Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02066/17.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/25/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:INTEMPESTIVIDADE.
CONTEÚDO ESSENCIAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL.
Sumário:
I - O “conteúdo essencial de um direito fundamental” previsto no art.º 161º, n.º 2, d), do vigente CPA reporta-se ao núcleo duro de um direito, liberdade e garantia ou análogo, à ofensa chocante e grave de um princípio estruturante do Estado de Direito ou de outro direito fundamental suficientemente densificado na lei ordinária.
Recorrente:AA
Recorrido 1:Ministério da Defesa Nacional – Exército Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
AA (Rua ..., ... Porto), na presente acção administrativa intentada no TAF ... contra “Ministério da Defesa Nacional – Exército Português” (Rua ... ...), interpõe recurso jurisdicional de decisão que o julgou “procedente a exceção de intempestividade da prática do ato processual e, em consequência, absolvo a Entidade Demandada da instância”.
Conclui:

A)Mal andou o tribunal «a quo» ao julgar procedente a exceção de caducidade da presente ação, por intempestividade da prática do ato.

B)O tribunal «a quo» não se pronunciou sobre as questões suscitadas nos autos pelo recorrente, nomeadamente a que tem a ver com o exame médico por si requerido, por nova Junta Médica.

C)A matéria de apreciação dos autos não pode restringir-se apenas à questão de exceção da caducidade da propositura da ação, dada a relevância que assume o ato de recusa de acesso a nova junta médica, enquanto ato inquinado de vício gerador de nulidade.

D) Ao caso específico do recorrente não se aplica apenas o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 58º do C.P.T.A..

E) À situação do recorrente é aplicável a alínea c) do nº 3 do artigo 58º do C.P.T.A., podendo a acção ser intentada no prazo ali referido.

F) Sendo o recorrente portador de profundas e irreversíveis sequelas do foro psiquiátrico, não lhe é exigível que atue de acordo com o que seria de esperar a um cidadão normalmente diligente.

G)O seu estado de saúde condicionou a obtenção, em tempo útil, de todos os elementos necessários à instrução da acção.

H) A ambiguidade do quadro normativo aplicável ao seu caso, por um lado, e as dificuldades de se considerar se era um ato nulo ou anulável, por outro, mercê da recusa de novo exame médico pela junta de recurso, contribuíram para que a ação desse entrada em 15/09/2017, para além do prazo de três meses, mas sempre dentro do prazo de um ano aplicável “in casu”.

I) A interpretação restritiva da aplicação do artigo 58º, nº 1, b) do C.P.T.A. feita pelo tribunal «a quo» constitui uma autêntica negação do acesso ao direito por parte do recorrente, em manifesta violação ao artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, cuja inconstitucionalidade aqui se invoca para todos os efeitos.

J) Essa interpretação conduz a que o conteúdo da mencionada alínea c) do nº 3 do artigo 58º tenha um alcance praticamente nulo, o que não se compagina com o seu sentido e a sua “ratio legis”.

K) A posição perfilhada pelo tribunal «a quo» traduz uma dualidade de critérios, consubstanciada num desequilíbrio entre o recorrente e a administração pública, que viola o princípio da igualdade, previsto no artigo 13º da C.R.P..

L)No caso concreto do recorrente, por se tratar de um doente do foro psiquiátrico e oncológico, e que sofreu um transtorno neurótico grave, provocado pelo “stress” de guerra a que foi sujeito durante a sua comissão de serviço, é subsumível ao disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 58º do C.P.T.A..

M)Ao recorrente, por força do seu estado de manifesta falta de saúde, não lhe era exigível a apresentação da petição num prazo de 3 meses, beneficiando da extensão do prazo de entrega da sua petição, previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo 58º do C.P.T.A...

N)A douta sentença, ora recorrida, ignorou o facto de o recorrente ter pedido a sua submissão a novo exame médico, por junta médica de recurso.

O)A recusa do pedido do recorrente de ser submetido a novo exame médico por junta médica de recurso, constitui uma manifesta violação aos princípios constitucionais previstos nos artigos 13º, 22º, 26º, 64º, e 266º da C.R.P., ex-vi do artigo 161º, 1º do C.P.A..

P)O que, por força dessa violação de um direito fundamental, acarreta a nulidade de todos os atos posteriores à data da notificação que lhe foi efetuada para efeitos do disposto nos artigos 121º e seguintes do C.P.A..

Q)O Tribunal «a quo» ao entender que o ato de recusa não consubstancia qualquer nulidade, desvalorizou gravemente um princípio essencial que é o direito à saúde, consagrado no artigo 64º da C.R.P..

R)Tal princípio, tão caro e fundamental a qualquer cidadão, não se compadece com a interpretação literal e simplista do Tribunal «a quo» que considerou não existir, no caso dos autos, violação do “conteúdo essencial” ou o «núcleo duro» de um direito fundamental.

S)Na verdade, e ao invés do que se pretende demonstrar na douta sentença recorrida, o acesso do recorrente a uma junta médica tem a ver com uma questão de saúde, ou seja, tem a ver com a necessidade de obter o diagnóstico médico necessário para que possa continuar a “lutar” pelo seu estatuto de deficiente das forças armadas.

T)Não reconhecer a pretensão do recorrente, na medida em que se configura como um direito à saúde, é manifestamente inaceitável e viola flagrantemente um princípio de ordem constitucional tão caro à sociedade.

U)Ademais, ao ser-lhe negado o acesso a novo exame a realizar por junta médica de recurso, todo o processo ficou desde logo inquinado e acabou por ter influência no desfecho do mesmo.

V)Todos os atos praticados posteriormente à notificação ao recorrente do parecer nº456/2016, para exercer a audiência prévia, são nulos.

W)A impugnação da recusa proferida quanto ao pedido de nova junta médica, constante da parte final do parecer 74/2017, onde foi exarado o despacho que não qualificou o recorrente como deficiente das Forças Armadas, não está sujeita a prazo (artigo 58º nº 1 do C.P.T.A.).

X)Desse modo, a acção entrou em juízo tempestivamente.

Y)Ao decidir como decidiu a douta sentença violou, entre outros, o artigo 58º, n.º 1 alínea c) e nº 3 ambos do C.P.T.A., o artigo 121º e seguintes do C.P.A, os artigos 13º, 22º, 26º, 64º, e 266º da C.R.P., ex-vi do artigo 161º, 1º do C.P.A..
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Sem contra-alegações.
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O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art.º 146º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer, concluindo que «O recurso deve ser julgado improcedente».
Respondido.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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Os factos, fixados como provados pelo tribunal “a quo”:
1. O Autor, ex-2.º Sargento NIM ..., apresentou requerimento para qualificação como deficiente das Forças Armadas. – cfr. processo administrativo (PA) apenso aos presentes autos;
2. Em 16/03/2017, no âmbito do procedimento administrativo aludido supra, o Departamento de Assessoria Jurídica e Contencioso do Ministério da Defesa Nacional – Exército emitiu o Parecer n.º 74/2017, no sentido de: “(…) não deve ser qualificado como deficiente das Forças Armadas, por não reunir os requisitos exigidos nos n.ºs 2 e 3, do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro. (…)”. cfr. Parecer constante do documento n.º 1 junto à petição inicial (p.i.) e a fls. 238-257 do PA apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
3. Em 27/04/2017, foi exarado no Parecer aludido supra o seguinte despacho:
“1. Concordo.
2. Com os fundamentos do presente parecer e no uso da competência que me foi delegada pelo despacho n.º ...16, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 87, de 5 de maio de 2016, não qualifico o ex-2.º sargento NIM ... AA, como deficiente das Forças armadas, porquanto não preenche os requisitos cumulativos exigidos para esse efeito pelo Decreto-lei n.º 43/76, de 20 de janeiro.” cfr. Despacho constante do documento n.º 1 junto à p.i. e a fls. 238-257 do PA apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
4. Através de ofício n.º ...51, datado de 08/05/2017, remetido por carta registada com aviso de receção – registo dos CTT ... – foi levado ao conhecimento do Autor o despacho referido em 3) supra. cfr. documento n.º 1 junto à p.i. e fls. 235-237 do PA apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
5. Em 09/05/2017, o Autor tomou conhecimento do despacho referido em 3) supra. – cfr. data e assinatura apostas no aviso de receção a fls. 236 do PA apenso;
6. Em 06/06/2017, o Autor apresentou requerimento de proteção jurídica, na modalidade de apoio judiciário para efeitos de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, que mereceu decisão de deferimento. – cfr. comprovativo de concessão de apoio judiciário junto à p.i.;
7. Em 15/09/2017, o Autor intentou a presente ação administrativa. – cfr. data da mensagem de correio eletrónico através da qual o articulado inicial foi remetido a este Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto junta a fls. 1 dos autos;
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A apelação.
O autor peticionou na acção que fosse:
a) Anulado o despacho de 27 de Abril de 2017proferido pelo Exmo. Senhor Chefe do Estado-Maior do Exército que indeferiu a pretensão do Autor; e
b) Proferida decisão que qualifique o Autor como deficiente das forças armadas.
A entidade demandada foi absolvida da instância por “intempestividade da prática do ato processual”.
Ao concluir pela intempestividade da acção, naturalmente que ao tribunal “a quo” estava vedado pronunciar-se em mérito, mormente “sobre as questões suscitadas nos autos pelo recorrente, nomeadamente a que tem a ver com o exame médico por si requerido, por nova Junta Médica.”.
Como se escreve em Ac. deste TCAN, de 19-02-2021, proc. n.º 523/20.5BEAVR, lembrando pretérito «aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 25.02.2011, tirado no processo nº. 2382/07.4BEPRT:
“(…) o princípio do acesso ao direito, e da tutela jurisdicional efetiva, não se traduz numa abertura da via judicial a todo o custo.
Tais princípios, com assento constitucional [artigos 20º e 268º nºs 3, 4 e 5, CRP], exigem que a todos esteja aberta a via judicial, para defender as pretensões legítimas e ver reconhecidos os seus direitos, e que o Estado, que tem o monopólio da administração da Justiça, forneça aos cidadãos, dela carentes, todos os meios necessários para a poderem efetivar, ou seja, para poderem obter a tutela pretendida.
Como corolário destes princípios, o legislador exige, e bem, que as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas [artigo 7º do CPTA]. O que não impõe, nem o legislador ordinário nem o constitucional, é que a tutela jurisdicional efetiva tenha de ser feita a todo o custo, passando por cima das normas processuais, nomeadamente das normas sobre a caducidade da ação. Aliás, se as criou, se existem, é para serem respeitadas, sem que isso signifique coartar aqueles princípios, uma vez que o acesso ao direito e a tutela efetiva está assegurada dentro dos limites da legalidade, e não apesar deles.».
O tribunal “a quo” julgou a acção sujeita ao prazo de três meses, nos termos do artigo 58º, n.º 1, alínea b), do CPTA, conquanto o único desvalor do acto impugnado reconhecível na causa seria o da anulabilidade.
Não acolheu a alegação do autor, que perspectivou o acto eivado de vício gerador de nulidade, por violação dos princípios fundamentais previstos nos artigos 13º, 22º, 26º, 64º e 266º da Constituição da República Portuguesa; isto já em resposta à contestação, uma vez que no seu articulado inicial havia concluído “que o acto administrativo praticado deverá ser anulado, ao abrigo do disposto no artigo 163° do C.P.A., sob pena de violação, nomeadamente, dos princípios da legalidade (artigo 3/1 do CPA), da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos (artigo 4° CPA), e da igualdade (artigo 6° CPA).” (art.º 68º da p. i.).
O tribunal “a quo” apontou que “Ao contrário daquele que parece ser o entendimento do Autor, não é só porque se invoca a violação de preceitos constitucionais que determinado ato administrativo passa, em abstrato, a poder padecer de vício gerador de nulidade.
O desvalor de nulidade previsto no artigo 161º, n.º 2, alínea d) do Código de Procedimento Administrativo tem caráter excecional e, para o que ora releva, encontra-se circunscrito aos atos administrativos que ofendam o “conteúdo essencial” de um direito fundamental.
Os normativos fundamentais invocados pelo Autor respeitam aos princípios da igualdade (artigo 13º da CRP), responsabilidade das entidades públicas (artigo 22º da CRP), outros direitos pessoais (artigo 26º da CRP), saúde (artigo 64º da CRP) e princípios fundamentais da Administração Pública (artigo 266º da CRP).
Ora, para além de nem todos estes princípios se encontrarem inseridos em torno dos direitos, liberdades e garantias previstos no Título II, da parte I da CRP, como ocorre com a sua maioria, também, não se alcança de que forma é que a alegada recusa no acesso a nova junta médica pode consubstanciar a violação do “conteúdo essencial” ou o “núcleo duro” de um direito fundamental.
O Autor limita-se a citar, de forma genérica, os aludidos princípios fundamentais, sem sustentar qualquer alegação fática suscetível de ser subsumível a uma eventual violação do “conteúdo essencial” de um direito fundamental, incumprindo, pois, o ónus de alegação minimamente consistente que sobre si impende.
Assim, porque nenhuma das invalidadas apontadas pelo Autor (vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito) são suscetíveis de, a proceder, gerarem a nulidade do ato impugnado, por apenas serem indutoras da sua anulabilidade, nos termos do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo, dispunha o mesmo do prazo de três meses para intentar a presente ação, nos termos do artigo 58º, n.º 1, alínea b), aplicável, ex vi, do artigo 69º, n.º 2 do CPTA.”.
Vejamos.
“Os recursos, como é sabido, são o meio normal de se obter a anulação ou a revogação de uma sentença ferida por vício substancial ou por um erro de julgamento e, porque assim, cabe ao discordante indicar os "fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão" (art.º 690, n.º 1 do CPC). O que significa estar o recorrente obrigado a especificar as razões do desacerto do julgado por forma a convencer o Tribunal ad quem que a decisão recorrida está inquinada pelos erros e/ou pelas ilegalidades invocadas e que tal determina a sua revogação ou declaração de nulidade” (Ac. do STA, Pleno, de 19-03-2009, proc. n.º 0867/06).
No seu recurso o autor pouco mais acrescenta a um reiterar de posição, dando apenas mais inciso quanto a suposta violação do seu direito à saúde, em ordem a extrair uma invalidação por nulidade.
Mas não emerge erro de julgamento.
Mantém-se actual, agora por referência ao art.º 161º, n.º 2, d), do vigente CPA, que «Quando no art. 133º, nº 2, alínea d), do CPA, conjugado com o nº 1 do mesmo preceito, refere que são nulos os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, por direitos fundamentais, para estes efeitos, devem considerar-se apenas os direitos, liberdades e garantias (quer os do Título II da Parte I da CRP, quer os direitos análogos a estes, nos termos do art.17º CRP) e não os direitos económicos, sociais e culturais na sua dimensão de direitos a prestações.» (Ac. do STA, de 02-10-2014, proc. n.º 0628/14); só uma desconformidade flagrante - ultrapassando a sua indeterminabilidade constitucional e a inerente liberdade político-legislativa do legislador ordinário na conformação da sua regulamentação - concederá ver ofensa de conteúdo essencial; «O “conteúdo essencial de um direito fundamental” previsto no artigo 133.º, nº 2, alínea d), do CPA reporta-se ao núcleo duro de um direito, liberdade e garantia ou análogo, à ofensa chocante e grave de um princípio estruturante do Estado de Direito ou de outro direito fundamental suficientemente densificado na lei ordinária.» (Ac. deste TCAN, de 08-01-2016, proc. nº 01665/10.0BEBRG)» (Ac. deste TCAN, de 23-06-2017, proc. n.º 00284/14.7BEBRG).
Nada na causa do autor suporta que seja o caso.
Nem sequer por referência ao direito à saúde, em qualquer das suas múltiplas facetas, e seja enquanto por referência a um Estado-prestador, com a adopção de condutas activas no sentido da sua promoção, prevenção, e do combate à doença, seja na «dimensão negativa» do direito à saúde, que não é obstaculizado pelo acto impugnado.
O tribunal “a quo” observou também (além do mais agora fora de censura), “não ser possível a aplicação aos presentes autos da extensão do prazo prevista no artigo 58º, n.º 3, alíneas b) e c) do CPTA, como peticionado pelo Autor.
Conforme resulta do citado artigo 58º, n.º 3, alínea b): “A impugnação é admitida, para além do prazo previsto na alínea b) do n.º 1:
b) No prazo de três meses, contado da data da cessação do erro, quando se demonstre, com respeito pelo contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, em virtude de a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro; ou”.
Para a aplicação desta extensão do prazo é necessário um juízo sobre a não exigência de apresentação tempestiva da ação a um cidadão normalmente diligente, em virtude de a Administração o ter induzido em erro.
Ora, no caso em apreço, o Autor sabia que havia requerido a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas e não podia ignorar que sobre esse pedido seria emitida uma pronúncia.
A pronúncia que requereu encontra-se espelhada no Parecer n.º 74/2017, mostrando-se facilmente percetível ao homem médio o sentido da decisão nele exarado de “não qualifico o ex-2.º Sargento NIM ... (…) como deficiente das Forças armadas (…)”, ou seja, que sobre a sua pretensão foi emitida decisão de indeferimento.
A fácil leitura e interpretação do sentido da decisão não deixa margem para dúvidas para a sua compreensão e perceção de que havia sido emitido uma decisão de indeferimento sobre a sua pretensão de qualificação como deficiente das Forças armadas.
A clareza da decisão em causa não admite a existência de qualquer erro induzido pela Administração que justifique a intempestividade da ação.
Ao que acresce dizer não se alcançar a persistência de qualquer ambiguidade do quadro normativo aplicável, ou dificuldade na identificação do ato impugnado, o que, aliás, sequer foi invocado pelo Autor (artigo 58º, n.º 3, alínea c) do CPTA).
E a circunstância de padecer de doença, por si só, não se consubstancia como causa legitimadora do regime de flexibilização ou extensão do prazo de impugnação previsto no artigo 58º, n.º 3 do CPTA.”.
Feitas contas, e sob pressuposto de ser o prazo de três meses o que deveria ter sido observado, o tribunal “a quo” chegou à conclusão tirada.
Tendo em consideração, como devia, o ato proferido pelo Chefe do Estado-Maior do Exército, datado de 27/04/2017, que indeferiu a sua pretensão de qualificação como deficiente das Forças Armadas (DFA); esse o acto sindicado na presente demanda, do qual o Autor tomou conhecimento em 09/05/2017 (5. do probatório); ao qual por sua referência desfila a questão de extemporaneidade decidida e sob recurso, e não por referência a outro (e outra menção de extemporaneidade a que o recorrente alude em resposta à contestação e resposta ao parecer dado nesta instância).
Quanto a essa operação de cômputo, o recurso censura que não tenha sido levado em conta o disposto nas duas hipóteses consagradas no art.º 58º, n.º 3, alíneas b) e c), que admitem a impugnação para além do prazo previsto no n.º 1 do mesmo artigo:
b) No prazo de três meses, contado da data da cessação do erro, quando se demonstre, com respeito pelo contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, em virtude de a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro; ou
c) Quando, não tendo ainda decorrido um ano sobre a data da prática do ato ou da sua publicação, quando obrigatória, o atraso deva ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do ato impugnável, ou à sua qualificação como ato administrativo ou como norma.
Mas nenhum destes casos se verifica.
Em procura de benefício da primeira hipótese, o recorrente alega a modos de, no seu ver, colocar em causa a exigibilidade face ao padrão de “um cidadão normalmente diligente”. Nem sequer será necessário ajuizar sobre se, neste específico ponto, o faz com hábil valia. É que, de todo em todo, lhe falta outra proposição de nexo. Pois em nada identifica qual conduta que possa ter induzido em erro. Com o que não resulta qualquer interpretação restritiva, antes a desprovida razão do autor é que não vai de encontro a todas as exigências normativamente consagradas.
Relativamente à segunda hipótese, em nada o recorrente verte razão em torno da “identificação do ato impugnável, ou à sua qualificação como ato administrativo ou como norma”, apenas convoca a “ambiguidade do quadro normativo aplicável”. Mas gratuitamente, sem minimamente consubstanciar essa ambiguidade.
Assim, num ou noutro caso, sem razão.
Sem qualquer dualidade de critérios; queixa que suporia que a entidade demandada estivesse provida de outro critério para mesma acção, o que não acontece; só ao interessado na impugnação os agora convocados critérios servem, e de igual modo, como é característico das normas, gerais e abstractas, a todos os seus destinatários; não a quem o não é.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente (sem prejuízo do apoio judiciário).
Porto, 25 de Novembro de 2022.
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa