aconteceu.
X. Só depois, de tal procedimento processual, é que poderia então sim, emitir uma sentença.
XI .Contudo, o Tribunal a quo, não emitiu um despacho fundamento nos termos do artigo 118.º n.º 1 e n.º 5 do CPTA, a anteceder a sentença.
XII. Pelo contrário, na própria sentença considerou o seguinte: “...considera-se que a prova documental já constante dos autos e do processo administrativo é suficiente para a apre­ciação da causa, pelo que se decide, nos termos do artigo 118.º n.º 1 e n.º 5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, indeferir os requerimentos probatórios junto aos autos:
XIII.O artigo 118.º n.º 1 e n.º 5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, foi violado.
XIV. Diz-nos o Artigo 118.º: Produção de prova 1 — Juntas as oposições ou decorrido o res­petivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária. 2 — Na falta de oposição, presumem-se verdadeiros os factos invocados pelo requerente. 3 — O juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não sendo admissível a prova pericial. 4 — O requerente não pode oferecer mais de cinco testemunhas para prova dos fundamentos da pretensão cautelar, aplicando -se a mesma limitação aos requeridos que deduzam a mesma oposição. 5 — Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios. 6 — As testemunhas oferecidas são apresentadas pelas partes no dia e no local designados para a inquirição, não havendo adiamento por falta das testemunhas ou dos mandatários. 7 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, e estando a parte impossibilitada de apresentar certa testemunha, pode requerer ao tribunal a sua convocação.”
XV. Da análise deste último artigo, podemos constatar que a decisão de considerar: “que a prova documental ... é suficiente para a apreciação da causa..” deve ser fundamentada(atento o teor do artigo 118.º n.º n 5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
XVI.E tal decisão deve ser precedida imediatamente de um despacho anterior à elaboração da sentença, nos termos e para os efeitos dos artigos n.º 118.º n.º 1, n.º 5 do CPTA.
XVII. No caso em apreço o tribunal a quo, não emitiu um despacho como lhe competia em termos legais.
XVIII.O tribunal a quo, indicou que a prova junta aos autos é suficiente.
XIX.O requerente entende que com os documentos juntos aos autos não são de todo suficientes como prova dos factos concretos que foram indicados na petição inicial.
XX.A produção de prova testemunhal, e até documental (a prova por documentos pode ser feita em qualquer altura do processo, desde que se respeite o vertido no artigo 423.º do CPC, ex vi, art.º 1 do CPTA) é para o requerente de extrema relevância para a descoberta da verdade material e consequentemente boa decisão da causa.
XXI.O tribunal a quo, não poderia dispensar a produção de prova (sem anteriormente à prolação da sentença sem emitir um despacho fundamentado) e a decidir que é suficiente a para a apreciação da causa, atento o disposto no artigo 367.º n.º 1 do CPC, aplicável por força do artigo n.º 1 do CPTA, que confere ao juiz o poder de ordenar oficiosamente as diligencias que considera necessárias ao apuramento dos pressupostos de decretamento das providências cautelares requeridas (art.º118.º n.º 3 do CPTA).
XXII.Com indicação da prova testemunhal por parte do requerente, pretendeu demonstrar o prejuízo de difícil reparação, resultantes dos atos cuja suspensão de eficácia requereu.
XXIII. E o que o facto é que a prova desses prejuízos era, como é, imprescindível para se proceder à análise do requisito do periculum in mora e do fumus boni iuris”. Na análise que ficou impossibilitada por parte do requerente, com a posição assumida pelo Tribunal de primeira instância.
XXIV. Sem a produção desses meios de prova, e não convém esquecer que o ónus da prova, cabe ao requerente (a prova documental e testemunhal foi indicada com a petição inicial), nos termos do artigo 367.º do CPC, art.º 342 do CC ex vi, art.º 1 do CPTA.
XXV.O requerente alegou e indicou determinados prejuízos, pretendendo prová-los com o depoimento das testemunhas indicadas.
XXVI. No entanto tal prova foi “indeferida” pelo tribunal a quo, pois considera que a já junto aos autos suficiente, suficiente para considerara que estava em condições de emitir uma decisão final.
XXVII. Está atitude para além de violar a lei (art.º 118.º n.º 1. n.º 3 e n.º 5 do CPAT) determinou que não se encontrava preenchido o requisito de “fumus boni iuris”, inviabilizando a análise e apreciação dos restantes requisitos do art.º 120.º n.º 1 do CPTA.
XVIII. Ou seja, o tribunal recusa a produção de prova e depois considera que não se verifica o fumus boni iuris, por que o requerente não conseguiu provar.
XXIX. Prova essa da verificação dos requisitos do art.º 120.º n.º 1 do CPAT, que ficaram coartados com a posição do tribunal a quo, de considerar “suficiente” a prova junta aos autos, violando os artigos 118.º n.º 1, n.º 3 2 n.º 5 do CPTA.
XXX. A dispensa da prova influi na boa decisão da causa incorrendo a sentença recorrida na violação do disposto no art.º n.º 2, n.º 3.º, 114.º, n.º3, al. g), e art.º 118 todos do CPTA e ainda na violação dos art.º 367.º do CPC e art.º 342 do CC.
XXXI. Como também, já se pronunciou o TCA Norte, Aresto n.º 276/11.8BEVIS, 2 Sec. Do Cont. tributário, de 12.01.2012, que se transcreve: “ O tribunal a quo só poderia ter dispensado a produção de prova testemunhal se tivesse concluindo que ela era manifestamente impertinente inútil ou desnecessária”.
XXXII. O requerente entende que se encontram preenchidos os pressupostos de concessão da providência cautelar estipulados no artigo 120.º n.º 1 do CPTA.
XXXIII. Sem a produção de prova requerida pelo requerente com a petição inicial, o tribunal a quo - para além de violar a lei - impossibilitou a chance de ao requerente provar em tribunal a verificação cumulativa dos requisitos de que depende uma providência cautelar da suspensão da eficácia do ato.
XXXIV.O que significa que temos uma deficiente instrutória, violando o disposto no artigo 114.º n.º 3 al). g do CPTA.
XXXV. O requerente entende que se encontram preenchidos os requisitos de concessão deste tipo de providências, e tudo de acordo com o explanado nos artigos 13 a 44 da petição inicial.
XXXVI. Mas o tribunal a quo, entendeu “será provável que a pretensão a formular no processo principal venha a ser julgada improcedente, inexistindo assim fumus boni iuris”.
XXXVII. Não podemos deixar de salientar que o tribunal a quo, entende que um dos requisitos de verificação do art.º 120.º n.º1 do CPTA, baseia-se numa probabilidade, “provável”; ora, nenhum tribunal pode fundamentar uma decisão com base em probabilidades essas ficam para matemática.
XXXVIII.O tribunal a quo, tem o dever de fundamentar as suas decisões, sob pena de violar os mais elementares direito e princípios do ordenamento jurídico;
XXXIX.O que não foi o caso em apreço.
XL.O tribunal a quo, com a postura que adaptou sem ouvir a prova testemunhal indicada pelo requerente na petição inicial, entendeu, com base em probabilidades (como descreve na sentença). E não o pode fazer.
XLI.O recorrente não entende como o tribunal a quo, considerou como “inexistente “o requisito do fumus boni iuris, sem apreciar a prova testemunhal indicada pelo requerente; ao considerar que a prova documental é suficiente, impediu o requerente de em audiência de julgamento, demonstrar com a prova testemunhal o preenchimento deste requisito.
XLII. Bem como, o preenchimento do outro requisito- o de difícil reparação de prejuízo sério-
XLIII. Prejuízo, que com ao depoimento das testemunhas indicadas e algumas deles são parceiros de turismo da requerente, coartar a possibilidade de o demonstrar.
XLIV. Deste modo a admissão da prova testemunhal e o seu depoimento mostra-se imprescindível para que se possa proceder à análise, ainda que perfunctória, dos requisitos previstos na alínea a) e b) do art.º 120.º n.º 1 do CPTA.
XLV. Cabe ao requerente alegar os factos concretos e as razões de direito que constituem a causa de pedir da concreta pretensão cautelar que deduza, e que em sua opinião demonstram o preenchimento dos requisitos de que depende a procedência do pedido cautelar formulado, e por conseguinte, a adoção da providência requerida.
XLVI. Recai sobre o requerente o ónus de alegação, não podendo o Tribunal substituir-se ao requerente, a não ser na atendibilidade de factos complementares ou instrumentais que resultem da instrução e bem assim, claro está, daqueles que sejam de seu conhecimento oficioso.
XLVII. Por outro lado, da conjugação do ónus, a cargo do requerente de uma providência cautelar, de no seu requerimento inicial especificar os fundamentos do pedido cautelar, alegando os factos integradores da causa de pedir da concreta pretensão cautelar, nos termos do princípio do dispositivo e do especificamente disposto no artigo 114° n° 3 alínea g) do CPTA, com o efeito cominatório previsto no artigo 118° n° 2 do CPTA de acordo com o qual “na falta de oposição presumem-se verdadeiros os factos invocados pelo requerente”, fazendo corresponder, assim, à falta de impugnação à admissão, por acordo, dos factos alegados, tem que con­siderar-se que as diligências de prova necessárias, à luz do disposto do artigo 118° n° 3 do CPTA hão-de incidir desde logo sobre os factos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem si alvo de impugnação na oposição, e dentro desses os que importem para a decisão da causa em conformidade com os critérios decisórios insertos no artigo 120° do CPTA.
XLVIII.O que foi o caso em apreço, o requerente indicou na sua petição inicial factos concretos e precisos da existência de um direito, do prejuízo sério de difícil reparação (indicou o nome das agências de viagens e parceiros de turismo com quem habitualmente trabalha, indicou que já existam reservas para o ano de 2020- artigos 77 a 78 da pi) e solicitou a produção de prova testemunhal, o eu não foi atendido pelo tribunal a quo.
XLIX. Se cabe ao requerente o ónus da prova dos factos que alega, não pode ser recusada a possibilidade de os provar com vista à demonstração dos pressupostos do art.º 120.º n.º 1 do CPTA.
L.Com está postura, ocorreu uma nulidade processual, decorrente da omissão de ato processual a que devesse houver lugar – produção da prova testemunhal- com influência sobre a decisão da causa (art.º 195.º n° 1 do CPC ex vi art.º 1 do CPTA).

O tribunal a quo, neste termos ao dispensar a produção de prova quando esta se mostra indis­pensável à correta apreciação dos requisitos da providência cautelar, a sentença fez uma incorreta interpretação e aplicação do artigos n.º 2, n.º 3.º, 114.º, n.º3, al. g), e art.º 118 todos do CPTA e ainda na violação dos art.º 367.º do CPC e art.º 342 do CC, impondo a respetiva anulação e a baixa aos autos do TAF do Porto, para se proceder à produção de prova. Acórdão do TCA Sul de 15.09.2011, R.ª 07957/11.
Devendo assim anular-se a sentença, por violação dos artigos 120.º n.º 1 do CPTA, art.º 195 do CPC ex vi art.º 1 do CPTA.
Devendo ser julgado e procedente o recurso e revogando-se assim a sentença recorrida.»

1.6. O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

«A. A douta sentença recorrida, que julgou improcedente a providência cautelar requerida pela ora Recorrente, não é passível de qualquer censura, pelo que o presente recurso deverá ser julgado totalmente improcedente.
B. Como resulta da leitura da sentença recorrida, a providência não foi concedida por não se encontrar verificado o requisito do fumus boni iuris. É que, como evidenciou a douta sentença recorrida, não existe qualquer probabilidade de a acção entretanto já intentada vir a obter provimento, pois um dos atos ali impugnados é inimpugnável, por se tratar de uma mera comunicação), e o outro é irrepreensível, por se tratar de um acto vinculado (dado que quando foi apresentado o pedido de renovação da licença a mesma já tinha caducado - e, nos termos das regras legais aplicáveis, aquele pedido teria de ter sido apresentado com um mínimo de 90 dias de antecedência).
ORA, SURPREENDENTEMENTE,
C.O Recurso interposto pela Recorrente não põe sequer em causa nenhum destes dois juízos (talvez por os mesmos serem inatacáveis).
D. Assim, o primeiro juízo de censura formulado pela Recorrente cinge-se à decisão pela qual a douta sentença recorrida entendeu que não era necessária a produção de prova testemunhal, dado que a prova documental já constante dos autos e do processo administrativo eram suficientes para apreciar a causa.
E. Sucede que, como refere a própria Recorrente no seu recurso, a prova testemunhal tinha sido oferecida para fazer prova dos alegados danos que a Recorrente sofreria caso a providência não fosse decretada. Ou seja, a prova testemunhal foi oferecida para fazer prova do requisito do periculum in mora.
F. Ora, não sendo necessário aferir do preenchimento desse requisito por ser evidente que o requisito do fumus boni iuris não se encontrava preenchido, a audição das testemunhas propostas seria totalmente inútil,
G. Pelo que a decisão, constante da douta sentença recorrida, de indeferir os requerimentos probatórios apresentados pelas partes é inatacável.
H. Com efeito, é a própria lei, in casu, o artigo 118.º, n.º 5, do CPTA, que confere ao juiz o poder de "... recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem",
I. Pelo que é inequívoco que o alegado vício imputado à douta sentença recorrida é totalmente improcedente.
IDÊNTICO JUÍZO,

J. Merece o segundo vício imputado à douta sentença recorrida.
K. Seja ele um vício de falta de fundamentação ou de um alegado erro de julgamento - a leitura das alegações de recurso não permite identificar com clareza qual é precisamente o segundo "vício" que lhe é imputado -,
L.O certo é que o mesmo terá sempre de ser julgado totalmente improcedente.
M. Assim, é por demais evidente que o vício de falta de fundamentação é improcedente.
N. Com efeito, decorre clara e expressamente da douta sentença recorrida que a providência requerida foi rejeitada por não se encontrar preenchido um dos requisitos cujo preenchimento era indispensável ao decretamento da providência - no caso, o requerimento do fumus boni iuris.
O. É que, e tendo a Recorrente indicado que a referida acção visaria a impugnação de dois actos administrativos, a análise dos autos evidencia com clareza que um desses actos é inimpugnável, por mais não ser do que uma mera comunicação, e que o outro acto - o que indeferiu o pedido de renovação de uma licença já caducada - é inatacável...
P. Ou seja, como bem fundamentou a douta sentença recorrida, é de todo improvável que a acção venha a ser julgada improcedente, pelo que não se encontra preenchido um dos requisitos indispensáveis para a concessão da providência.
Q. A douta sentença recorrida não só se encontra devidamente fundamentada, como é irrepreensível, não lhe podendo ser imputado qualquer erro de julgamento.
R.É sintomático, de resto, o facto de a principal censura que a Recorrente imputa à douta sentença recorrida seja a de julgar esta questão com base em probabilidades... Com efeito, sustenta ali o Recorrente, que "...não podemos deixar de salientar que o tribunal a quo, entende que um dos requisitos de verificação do art. 120.º do CPTA, baseia-se numa probabilidade, "provável"; ora, nenhum tribunal pode fundamentar uma decisão com base em probabilidades essas ficam para a matemática" [!|!] - cfr. Conclusão n.º XXXVII das suas alegações de recurso.
S. É evidente, assim, que também este vício tem de ser julgado totalmente improcedente.
SEM PREJUÍZO,
T. Ainda que assim não se considerasse, e se entendesse - o que aqui se admite por mero dever de patrocínio, dado que nem o Recorrente o afirma no seu recurso -, que se encontra preenchido o requisito do fumus boni iuris, o certo é que é manifesto que também não se encontra preenchido o requisito do periculum in mora.
U. Com efeito, nenhum dos danos que a Recorrente alega será atenuado pela concessão da providência ou, sequer, por uma decisão de provimento que venha a ser formulada na acção principal.
V.É que os danos genericamente invocados são resultado da caducidade da licença - e não da comunicação dessa mesma caducidade ou do indeferimento do pedido de renovação da licença,
W. Ao que acresce que a Recorrente, na acção principal, nem sequer pediu que fosse reconhecida a validade de uma qualquer licença ou a condenação ao deferimento do pedido de renovação apresentado,
X. Pelo que os danos ali invocados se continuariam a produzir mesmo que a acção viesse a ser julgada procedente, dado que a Recorrente continuaria a não dispor de qualquer licença que legitimasse o exercício daquela actividade.
Y. Desse modo, a requerida providência teria sempre de ser rejeitada, por não se encontrarem verificados os requisitos de que depende a sua concessão.

TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVERÁ SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE».

1.7.O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu parecer.

1.8. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*

II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso –cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA – e, por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem no âmbito dos recursos de apelação não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Nos presentes autos, a questão que a este tribunal cumpre ajuizar, cifra-se em saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por nela se ter julgado como não verificado o requisito do fumus boni iuris, em violação dos artigos n.º 2, n.º 3.º, 114.º, n.º 3, al. g), e art.º 118 todos do CPTA e ainda na violação dos art.º 367.º e 195.º do CPC e art.º 342 do CC e de erro de julgamento por violação do art.º 120.º, n.º1 do CPTA e 195.º do CPC.
**
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.A DE FACTO

3.1. O Tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
«
1. O alvará de licença de exploração de circuito turístico I/182480/17, com o averbamento n.º I/318418/17/CM_, respeitante à circulação dos comboios turísticos XX-XX-RL e XX-XX-RP, emitido pelo MUNICÍPIO DE (...) em nome de T., Lda. tinha a validade de 2 anos, com início a partir de 3/7/2017 – cf. fls. 1 a 5 do processo administrativo.
2. Em 27/06/2019 R. enviou email a diversos operadores turísticos, entre os quais a Requerente, comunicando, nomeadamente, a alteração da paragem do comboio turístico da Rua (...) para a R. (...) a partir do dia 28/6/2019 e a organização do espaço público a partir do dia 2/07/2019 – cf. fl. intitulada “Anexo” constante do processo administrativo entre a fl. 22 e a 23.
3. Em 13/08/2019 a Requerente solicitou ao Requerido “pedido de renovação do alvará” referido em 1) nos termos constantes de fls. 6 do processo administrativo, que se dá aqui por integralmente reproduzido – cf. fls. 6 do processo administrativo.
4. Foi enviado ofício à Requerente pelo Requerido, datado de 13/08/2019 com o seguinte teor:
“No âmbito do Titulo D-7, Circuitos Turísticos, do Código Regulamentar do MUNICÍPIO DE (...), informamos que a licença titulada pelo alvará de exploração emitida para circuito turístico – comboio se encontra extinta, por decurso de prazo e não ter sido requerida atempadamente a sua renovação, nos termos dos artigos D-7/16.º e D-7/17.º.” – cf. fls. 7 e 8 do processo administrativo.
5. Em 5/9/2019 a Requerente enviou ao Requerido a carta de fls. 9 a 11 do processo administrativo que aqui se dá por integralmente reproduzida e, na qual, em síntese, considera a notificação do ofício de 13/08/2019 imperfeita por falta de elementos factuais, considera que a licença não se encontra extinta, tendo-se renovado automaticamente pelo mesmo período no dia 3/7/2019 e, em reforço de tal posição, chama à colação a alteração de paragem do comboio turístico da Rua (...) para a R. (...) – cf. fls. 9 a 11 do processo administrativo.
6. Por ofício datado de 17/09/2019 o Requerido enviou à Requerente projeto de indeferimento do pedido de renovação de licença de comboio turístico, nos termos constantes de fls. 13 do processo administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzido, constando de tal ofício, nomeadamente, o seguinte:
“Face ao exposto, e uma vez caducada a licença, ela não é suscetível de renovação nem de emissão de guias de pagamento de taxa, conforme é requerido.
No entanto, e atendendo ao período de época alta de turismo na cidade, a Direção Municipal de Mobilidade e Transportes decidiu manter os locais de paragem até ao dia 14 de outubro de 2019, data a partir da qual as mesmas serão retiradas dando-se por cessada a operação de comboios turísticos no MUNICÍPIO DE (...).
(...)
Assim, reiteramos que, uma vez caducada a licença, esta não é suscetível de ser renovada, pelo que deverá a cessação da atividade ocorrer a partir do dia 14 de outubro de 2019.” – cf. fls. 13 a 14 do processo administrativo.
7. Por carta de 3/10/2019, constante de fls. 17 e 18 do processo administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzida, a Requerente respondeu ao ofício referido no n.º anterior, dizendo que a licença se renovou automaticamente em virtude da comunicação extemporânea da caducidade da mesma, conforme artigos 156.º, n.º 1 e 2 al. a) do Código do Procedimento Administrativo, porquanto o Código Regulamentar não contém normas reguladoras da forma e prazo da comunicação das extinções das licenças – cf. fls. 17 e 18 do processo administrativo.
8. Por ofício datado de 14/10/2019, constante de fls. 20 do processo administrativo e que aqui se dá por integralmente reproduzido, o Requerido comunicou à Requerente o indeferimento definitivo do pedido de renovação de licença com os fundamentos constantes da informação anexa, bem como os já constantes da notificação para audiência prévia anteriormente remetida – cf. fls. 20 a 22 do processo administrativo.
9. A Requerente opera circuitos turísticos na cidade de (...) há alguns anos, pelo que, aquando da entrada em vigor do novo regime de circuitos turísticos, lhe foi reconhecido esse estatuto, permitindo-se a emissão de uma nova licença, atribuída pelo prazo de 2 anos e com possibilidade de renovação, nos termos da parte D do Código Regulamentar do MUNICÍPIO DE (...) – cf. acordo.
10. Os comboios turísticos da Requerente circularam na cidade de (...) após 04/07/2019 e, pelo menos, até 13/10/2019.
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Factos não provados:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
*
Motivação:
A factualidade resultou perfunctoriamente provada pela análise do teor dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, de acordo com o indicado em cada um dos números.
Os factos provados n.ºs 9 e 10 resultaram da posição assumida pelas partes nos articulados.»
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III.B.DO DIREITO
3.2. Com a presente providência cautelar a Recorrente pretendia obter a suspensão de eficácia dos atos proferidos pelo Recorrido em 13 de agosto de 2019 e 14 de outubro de 2019, por via dos quais o mesmo decidiu proceder à extinção do alvará exploração para o circuito turístico-comboio relativo aos veículos XX-XX-RL e XX-XX-RP, averbado em nome da requerente.
3.2.1.O TAF do Porto julgou improcedente o pedido de providência cautelar formulado pela Recorrente contra o MUNICÍPIO DE (...) por ter julgado não verificado o requisito do fumus boni iuris.
Ante a factualidade indiciariamente julgada provada nos pontos 1) a 10) dos factos assentes, considerou que «a ação principal a intentar pela Requerente estará votada ao insucesso, porquanto o ato de 13 de agosto de 2019 parece ser uma mera informação, e como tal inimpugnável, e o ato de 14 de outubro de 2019 não parece padecer dos vícios eu lhe foram apontados pelo Requerente, antes parecendo estar conforme com o ordenamento jurídico aplicável.
Em suma, será provável que a pretensão a formular no processo principal venha a ser julgada improcedente, inexistindo assim fumus boni iuris».
3.3. As providências cautelares visam impedir que durante a pendência de qualquer ação principal a situação de facto se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao autor (requerente no processo cautelar), perca toda a sua eficácia ou parte dela. A demora de um processo não deve prejudicar a parte que tem razão, devendo o processo garantir ao autor, quando vencedor, a tutela que ele receberia se a decisão fosse proferida no preciso momento da instauração da lide.
Conforme assinala Manuel Andrade Domingues de Andrade, através do mecanismo próprio dos procedimentos cautelares pretendeu "a lei seguir uma linha média entre dois interesses conflituantes: o de uma justiça pronta, mas com o risco de ser precipitada; e o de uma justiça cauta e ponderada, mas com o risco de ser platónica, por chegar a destempo" Cfr. Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, p. 10. Segundo Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., 1982, p. 624, "convém que a justiça seja pronta; mas, mais do que isso, convém que seja justa. O problema fundamental de política processual consiste exactamente em saber encontrar o equilíbrio razoável entre as duas exigências: a celeridade e a justiça"..
As providências cautelares são, assim, o tipo de medidas que são requeridas e decretadas, tendo em vista acautelar o efeito útil da ação, mediante a composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo ou restaurando a situação de facto necessária à eventual realização efetiva do direito. “Tais medidas visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer ação declarativa (...), a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne uma decisão puramente platónica Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 23 e ss. Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14/03/2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A). .
Já Alberto dos Reis Cfr. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 3, pp. 42 e 45, não obstante o tempo entretanto decorrido, afirmava que
«o traço típico do processo cautelar está, por um lado, na espécie de perigo que ele se propõe conjurar ou na modalidade dano que pretende evitar e, por outro, no meio de que se serve para conseguir o resultado a que visa».
«O perigo especial que o processo cautelar remove é este: periculum in mora, isto é, o perigo resultante da demora a que está sujeito um outro processo (o processo principal) ou, por outras palavras, o perigo derivado do caminho, mais ou menos longo, que o processo principal tem de per­correr até à decisão definitiva, para se dar satisfação à neces­sidade impreterível de justiça, à necessidade de que o julga­mento final ofereça garantias de ponderação e acerto».
«Uma vez que o processo cautelar nasce para ser posto ao serviço dum processo principal, a fim de dar ensejo a que este processo siga o seu curso normal sem o risco da decisão final chegar tarde e ser, por isso, ineficaz, vê-se claramente que a função do processo cautelar é nitidamente instrumental; o processo cautelar é um instrumento apto a assegurar o pleno rendimento do processo definitivo ou principal. Não satisfaz, por isso mesmo, o interesse da justiça; não resolve definitivamente o litígio; limita-se a preparar o terreno, a tomar precauções para que o processo principal possa realizar completamente o seu fim».
3.3.1.O decretamento de providências cautelares, independentemente da sua natureza, encontra-se sujeito aos critérios previstos no n.º 1 e no n.º 2 do art.º 120º do CPTA.
Assim, à luz dos referidos normativos, os requisitos para o decretamento de uma providência cautelar são, cumulativamente, os seguintes:
i) que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora);
ii) que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris); e
iii) que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença se conclua que os danos resultantes da concessão da providência não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências (juízo de ponderação de interesses destinado a aferir a proporcionalidade e a adequação da providência).
3.3.2. Quanto ao periculum in mora, o requisito encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio. Seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis. O fundado receio “há-de corresponder a uma prova, por regra a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar «compreensível ou justificada» a cautela que é solicitada”.
Conforme afirmam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha “deve considerar-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente”. Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA [in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2017, pp. 970-972 (anotação 2. ao art.º 120º).
E como assinala Abrantes Geraldes, o fundado receio a que a lei se refere é o receio (…) apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, volume III, 3ª edição, Almedina, pág. 103.
.
Daí que se quanto ao juízo de probabilidade da existência do direito invocado (fumus boni iuris) se admite que o mesmo possa ser de mera verosimilhança, já quanto aos critérios a atender na apreciação do periculum in mora os mesmos devem obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal requisito visto que a qualificação legal do receio como fundado visa restringir as medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de proteção meramente cautelar com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e ponderação garantidas pelas ações principais. Cfr. Ac. do TCAN, de 14/03/2014, proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A.
3.3.3. Logo, sob o requerente impende o ónus de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objetivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência. Da consideração conjunta do regime prescrito nos artigos 112º, n.º 2, alínea a), 114º, n.º 3, alíneas f) e g), 118º e 120º do CPTA não resulta prevista nenhuma presunção iuris tantum quanto à existência dos aludidos requisitos como mera decorrência da execução dum ato.
Deste modo, o requerente não está desonerado de provar os factos integradores dos referidos pressupostos, para o que deve alegar, de forma concreta, a causa petendi em que fundamenta a sua pretensão cautelar. Cfr. entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14/07/2008 (proc. n.º 0381/08), de 19/11/2008 (proc. n.º 0717/08) e de 22/01/2009 (proc. n.º 06/09); assim como os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 11/02/2011 (proc. n.º 01533/10.6BEBRG), de 08/04/2011 (proc. n.º 01282/10.5BEPRT-A), de 08/06/2012 (proc. n.º 02019/10.4BEPRT-B), de 14/09/2012 (proc. n.º 03712/11.0BEPRT), de 30/11/2012 (proc. n.º 00274/11.1BEMDL-A), de 25/01/2013 (proc. n.º 02253/10.7BEBRG-A), de 25/01/2013 (proc. n.º 01056/12.9BEPRT-A), de 08/02/2013 (proc. n.º 02104/11.5BEBRG), de 17/05/2013 (proc. n.º 01724/12.5BEPRT), de 31/05/2013 (proc. n.º 00019/13.1BEMDL), de 14/03/2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A), de 17/04/2015 (proc. n.º 03175/14.8BEPRT) e de 31/08/2015 (proc. n.º 00370/15.6BECBR).

3.3.4. Quanto ao fumus boni iuris, ou aparência do bom direito, o n.º 1 do art.º 120º do CPTA, exige, para a concessão da providência cautelar, que seja provável que a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no processo principal venha a ser julgada procedente.
Trata-se, portanto, de um juízo positivo, ainda que perfunctório, sobre o bem fundado da alegação que o requerente da tutela cautelar pretende fazer valer no processo principal. Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2014, pág. 477;

Assim, ainda que em termos sumários, o juiz tem o poder e o dever de avaliar a probabilidade da procedência da ação principal, avaliando a existência do direito invocado pelo requerente ou da ilegalidade que ele diz existir, uma vez que a referência do legislador ao fumus visa exprimir que a convicção prima facie do fundamento substancial da pretensão é adequada à decisão cautelar, ao contrário do que se exige na decisão dos processos principais. Cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Justiça Administrativa – Lições”, 15ª edição, Almedina, 2016, pp. 318 e 321.

3.3.5. Na situação vertente, a Recorrente não se conforma com a decisão recorrida pretendendo a sua revogação e substituição por outra que decrete a providência requerida.
Nas suas alegações de recurso a Recorrente afirma que o Tribunal a quo realizou uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, e assaca á decisão: a) Vício de falta de fundamentação decorrente da não produção da prova testemunhal que arrolou, em violação do disposto nos artigos 2.º/3, 114.º/3, al.g) e 118.º do CPTA e ainda dos artigos 367.º do CPC e art.º 342.º do Cód.Civil; b) Violação do disposto no artigo 120.º, n.º1 do CPTA ao julgar não verificado o requisito do fumus boni iuris.
Mas sem razão.

4. Do Vício de Falta de Fundamentação Decorrente da Não Produção da Prova Testemunhal Arrolada: Da Violação do Disposto nos Artigos 2.º/3, 114.º/3, al. g) e 118.º do CPTA e ainda dos Artigos 367.º do CPC e art.º 342.º do Cód. Civil;
4.1.A Recorrente entende que a improcedência da providência cautelar de suspensão de eficácia dos referidos atos se ficou a dever primordial e fundamentalmente ao facto do Tribunal a quo ter dispensado a produção da prova testemunhal que arrolou, o que não só a impediu de provar toda a facticidade que invocou na p.i. para demonstrar o requisito do periculum in mora como essa omissão de produção de prova levou ainda a que o tribunal tivesse decidido incorretamente a não verificação do requisito do fumus bonis iuris ( vide conclusões I a XXXIV, XLVIII, XLIX, L), tendo a não produção de prova testemunhal influído na decisão que veio a ser proferida pelo tribunal recorrido.

4.1.2. Para o efeito, argumenta que antes da prolação da sentença a Meritíssima juiz devia ter emitido um despacho fundamentado a indeferir a produção de prova, dele dando conhecimento às partes, conforme o impõe o artigo 118.º do CPTA, o que não fez, tendo antes considerado, na própria sentença, que a prova documental constante dos autos era suficiente para a apreciação da causa, não tendo, por conseguinte, emitido um despacho fundamentado como lhe competia.
Por outro lado, atento o disposto no artigo 367.º, n.º 1 do CPC e artigo 342.º do Cód. Civil, o Tribunal a quo não podia dispensar a produção de prova testemunhal, uma vez que lhe incumbia fazer a prova dos factos que alegou.
Deste modo, não podia o Tribunal a quo, primeiro, recusar a produção de prova e depois considerar que não se verifica o fumus bonis iuris que a requerente não conseguiu provar por decisão do próprio tribunal.
No caso, a dispensa de prova influiu na boa decisão da causa pelo que a sentença recorrida incorreu na violação dos preditos preceitos legais, impondo-se a baixa dos autos para a produção de prova.
Mas sem qualquer razão.
4.1.3. A decisão recorrida assentou na seguinte fundamentação que passamos a transcrever:
«(…)
Os pressupostos gerais (positivos) de que depende a concessão das providências cautelares são definidos no n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. São eles: o fumus boni iuris e o periculum in mora.
(…)
Ainda que se verifiquem tais requisitos, a providência será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (princípio da proporcionalidade).(…)
Os critérios elencados são de verificação cumulativa, pelo que basta a inexistência de um deles para que não seja possível a atribuição da providência cautelar requerida – cf., designadamente, acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 02782/15.6BEBRG de 20/5/2016.
Analisemos, pois, individualizada e separadamente, cada um dos pressupostos referidos, agora, com referência ao caso concreto.
Do fumus boni iuris
O Requerente entende que os atos impugnados são inválidos porque desconformes às leis aplicáveis, bem como foram violados os princípios da proporcionalidade, justiça e imparcialidade, alegando que e o seu alvará de exploração emitido para circuito turístico-comboio não se encontra extinto, pois após o termo de 02/07/2019 o Requerido permitiu à Requerente circular com os comboios turísticos, de forma livre e sem qualquer tipo de constrangimentos, sendo que em 27 de junho a Chefe de Divisão do Departamento de Planeamento da Mobilidade e Transportes, enviou um email à requerente informando-a de alterações de sentido de circulação do trânsito; mais entende que a sua licença se renovou após a caducidade em virtude de o direito à circulação dos comboios se manter, pelo que a mesma não se extinguiu pelo não exercício durante um determinado período de tempo, como consta na notificação de 14/10, ou seja, entende que as notificações de caducidade são extemporâneas e a licença tem-se por renovada por mais dois anos; mais alega que existe a obrigação da comunicação da caducidade da licença e que lhe não foi comunicada a data de extinção na notificação de 13/08/2019; bem como não existe no Código Regulamentar norma a operar os efeitos da extinção, o que configura uma lacuna.
Invoca o Requerido a não verificação do fumus boni iuris, porquanto os atos administrativos cuja suspensão de eficácia pretende ver decretada são insuscetíveis de qualquer censura, sendo que o “ato administrativo” de 13 de agosto de 2019 não é impugnável, pois não é sequer um ato administrativo pois não contém qualquer decisão, constituindo uma mera comunicação visando apenas advertir a Requerente que o seu título tinha deixado de produzir efeitos (pelo que exercia a sua atividade ilegalmente), pois a licença ao abrigo da qual a Requerente operava já se tinha extinguido, tendo caducado no dia 3 de julho de 2019, sendo que a caducidade opera automaticamente, não carecendo de ser declarada.
Vejamos.
Comecemos por analisar a questão central nos presentes autos, determinar se a licença da Requerente estará extinta ou se poderia ter automaticamente renovado.
Para apreciar tais questões temos de atentar no regime jurídico aplicável ao licenciamento de circuitos turísticos constantes do Código Regulamentar do MUNICÍPIO DE (...), cujas normas relevantes para o caso passamos a transcrever, na redação aplicável:
“Artigo D-7/7.º
Atribuição de Licenças
1 - As licenças de exploração de circuitos turísticos são atribuídas mediante concurso, nos termos definidos na secção seguinte.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, os titulares de licenças emitidas antes da entrada em vigor do presente Título podem requerer, no prazo de 30 dias úteis contados da sua data da entrada em vigor, a emissão de uma nova licença nos termos e condições estabelecidas nos artigos D-7/11.º e seguintes.
(...)
Artigo D-7/14.º
Títulos
1 - A licença de exploração de circuitos turísticos é titulada por alvará, cuja emissão é condição da sua eficácia.
(...)
Artigo D-7/16.º
Prazo da licença
1 - A Licença é atribuída:
a) Pelo prazo de 7 anos, no caso dos veículos com mais de 9 lugares, com exceção dos comboios turísticos;
b) Pelo prazo de 5 anos, no caso de veículos, triciclos ou quadriciclos, com lotação igual ou inferior a 9 lugares e no caso dos comboios turísticos.
2 - As licenças não são renováveis.
3 - O disposto nos números anteriores não é aplicável às licenças emitidas nas situações previstas no n.º 2 do artigo D-7/7.º, sendo estas licenças atribuídas pelo prazo de 2 anos, com possibilidade de renovação desde que cumulativamente:
a) seja apresentado pelo operador requerimento de renovação até 90 dias antes do términus da licença;
b) com o pedido de renovação seja apresentado comprovativo de que a frota reúne os requisitos das normas Euro exigíveis nos termos dos artigos D-7/22.º a D­7/24.º, conforme aplicável;
c) não tenha sido imputado ao operador, durante esse ano civil, qualquer incumprimento, grave ou reiterado, do presente Regulamento; e
d) não tenham sido registadas mais do que 3 indisponibilidades do sinal por ano de licença nos termos previstos no n.º 4 do artigo D-7/20.º, no caso de o operador ter usufruído da redução prevista no n.º 4 do artigo G/19.º.
4 - Comprovadas as condições referidas no número anterior o Município determina a renovação da licença no prazo de 30 dias úteis contados da data da apresentação do requerimento de renovação, correspondendo a falta de pronúncia ao deferimento tácito do pedido.
5 - A renovação das licenças determina a emissão de um novo título e o pagamento das taxas referidas no artigo D-7/15.º.
Artigo D-7/17.º
Extinção das licenças
As licenças extinguem-se:
a) por caducidade, se não for efetuado o pagamento das taxas devidas anualmente dentro do prazo referido no artigo G/26.º;
b) pelo decurso dos prazos referidos no n.º 1 do artigo anterior;
c) pela não renovação das licenças por não se encontrar verificada alguma das condições referidas no n.º 3 do artigo anterior;
d) pelo incumprimento das normas do presente Título;
e) nos termos e com os fundamentos previstos na parte A do CRMP.”.

Resulta dos factos provados o seguinte:
- a Requerente opera circuitos turísticos na cidade de (...) há alguns anos, pelo que, aquando da entrada em vigor do novo regime de circuitos turísticos, lhe foi reconhecido esse estatuto, permitindo-se a emissão de uma nova licença, atribuída pelo prazo de 2 anos e com possibilidade de renovação, nos termos da parte D do Código Regulamentar do MUNICÍPIO DE (...);
- o alvará de licença de exploração de circuito turístico I/182480/17, com o averbamento n.º I/318418/17/CM_, respeitante à circulação dos comboios turísticos XX-XX-RL e XX-XX-RP, emitido pelo MUNICÍPIO DE (...) em nome de T., Lda. tinha a validade de 2 anos, com início a partir de 3/7/2017;
- em 27/06/2019 R. enviou email a diversos operadores turísticos, entre os quais a Requerente, comunicando, nomeadamente, a alteração da paragem do comboio turístico da Rua (...) para a R. (...) a partir do dia 28/6/2019 e a organização do espaço público a partir do dia 2/07/2019;
-em 13/08/2019 a Requerente solicitou ao Requerido pedido de renovação do alvará;
- foi enviado ofício à Requerente pelo Requerido, datado de 13/08/2019 com o seguinte teor: “No âmbito do Titulo D-7, Circuitos Turísticos, do Código Regulamentar do MUNICÍPIO DE (...), informamos que a licença titulada pelo alvará de exploração emitida para circuito turístico – comboio se encontra extinta, por decurso de prazo e não ter sido requerida atempadamente a sua renovação, nos termos dos artigos D-7/16.º e D­7/17.º.”, tendo o pedido de renovação da licença da Requerente sido indeferido dado que uma vez que não foi pedida atempadamente a sua renovação, a mesma se extinguiu;
- no projeto de audiência prévia comunicou-se à Requerente que “atendendo ao período de época alta de turismo na cidade, a Direção Municipal de Mobilidade e Transportes decidiu manter os locais de paragem até ao dia 14 de outubro de 2019, data a partir da qual as mesmas serão retiradas dando-se por cessada a operação de comboios turísticos no MUNICÍPIO DE (...).”;
- os comboios turísticos da Requerente circularam na cidade de (...) após 04/07/2019 e, pelo menos, até 13/10/2019.
Atendendo à factualidade provada e aplicando o regime jurídico acima transcrito resulta o seguinte: a licença/alvará da Requerente era válida de 3/7/2017 a 3/7/2019, podendo ser renovada caso fosse apresentado pela Requerente requerimento de renovação até 90 dias antes do términus da licença, nos termos do artigo D-7/16.º, n.º 3 al. al) do Código Regulamentar do MUNICÍPIO DE (...). Como resulta da factualidade provada, tal pedido de renovação foi apresentado no dia 13/08/2019, ou seja, fora do prazo regulamentarmente previsto. Não tendo sido apresentado tempestivamente, a licença extinguiu-se, nos termos do artigo D-7/17.º, n.º 3, al. c), pela sua não renovação por não se encontrarem verificadas as condições referidas no n.º 3 do artigo D-7/16.º. Tal foi aliás a motivação constante, quer do projeto de audiência prévia, quer do indeferimento do pedido de renovação da licença.
Face ao exposto, o ato de 14 de outubro de 2019 praticado pelo Requerido parece não padecer das ilegalidades que lhe foram assacadas, porquanto parece ser conforme ao regime jurídico aplicável.
Ademais não aparentam ter sido violados os princípios da proporcionalidade, justiça e imparcialidade, porquanto o ato resulta de subsunção direta dos factos à lei, tratando-se de ato vinculado, bem como foi a Requerente alertada para a situação de extinção da sua licença e concedido prazo para a cessação de atividade, atendendo à época alta de turismo.
Por outro lado, não parecem ser aplicáveis ao caso os normativos do CPA invocados pela Requerente (artigo 156.º, n.º 1 e 2 al. a) do Código do Procedimento Administrativo), porquanto não foi nem aparenta poder ter sido praticado qualquer ato com eficácia retroativa. Com efeito, as presentes licenças não são suscetíveis de renovação automática pela mera continuação da atividade, dependendo de pedido de renovação formulado nos termos do regulamento citado supra e da emissão de um novo título (alvará), cuja emissão é condição da sua eficácia, bem como o pagamento das taxas referidas aplicáveis (cf. artigos D-7/14.º, n.º 1 e D-7/16.º, n.ºs 4 e 5 do Código Regulamentar do MUNICÍPIO DE (...)). Mais, um ato com eficácia retroativa neste âmbito e no caso concreto parece pôr em causa direitos ou interesses concorrenciais legalmente protegidos de terceiros, atendendo à situação excecional que motivava o licenciamento da Requerente.
Na verdade, o ato administrativo referente à licença de exploração de circuito turístico respeitante à circulação dos comboios turísticos XX-XX-RL e XX-XX-RP, titulado por alvará, emitido pelo MUNICÍPIO DE (...) em nome de Requerente tinha a validade de 2 anos, com início a partir de 3/7/2017 (cf. facto provado n.º 1), estando por isso o ato dotado duma cláusula que ditava o seu termo inicial e final. Assim, a licença extinguiu-se em 04/07/2019, não sendo passível de renovação, uma vez que o requerimento de renovação apresentado o foi extemporaneamente, quando até já se encontrava extinta a licença.
Embora a Requerente alegue que não existe no Código Regulamentar norma a operar os efeitos da extinção, o que configura uma lacuna, os casos de extinção estão regulados no artigo D-7/17.º, transcrito supra, sendo que, pelo menos, nos casos das alíneas a), b) e c) de tal artigo os efeitos da extinção são imediatos, bastando que para tal se tenha verificado a condição em causa (decurso do prazo fixado). Ou seja, no caso que nos ocupa (alínea c)), não tendo sido pedida a renovação da licença no prazo estipulado no regulamento, a extinção da licença é imediata, não necessitando de ser declarada. No mesmo sentido dispõe o artigo A-2/12.º alínea c) do Código Regulamentar.
Face ao exposto, parece ser claro que o ato de 13/08/2019 se deverá ter por inimpugnável.
Com efeito, resulta do facto provado n.º 4 que o ofício enviado pelo Requerido à Requerente tinha o seguinte teor: “No âmbito do Titulo D-7, Circuitos Turísticos, do Código Regulamentar do MUNICÍPIO DE (...), informamos que a licença titulada pelo alvará de exploração emitida para circuito turístico – comboio se encontra extinta, por decurso de prazo e não ter sido requerida atempadamente a sua renovação, nos termos dos artigos D-7/16.º e D-7/17.º.”.
Conforme resulta do próprio teor do ofício em causa, trata-se de uma informação por parte do Requerido para efeitos de advertir a Requerente que o seu título tinha deixado de produzir efeitos), pois a licença ao abrigo da qual a Requerente operava já se tinha extinguido, tendo caducado no dia 3 de julho de 2019.
Deste modo, e não se tratando de uma decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visasse produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta (pois que tal efeitos ocorreram pela chegada ao termo do prazo da licença/alvará, sem pedido de renovação tempestivo por parte da Requerente), não estamos na presença de um ato administrativo para os efeitos do artigo 148.º do Código de Procedimento Administrativo e 51.º do CPTA, pelo que o mesmo se deverá ter por inimpugnável, porquanto se trata de uma mera informação.
Face a todo o exposto, julgamos que a ação principal a intentar pela Requerente estará votada ao insucesso, porquanto o ato de 13 de agosto de 2019 parece ser uma mera informação, e como tal inimpugnável, e o ato de 14 de outubro de 2019 não parece padecer dos vícios que lhe foram apontados pelo Requerente, antes parecendo estar conforme com o ordenamento jurídico aplicável.
Em suma, será provável que a pretensão a formular no processo principal venha a ser julgada improcedente, inexistindo assim fumus boni iuris.
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Pelo exposto, não estando preenchido um dos pressupostos cumulativos de que depende a tutela cautelar, improcede o peticionado, pois que basta a inexistência de um deles para que não seja possível a atribuição da providência cautelar requerida – cf. designadamente, acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 02782/15.6BEBRG de 20/5/2016.»

4.1.4. A decisão recorrida indeferiu a providência requerida pela Apelante com fundamento na não verificação do requisito do fumus boni iuris, para cujo julgamento era totalmente irrelevante a produção de prova testemunhal, uma vez que todos os factos com relevância para aferir da sua verificação, se encontravam provados documentalmente, conforme resulta atestado do elenco dos factos assentes na decisão recorrida e reforçado pelo facto da Apelante não ter imputado erro de julgamento sobre a matéria de facto apurada.
Acresce notar que a Recorrente não cuidou de identificar um único facto, de entre os que alegou, e por isso de demonstrar, a relevância de factos alegados e dependentes de prova testemunhal, para a decisão a proferir quanto à verificação do requisito do fumus boni iuris, quiçá suscetíveis de inverterem o rumo da decisão sob sindicância.
Na situação vertente, considerando os contornos fáticos da situação e o quadro normativo aplicável, como bem cuidou de elucidar a Meritíssima Juiz a quo na decisão proferida, na qual aduziu uma fundamentação consistente, a não verificação do requisito do fumus boni iuris era por demais evidente, não reclamando a produção de qualquer prova para além da prova documental existente nos autos.
A prova documental junta aos autos, por si só, é bastante para dar a conhecer o conteúdo de ambos os atos, e o respetivo conteúdo é esclarecedor quer quanto à natureza não impugnável de um dos atos, quer quanto aos factos a partir dos quais se pode concluir, como concluiu o tribunal a quo, que o prazo de validade da licença que a autora pretendia ver renovada já tinha expirado quando a mesma formulou pedido nesse sentido, não carecendo de prova testemunhal complementar.
Na situação vertente, a sorte da providência requerida está indelevelmente ditada pelo teor da prova documental e, pelo conteúdo dos próprios atos cuja suspensão de eficácia vem requerida.
Logo, a dispensa de produção da prova testemunhal que foi decidida pela 1.ª instância não afetou a decisão proferida e o despacho proferido não violou qualquer das invocadas disposições legais, sequer constitui nulidade processual nos termos do artigo 195.º do CPC como tal vem arguido pela Recorrente.
Vejamos.

Dispõe o artigo 118.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sob a epígrafe “Produção de prova” que:
«1 - Juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária.
2- Na falta de oposição, presumem-se verdadeiros os factos invocados pelo requerente.
3 - O juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não sendo admissível a prova pericial.
4 - O requerente não pode oferecer mais de cinco testemunhas para prova dos fundamentos da pretensão cautelar, aplicando -se a mesma limitação aos requeridos que deduzam a mesma oposição.
5 - Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.
6 - As testemunhas oferecidas são apresentadas pelas partes no dia e no local designados para a inquirição, não havendo adiamento por falta das testemunhas ou dos mandatários.
7 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, e estando a parte impossibilitada de apresentar certa testemunha, pode requerer ao tribunal a sua convocação.»

O artigo 118.º do CPTA deve entender-se em correspondência com o artigo 367.º do CPC e de acordo com o n.º1 do artigo118.º a produção de prova só tem lugar quando o juiz a considere necessária, o que deve ser entendido em conjugação com os subsequentes n.ºs 3 e 5 . Cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, 2017, 4.ª Ed.m Almedina, pág. 958;
Logo, o juiz pode dispensar a produção de prova testemunhal, como sucedeu no caso em juízo, uma vez que lhe compete aferir da necessidade da sua produção ( n.º1 do artigo 118.º do CPTA).
Para tal, nos termos do n.º5 do artigo 118.º do CPTA, basta-lhe que profira um despacho fundamentado.
Ora, no caso, a Meritíssima juiz a quo cuidou de proceder do modo que a lei processual adjetiva prevê para esses casos, tendo emitido o seguinte despacho: « Não obstante tenha sido requerida a produção de prova, considera-se que a prova documental já constante doa autos e do processo administrativo é suficiente para a apreciação da causa, pelo que se decide, nos termos do artigo 118.º, n.ºs 1 e 5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, indeferir os requerimentos probatórios apresentados pelas partes».
O transcrito despacho está fundamentado em razões suficientes para que se perceba o que levou o julgador a quo a decidir-se pela não produção de prova suplementar para além da que já constava dos autos, elucidando claramente sobre os seus fundamentos.
Fossem quais viessem a ser os factos que da produção de prova suplementar resultassem apurados, os mesmos não teriam qualquer relevância na decisão da providência requerida.
Não é lícito ao Tribunal que promova a realização de diligências desnecessárias, dando azo á prática de atos inúteis no processo (cfr. art. 130.º do Código de Processo Civil (CPC) ex vi do art. 1.º, in fine, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].

Também não assiste razão à Apelante quando pretende que o despacho que prescindiu da produção de prova testemunhal foi proferido em momento processual indevido uma vez que teve lugar imediatamente antes da prolação da sentença, não se tendo assim cumprido o contraditório.
Note-se que estamos em presença de um processo cautelar. Tais processos são por natureza processos urgentes, que se caracterizam por uma tramitação sumária e expedita, destinada a garantir a sua celeridade, pelo que, nestes processos, o despacho de indeferimento de prova será produzido «juntamente com a decisão sobre a providência cautelar ou dentro do prazo previsto para a prolação dessa decisão, pelo que a matéria atinente à insuficiência de prova ( decorrente do indeferimento do requerimento probatório) constituirá fundamento de recurso contra a própria decisão final. Cfr. ob. cit., nota 1186, pág. 962;

Assim sendo, nenhuma razão assiste à Apelante quando pretende que foi violado o princípio do contraditório com a emissão do referido despacho em momento imediatamente antecedente á prolação da sentença.

Por fim, também não divisamos que tenha sido cometida qualquer nulidade nos termos e para efeitos do artigo 195.º do CPC.

Prescreve o artigo 195.º do CPC que “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”

Na situação vertente, em face das considerações que antecedem, a Meritíssima Juiz
a quo ao ter dispensado a produção de prova testemunhal por considerar que a prova documental já constante dos autos e do processo administrativo é suficiente não praticou nenhum ato que a lei não admitisse, pelo que não incorreu o Tribunal a quo em nenhuma nulidade processual.

Termos em que se impõe julgar improcedentes os apontados fundamentos de recurso.

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5. Da Violação do Artigo 120.º, n.º 1 do CPTA
5.1. A Recorrente dirige expressamente, contra a decisão recorrida, a critica de que a mesma violou o artigo 120.º, n.º1 do CPTA, afirmando que o Tribunal a quo errou ao julgar não verificado o requisito do fumus boni iuris.
Porém, lidas as respetivas conclusões, não se consegue apreender um único fundamento concreto que consubstancie o erro em que afirma ter incorrido a decisão sob sindicância.
A Apelante limita-se a afirmar que assim é porque em sua opinião se encontram preenchidos os pressupostos de concessão da providência cautelar estipulados no artigo 120.º, n.º1 do CPTA. E acrescenta que nenhum tribunal pode fundamentar uma decisão com base em probabilidades porque «essas ficam para a matemática», tendo o dever de fundamentar as suas decisões, o que não sucede no caso, mas voltando a argumentar com o facto de não entender como pode o tribunal a quo dar como não verificado este requisito sem apreciar a prova testemunhal indicada pelo mesmo e considerar suficiente a prova documental.
Ora, em tal alegação é patente a falta de argumentos do Apelante para substanciar o erro de julgamento em que diz ter incorrido o tribunal a quo ao dar como não verificado o requisito do fumus boni iuris.
O Apelante não avança com um único facto/ argumento que seja para abalar a decisão do tribunal a quo quanto à consideração dos atos cuja suspensão de efeitos pretendia obter, como sendo, um deles inimpugnável- o datado de 13 de agosto- e o outro como nada provável de vir a ser anulado em sede de ação principal, como foi julgado pelo tribunal a quo, o que se subscreve, uma vez que tratando-se de um ato cujo prazo de validade expirou e tendo o pedido de renovação sido apresentado em momento posterior- mais de um mês após a caducidade- já não podia o mesmo ser renovado, tanto mais que o pedido de renovação tinha de ser apresentado com uma antecedência mínima de 90 dias, nos termos previstos na al.a) do n.º3 do artigo D-7/16, do Código Regulamentar do MUNICÍPIO DE (...).

Termos em que sem necessidade de mais delongas, se impõem julgar improcedentes todos os apontados fundamentos de recurso.


IV- DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Apelante- artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC.

Registe e notifique.

Porto, 30 de abril de 2020.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro