Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00776/16.3BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/30/2022
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA; PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, INQUISITÓRIO E IGUALDADE DE ARMAS; FACTURAS FALSAS;
ÔNUS DA PROVA INDÍCIOS, FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I. A nulidade por omissão de pronúncia, prevista na al. d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, não se verifica quando a sentença aprecia todas as questões suscitadas, directamente ou por remissão para outras decisões ou doutrina, embora não tenha em conta todos os argumentos apresentados pelas partes.

II. Nulidade por falta de fundamentação da sentença só se verifica perante a falta absoluta de fundamentação, dela se subtraindo as situações de fundamentação insuficiente, medíocre ou errada, quer a nível factual, quer jurídico.

III. Da transcrição parcial de Relatórios Finais de inspecções realizadas aos emitentes das facturas para o Relatório Final da Impugnante não decorre a violação do princípio do contraditório e da igualdade de armas.

IV. Não cumpre a Recorrente o ónus de impugnação da decisão da matéria de facto imposto pela al. b), do nº1, do artigo 640º, do CPC, quando se limita a impugnar factos sem a concreta especificação dos meios probatórios e análise crítica dos mesmos.

V. Administração Fiscal tem o ónus de provar a factualidade que a levou a desconsiderar um custo, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte.

VI. Logrando a administração Tributária demonstrar os factos-índice em que se baseia para afirmar que as operações tituladas pelas faturas não correspondem a verdadeiras e reais transações comerciais, passa a impender sobre o contribuinte o ónus da prova da efectiva realização dessas operações materiais.

VII, As operações simuladas não podem ser valoradas em sede de IRC como variação patrimonial negativa para o resultado do exercício, nem como custos para a manutenção da fonte produtora.*
* Sumário elaborado pela relatora
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

1.1. A..., Lda. (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro datada de 23 de setembro de 2020, pela qual foram julgados totalmente improcedentes as impugnações judiciais deduzidas contra as liquidações adicionais de IRC dos anos de 2013 (decorrente da apensação do processo n.º 778/16.0BEAVR) e 2014, e respectivos juros compensatórios, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1. Falta de pronuncia sobre as alegações produzidas pela recorrente nos termos do artigo 120º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
2. O Juiz do Tribunal a quo deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido á sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, sob pena de, não o fazendo, a Sentença ficar ferida de nulidade (artigo 125º do C.P.P.T. e 660º, nº 2 e 645º, nº 1, alínea d) do C.P.C.).
3. E isto, porque o Tribunal a quo deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer (artigos 99º da Lei Geral Tributária e artigo 13º do C.P.P.T.).
4. O Meritíssimo Juiz “a quo” incorreu em erro de julgamento e não apreciou todas as questões postas em crise pela impugnante, ora recorrente, e aquelas que apreciou, fê-lo, salvo o devido respeito, de forma não fundamentada, sem conseguir dar respostas através dos factos e fundamentos de direito, o que só por si conduz ao vicio da nulidade da sentença recorrida.
5. O Juiz do Tribunal a quo considerou como provados os factos constantes no Ponto A. B. C. D. E. F. G. H. I. J.) da Matéria de facto dada como provada, página 4 a 51 da Douta Sentença recorrida considerando como verdadeiro tudo o que vem alegado no Relatório Final da Inspeção Tributária (Ponto D).
6. E, relativamente aos fornecedores que emitiram as faturas postas em causa, o Juiz do Tribunal a quo também considerou como provado tudo o que é dito pelo Senhor Inspetor Tributário em relação a eles, designadamente, no Ponto D, páginas 4 a 51. Contudo, no Relatório Final da Autoridade Tributária e Aduaneira elaborado á Impugnante, apenas constam excertos do alegado Relatório elaborados aos referidos fornecedores, contudo tais documentos, ou seja, os Relatórios dos emitentes em causa não foram juntos ao Relatório Final da Impugnante, nem ao Processo Administrativo (PA), pelo que nada do que consta dos mesmos pode servir de prova para o que quer que seja, pois consubstanciam prova inexistente nestes autos, pelo que o Ponto D, páginas 4 a 51 da Douta Sentença, nunca poderia ser considerado provado, porque subjacente a prova inexistente nestes autos.
7. O Tribunal a quo considerou provado os Ponto D. da Fundamentação Fáctica, páginas 4 a 51 da Douta Sentença recorrida, fazendo apenas um “copy past” de “partes” das páginas do Relatório da Inspeção Tributária.
8. Conforme se verifica das páginas 4 e 42 do Relatório Final da Impugnante, a verdade é que a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou como correcto o volume de negócios declarado nos exercícios de 2013 e 2014, nos valores de 585.866,57 € e 755.039,26 €.
9. E, como se verifica da página 4 do Relatório Final, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou como custo das mercadorias e das matérias primas consumidas, nos exercícios de 2013 e 2014, os valores de 545.881,92 € e 672.157,76 €, indispensáveis a comprovar a sua indispensabilidade e o nexo causal com os ganhos sujeitos a imposto de IRC.
10. E, nesta conformidade, é notório que a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez prova que a Impugnante, aqui recorrente, não tenha comprado e vendido as mercadorias a que se referem as faturas que reputou de falsas (artigo 74º, nº 1 da L.G.T.).
11. No caso sub judice, a Autoridade Tributária e Aduaneira não demonstra a falta de correspondência entre o teor da declaração Modelo 22 suportada com base na contabilidade e a realidade económica da Firma, uma vez que a Inspeção Tributária não procedeu à inventariação das existências com referência ao ano de 2013 e 2014.
12. Pelo que, nos termos do nº 1 do artigo 75º da Lei Geral Tributária, todo o conteúdo das declarações suportadas com base na contabilidade da Impugnante é verdadeiro, e nos termos da lei, gozam de presunção de verdade que não foi ilidida.
13. Aliás, como é possível a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitar o volume de negócios declarado no exercício de 2013 e 2014, se as compras não fossem verdadeiras?
14. Pelo que, é evidente que no caso sub judice a Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpriu o seu ónus probatório imposto por lei, e o Juiz do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, pois a prova documental existente nos autos comprova a existência de relações comerciais entre a Impugnante e os seus fornecedores, não tendo sido ilidida a presunção de verdade da contabilidade, pelo que a decisão do Juiz do Tribunal a quo só podia ter sido de anulação das liquidações adicionais de IRC impugnadas, ano de 2013 e 2014.
15. Perante o que, se conclui que a decisão recorrida não indica com clareza e congruência, os elementos de facto e de direito que determinaram as liquidações adicionais de IRC impugnadas relativas ao ano de 2013 e 2014. Até porque, como demonstra o Relatório da Inspeção Tributária, não foi realizado pelo Inspetor Tributário o controlo da produção com referência aos anos de 2013 e 2014.
16. As aquisições de bens tituladas pelas faturas em causa foram relevadas na contabilidade da impugnante, estão corretamente documentadas e pagas e gozam da presunção de verdade, pelo que deveriam ter sido consideradas provadas pelo Juiz do Tribunal a quo, pois resultam notoriamente provados pela prova documental exaustiva junta aos autos pela própria Inspeção Tributária no Relatório Final e seus Anexos (Faturas, Recibos, cheques, transferências bancárias comprovativas do pagamento das referidas faturas, etc) e documentos (Anexos) que foram considerados provados na matéria dada como provada na Douta Sentença.
17. Pelo que, não podia a Autoridade Tributária e Aduaneira pôr em causa faturas totalmente documentadas, pagas e relevadas na contabilidade da Impugnante, e muito menos serem as mesmas consideradas provadas de falsas pelo Juiz do Tribunal a quo, quando não foi produzida rigorosamente prova nenhuma nesse sentido.
18. Aliás, tal como resulta da página 42 do Relatório, a Autoridade Tributária e Aduaneira admite que a contabilidade da impugnante, ora recorrente, reflete o resultado efetivamente obtido em relação aos proveitos, e que não existe qualquer omissão no volume de negócios no exercício de 2013 e 2014.
19. Assim, no caso sub judice, a Autoridade Tributária e Aduaneira (como resulta do Relatório Final) face ao disposto no nº 1 do artigo 75º da Lei Geral Tributária, não procedeu à demonstração da falta de correspondência entre o teor da contabilidade da Impugnante, aqui recorrente, e a realidade económica nos exercícios de 2013 e 2014, em sede de IRC.
20. A realidade económica é que para vender, a impugnante, aqui recorrente, teve que comprar, pelo que é evidente que as faturas aqui em causa titulam verdadeiras transações comerciais e os documentos de suporte a essas transações não foram impugnados nestes autos e constam dos Anexos ao Relatório.
21. Toda a contabilidade da Impugnante espelha a realidade económica da empresa impugnante, designadamente, não foi posta em causa a capacidade produtiva da Firma no sector corticeiro e foram recolhidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, todas as faturas e comprovativos de pagamento das mesmas, quer por cheque, numerário, por transferência bancária ou Letras de câmbio.
22. E, quanto aos emitentes das faturas, os elementos recolhidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira são gerais e não concretos e sem qualquer referência a cada uma das faturas concretamente aqui em causa. Que indícios são esses relativamente a cada uma das faturas aqui concretamente em causa ??!!!
23. Conclui-se, assim, que os custos suportados pela impugnante foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos, e isto, porque nos termos do artigo 23º, nº 1 do Código do IRC, estão documentados todos os custos e a sua efetiva existência, sendo pois, de apreciar unicamente a sua indispensabilidade e o seu nexo causal com os ganhos sujeitos a IRC.
24. A Autoridade Tributária e Aduaneira limita-se vagamente a lançar na generalidade, sem qualquer fundamento, de que existem elementos recolhidos que põem em causa as faturas. Contudo não indica quais são esses indícios concretos ou elementos recolhidos em relação a cada uma das concretas faturas aqui em causa nos presentes autos, o que constitui uma deficiente fundamentação.
25. Mais, é do conhecimento comum e geral no sector da cortiça que para um fornecedor de cortiça que seja comerciante, para ele transacionar cortiça ou rolhas não é necessário ter uma estrutura empresarial, nem capacidade produtiva, pois apenas comercializa, poderá apenas precisar de alugar um camião ou carrinha e ir buscar as rolhas às fábricas ou a cortiça de mato às herdades, carregando os fardos de cortiça que se encontram nos terrenos a céu aberto nas herdades diretamente para as fábricas compradoras da matéria prima ou descarregam os fardos de cortiça nas caldeiras que cozem a cortiça e que servem muitas vezes de estaleiro da mesma.
26. Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia no sentido da fundamentação substancial do acto que a lei exige para legitimar a correcção da matéria tributável declarada, correcção essa que se afigura, assim, desconforme com a lei.
27. Reitera-se, para a impugnante, aqui recorrente, vender mercadoria teve que comprar matéria prima, pelo que é evidente que as faturas aqui em causa titulam verdadeiras transações comerciais e os documentos de suporte a essas transações não foram impugnados nestes autos.
28. E a resposta à questão: Como é possível vender se as compras não são verdadeiras ??!!! Tal resposta a esta questão essencial não existe no Relatório Final, o que consubstancia falta de fundamentação legalmente exigível.
29. E, por outro lado, o Juiz do Tribunal a quo dá como factos provados todos os documentos da contabilidade junto aos autos (Anexos), que comprovam as transações entre a Impugnante e os seus fornecedores, pelo que a decisão do Tribunal “a quo” só poderia ter sido de anulação da liquidação adicional impugnada relativa a 2013 e 2014.
30. É ónus da Autoridade Tributária e Aduaneira a prova e demonstração que a contabilidade da Impugnante, aqui recorrente, não corresponde à realidade económica e jurídica-fiscal da Impugnante, contudo, pelo contrário, como se verifica do Relatório Final, a Autoridade Tributária e Aduaneira até aceitou o volume de negócios declarado pela Impugnante no exercício de 2013 e 2014.
31. E o Juiz do Tribunal a quo deu como provados todos os elementos constantes da contabilidade que não foram impugnados, designadamente, os documentos da contabilidade comprovativos da realização das transações comerciais.
32. E, quanto aos fornecedores em causa, o Juiz do Tribunal a quo baseou a sua convicção em documentos inexistentes nos autos, ou seja, considerou provado o Ponto 1. da matéria dada como provada (Factos provados), fazendo um copy past do Relatório Final da Impugnante, aqui recorrente, cujo o conteúdo são determinadas “partes” de alegados Relatórios dos emitentes, que foram usados pela parte em “partes” pelo Senhor Inspector Tributário no Relatório Final da Impugnante.
33. E, salvo o devido respeito, sendo aberrante em termos jurídicos e uma afronta aos mais elementares princípios de direito, o Juiz do Tribunal a quo ainda baseou a sua convicção nas “partes” dos Relatórios dos emitentes escolhidas arbitrariamente pelo Senhor Inspector Tributário, ou seja, nas “partes” da parte neste processo, considerando tudo verdadeiro, sem sequer conhecer os referidos documentos na integra e sem que os mesmos tivessem sido anexados como prova aos presentes autos, constituindo prova materialmente inexistente.
34. Ora, o Juiz do Tribunal a quo deveria ter dado como matéria provada que as faturas correspondem a verdadeiras transações, pois os documentos constantes da contabilidade não foram impugnados, ou seja, tais faturas e documentos comprovativos das transações foram relevados na contabilidade da impugnante e gozam de presunção de verdade, pelo que deveriam ter sido considerada prova assente pelo Juiz do Tribunal a quo.
35. Pelo que, não podia a Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como agora o Juiz do Tribunal a quo, pôr em causa faturas totalmente documentadas, pagas e registadas na contabilidade da Impugnante, sem concretizar um único facto ou indício sério relativamente a cada uma das concretas faturas postas em causa no ano de 2013 e 2014.
36. Mais, existindo elementos e documentação da contabilidade nos autos que comprovam a materialidade das transações (faturas, recibos e guias de transporte) não se compreende como o Juiz do Tribunal “a quo” afirma o seguinte na página 63 da Douta Sentença: “Manifestamente, a mera junção de cópias dos documentos de suporte da contabilização dos gastos, como as faturas, recibos e guias de transporte, desacompanhadas de quaisquer outros meios de prova idóneos para a demonstração da materialidade de cada uma daquelas operações, não constitui a cabal satisfação do ónus que lhe cabe.”
37. Ora, os documentos de suporte da contabilização dos gastos, como as faturas, recibos e guias de transporte, são os principais meios de prova idóneos para a demonstração da materialidade de cada uma daquelas operações, constituindo os elementos e documentos da contabilidade, a cabal satisfação do ónus que lhe cabe.
38. Pelo que, incorre em erro manifesto de julgamento, o Juiz do Tribunal a quo quando refere na Douta Sentença a páginas 63 que: “Sendo que na dúvida e cabendo-lhe o ónus, contra si o facto deve ser valorado”.
39. Ora, é notório e consagrado constitucionalmente que na dúvida o facto tributário nunca deve ser valorado contra o contribuinte.
40. Acresce que, como resulta da lei, é processualmente inconcebível que todos os alegados indícios dados por apurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira se sustentem em “partes” de Relatórios de outros contribuintes, no caso sub judice, dos emitentes, e só constam do Relatório da Impugnante ”partes” que o Senhor Inspetor Tributário “escolheu” no seu livre arbítrio para transcrever no Relatório Final da impugnante, aqui recorrente, na mais complete violação do Princípio da Igualdade consignado no artigo 55º e 98º da Lei Geral Tributária, em que as partes dispõem no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa.
41. Ora, a Impugnante, aqui recorrente, não pode conformar-se com o entendimento constante da Douta Sentença recorrida, pois possuindo os Relatórios dos emitentes das faturas aqui em causa a natureza de informações oficiais (artigo 111º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), por virtude do princípio da igualdade e do contraditório tinham de ter sido notificados do seu teor integral à impugnante, aqui recorrente, por imperativo do nº 3 do artigo 115' do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
42. No caso sub judice, sendo principio estruturante do processo judicial tributário o princípio do inquisitório pleno previsto nos artigos 13º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 99º da Lei Geral Tributária, o Juiz do Tribunal “a quo” deveria ter ordenado as diligências necessárias com vista à produção de prova, que inexiste nos autos, pois não resulta demonstrada a falta de veracidade dos elementos constantes na contabilidade da Impugnante.
43. No caso sub judice, a Autoridade Tributária e Aduaneira é contraditória, pois aceita as vendas e não quer aceitar os custos. Sendo certo que, a Autoridade Tributária e Aduaneira não demonstra, nem faz qualquer prova, que aquelas concretas faturas em causa não correspondem a verdadeiras aquisições de mercadoria. Pelo que, no caso sub judice, não foi abalada a presunção de verdade de que goza a contabilidade da impugnante, aqui recorrente, nos termos do artigo 75º da Lei Geral Tributária.
44. A Douta Sentença recorrida afrontou ainda, o princípio da Igualdade processual previsto no artigo 98º da Lei Geral Tributária, ao dar como provado “cegamente” tudo o que consta do Relatório Final da Inspeção Tributária e não ordenar a junção aos autos dos Relatórios de Inspeção Tributária relativos aos emitentes das faturas postas em causa, na mais completa violação do artigo 98º da Lei Geral Tributária, constituindo tal facto preterição de formalidade legal essencial e vício de violação de lei, e isto, porque as partes dispõem no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa.
45. Pelo que, o Tribunal deve assegurar, ao longo do processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente, no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de comunicações, e isto, por força da alínea d) do artigo 2º da Lei Geral Tributária.
46. A veracidade da contabilidade da Impugnante não foi abalada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nem esta carreou para os autos prova concreta relativamente a cada uma das faturas em causa, pelo que não logrou fazer prova que os custos com a aquisição de mercadoria não foram realizados pela impugnante, aqui recorrente. Pois, todas as faturas em causa titulam verdadeiras aquisições de mercadoria indispensáveis á obtenção dos proveitos/vendas da impugnante, aqui recorrente.
47. Aliás, os alegados indícios apurados pela AT, nem sequer se podem considerar indícios de coisa alguma, e não logram abalar e muito menos permitir ilidir a presunção legal de veracidade prevista no artigo 75º, nº 1 da Lei Geral Tributária.
48. A Autoridade Tributária e Aduaneira sustenta a sua tese de suspeição de falsidade apenas e exclusivamente porque os fornecedores da Impugnante não têm instalações, não têm capacidade financeira, mas será??? Levantaram o sigilo bancários a esses fornecedores??? Quanto tinham nas suas contas bancárias??? Tinham instalações noutros lados, armazéns arrendados??? Nada se sabe quanto aos emitentes, contudo, o Juiz do Tribunal “a quo” incorreu em erro quando dá como provado todos os factos em relação aos emitentes das faturas em causa na Douta Sentença recorrida, quando estes se sustentam em prova documental que não existe nos autos, ou seja, em Relatórios de Inspeção de outros contribuintes, no caso sub judice, cujos Relatórios não foram juntos ao Relatório Final da Impugnante, ora recorrente, apenas e só são referidas alegadas Ações Inspetivas realizadas a esses contribuintes e referidas no Relatório da Impugnante “partes” desses Relatórios e processos, o que não consubstancia fundamentação no caso sub judice, e consequentemente a Douta Sentença de que se recorre carece de fundamentação.
49. Ora, a qualidade dos emitentes desacompanhada de outros elementos fácticos que revelem falsidade de cada uma das faturas em causa é manifestamente insuficiente de só por si ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade do comprador, aqui recorrente (artigo 75º, nº 1 da Lei Geral Tributária).
50. Pelo que, incorreu em erro o Juiz do Tribunal a quo ao dar como provado as conclusões não fundamentadas do Senhor Inspector Tributário no Relatório Final da Inspeção Tributária, dando como provado tudo o que consta do referido Relatório, incluindo as referências a ações inspectivas realizadas aos emitentes, cujos Relatórios a que faz referência não constam destes autos, nem o seu teor integral, sendo prova inexistente nestes autos.
51. E, sendo a Autoridade Tributária e Aduaneira parte contrária no processo de Impugnação Judicial, como pode o Juíz do Tribunal a quo dar como provado tudo o que é alegado pelo Senhor Inspetor Tributário no Relatório da Impugnante, quando este nem sequer junta aos autos cópias integrais e autenticadas dos documentos a que faz referência, designadamente, os Relatórios das Inspeções aos emitentes em causa??!!!
52. O Senhor Inspector Tributário apenas se limita a lançar uma suspeição geral de falsidade de todas as faturas emitidas por aqueles emitentes e de toda a contabilidade da Impugnante, mas não fundamenta rigorosamente nada em relação a cada fatura aqui em causa nos presentes autos.
53. Sendo certo que a Impugnante, aqui recorrente, demonstrou através da exibição da sua contabilidade, todos os documentos de suporte às faturas aqui em causa, designadamente, faturas, recibos, guias de transporte, cheques, transferências bancárias, Letras de câmbio, extratos de conta corrente com os seus fornecedores, pelo que é notório que a materialidade das operações económicas subjacentes às faturas aqui em causa se encontrava corretamente formalizada na sua contabilidade e resulta também da contabilidade da Impugnante, aqui recorrente, que as compras se haviam efetivado com o sujeito passivo emitente e não com qualquer outro, pois os fornecedores das faturas em causa constam da sua contabilidade (extratos de conta corrente) e foram os beneficiários dos cheques, numerário e transferências que foram realizadas para pagamento daquelas concretas faturas aqui em causa nestes autos.
54. Sendo certo que, incorre em Erro de julgamento e aplicação da Lei, o Juiz do Tribunal “a quo” na página 63 da Douta Sentença recorrida quando refere que basta a prova de “indícios”, mas quais são esses indícios concretos relativamente a cada uma das concretas faturas aqui em causa????!!!!
55. Ora, a verdade é que, a decisão recorrida viola o disposto no artigo 100º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, porque compete à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao contribuinte, demonstrar a existência do facto tributário, bem como a sua quantificação.
56. Sendo certo que, no caso sub judice não existem “indícios” relativamente a cada uma daquelas concretas faturas em causa.
57. E, como é referido no Relatório da Inspeção a actividade principal daqueles fornecedores é essencialmente comercial e não industrial, pelo que não necessitam de ter Pavilhão Industrial, equipamentos, pessoal, etc. Basta ter uma sede social para corretamente indicar nas suas faturas, para lhe ser possível gerir as compras e vendas de mercadoria.
58. Por outro lado, o alegado índice de que algumas viaturas não terão realizado os transportes de mercadoria não está devidamente concretizado, desconhecendo-se a identidade dessas viaturas relativamente a cada uma das concretas faturas em causa. E são todas as viaturas, quais???!!! Sendo certo que o facto de uma viatura ter carga a mais do que é devida, não consubstancia indice nenhum de o transporte não ter sido realizado, apenas levou “carga a mais”, a sanção será eventualmente uma coima. Acresce que o Senhor Inspector Tributário desconhece completamente a realidade do sector corticeiro, presumindo factos e fazendo contas erradas e concluindo erradamente que nada para ele será verosímil, contudo sem concretizar nada relativamente a cada uma das faturas aqui em causa.
59. E por último pergunta-se, porque não se sabe: As Sociedades emitentes em 2013 e 2014 tinha algum armazém além da sua sede social??!!! Pois apesar das sedes das empresas serem em escritórios, lojas ou apartamentos, os emitentes não teriam pavilhões ou armazéns noutros lados???!!!! Como eram processadas as compras e vendas no ano de 2013 e 2014 e concretamente em relação às faturas que estão em causa??!, A cortiça era comprada no Monte ou herdade?? e depois transportada diretamente para o cliente final, para uma caldeira??, enfim, a impugnante, aqui recorrente, não sabe absolutamente nada quanto aos actos do comercio dos seus fornecedores antes de realizar a compra da sua mercadoria, e nem os autos revelam nada, agora a Impugnante, aqui recorrente, sabe que comprou e pagou a mercadoria.
60. Pelo que, todos os elementos recolhidos junto dos emitentes das faturas e supra mencionados, não consubstanciam indícios sérios e fundados da ausência de materialidade das operações comerciais tituladas nas faturas aqui em causa.
61. Pelo que, incorreu em Erro o Juiz do Tribunal “a quo” ao concluir como a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois é notório que todos os factos considerados índice, nem sequer são factos concretos relativamente a cada uma das faturas aqui em causa, sendo apenas conclusões subjectivas e aleatórias do Senhor Inspector Tributário que elaborou o Relatório mas sem qualquer fundamento. Pelo que, tais factos “inventados” pelo Senhor Inspector Tributário conjugados uns com os outros, não constituem indícios sérios e suficientes para concluir, com uma probabilidade elevada, à luz das regras da experiência comum, que as aquisições declaradas pela impugnante relativamente àquele sujeito passivo não correspondam a operações reais.
62. E, ao contrário do entendimento do Juiz do Tribunal “a quo” na Douta Sentença recorrida, o ónus da prova não é da Impugnante, aqui recorrente, mas sim da Autoridade Tributária.
63. É que face ao Princípio da Legalidade consagrado no artigo 55º da Lei Geral Tributária e artigo 266º, nº 2 da Constituição da Republica Portuguesa, não existe hoje qualquer apoio numa alegada presunção de legalidade do acto tributário para fazer recair sobre o contribuinte o ónus da prova da ilegalidade do acto tributário.
64. A Autoridade Tributária e Aduaneira, assim como o Juiz do Tribunal a quo na Douta Sentença, errou ao não cumprir o disposto na lei, designadamente ao Direito da Impugnante ser notificada do teor integral dos Relatórios da Inspeção Tributária dos emitentes, o que constitui preterição de formalidade legal essencial e vicio de violação de lei, artigos 111º, nº 2, alínea b) e artigo 115º, nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda artigo 98º da LGT na mais completa violação do Principio da Igualdade e da Legalidade, ao contrário do que é dito na Sentença recorrida.
65. Parece, aliás, que a fiscalização pretendeu apenas pôr em causa a credibilidade dos emitentes (por estarem envolvidos em processos crimes conexos com faturação falsa) mas, como referia o Prof Saldanha Sanches (in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, p. 361) a ausência de credibilidade subjectiva dos sujeitos não constitui fundamento da avaliação administrativa. Até, porque, se o perfil fiscal do sujeito passivo pudesse, em si mesmo, fundamentar as correções, isso implicaria que a presunção do artigo 75º da Lei Geral Tributária só valeria para os sujeitos passivos que nunca tivessem tido algum litígio com a administração tributária, o que não tem respaldo no texto da lei (Neste sentido, Acórdão do TCAN de 30/09/2014, Processo 313/06. 8BEPNF).
66. “Na verdade, a circunstância de esta sociedade estar referenciada noutra ação de inspeção como emitente de faturas falsas não significa que as operações tituladas pelas faturas aqui em causa não correspondam a operações reais. E que um determinado sujeito passivo pode estar referenciado como emitente de faturas falsas e efectivamente emitir faturas que não têm subjacente qualquer operação económica e, simultaneamente, dedicar-se à actividade económica para que está colectado, prestando os correspondentes serviços ou fornecimentos. O que está em causa não é saber se essa sociedade emitiu ou não faturas que não correspondem a operações reais, mas sim saber se as operações que constam das faturas aqui em causa, reportadas ao ano de 2003, correspondem ou não a operações reais” (in, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em Porto, 7 de Novembro de 2019, no Recurso interposto no Processo de Impugnação Nº 807/08.0BEVIS, página 19 do Acórdão).
67. A verdade é que a Autoridade Tributária e Aduaneira não procedeu a diligências junto da Impugnante, ora recorrente, no sentido de confirmar a veracidade de tais operações económicas. “Deveria, designadamente, ter apurado se as mercadorias constantes das faturas em causa tinham dado entrada nas instalações da Impugnante, como se processavam as encomendas das mercadorias e o respectivo circuito, se os fornecimentos a que aludem as faturas têm ou não correspondência com o volume de negócios da Impugnante, a relação entre estes custos e os proveitos obtidos, das relações comerciais existentes entre sociedades emitente e utilizadora, sobre os meios de pagamento utilizados, etc.” (in, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em Porto, 7 de Novembro de 2019, no Recurso interposto no Processo de Impugnação Nº 807/08.0BEVIS, página 20 do Acórdão).
68. Nesta conformidade, os alegados indícios recolhidos pela administração tributária, além de inexistentes nestes autos, não permitem suportar, objectivamente e à luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da Impugnante, ora recorrente. O que significa que a administração tributária não se desonerou do ónus que sobre si impendia de fundamentar a legalidade da sua actuação conducente às liquidações impugnadas.
69. Foram violados os artigos 55º, 58º, 77º, nº 1 e 2, artigo 45º, nº 1 e 98º e 99º da Lei Geral Tributária, 13º, 45º, nº 1, 98º, nº 1, alínea b), 115º, nº 3 e 125º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda artigos 13º, 20º, 266º, nº 2 e 268º, nº 3 da Constituição da Republica Portuguesa.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., deverá o presente Recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegal as liquidações de IRC, ano de 2013 e 2014, objecto dos autos, por falta de fundamentação e existência de nulidades, a bem da JUSTIÇA.»

1.2. A Recorrida (Fazenda Pública), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 1771 SITAF, no sentido da improcedência do recurso:
«A..., Lda vem interpor recurso da sentença do Mmº Juiz do TAF de Aveiro que, no âmbito de impugnação judicial de liquidação adicional de IRC do ano de 2014 e respectivos juros compensatórios, a julgou improcedente.
A recorrente foi objecto de uma acção inspectiva e em resultado da qual a AT procedeu a correcções de natureza meramente aritméticas, por não aceitar a dedução em sede de IRC de gastos fiscalmente dedutíveis, ao ter desconsiderado as facturas que os titulavam, devido a reportarem transacções fictícias, o que deu lugar à referida liquidação.
Impugnou-a, invocando, entre outros fundamentos, que as facturas que contabilizou e foram emitidas, respectivamente, por D... Lda; B... Lda C... Ld.ª, AA... e BB... titularem operações económicas reais.
*
É jurisprudência pacífica que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pela recorrente das respectivas alegações.
*
Alega A..., Lda, em resumo, que a sentença é nula por omissão se pronúncia e falta de fundamentação.
Mais refere o erro de julgamento de facto, ao considerar como não provada a efectividade das transacções comerciais, além de outros vícios, descritos em sede conclusiva e para cuja leitura remetemos.
Em nosso entender não lhe assiste razão.
A omissão de pronúncia está relacionada com o dever que é imposto ao juiz pelo artigo 608º nº 2 do CPC, em que se prevê que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, salvo aquelas que forem prejudicadas pela solução dada a outras não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse conhecer, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. (Cfr. acórdãos do STA n.ºs 574/11 de 13.07.2011e 01200/12 de 12.02.2015 e do TCAN nos acórdãos n.ºs 01903/12.5 BEBRG de 26.09.2013, 1481/08.0BEBRG de 10.10.2013 e 02206/10.5BEBRG de 16.10.2014).
O que não se verifica, in casu.
Já a nulidade de falta de fundamentação só ocorre quando faltem em absoluto os fundamentos de facto em que assentou a decisão. Apenas a total e absoluta ausência de fundamentação de facto afecta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada.
Como refere Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1952, pág. 140, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”
A falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito, o que no caso se não verifica, como aliás sustenta o Mmº Juiz.
Acresce que “não padece de nulidade a sentença que dá como provados factos que resultam da transcrição de passagens do relatório de inspecção tributária, quando o Mmº Juiz justifica a razão pela qual dá como provados os factos e ainda quando desses factos retira consequências jurídicas.” Ac. do STA de 1273/2014, no processo 01185/13, in www.dgsi.pt, como se verifica nos autos, através da leitura dos factos provados e não provados e da motivação.
*
Na decisão da matéria de facto, o juiz aprecia livremente as provas, conforme dispõe o artigo 607º nº 5 do CPC, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada. É, pois pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.” Ac. do TCAN de 11/4/2014 no processo 00819/10.4BEPNE.
A modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e apreendida na 1ª instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada pelo tribunal, o que não se verifica, neste particular, pelo que, não merece provimento, em nosso entender, o alegado erro de julgamento de facto, quanto a esse particular.
Estabelecida a base factual, não merece censura o enquadramento jurídico efectuado pelo TAF de Aveiro.
As declarações dos contribuintes gozam de uma presunção de veracidade desde que cumpram com o disposto na lei – artigo 75º da LGT.
A AT apurou, conforme o relatório inspectivo, que na contabilidade de A..., Lda formalmente constavam facturas que não titulavam transacções comerciais reais, ou seja, as emitidas por D... Lda; B... Lda C... Ld.ª, AA... e BB....
As facturas falsas são documentos nos quais se declara a prestação de um serviço ou a venda de bens que não correspondem a operação realmente existente. Ficciona-se uma realidade que não existe ou, pelo menos, não existe tal como nelas se documenta.
Citando o Ac. do TCAN de 28/2/2013 no processo 00383/08.4BEBRG in www.dgsi.pt:
“Quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.”
Igualmente, o referido Ac. do TCAN de 20/4/2017:
II – “Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação - artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
III – Neste âmbito, a AT não tem de fazer prova do acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negociai das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. artigo 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus da prova que sobre si impende.
IV – Basta à AT provar a factualidade que a levou a desconsiderar as operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita do contribuinte, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus da prova do direito de que se arroga e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus da prova de que as operações se realizaram efectivamente.”
No caso em apreço foi carreado para o processo - v. relatório – factualidade que permitiu concluir pela existência de facturação falsa ou simulada e que o Tribunal deu como provada, tendo a AT logrado demonstrar os pressupostos de facto que legitimaram as liquidações adicionais de IRC e com fundamento em simulação de operações tituladas pelas facturas em causa no processo.
Entendeu o julgador, que a recorrente não provou que essas facturas correspondem a serviços objectivamente prestados, pelo que, as desconsiderou.
*
Constam da sentença as razões de facto e de direito em que esta assentou. O Mmº Juiz analisou a prova e fundamentou a decisão, em nosso entender, merecedora de confirmação, não se verificando os invocados vícios.
O recurso não merece provimento.»

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos dos artigos 608º, 635º nº s 3 e 4 todos do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) são as seguintes, se a sentença: (i) enferma de nulidade por falta de pronúncia de todas as questões suscitadas; (ii) enferma de nulidade por falta de fundamentação; (iii) viola o princípio do inquisitório, e os princípios do contraditório e da igualdade das partes; (iv) incorre em erro de julgamento de facto; (v) incorre em erro de julgamento de direito ao julgar da legalidade das liquidações por verificação dos seus pressupostos e fundamentado a decisão de correcções que emana do RIT.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com relevância para a decisão a proferir consideram-se provados os seguintes factos [a numeração da paginação referida será efetuada por apelo à paginação eletrónica constante do SITAF salvo expressa menção em sentido contrário]:
A. A Impugnante é uma sociedade comercial cujo objeto social consiste na indústria transformadora de cortiça e afins, enquadrada no regime normal de tributação em sede de IRC
[cfr. resulta da posição das partes nos presentes autos].
B. A Impugnante foi alvo de procedimento inspetivo efetuado a coberto da OI...73 com referência aos exercícios de 2013 e 2014.
[cfr. emerge do relatório inspetivo que faz fls. 1 a 33 do procedimento administrativo apenso aos presentes autos].
C. No âmbito do procedimento inspetivo referido no facto precedente foram propostas correções à matéria tributável de IRC para o ano de 2013 de EUR 199.965,00 e para o ano de 2014 no valor de EUR 351.015,50
[cfr. emerge do relatório inspetivo que faz fls. 1 a 33 do procedimento administrativo apenso aos presentes autos].
D. As propostas referidas no facto precedente tiveram a seguinte fundamentação:
“III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
III.1. DELIMITAÇÃO DO CONCEITO LEGAL DE FATURAS FALSAS
III.1.1. Definição
As operações simuladas, no seu contexto geral, definem-se pelo facto de configurarem a emissão ou a utilização de faturas e outros documentos comerciais, sem que tenham subjacentes as operações jurídicas que pretensamente evidenciam.
Podemos assim definir faturas falsas como documentos que representam operações totalmente ou parcialmente inexistentes. Há três situações habituais passíveis de tipificar neste tipo de situação:
a) faturas forjadas, emitidas por terceiros em nome de empresas verdadeiras, sem o consentimento ou conhecimento destas, sendo usadas para titular transmissões de bens ou prestações de serviços inexistentes;
b) faturas emitidas por empresas sem atividade real, apenas criadas formalmente, com o único fim de emissão de documentos que não titulam operações reais;
c) faturas de favor entre empresas verdadeiras, com atividade real, mas que se conluiem para simular total ou parcialmente (na natureza das operações, na quantidade ou no preço) uma operação de transmissão de bens ou prestação de serviços.
No nº 1 do artigo 240º do Código Civil define-se que se considera a existência de negócio simulado «se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante».
No nº 2 do mesmo artigo refere-se que o negócio simulado é nulo.
III.1.2. Artigos infringidos em sede fiscal
No que diz respeito à dedução de imposto com base em faturas falsas, o Código do IVA define no nº 3, do artigo 19º que «não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente».
Por sua vez, o nº 2, do artigo 23º do Código do IRC (alínea d), do nº 1, do artigo 23%-A, com a redação em vigor) refere que «Não são aceites como gastos as despesas ilícitas, designadamente as que decorram de comportamentos que fundamentadamente indiciem a violação da legislação penal portuguesa, mesmo que ocorridos fora do alcance da sua aplicação».
III.1.3. Punibilidade da conduta
Nos artigos 103º e 104º do RGITA (Regime Geral das Infrações Tributárias) a utilização de faturas falsas é tipificada como crime fiscal:
- refere-se na alínea c), do nº 1, do artigo 103º que existe fraude fiscal sempre que haja a «celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas».
- refere-se no nº 2, do artigo 104º que a fraude passa a qualificada quando «tiver lugar mediante a utilização de faturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente».
Nos referidos artigos são ainda definidas as condições de punibilidade da conduta enquanto crime fiscal, designadamente a necessidade da vantagem patrimonial indevida assim obtida ser igual ou superior a € 15.000 por cada período de imposto (por cada declaração a apresentar em sede de IVA ou de IRS/C).
Nos casos em que os factos ilícitos apurados se enquadram na tipologia legalmente estabelecida nos artigos 103º e 104º do RGITA, mas a vantagem patrimonial indevidamente obtida é inferior a € 15.000, os factos são punidos como contra-ordenação, nos termos do nº 1, do artigo 118º do mesmo diploma.
III.2. DOCUMENTOS RELEVADOS NA CONTABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO COM INDÍCIOS DE SE TRATAR DE FATURAS FALSAS
Analisada a contabilidade da empresa “A..., Lda” encontraram-se relevados diversos documentos sobre os quais existem fundados indícios de se tratar de faturas falsas, tendo o IVA nelas mencionado sido deduzido pelo sujeito passivo nas declarações periódicas entregues e o valor da sua base tributável sido considerado como gasto do período para efeitos de apuramento da matéria coletável sujeita a IRC.
As faturas em causa são as que se descrevem no quadro seguinte, separadas pelo período de imposto em que foram relevadas na contabilidade da empresa:
N.º FaturaDataFornecedorValorIVAValor Total
4223-10-2013D... Lda€ 11.750,00€ 2.702,50€ 14.452,50
4425-10-2013D... Lda€ 15.300,00€ 3.519,00€ 18.819,00
4529-10-2013D... Lda€ 9.600,00€ 2.208,00€ 11.808,00
4629-10-2013D... Lda€ 23.500,00€ 5.405,00€ 28.905,00
5103-11-2013B... Lda€ 29.700,00€ 6.831,00€ 36.531,00
5220-11-2013B... Lda€ 29.900,00€ 6.877,00€ 36.777,00
5304-12-2013B... Lda€ 30.315,00€ 6.972,45€ 37.287,45
5410-12-2013B... Lda€ 29.700,00€ 6.831,00€ 36.531,00
5520-12-2013B... Lda€ 20.200,00€ 4.646,00€ 24.846,00
98131-03-2014C... Ld.ª€ 64.400,00€ 14.812,00€ 79.212,00
98231-03-2014C... Ld.ª€ 53.100,00€ 12.213,00€ 65.313,00
8420-06-2014AA...€ 19.554,50€ 4.497,54€ 24.052,04
8220-06-2014AA...€ 45.540,00€ 10.474,20€ 56.014,20
7820-06-2014AA...€ 20.085,00€ 4.619,55€ 24.704,55
9520-08-2014AA...€ 31.486,00€ 7.241,78€ 38.727,78
9927-09-2014AA...€ 30.940,00€ 7.116,20€ 38.056,20
9401-12-2014AA...€ 15.510,00€ 3.567,30€ 19.077,30
9916-12-2014BB...€ 26.400,00€ 6.072,00€ 32.472,00
16430-12-2014AA...€ 20.000,00€ 4.600,00€ 24.600,00
9630-12-2014BB...€ 24.000,00€ 5.520,00€ 29.520,00
III.2.1. Faturas timbradas em nome de B... Lda, NIF: (...)
III.2.1.1. Elementos recolhidos na inspeção ao emitente
Esta empresa foi inspecionada no cumprimento da Ordem de serviço ...96 pelo signatário do presente relatório, tendo a inspeção decorrido entre 2015-04-14 e 2015-06-12, tendo no entanto ocorrido diligências prévias, igualmente pelo signatário deste relatório e ainda pelo Inspetor CC..., tendentes a aferir do efetivo desenvolvimento d[‘]alguma atividade por parte do mesmo e a contactar os responsáveis da empresa a partir de maio de 2014, quando este operador foi detetado no mercado.
Declarou o seu início de atividade em 2013-07-29, tendo como sócio gerente AA..., NIF: (…).
Verificou-se que a sede da empresa corresponde a um apartamento, localizado no 2º andar, na Rua (…), sem quaisquer condições para armazenamento de cortiça ou quaisquer máquinas. A data das várias visitas, ocorrendo a primeira em maio de 2014 e as restantes até à data da conclusão da inspeção, no sentido de aferir se teria ocorrido alguma alteração, encontrava-se desocupado, tendo a caixa de correio correspondente completamente cheia, indiciando que há muito que não era tão pouco aberta.
Tendo tocado à campainha de apartamentos do mesmo prédio, foi-nos afirmado pelos moradores desconhecerem a empresa “B... Lda” ou os seus sócios, confirmando ainda que ao que sabiam o referido apartamento se encontrava desocupado e desconheciam que alguma vez lá tivesse estado a laborar qualquer empresa.
Contactada a TOC, FL..., (…), esta afirmou que em julho de 2013 foi abordada pelo Sr. DD..., NIF: (…), no sentido de ficar responsável pela organização da contabilidade da “B... Lda”.
Referiu que já conhecia o Sr. DD... doutras empresas em que este a tinha contratado, sem que este tivesse cumprido com as suas obrigações de pagamento dos valores acordados. As empresas em causa eram “D... Lda”, NIF: ... e a “E..., Lda”, NIF: (…).
Por esse motivo, renunciou a ambas as escritas.
Quanto à “B... Lda”, o Sr. DD... terá contactado a atrás identificada TOC no sentido de que esta procedesse ao início da atividade da mesma e assegurasse a organização da contabilidade, comprometendo-se a saldar os valores em atraso relativos às outras empresas. No entanto, nunca veio a cumprir essa promessa, nem a proceder à entrega da documentação necessária para a elaboração da contabilidade, razão pela qual igualmente renunciou igualmente a essa escrita.
Relativamente ao Sr. AA..., gerente da “B... Lda”, a TOC afirma nunca o ter conhecido, apesar dele ser igualmente o sócio das empresas “D... Lda” e “E..., Lda---”. O Sr. DD... terá referido que não podia abrir empresas em seu nome por ter problemas na Conservatória com uma empresa anterior que não tinha cessado e que por isso necessitava de abrir negócios em nome de amigos e familiares.
Refira-se que a sede da “B... Lda” coincide com o domicílio fiscal de DD....
Junto da tipografia “FF---”, apuramos que foram requisitados vários livros de faturas da “B... Lda” (anexo 5):
- livros de fatura/recibo com numeração do 1 até 150;
- livros de fatura simplificada com numeração do 1 até 200.
Afirmaram os responsáveis não poderem identificar no presente quem requisitou ao tempo as faturas.
Da requisição datada de 2013-09-13 constam dois números de telemóvel, sendo que um deles contém a indicação de que pertenceria a um Sr. DD....
Junto da tipografia “GG---” apuramos que foram requisitados em 2014-11-10 mais livros de faturas com numeração de 151 a 250 (anexo 6).
Afirmaram os responsáveis que foi AA... a requisitar as mesmas.
Tendo sido contactado o Sr. DD... Silva atrás identificado, o mesmo veio a declarar:
- que não conhece a sociedade “B... Lda” nem nunca dela ouviu falar;
- que conhece o Sr. AA..., com quem trabalhou entre 1998 e 2001, mas que nunca mais voltou a trabalhar com ele ou sequer a contacta-lo;
- confirmou que a morada onde se encontra sediada a “B... Lda” é o seu domicílio fiscal, embora já lá não resida, tendo o imóvel sido entregue ao Banco por dívidas;
- confirmou conhecer a TOC FL..., atrás identificada, apenas porque teria sido contabilista duma empresa da sua filha, mas que nunca a tinha contratado para ele ou qualquer sociedade por ele gerida;
- afirma não saber porque é que a referida TOC fez as afirmações a seu respeito e da 'B... Lda”; - negou ter alguma vez requisitado faturas dessa empresa;
- confrontado com o nº de telemóvel (...) aposto na requisição das faturas dessa empresa, confirma ser o seu número, mas não sabe explicar a razão pelo qual lá se encontra, afirmando que em sequer sabe onde fica a “FF---”;
- afirmou que conhece a sociedade “E..., Lda---” que foi dos seus filhos em conjunto com outras pessoas que não se recorda quem eram.
Tentou-se proceder ao contacto com o sócio da “B... Lda”, AA..., atrás identificado, apurando-se que o domicílio fiscal do mesmo se localiza numa pensão em S.J. Madeira, na Rua (…).
Contactados os responsáveis da pensão, os mesmos afirmaram que efetivamente o Sr. AA... esteve lá hospedado durante vários anos, ocupando um pequeno quarto. No entanto, no final do ano de 2014, abandonou o local, sem que tenha deixado quaisquer indicações de para onde ia. Aliás, referiu o responsável, que o referido hóspede nem sequer avisou que ia abandonar a pensão, razão pela qual não consegue tão pouco precisar a data exata em que de lá terá saído.
Segundo afirmou, ao fim de muitos dias sem verem o Sr. AA..., tratando-se duma pessoa com alguma idade e alguns problemas de saúde, temendo que o mesmo estivesse incapacitado dentro do seu quarto, forçaram a entrada no quarto, apurando que se encontrava vazio.
Durante o tempo em que residiu na pensão nunca lhe conheceram qualquer atividade, sabendo que era reformado, nem aparentou ter grandes posses. Tanto quanto sabem, não possuía tão pouco qualquer viatura onde se pudesse deslocar.
Recordam-se de por vezes ir ao seu encontro à pensão um homem que o Sr. AA... tratava por “DD...” e que por vezes saiam juntos, mas nada sabem quanto ao motivo para esses encontros.
Atendendo a que o Sr. AA... se encontra igualmente coletado em nome individual deslocamo-nos à morada constante das faturas timbradas em seu nome, localizadas na Rua (…), apurando tratar-se dum armazém que se encontra encerrado e desocupado. Tendo sido possível visualizar o seu interior, verifica-se que não existia no local quaisquer máquinas, cortiça, ou outros produtos.
Uma vez que o referido contribuinte recebe pensão da Segurança Social, contactámos esse organismo no sentido de aferir se possuiriam nos seus registos outra morada do Sr. AA..., para o envio da própria pensão ou de outra correspondência, tendo sido informados que a morada que dispunham era apenas a já indicada na pensão em S.J. Madeira.
Voltamos a contactar os responsáveis da pensão inquirindo se era habitual receberem no local correspondência dirigida ao Sr. AA..., tendo estes afirmado que desde que ele de lá tinha saído nunca tinham recebido nenhuma e mesmo antes dele sair era muito raro receberem alguma.
Por esse motivo, inquirimos junto dos CTT acerca da correspondência remetida para a referida morada em nome de AA..., tendo sido informados que tinham instruções para reencaminhar a mesma para um apartado localizado em Chaves, não dispondo de nenhuma morada além dessa indicação.
Foi remetida notificação ao referido AA... a fim de proceder à exibição da contabilidade da empresa com referência aos anos de 2013 e 2014, tendo essa notificação sido reencaminhada pelos serviços postais para o apartado em Chaves, sendo o aviso de receção assinado pelo destinatário. No entanto, o mesmo não compareceu no dia indicado nem contactou por qualquer outro meio.
Não tendo sido possível o contacto com o referido sócio, foi, no entanto, possível concluir que se trata dum contribuinte sem posses e sem meios para o exercício de qualquer atividade em nome próprio ou da empresa “B... Lda”, não possuindo tão pouco qualquer viatura ou sequer carta de condução.
Até à data presente foram detetados contribuintes que declaram ter efetuado compras à 'B... Lda” no montante de € 599.116,18 no ano de 2013 e de € 2.098.480 no ano de 2014 (valores com IVA incluído), valores incomportáveis para a ausência de estrutura empresarial que esta sociedade manifesta (valores constantes dos anexos P, entregues juntamente com a IES pelos diversos utilizadores).
Tendo sido comparadas as caligrafias das diversas faturas recolhidas até à data, verifica-se que a caligrafia de preenchimento das mesmas difere consoante a empresa onde se encontram relevadas, indiciando terem sido diferentes pessoas a preenche-las.
Os elementos recolhidos apontam para que a “B... Lda” se trate duma empresa criada com o expresso fim de emitir faturas falsas, não titulando as vendas mencionadas nos documentos timbrados em seu nome em circulação no setor corticeiro operações efetivamente realizadas.
Foi assim promovida a cessação oficiosa da empresa.
III. 2.1.2. Elementos recolhidos na inspeção à A..., Lda
Na contabilidade da “A..., Lda” encontram-se relevadas no ano de 2013 as faturas com os dados que de seguida se descrevem (anexo 9)
NºcontNºfaturaDataArtigoCalibreQuantidadeUnidadPreçoValorIVAValor total
1100045103-11-2013Cortiçaamadia11000kg€ 2,70€ 29.700,00€ 6.831,00€ 36.531,00
1100055220-11-2013Cortiçaamadia13000kg€ 2,30€ 29.900,00€ 6.877,00€ 36.777,00
1200025304-12-2013Cortiça12900kg€ 2,35€ 30.315,00€ 6.972,45€ 37.287,45
1200035410-12-2013rolhas49x25270milheiro€110,00€ 29.700,00€ 6.831,00€ 36.531,00
1200055520-12-2013rolhas49x25160milheiro€ 70,00€ 11.200,00€ 2.576,00€ 13.776,00
1200055520-12-2013rolhas45x25180milheiro€ 50,00€ 9.000,00€ 2.070,00€11.070,00
III.2.1.2.1. Quanto às mercadorias e seu transporte
Analisando-se as faturas timbradas em nome da “B... Lda” verifica-se que as faturas nº ...1, ...2 e ...3 indicam que a viatura com a matrícula (...), propriedade da “A..., Lda” teria carregado 36.900 kg de cortiça pelo valor global de 89.915,00 euros (valores sem IVA) em localidades onde a “B... Lda” não possui instalações, nem consta que alguma vez tenha adquirido qualquer mercadoria (Messejana, Odemira e Vendas Novas).
Já as faturas nº ...4 e ...5 referem a compra de 610 milheiros de rolhas de calibre 49x25, pelo valor global de 49.900 euros (valores sem IVA), igualmente em localidades onde a “B... Lda” não possui instalações (S. Brás de Alportel e S. Paio de Oleiros).
Quanto ao transporte, as faturas nº ...4 e ...5 indicam como tendo sido usada a viatura com a matrícula (...), que corresponde a um veículo ligeiro de passageiros, da marca Opel Corsa, sem capacidade para transportar as quantidades de rolhas em causa que foram de 270.000 rolhas na fatura nº ...4 e de 340.000 rolhas na fatura nº ...5 (anexo 11).
Analisando ainda o caso das faturas nº ...4 e ...5 refira-se que, supostamente, a “A..., Lda” teria adquirido em dezembro de 2013 rolhas de calibre 49x25 no total de 610 milheiros de rolhas, com o valor de 49.900 euros.
Ora, a ser verdadeira essa compra, tal significaria que ou as rolhas constariam do inventário final de existências desse ano, ou teriam sido vendidas no curto espaço de tempo que decorreu entre a sua compra e o final do ano. No entanto, nem essas rolhas constam do inventário final, nem a “A..., Lda” procedeu à venda de quaisquer rolhas desse calibre em dezembro de 2013.
III.2.1.2.2. Quanto ao pagamento das faturas
A “A..., Lda” não consegue fazer prova do pagamento de qualquer dos valores mencionados nas referidas faturas.
No final do ano de 2013 consta como estando em dívida a totalidade dos valores faturados (€ 171.972,45):
. Indica-se terem sido aceites inúmeras letras entre janeiro e abril de 2014, no valor global de € 171.972,45, lançadas por débito da conta corrente da “B... Lda” com o nº «...25», por contrapartida da conta de letras titulada em nome da mesma empresa com o nº «...01» ..
. Depois, indica-se no extrato de conta corrente da “B... Lda” que teria sido pago em janeiro de 2014 uma letra no montante de € 36.531,00 por Caixa. Analisando-se o diário desse movimento verifica-se que esse valor foi saldado por contrapartida da conta do próprio gerente da “A..., Lda” (“...01 - MR...” - anexo).
, Em fevereiro de 2014 teria sido paga uma letra no montante de € 37.287,45. Mais uma vez, esse pagamento é registado como tendo ocorrido por contrapartida da conta do gerente da empresa com nº «...01 - MR...».
, Em março de 2014, teria sido reformada uma letra no valor de € 36.777, sendo o lançamento efetuado por contrapartida do aceite duma nova letra no valor de € 16.000 e o valor restante de € 20.777 contabilizado como pago por contrapartida da referida conta em nome do gerente da “A..., Lda” com o nº «...01 - MR...».
, Ainda em março de 2014 teria sido pago o valor de € 16.000, recorrendo ao mesmo expediente contrapartida da conta corrente em nome do gerente da “A..., Lda”.
Em abril de 2014 consta como tendo sido pagas duas verbas de € 10.000 cada, igualmente por contrapartida da conta em nome do gerente da “A..., Lda”.
O mesmo expediente foi usado em maio de 2014, indicando-se a reforma duma letra no valor de € 6.531,00 euros, por contrapartida do aceite duma nova letra no valor de e 20.000 euros e o restante (€ 16.531,00) por contrapartida da conta em nome do gerente da “A..., Lda”.
Em junho de 2014 foram registados os três pagamentos restantes (€ 19.300, € 700 e € 4.846) todos igualmente por contrapartida da conta do gerente da “A..., Lda”.
No que à alegada emissão de letras para pagamento das faturas em causa, importa referir alguns aspetos relativos ao enquadramento tributário das letras, os quais evidenciam estarmos perante mera emissão de papel para tentar iludir a atuação da Inspeção Tributária.
Nas letras, o imposto do selo constitui encargo do sacado alínea j) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS, nascendo a obrigação tributária no momento da sua emissão alínea 1) do artigo 13.º do CIS e competindo a liquidação e o pagamento do imposto às entidades emitentes de letras alínea f) do artigo 14.º do CIS (ou seja, o sacador, que neste caso seria a B... Lda, pois, o n.º 8 do artigo 1.º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças. ao referir que um dos requisitos que a letra deve conter é “A assinatura de quem passa a letra (sacador)” não deixa dúvidas que o emitente da letra é o sacador), sendo, por conseguinte estas entidades os sujeitos passivos do imposto, por força do artigo 2.º do CIS;
É que sendo a letra um título de crédito pelo qual alguém (sacador) dá ordem a um devedor (sacado) para pagar determinada quantia, em certa data a uma terceira pessoa (beneficiário ou portador) ou à sua ordem, é evidente que tem que ser o sacador o emitente da letra, tanto mais que tem que proceder à liquidação do imposto e do competente registo, muito embora a letra possa ser processada ou preenchida por qualquer outra pessoa incluindo o sacado, como, eventualmente, poderá acontecer na reforma das letras.
Ora, não existe qualquer evidência do pagamento de imposto do selo por parte da B... Lda, bem como do posterior débito deste montante por parte desta à A..., Lda, como sucederia se estivéssemos perante verdadeiras transações e perante verdadeiros pagamentos.
Ou seja, em resumo, TODOS os pagamentos à “B... Lda” no montante global de € 171.972,45 foram relevados na contabilidade da “A..., Lda” por contrapartida da conta em nome do gerente da empresa, MR..., não conseguindo fazer prova da entrega de qualquer valor ao suposto fornecedor.
Refira-se que o referido gerente nos anos de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014 declarou respetivamente rendimentos brutos em sede de IRS no valor de apenas € 4.567,40, € 5.820,00, € 5.820,00, € 5.335 e€ 6.365, não se lhe reconhecendo assim tão pouco capacidade para proceder a esses pagamentos em nome da “B... Lda”.
III.2.1.2.3. Análise à numeração das faturas vs data das faturas
Tendo-se procedido à análise comparativa das datas das faturas timbradas em nome de “B... Lda” contabilizadas pela “A..., Lda”, não se detetou anomalia na emissão sequencial das mesmas, isto é, a fatura n.º ...2 tem data posterior à fatura n.º ...1, e assim sucessivamente.
Contudo, se se fizer esta mesma análise, mas tendo em atenção todas as faturas timbradas da “B... Lda” já identificadas pela AT, constata-se haver um total desacerto da sequência numéricas das mesmas, situação típica no caso de faturas falsas, na medida em que os diferentes utilizadores das mesmas, não têm conhecimento sobre os dados com que foram/serão emitidas as faturas pelos restantes utilizadores, sendo que as faturas são emitidas de acordo com as “necessidades” específicas de cada um dos utilizadores. O quadro abaixo, espelha tal situação:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Nas três colunas da esquerda encontram-se as faturas ordenadas por número e nas três colunas da direita encontram-se as faturas ordenadas pela data aposta nas mesmas, permitindo assinalar o completo descontrole nas datas com que foram emitidas e que atrás referimos.
III.2.1.3. Conclusões
De acordo com o que ficou referido, a empresa “B... Lda” não negoceia em cortiça, ou seus derivados, ou em qualquer outro setor de atividade.
Trata-se duma empresa “fantasma”, criada com o único fim de emitir faturas falsas que foram posteriormente colocadas a circular em outras empresas do setor corticeiro, tendo sido oficiosamente cessada pelos Serviços de Inspeção.
Como tal, a mesma nunca poderia ter vendido à “A..., Lda” as mercadorias que constam das referidas faturas.
A análise dos elementos disponíveis na contabilidade da empresa “A..., Lda” permitem confirmar esses factos, não existindo quaisquer evidências da efetiva realização daqueles negócios.
A empresa “A..., Lda” não consegue fazer prova do pagamento de qualquer valor a essa empresa, nem tão pouco da necessidade de adquirir grande parte das mercadorias titulada por aquelas faturas, havendo ainda incongruências quanto ao transporte das referidas mercadorias.
Estes elementos permitem concluir que as faturas timbradas em nome da empresa “B... Lda” relevadas na contabilidade da empresa “A..., Lda” são falsas, não consubstanciando qualquer efetiva transação comercial ocorrida entre esses intervenientes.
III.2.2. Faturas timbradas em nome de D... Lda, NIF: (...) III.2.2.1. Elementos recolhidos na inspeção ao emitente
O sujeito passivo foi inspecionado pelo signatário deste relatório no cumprimento da Ordem de Serviço ...60, tendo tal inspeção decorrido entre 2014-12-18 e 2015-07-31.
No decurso dessa inspeção concluiu-se que se trata dum operador meramente instrumental no mercado, no circuito de lavagem de faturas no setor corticeiro, utilizando faturas falsas ou forjadas doutros emitentes e emitindo por sua vez faturas igualmente falsas para outras empresas.
É um contribuinte que em sede de IRS apresenta rendimentos baixos, ou mesmo negativos, e que em sede de IVA se encontrava permanentemente em crédito de imposto, nunca apurando qualquer valor a entregar nos cofres do Estado.
O local do suposto exercício de atividade corresponde a uma garagem situada nas traseiras da sua casa.
No dia 2014-12-18 esse local foi visitado, no sentido de aferir das condições para o exercício da atividade pela qual está coletado.
Essas instalações tratam-se, tal como referido, duma garagem nas traseiras da sua casa, localizada na Rua (…), correspondendo à morada onde supostamente também exerceria a atividade uma outra empresa, a “H..., Lda---”, outra empresa inspecionada pelos Serviços de Inspeção da DF Aveiro, de que é gerente um tio de D... Lda, e acerca da qual se concluiu igualmente tratar-se duma empresa instrumental.
Na referida garagem verificou-se existirem à data da visita uma broca (que o contribuinte referiu pertencer ao seu tio, gerente da “H..., Lda---”) e uma pequena quantidade de cortiça, pouco espaço sobrando para circular no seu interior.
Apesar do contribuinte referir que por vezes fabrica rolhas usando aquela broca, não se vislumbrou no local quaisquer indícios dessa atividade, nomeadamente apara, serrim, ou o pó típico desse tipo de unidades industriais.
Essas instalações tinham já sido alvo de visitas anteriores efetuadas no decurso da inspeção à empresa “H..., Lda---”, que supostamente exerceria atividade no mesmo local, apurando-se não possuir o mesmo indícios dessa utilização ou sequer possuir condições para tal.
Analisando-se as compras declaradas na sua contabilidade por D... Lda, verificou-se que uma parte delas se encontra suportada com base em faturas timbradas em nome de conhecidos emitentes de faturas falsas já indiciados como tal em diversos processos e que as restantes se encontravam suportadas com base em faturas forjadas, em nome de empresas verdadeiras, mas sem o consentimento ou o conhecimento destas e que levaram mesmo à apresentação de queixas junto das entidades policiais por parte dessas empresas.
Em relação a TODAS as compras declaradas por D... Lda nos anos de 2013 e 2014 foram encontrados fortes e contundentes indícios de que se tratam de faturas falsas, não titulando esses documentos transações efetivamente ocorridas entre os intervenientes nelas mencionados.
Tendo-se procedido à análise das vendas declaradas por D... Lda, apuraram-se fundados indícios de que as mesmas são igualmente falsas e que nos anos investigados D... Lda atuou apenas como operador instrumental no setor corticeiro, no circuito de “lavagem de faturas”, relevando na sua contabilidade como suporte de compras faturas timbradas em nome de conhecidos emitentes de faturas falsas ou faturas forjadas que não titulam igualmente compras verdadeiras e emitindo por sua vez faturas para diversas outras empresas que não titulam transações efetivamente realizadas, forjando o desenvolvimento duma atividade que não tinha condições para exercer.
O contribuinte declarou vendas no montante de cerca de € 500.000 anuais em 2013 e 2014, sem que demonstre ter uma estrutura empresarial que lhe permita negociar nesses montantes.
Nas suas contas bancárias não estão espelhados recebimentos dos clientes nos montantes referidos, apenas contendo movimentações que não serão sequer compatíveis com o desenvolvimento duma atividade comercial de menor dimensão.
O contribuinte não tem empregados e as instalações onde afirma laborar não tem condições para armazenar as grandes quantidades de rolhas e cortiça que declara comprar e revende posteriormente.
A única viatura que possui para transportar as mercadorias é uma Mitsubishi Canter, matrícula (…), com uma reduzida capacidade de carga e que de acordo com a quilometragem medida entre inspeções periódicas, conforme dados facultados pelo IMTT, pouco circulou nos anos de 2013 e 2014.
Conforme dados medidos pelo IMTT entre as inspeções periódicas realizadas em 2012-09-28 e 2015-01-09, essa viatura apenas percorreu 5.401 km, ou seja, cerca de 2.700 km por ano, numa viatura supostamente usada para grande parte dos transportes de compras e vendas que esse emitente teria supostamente realizado.
Tendo-se analisado os supostos recebimentos de clientes relevados na contabilidade do sujeito passivo, verifica-se que grande parte deles se encontra relevada sem suporte documental a crédito a conta de clientes e a débito da conta “51 -- Capital - movimentos do empresário”.
Essa conta, “51 - Capital - movimentos do empresário”, é movimentada a débito aquando do lançamento dos recebimentos de clientes e a crédito aquando do lançamento do pagamento a fornecedores, sem que haja qualquer evidência de que ocorra de facto a entrada ou saída desses valores da esfera empresarial do sujeito passivo ou do seu próprio património individual.
Nas contas de Caixa e Bancos apenas são relevados pequenos recebimentos e pagamentos, não espelhando essas contas a ocorrência do movimento esperado dum empresário que transacionasse mercadorias nas quantidades declaradas.
Outros dos supostos recebimentos de clientes estão lançados na contabilidade por compensação direta de contas de fornecedores, não havendo qualquer justificação para que ocorra essa compensação direta, tratando-se de entidades perfeitamente distintas.
Na data presente foram já inspecionados alguns dos supostos clientes de D... Lda, recolhendo-se os elementos relativos às transações declaradas, apontando todos eles para as conclusões de posição meramente instrumental deste contribuinte no setor corticeiro.
Foram assim apurados fortes indícios de que D... Lda, funciona apenas como operador instrumental no circuito de “lavagem de faturas” no setor corticeiro, relevando na sua contabilidade como suporte de compras faturas timbradas em nome de conhecidos emitentes de faturas falsas ou faturas forjadas e emitindo por sua vez faturas para diversas outras empresas que não titulam transações efetivamente realizadas, forjando o desenvolvimento duma atividade que não tem condições para exercer.
Foi assim promovida a cessação oficiosa do mesmo.
III.2.2.2. Elementos recolhidos na inspeção à A..., Lda
Na contabilidade da “A..., Lda” encontram-se relevadas no ano de 2013 as faturas com os dados que de seguida se descrevem (anexo 8):
N.º cont.Nº FaturaDataArtigoQuantidadeUnidadePreçoValorIVAValor total
1000044223-10-2013Cortiça2350kg€5,00€11.750,00€2.702,50€14.452,50
1000054425-10-2013Cortiça3060kg€5,00€15.300,00€3.519,00€18.819,00
1000064529-10-2013Cortiça3200kg€3,00€9.600,00€2.208,00€11.808,00
1000074629-10-2013Cortiça11750kg€2,00€23.500,00€5.405,00€28.905,00
III.2.2.2.1. Quanto às mercadorias e seu transporte
As faturas em causa titulam a suposta compra de 20.360 kg de cortiça entre 23 e 29 de outubro de 2013.
A cortiça referente às faturas nº ...2 e ...4 teria sido transportada a partir de Argoncilhe.
Já a cortiça das faturas nº ...5 e ...6 teria sido transportada a partir de Benedita (Alcobaça), pela viatura com a matrícula (...), propriedade da “A..., Lda”, onde o contribuinte D... Lda não possui instalações, nem consta que alguma vez tenha comprado cortiça que pudesse vender.
III.2.2.2.2. Quanto ao pagamento das faturas
Quanto ao pagamento, as compras nos valores totais de € 73.984,50 euros constam como não tendo sido pagas no final do ano de 2013, mas apenas sendo saldada a dívida em janeiro, novembro e dezembro de 2014. No entanto, na contabilidade encontram-se relevados os recibos nº ...9, datado de 2013-10-24, onde se titula o suposto pagamento da fatura nº ...2 e o recibo nº ...0, datado de 2013-10-29, onde se titula o suposto pagamento das faturas nº ...4 e ...5.
Ou seja, a empresa “A..., Lda” tem na sua posse recibos comprovativos de pagamentos supostamente efetuados até mais dum ano depois da data mencionada nos mesmos.
Analisando-se o suporte documental dos pagamentos, verifica-se ainda que, dos referidos 73.984,50 euros que constituiriam o valor a pagar ao contribuinte D... Lda, apenas 3.000 euros constam como tendo sido pagos por cheque depositado na conta de D... Lda e os restantes 70.984,50 euros em numerário, contrariando o disposto no nº 3, do artigo 63º-C da LGT.
A empresa “A..., Lda” não consegue assim igualmente fazer prova do pagamento do valor das compras que supostamente teria efetuado a D... Lda.
III.2.2.3. Conclusões
O contribuinte D... Lda foi inspecionado pela D.F. Aveiro, tendo-se concluído que se trata dum operador meramente instrumental no setor corticeiro, com compras declaradas integralmente falsas, suportadas em faturas timbradas em nome de conhecidos emitentes de faturas falsas ou mesmo em faturas forjadas timbradas em nome de empresas reais, sem o conhecimento por parte destas, facto que levou igualmente à apresentação de queixa contra o mesmo junto das entidades policiais.
Por sua vez, emite depois para outras empresas ou empresários faturas igualmente falsas, titulando vendas inteiramente falsas, que não tem meios para realizar.
Foi assim cessado oficiosamente pelos Serviços de Inspeção.
Como tal, o mesmo nunca poderia ter vendido à “A..., Lda” os bens que se encontram referidos as faturas que atrás se identificaram.
A própria localidade onde teria sido carregada a maior parte da cortiça supostamente adquirida pela “A..., Lda” a D... Lda corresponde a um local onde o mesmo não possui instalações, nem consta que alguma vez tenha comprado cortiça.
Na contabilidade da “A..., Lda” encontram-se ainda incongruências quanto aos pagamentos, não conseguindo a empresa fazer prova dos mesmos e existindo discrepância entre as datas em que teriam supostamente ocorrido e as datas mencionadas nos recibos.
Conclui-se assim pela falsidade das operações tituladas pelas faturas timbradas em nome de D... Lda que foram relevadas na contabilidade da “A..., Lda” no ano de 2013.
III.2.3. Faturas timbradas em nome de C... Ld.ª; NIF: (…)
III. 2.3.1. Elementos recolhidos na inspeção ao emitente
“CC---” foi inspecionada pela IT PM…, em serviço na DF Aveiro, no cumprimento da Ordem de Serviço ...56, da qual resultou a indiciação da empresa como utilizadora e igualmente como emitente de faturas falsas.
Essa ação de inspeção iniciou-se em maio de 2011, concluindo-se em maio de 2012. Aquando do início da ação de inspeção, apurou-se que as instalações onde a empresa tinha exercido a sua atividade se tratava dum pavilhão desativado e em estado de degradação e com indícios de estar sem utilização há vários anos.
Apurou-se ainda haverem já elevadas dívidas fiscais da empresa no montante de € 550.869,38, não tendo a mesma capacidade financeira para as saldar.
Cerca de 95% das aquisições declaradas pela “CC---” nos anos de 2008 a 2011 encontram-se suportadas por documentos timbrados em nome de contribuintes indiciados por emissão de faturas falsas.
A partir do ano de 2011 a empresa não possui quaisquer máquinas ou quaisquer viaturas que lhe permitissem desenvolver a sua atividade, tendo os bens que possuía sido penhorados pelo 2º S.F. Feira já no decurso do ano de 2008, face às avultadas dívidas fiscais que a empresa tinha e que ultrapassavam os € 500.000.
A “CC---” foi novamente inspecionada no cumprimento da ordem de serviço ...56, pelo IT AB…, entre janeiro e dezembro de 2014, abrangendo as datas em que terão sido emitidas as faturas recolhidas na contabilidade da empresa “A..., Lda”, apurando novamente a prática de ilícito criminal e fiscal relacionado com faturas falsas.
No decurso da presente ação de inspeção foi novamente visitado o local onde supostamente essa empresa exerceria a sua atividade, mantendo-se as conclusões quanto ao abandono das mesmas e à ausência de vestígios de qualquer movimentação recente no local.
Em suma, apurou-se que a empresa a partir do final de 2008 terá começado a emitir faturas falsas, funcionando como empresa instrumental no circuito de “lavagem de faturas” no setor corticeiro, relevando na sua contabilidade como suporte de compras faturas timbradas em nome de conhecidos emitentes de faturas falsas e emitindo por sua vez faturas para diversas outras empresas que não titulam transações efetivamente realizadas, forjando o desenvolvimento duma atividade que já não tinha condições para exercer.
III.2.3.2. Elementos recolhidos na inspeção à A..., Lda
Na contabilidade da “A..., Lda” encontram-se relevadas no ano de 2014 as faturas com os dados que de seguida se descrevem (anexo 14):
Nº cont.Nº faturDataArtigoQualidadeQuantidadeUnidadePreçoValorIVA
3000398131-03-2014rolhas45x2490milheiro€ 200,00€ 18.000,00€ 4.140,00
3000398131-03-2014rolhas45x24220milheiro€ 110,00€ 24.200,00€ 5.566,00
3000398131-03-2014rolhas45x24140milheiro€ 80,00€ 11.200,00€ 2.576,00
3000398131-03-2014rolhas45x24250milheiro€ 55,00€ 11.000,00€ 2.530,00
3000498231-03-2014rolhas49x2456milheiro€ 250,00€ 14.000,00€ 3.220,00
3000498231-03-2014rolhas49x24180milheiro€ 150,00€ 27.000,00€ 6.210,00
300498231-03-2014rolhas49x24110milheiro€ 110,00€ 12.100,00€ 2.783,00
III.2.3.2.1. Quanto às mercadorias e seu transporte
Na fatura nº ...81, de 2014-03-31, refere-se a compra de 700.000 rolhas de calibre 45x24, no valor global de 64.400 euros (s/ IVA) e na fatura nº ...82, de 2014-03-31, refere-se a compra de 346.000 rolhas de calibre 49x24, no valor global de 53.100 euros (s/ IVA).
Caso essas compras fossem reais, tal significaria que entre a data da suposta compra e o final do ano a empresa “A..., Lda” as teria alienado, uma vez que as mesmas não constam igualmente inventário final de 2014.
No entanto, entre 2014-03-31 e 2014-12-31 a “A..., Lda” apenas vendeu 380.000 rolhas de calibre 45x24 e ainda assim com preço substancialmente inferior ao declarado na suposta compra.
Entre essas duas datas apenas vendeu 142.900 rolhas de calibre 49x24, igualmente com preços inferiores ao declarado na suposta compra.
Não se verifica assim tão pouco a necessidade da “A..., Lda” comprar as rolhas mencionadas as duas referidas faturas para o normal exercício da sua atividade.
Quanto ao transporte das mercadorias verificam-se igualmente incongruências:
, a guia de remessa nº 1517, referente à fatura nº ...81, indica como tendo sido usada no transporte de 700.000 rolhas a viatura com matrícula (...), que corresponde a um veículo ligeiro de passageiros da marca Honda, sem capacidade para transportar tal quantidade de rolhas (anexo 12)
, a guia de remessa nº 1518, referente à fatura nº ...82, indica como tendo sido usada no transporte de 346.000 rolhas a viatura com a matrícula ..-..-OU, que corresponde a um veículo ligeiro de mercadorias da marca (…), igualmente sem capacidade para transportar tal quantidade de rolhas (anexo 13).
Note-se que, mesmo que fosse possível carregar as rolhas de forma perfeitamente alinhadas, uma a uma, sem qualquer perda de espaço entre elas, o que é desde logo impossível tratando-se de corpos cilíndricos, no caso da fatura nº ...81 estaríamos a falar dum volume de carga de 28,49 metros cúbicos e no caso da fatura nº ...82 estaríamos a falar dum volume de carga de 15,07 metros cúbicos, ainda assim claramente acima das capacidades das referidas viaturas.
III.2.3.2.2. Quanto ao pagamento das faturas
No final do ano de 2014 o valor de 144.525,00 euros continua a constar da contabilidade da “A..., Lda” como estando em dívida, apesar do grande período de tempo já decorrido e das próprias faturas referirem «pagamento a 60 dias».
Ou seja, a “A..., Lda” não consegue fazer prova do pagamento de qualquer valor relativo às supostas compras.
III.2.3.3. Conclusões
A “CC---” foi inspecionada por diversas vezes, abrangendo o período em que teria supostamente efetuado vendas para a “A..., Lda”, concluindo-se que, pelo menos a partir de 2011, não possui qualquer estrutura empresarial, como instalações, máquinas, ou empregados, que lhe permitam o desenvolvimento de qualquer atividade.
Nos anos de 2011 e seguintes limitou-se a funcionar como empresa meramente instrumental no setor corticeiro, emitindo faturas falsas para diversos operadores que não consubstanciam a realização de qualquer operação verdadeira.
Como tal, a mesma nunca poderia ter vendido à “A..., Lda” as mercadorias que constam das faturas timbradas em seu nome que foram encontradas na contabilidade desta.
Os dados recolhidos na própria empresa “A..., Lda” permitem comprovar essa falsidade demonstrando-se incongruências quanto aos transportes, pagamentos e demonstrando-se a própria ausência de necessidade da empresa em fazer aquelas compras para o exercício normal da sua atividade.
III.2.4. Faturas timbradas em nome de AA..., NIF: (...) III.2.4.1. Elementos recolhidos na inspeção ao emitente
Este contribuinte foi já identificado no capítulo III.2.1., enquanto sócio da “B... Lda”, caracterizando-se o mesmo como um contribuinte sem grandes posses, que residiu até ao final do ano de 2014 num quarto duma pensão em S.J. Madeira, não possuindo tão pouco viatura própria onde se deslocar.
Encontra-se enquadrado em IVA no regime normal de periodicidade trimestral desde 2012-01-16, integrado no CAE 46213 - comércio por grosso de cortiça, nunca tendo entregue as declarações de IVA dos períodos em que esteve coletado ou as declarações modelo 3 de IRS.
Não possui instalações, empregados, viaturas, ou quaisquer meios que lhe permitam o desenvolvimento duma atividade comercial nos montantes que lhe estão imputados.
Apesar do sujeito passivo ter declarado o início de atividade em 2012, não foram até à data detetadas faturas referentes a esse ano ou ao ano de 2013.
No entanto, até à data presente foram detetadas faturas em nome do sujeito passivo no montante de € 2.154.360,00 (IVA incluído) no ano de 2014, desconhecendo-se o valor de grande parte das faturas (valores constantes dos anexos P, entregues juntamente com a IES pelos diversos utilizadores).
Esses valores são claramente incomportáveis para alguém sem uma sólida estrutura empresarial, algo que o sujeito passivo manifestamente não possui.
A caligrafia usada no preenchimento dessas faturas difere consoante a empresa onde foram recolhidas, indiciando poderem ter sido diferentes pessoas a preencher as mesmas, apesar de ter sido comprovadamente o sujeito passivo a requisita-las na tipografia, em 2014-02-07, conforme confirmamos junto da “GG---, Lda”, onde nos foi exibida a respetiva requisição (anexo 7) e fotocópia do cartão de cidadão. É assim certo que se não tiver sido ele a preenche-las integralmente, terá sido ele a faculta-las a terceiros para que as preenchessem.
Apenas uma empresa com uma sólida estrutura empresarial, que o sujeito passivo manifestamente não tem, poderia realizar negócios de tais montantes como os que lhe são imputados naquelas futuras, ressalvando-se ainda que se desconhece nesta data o valor de muitas das 250 faturas que sujeito passivo requisitou junto da tipografia.
Junto de diversos utilizadores das faturas timbradas em nome dessa empresa foi possível confirmar essas conclusões, não conseguindo os mesmos fazer prova do pagamento dos valores relevados as referidas faturas, não conseguindo fazer prova da forma como foram as mercadorias transportadas ou onde foram carregadas, ou então apresentando claras incongruências nos elementos fornecidos, como sendo o transporte em viaturas sem capacidade para tal.
Os elementos recolhidos permitem concluir que o sujeito passivo não exerce, nem nunca exerceu, qualquer atividade no setor corticeiro, apenas emitindo faturas de favor para diversas empresas.
Foi assim promovida a cessação oficiosa do contribuinte.
III.2.4.2. Elementos recolhidos na inspeção à A..., Lda
Na contabilidade da “A..., Lda” encontram-se relevadas no ano de 2014 as faturas com os dados que de seguida se descrevem (anexo 15):
Nº cont.Nº faturDataArtigoQuantidadeUnidadePreçoValorIVAValor total
600048420-06-2014Cortiça10570kg€ 1,85€ 19.554,50€4.497,54€24.052,04
600038220-06-2014Cortiça15180kg€ 3,00€ 45.540,00€ 10.474,20€ 56.014,20
600027820-06-2014Cortiça10300kg€ 1,95€ 20.085,00€ 4.619,55€ 24.704,55
800059520-08-2014Cortiça17300kg€ 1,82€ 31.486,00€ 7.241,78€ 38.727,78
900029927-09-2014Cortiça17000kg€ 1,82€ 30.940,00€ 7.116,20€ 38.056,20
1200099401-12-2014serviços1unidade€ 15.510,00€ 15.510,00€ 3.567,30€ 19.077,30
12000416430-12-2014Cortiça50palete€ 400,00€ 20.000,00€ 4.600,00€ 24.600,00
III.2.4.2.1. Quanto às mercadorias e seu transporte
Com exceção da fatura nº ...64 nenhum dos documentos indica qual o local de carga, data do transporte, local de descarga e meio de transporte utilizado para fazer circular as mercadorias mencionadas nas faturas, sendo certo que, conforme já referido, AA... não possui quaisquer instalações ou estaleiro onde pudesse armazenar qualquer quantidade de cortiça.
A fatura nº ...64 indica como tendo sido usada a viatura com a matrícula (…), que corresponde a um motociclo da marca Honda (anexo 16) para fazer o transporte de 50 paletes de cortiça entre Odemira e Lourosa. Ora, se o transporte de uma só palete de cortiça seria algo inédito e claramente impossível neste tipo de viatura, o transporte de 50 paletes ultrapassa em muito o absurdo.
Note-se ainda que essas 50 paletes de cortiça teriam sido transportadas pelo referido motociclo no dia 30 de dezembro de 2014, sendo descarregadas às 21h nas instalações da A..., Lda. Caso fosse verdadeira essa compra, atendendo a que a empresa não fez qualquer venda no dia 31 de dezembro, as 50 paletes de cortiça, no valor de € 20.000 deveriam constar do inventário final, o que não sucede, ou totalmente transformadas em rolhas durante o dia 31 após a sua receção, o que não é, obviamente viável.
A fatura nº ...4 indica a prestação de serviços de comissões na compra de cortiça e no topejamento de rolhas. Ora, conforme já referido, o contribuinte AA... não possui qualquer meio de prestar esses mesmos serviços, não dispondo tão pouco de carta de condução que lhe permitisse deslocar-se por si só para prestar os ditos serviços e receber comissões na compra de cortiça.
Analisando ainda as faturas verifica-se pelo original das mesmas, apreendido no decurso da presente ação de inspeção, que apesar de das mesmas constar uma assinatura supostamente do contribuinte AA..., a mesma foi aposta nos documentos usando uma caneta de cor diferente da usada no preenchimento, indiciando que a aposição da assinatura e o preenchimento a fatura terá sido efetuado em ocasiões distintas, facto comum no caso de faturas falsas, em que as faturas após serem assinadas são entregues em branco ao utilizador das mesmas, sendo depois preenchidas consoante as necessidades do mesmo.
III.2.4.2.2. Quanto ao pagamento das faturas
Na contabilidade do sujeito passivo encontra-se relevado no final do ano de 2014 como estando pagos apenas € 147.552,79 do total de € 225.232,07 que perfazem as faturas atrás indicadas.
Analisando o suporte desses pagamentos detetam-se inúmeras incongruências. Além de pagamentos supostamente efetuando em numerário ao arrepio da Lei, as datas e valores mencionados nos recibos na posse da “A..., Lda” não coincidem com as datas e valores que esta declara ter pago a AA..., conforme consta da sua contabilidade:
. o recibo nº ...00 indica o pagamento de 13.056 euros em 2014-06-20, mas a “A..., Lda” apenas releva o pagamento de 12.056 euros e ainda assim apenas em 2014-09-30, indicando ter pago por numerário (contrariando o já referido neste relatório artigo 63º-C da LGT). Esse pagamento foi relevado por contrapartida da conta em nome do gerente da “A..., Lda” com o nº «...01 - MR...», procedimento já atrás relatado no caso da empresa “B... Lda” e cuja insustentabilidade se demonstrou.
. o recibo nº ...0 indica o pagamento de € 20.000 em 2014-10-20, mas a “A..., Lda” releva esse recibo como suporte do pagamento de 13.500 euros em 2014-10-31 (em numerário, mas lançado por contrapartida da conta do gerente MR... atrás identificada), 350 euros em 2014-11-06 (igualmente por numerário), de 400 euros em 2014-11-07 (mais uma vez em numerário) e 7.500 euros em 2014-11-11 (também em numerário).
. o recibo nº ...1 indica o pagamento de € 56.014,20 em 2014-11-20, mas a “A..., Lda” releva esse recibo como suporte do pagamento de € 10.000 em 2014-11-07, de € 16.000 em 2014-11-11 (relevados por contrapartida da conta titulada em nome do gerente MR...), ficando por contabilizar o restante.
. o recibo nº ...7 indica o pagamento de € 24.704,55 euros em 2011-11-20, igualmente por contrapartida da conta corrente do gerente MR...;
. o recibo nº ...2 indica o pagamento de € 18.727,78, sem indicar a data. A “A..., Lda” relevou esse documento como suporte do pagamento de apenas€ 1.700 em 2014-11-19, em numerário.
. foram relevados levantamentos ao balcão efetuados pelo gerente da “A..., Lda” em dezembro de 2014 nos montantes de € 395, € 7.500 e € 3.000 como tendo servido para pagar a AA... (mais uma vez, os pagamentos teriam ocorrido em dinheiro)
. o recibo nº ...9 indica o pagamento de 24.052,04 euros em 2014-11-29. Esse recibo foi relevado na contabilidade como suporte do suposto pagamento de € 4.052,04 em 2014-12-03, de € 6.000 em 2014-12­10, € 7.000 em 2014-12-17 e € 3.000 em 2014-12-22. Esses supostos pagamentos foram relevados tendo como contrapartida a conta corrente em nome do gerente, MR....
. o recibo nº ...2, já atrás indicado, serve novamente de suporte ao suposto pagamento de € 7.895 em 2014­12-19. Esse movimento foi relevado tendo como contrapartida a conta corrente em nome do gerente, MR....
. o recibo nº ...8 indica o pagamento de € 10.000 em 2015-01-30 (?) sendo relevado como suporte do pagamento de € 3.000 em 2014-12-29. Esse suposto pagamento foi relevado tendo como contrapartida a conta corrente em nome do gerente, MR....
. o recibo nº ...6 indica o pagamento de € 15.000 em 2014-12-27, sendo indicado esse pagamento como tendo, igualmente e sempre em violação da Lei, ocorrido em numerário. Esse suposto pagamento foi relevado tendo como contrapartida a conta corrente em nome do gerente, MR....
Refira-se ainda que, à semelhança do sucedido com algumas das faturas atrás identificadas, também em alguns dos recibos foi usada uma caneta diferente no preenchimento do recibo e na assinatura do mesmo, indiciando que tal terá ocorrido em momentos diferentes. Esse facto é evidente nomeadamente no caso do recibo nº ...6, preenchido com caneta de tinta preta e assinado com caneta de tinta azul.
Ou seja, a “A..., Lda” não consegue fazer prova do pagamento de qualquer valor por conta das supostas compras.
III.2.4.2.3. Análise à numeração das faturas vs data das faturas
Tendo-se procedido à análise comparativa das datas das faturas timbradas em nome de AA... contabilizadas pela “A..., Lda”, detetou-se uma anomalia na emissão sequencial das esmas, isto é, a fatura nº ...4, foi emitida com data posterior à das faturas nº ...5 e ...9.
Contudo, se se fizer esta mesma análise, mas tendo em atenção todas as faturas timbradas de AA... já identificadas pela AT, constata-se haver um total desacerto da sequência numéricas das mesmas, situação típica no caso de faturas falsas, na medida em que os diferentes utilizadores das mesmas, não têm conhecimento sobre os dados com que foram/serão emitidas as faturas pelos restantes utilizadores, sendo que as faturas são emitidas de acordo com as 'necessidades” específicas de cada um dos utilizadores. O quadro abaixo, espelha tal situação:
N.º Fat.DataUtilizadorN.º Fat.DataUtilizador
526-03-2014---1328-02-2014---
718-03-2014---5708-03-2014---
1328-02-2014---718-03-2014---
1411-04-2014---6520-03-2014---
1610-04-2014---6025-03-2014---
2616-05-2014---526-03-2014---
2927-05-2014---6327-03-2014---
3205-06-2014---6728-03-2014---
3613-06-2014---6928-03-2014---
4014-06-2014---5402-04-2014---
4206-06-2014---1610-04-2014---
4315-07-2014---1411-04-2014---
4415-07-2014---2616-05-2014---
5402-04-2014---7023-05-2014---
5708-03-2014---2927-05-2014---
6025-03-2014---7527-05-2014---
6327-03-2014---7728-05-2014---
6520-03-2014---7204-06-2014---
6728-03-2014---3205-06-2014---
6928-03-2014---4206-06-2014---
7023-05-2014---7911-06-2014---
7204-06-2014---3613-06-2014---
7527-05-2014---4014-06-2014---
7728-05-2014---7820-06-2014A..., Lda
7820-06-2014A..., Lda8220-06-2014A..., Lda
7911-06-2014---8420-06-2014A..., Lda
8220-06-2014A..., Lda4315-07-2014---
8420-06-2014A..., Lda4415-07-2014---
8627-09-2014---9520-08-2014A..., Lda
9401-12-2014A..., Lda8627-09-2014---
9520-08-2014---9927-09-2014A..., Lda
9610-11-2014---15708-10-214---
9718-11-2014---15819-10-2014---
9927-09-2014A..., Lda9610-11-2014---
10009-12-2014---9718-11-2014---
15523-12-2014---9401-12-2014A..., Lda
15719-10-2014---20602-12-2014---
15819-10-2014---1009-12-2014---
16430-12-2014A..., Lda20709-12-2014---
20602-12-2014---15523-12-2014---
20709-12-2014---16430-12-2014A..., Lda
Nas três colunas da esquerda encontram-se as faturas ordenadas por número e nas três colunas da direita encontram-se as faturas ordenadas pela data aposta nas mesmas, permitindo assinalar o completo descontrole nas datas com que foram emitidas e que atrás referimos.
III1.2.4.3. Conclusões
De acordo com o que ficou referido, AA... não negoceia em cortiça, ou seus derivados, ou em qualquer outro setor de atividade.
Trata-se dum contribuinte faltoso, que se coletou com o único fim de emitir faturas falsas que foram posteriormente colocadas a circular em outras empresas do setor corticeiro e que foi oficiosamente cessado pelos Serviços de Inspeção.
Como tal, o mesmo nunca poderia ter vendido à “A..., Lda” as mercadorias que constam das referidas faturas.
A análise dos elementos disponíveis na contabilidade da empresa “A..., Lda” permitem confirmar esses factos, não existindo quaisquer evidências da efetiva realização daqueles negócios.
A empresa “A..., Lda” não consegue fazer prova do pagamento de qualquer valor a esse contribuinte, nem tão pouco da necessidade de adquirir grande parte das mercadorias titulada por aquelas faturas, havendo ainda incongruências quanto ao transporte das referidas mercadorias.
Estes elementos permitem concluir que as faturas timbradas em nome de AA... relevadas na contabilidade da empresa “A..., Lda” são falsas, não consubstanciando qualquer efetiva transação comercial ocorrida entre esses intervenientes.
III.2.5. Faturas timbradas em nome de BB..., NIF: (…) III.2.5.1. Elementos recolhidos na inspeção ao emitente
Este contribuinte encontra-se a ser inspecionado no cumprimento das ordens de serviço ...90 e ...91, incidindo nos anos de 2014 e 2015, pelo IT (…), em serviço na D.F. Aveiro.
Apesar da ação de inspeção não se encontrar concluída na data presente, foi já possível verificar que se trata dum mero emitente de faturas falsas, sem que desenvolva qualquer atividade no setor corticeiro, encontrando-se o processo na fase de recolha da documentação nos diversos utilizadores das faturas timbradas em seu nome.
Em 2015-11-18, juntamente com o IT (…), deslocamo-nos ao domicílio fiscal do contribuinte, que coincide com o local onde supostamente exerceria a sua atividade, localizado na Av. (…).
O contribuinte reside nessa morada com a sua esposa, EE, numa casa cedida pela sua cunhada, situada nas traseiras. Não é visível no local qualquer cortiças ou produtos derivados. Referiu que não trabalha nem nunca trabalhou em cortiça. Há cerca de 2 anos foi aliciado para se coletar e vender faturas, tendo acedido por via das suas dificuldades financeiras, uma vez que está desempregado e a sua esposa bastante doente recebe apenas uma pensão da Segurança Social que mal chega para pagar a medicação.
Em termo de declarações assumiu que no período em causa apenas vendeu faturas, não realizando qualquer negócio de cortiça. As faturas, por si requisitadas, eram entregues em branco (juntamente com igual nº de guias de remessa e recibos) na sua quase totalidade a uma contribuinte de nome MC.... Desconhece qual o destino das mesmas após essa entrega. Apenas em alguns dos recibos colocou a sua assinatura.
Através de buscas realizadas junto doutras empresas foram apreendidos documentos em branco, timbrados em nome deste contribuinte, ou em que apenas constava a sua assinatura e mais nenhum dado, confirmando-se a existência no “mercado” de documentos timbrados em seu nome, em branco, ou apenas por si assinados, o que vai de encontro ao declarado pelo contribuinte.
Procedeu à entrega à AT das faturas que ainda tinha na sua posse (nº 225 a 250), guias de remessa e recibos, com a mesma numeração.
Logo após esse contacto, o contribuinte declarou a sua cessação de atividade no S.F. Feira, admitindo nunca ter exercido a mesma.
Não se apurou no local a existência de qualquer cortiça ou produtos dela derivados, ou o indício do exercício de qualquer atividade no setor corticeiro ou noutro. São manifestamente visíveis os problemas de saúde que afetam a esposa do contribuinte, bem como a precaridade financeira do casal (foi-nos uma exibida uma caderneta da CGD referente a uma conta que o SP abriu na altura em que se coletou, na qual constam poucos movimentos e de reduzidíssimo valor, sendo as parcas entradas referentes a transferências do IEFP), nada condicente com o elevado valor de faturas timbradas em seu nome já detetadas no setor corticeiro.
Não constam quaisquer empresas ou particulares que declarem ter-lhe vendido as mercadorias para que este depois pudesse revender as mesmas a terceiros, conforme consta das faturas timbradas em seu nome.
Note-se que estamos a falar dum contribuinte que no ano de 2014, conforme dados já recolhidos junto doutras empresas, teria supostamente efetuado vendas no montante de € 1.642.000 (valores conhecidos à data corrente, quando ainda falta apurar os valores constantes de muitas das faturas).
As faturas timbradas em nome do sujeito passivo detetadas em circulação no mercado corticeiro até esta data foram requisitadas na “Gráfica L....” em 2014-02-04 (nº 1 a 100), em 2015-0102 (nº 101 a 200) e em 2015-11-02 (nº 201 a 250), constando das requisições uma assinatura do próprio BB.... No entanto, os responsáveis da referida gráfica, apesar da última requisição (a de novembro de 2015) ter ocorrido poucos dias antes, não foram capazes de indicar quaisquer traços identificativos da pessoa que as levantou, se era nova, velha, alta, baixa, caucasiana ou outra.
Comparando as caligrafias das diversas faturas recolhidas até à data, verifica-se que a caligrafia usada no preenchimento desses documentos varia de utilizador para utilizador, apresentando acentuadas diferenças visíveis a olho nu, indiciando terem sido diferentes pessoas a preencher os mesmos.
III.2.5.2. Elementos recolhidos na inspeção à A..., Lda
Na contabilidade da “A..., Lda” encontram-se relevadas no ano de 2014 as faturas com os dados que de seguida se descrevem (anexo 17):
Nº cont.Nº faturaDataArtigoQuantidadUnidadePreçoValorIVAValor total
1200039630-12-2014Cortiça150fardo€ 160,00€ 24.000,00€5.520,00€ 29.520,00
1200019916-12-2014Cortiça165fardo€160,00€ 26.400,00€6.072,00€32.472,00
III.2.5.2.1. Quanto às mercadorias e seu transporte
As faturas nº ...6 e ...9 titulam a suposta compra de 215 fardos de cortiça em dezembro de 2014, no valor global de € 61.992. As guias de remessa dessas faturas indicam que o transporte terá ocorrido entre 2014-12-11 e 2014-12-30 a partir da localidade de Azaruja para as instalações da A..., Lda, sendo usada a viatura com a matrícula (...), propriedade da empresa.
Saliente-se que o contribuinte BB... não possui domicílio fiscal na Azaruja, nem quaisquer instalações conhecidas nessa localidade ou noutra, onde pudesse armazenar cortiça. Não lhe é tão pouco reconhecida capacidade financeira para intervir em negócios de tão elevados montantes.
Caso fossem verdadeiras essas compras, atendendo a que a empresa não fez qualquer venda de cortiça ou seus subprodutos no período entre dia 11 e o dia 31 de dezembro, os 215 fardos de cortiça, no valor global de € 61.992, deveriam constar do inventário final, o que não sucede.
Saliente-se ainda a falha na numeração sequencial das faturas, sendo a fatura nº ...6 emitida com data posterior à fatura nº ...9.
III.2.5.2.2. Quanto ao pagamento das faturas
A data de 2014-12-31 as mercadorias encontravam-se ainda como estando totalmente por pagar, algo estranho em negócios desta dimensão, em que pelo menos parte do pagamento é feito a pronto, quando não de forma antecipada.
III.2.5.2.3. Análise à numeração das faturas vs data das faturas
Tendo-se procedido à análise comparativa das datas das faturas timbradas em nome de BB... contabilizadas pela “A..., Lda”, detetou-se uma anomalia na emissão sequencial das mesmas, isto é, a fatura n ...9, foi emitida com data anterior à da fatura nº ...6.
Se se fizer esta mesma análise, mas tendo em atenção todas as faturas timbradas de BB... já identificadas pela AT, constata-se haver um total desacerto da sequência numéricas das mesmas, situação típica no caso de faturas falsas, na medida em que os diferentes utilizadores das mesmas, não têm conhecimento sobre os dados com que foram/serão emitidas as faturas pelos restantes utilizadores, sendo que as faturas são emitidas de acordo com as “necessidades” específicas de cada um dos utilizadores. O quadro abaixo, espelha tal situação:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Nas três colunas da esquerda encontram-se as faturas ordenadas por número e nas três colunas da direita encontram-se as faturas ordenadas pela data aposta nas mesmas, permitindo assinalar o completo descontrole nas datas com que foram emitidas e que atrás referimos.
Atente-se ainda que, de acordo com a informação atrás referida que foi obtida junto da gráfica onde foram impressas estas faturas, alguns dos documentos foram emitidos com data anterior àquela em que teriam sido requisitados na tipografia, o que é de todo impossível.
III.2.5.3. Conclusões
De acordo com o que ficou referido, BB... não negoceia em cortiça, ou seus derivados, ou em qualquer outro setor de atividade.
Trata-se dum contribuinte faltoso, que se coletou com o único fim de emitir faturas falsas que foram posteriormente colocadas a circular em outras empresas do setor corticeiro e que entretanto já declarou a cessação de atividade logo após o contacto com os Serviços de Inspeção.
Como tal, o mesmo nunca poderia ter vendido à “A..., Lda” as mercadorias que constam das referidas faturas.
A análise dos elementos disponíveis na contabilidade da empresa “A..., Lda” permitem confirmar esses factos, não existindo quaisquer evidências da efetiva realização daqueles negócios.
A empresa “A..., Lda” não consegue fazer prova do pagamento de qualquer valor a esse contribuinte, nem tão pouco da necessidade de adquirir as mercadorias titulada por aquelas faturas, havendo ainda incongruências quanto aos locais de transporte das referidas mercadorias.
Estes elementos permitem concluir que as faturas timbradas em nome de BB... relevadas na contabilidade da empresa “A..., Lda” são falsas, não consubstanciando qualquer efetiva transação comercial ocorrida entre esses intervenientes.
(...)
III.4. CORREÇÕES EM SEDE DE IRC
Nos termos do nº 1, do artigo 23º do Código do IRC, com a redação em vigor à data dos factos, «consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» .
Por seu turno, o nº 2, desse mesmo artigo (atualmente corresponde à alínea d), do nº 1, do artigo 23º-A) define que «não são aceites como gastos as despesas ilícitas, designadamente as que decorram de comportamentos que fundamentadamente indiciem a violação da legislação penal portuguesa, mesmo que ocorridos fora do alcance territorial da sua aplicação».
Nesses termos, pelos factos relatados no presente relatório, não podem servir como suporte dos gastos dos exercícios de 2013 e 2014 as faturas timbradas em nome dos emitentes identificados nos capítulos III.2.1. a III.2.5. deste relatório em virtude de se tratar de documentos que não titulam a realização de operações efetivamente realizadas entre a empresa “A..., Lda” e aqueles contribuintes, conforme apurado nas inspeções realizadas.
Foi por esse motivo remetida notificação ao sujeito passivo, dando conta da existência de elementos que levam a concluir que as faturas atrás indicadas não correspondem a efetivas transações comerciais, solicitando-lhe assim, que identificasse quais os reais fornecedores dos bens referidos nessas mesmas faturas, remetendo os necessários meios de prova, a fim de que pudessem ser quantificados e considerados esses gastos para efeitos de apuramento do lucro tributável dos anos em causa, caso tivessem de facto ocorrido.
A notificação foi remetida através do ofício ...23, de 2015-10-21, registada nos CTT com aviso de receção nessa mesma data, com o Código RD´... PT (anexo 18), para a morada sede da empresa.
Na sequência dessa notificação, o sujeito passivo remeteu à D.F. Aveiro o documento cuja fotocópia se junta (anexo 19), onde apenas reitera que as faturas identificadas como falsas correspondem a transações efetivas, nada mais acrescentando.
Analisando então o caso em apreço, há que referir que, conforme consta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 2010-03-11, processo 02794/04 - Viseu, resultando a correção à matéria tributável declarada a não consideração como gastos do exercício os mencionados em faturas que a Administração Tributária indicia como não correspondendo a operações reais «compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os “factos-índice” indícios objectivos e credíveis - que conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que às facturas em causa não correspondem operações reais), competindo depois ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no rendimento tributável».
Conforme consta ainda do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 2004-07-01, processo 00010/04, «I - Num caso em que a liquidação teve como fundamento o facto da Administração Fiscal não ter aceite como custo os gastos titulados por facturas que a Administração Fiscal, face aos elementos do processo, considera falsas, basta-lhe fazer prova que se constatam elementos objectivos e credíveis que legitima a correcção, cabendo ao contribuinte o ónus de provar a existência dos factos tributários que elas titulavam; li - Numa situação destas não basta ao contribuinte lançar a dúvida sobre tal existência».
Em conclusão, os referidos documentos não podem servir como suporte de gastos fiscalmente dedutíveis em sede de IRC nos exercícios de 2013 e 2014.
Importa ainda referir que ao desconsiderar tais documentos, tal implica que são corrigidos grande parte dos gastos com compras declarados pelo sujeito passivo nesses exercícios.
Ora, é inegável que todos os factos recolhidos no decorrer desta inspeção e das inspeções aos contribuintes em nome de quem foram emitidas as referidas faturas apontam para que não foram concretos sujeitos passivos quem terão vendido mercadorias à empresa “A..., Lda, foi ainda demonstrado que a própria “A..., Lda” não tinha tão pouco necessidade de adquirir grande parte das mercadorias que declarou ter obtido junto desses emitentes de faturas falsas.
Ou seja, não se colocando em causa a necessidade da empresa efetuar compras de mercadorias / matérias-primas para poder transformar e vender as mesmas, é no entanto certo que não foram os concretos sujeitos passivos que constam das faturas mencionadas no presente relatório quem as forneceu e ainda que para o exercício da sua atividade normal o sujeito passivo nem sequer necessitava de ter adquirido as mesmas.
Competia à empresa, nos termos da lei e da jurisprudência já referida, fazer prova não apenas da necessidade da indispensabilidade da sua ocorrência nos termos do nº 1, do artigo 23º do Código do IRC, mas também documentar devidamente esses encargos, algo a que o sujeito passivo se furtou, acabando por pactuar com quem à margem da lei efetua vendas sem também cumprir com os preceitos legais e praticando concorrência desleal para com os contribuintes cumpridores, possibilitando-os de competir no mercado nas mesmas condições que esses incumpridores.
De facto, conforme já referido, o nº 2, do artigo 23º do Código do IRC define que «não são aceites como gastos as despesas ilícitas, designadamente as que decorram de comportamentos que fundamentadamente indiciem a violação da legislação penal portuguesa, mesmo que ocorridos fora alcance territorial da sua aplicação», razão pela qual os valores titulados pelas faturas referidas neste relatório terão de ser desconsiderados.
O contribuinte não apresentou outros documentos que permitissem provar a realização das aquisições tituladas nessas faturas, fazendo a prova de quem teriam sido os verdadeiros vendedores.
Tal como se encontra definido na alínea g), do nº 1, do artigo 45º do Código do IRC, com a redação em vigor à data dos factos (corresponde à alínea b), do nº 1, do artigo 23%-A na atual redação do Código), «1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: ... g) Os encargos não devidamente documentados».
Além disso, o nº 1, do artigo 88º do Código do IRC define ainda que «As despesas não documentadas são tributadas autonomamente à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos do artigo 23%»
Ou seja, para que os gastos sejam fiscalmente considerados, não basta que relativamente a esses encargos se faça a evidência de serem comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do artigo 23º do Código do IRC, mas também que os mesmos sejam devidamente documentados.
Conforme é referido em artigo assinado por J. L. Saldanha Sanches (Revista de Fiscalidade nº 2, de Abril de 2000) a respeito da decisão do Supremo Tribunal Administrativo, de 1999-10-27 (recurso nº 23768), «se o custo não está documentado, devendo estar documentado, tal custo não pode ser considerado mesmo quando não haja dúvidas sobre a sua efectiva verificação», não havendo tão pouco lugar à sua estimativa com recurso a métodos indiretos.
Face ao exposto, foram efetuadas as seguintes correções aos custos e consequentemente ao resultado fiscal declarado pelo sujeito passivo em sede de IRC, nos exercícios de 2013 e 2014:
Exercício20132014
Resultado declarado€ 4.397,25- € 39.248,13
Correções aos custos€ 199.965,00€ 351.015,50
Resultado Corrigido€ 204.362,25€ 311.737,37
Pela consideração indevida dos mencionados encargos na sua contabilidade e consequente relevação dos mesmos nas declarações modelo 22 de IRC entregues com referência aos exercícios de 2013 e 2014, o sujeito passivo infringiu o nº 2, do artigo 23º do Código do IRC, incorrendo por esse facto na prática do crime de fraude fiscal qualificada, conforme atrás definido o capítulo III.1. deste relatório.
Sendo a vantagem patrimonial por período de imposto superior a € 15.000, a referida infração é punível nos termos do nº 2, do artigo 104º do RGITA.
(...)
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
(...)
IX.2 Abordagem à resposta do sujeito passivo
Tendo o documento pelo qual o sujeito passivo exerce o seu direito de audição, assinado por MR..., sido analisado, cumpre-nos informar o seguinte:
Parágrafos 1 a 4
São formulados diversos princípios e normas legais, apenas nos competindo afirmar que concordamos com os mesmos e sempre agimos em respeito pelos mesmos, não tendo sido apresentado pelo sujeito passivo qualquer situação que indicie o contrário.
Parágrafos 5 a 9
Afirma o signatário do direito de audição que relativamente à empresa “A..., Lda” nada resulta em concreto do projeto de relatório a esta empresa enviado.
Afirma ainda que do projeto de relatório apenas resulta que os contribuintes identificados nos capítulos III.2.1. a III.2.5. emitiram faturas para a “A..., Lda” e que a Inspeção tributária considerou que o IVA nelas mencionado foi indevidamente deduzido, sem qualquer fundamento.
Mais refere que analisando todo o projeto de relatório e seus anexos se constata que nada de concreto foi apurado para colocar em causa as operações tituladas pelas referidas faturas e que todas as considerações a esse respeito tecidas nesse projeto de relatório constituem meras conclusões pessoais do inspetor responsável, sem qualquer fundamento de facto e de direito.
Ora, tal afirmação apenas pode ser entendida num contexto em que não tenha sido feita uma atenta leitura desse mesmo projeto de relatório, pois são abundantes os factos lá constantes, entre os quais, resumidamente:
A) Quanto às supostas aquisições a B... Lda
A A..., Lda declara ter carregado a quase totalidade das mercadorias nas suas próprias viaturas em localidades onde a “B... Lda” ou os contribuintes a ela associados não possuem quaisquer instalações.
Estranho é que colocada perante as suspeitas que incidem sobre estas faturas não tenha diligenciado no sentido de identificar esses locais e contactar com quem lhe teria vendido essas mesmas mercadorias.
Noutras faturas indica-se a utilização dum veículo ligeiro de passageiros para fazer o transporte de centenas de milhar de rolhas, algo claramente impossível.
Demonstrou-se ainda claramente que a “A..., Lda” declara ter adquirido à “B... Lda” mercadorias de que não necessitava para o exercício da sua atividade, designadamente 610.000 rolhas supostamente “compradas” em novembro de 2013.
Refere-se ainda a incapacidade da “A..., Lda” provar o pagamento de qualquer valor pelas compras supostamente efetuadas à “B... Lda”.
Isto são FACTOS obtidos diretamente na contabilidade da “A..., Lda”.
B) Quanto às supostas aquisições a D... Lda
A A..., Lda declara ter carregado a quase totalidade das mercadorias em localidades onde D... Lda da Silva não possui quaisquer instalações. Estranho é que colocada perante as suspeitas que incidem sobre estas faturas não tenha diligenciado no sentido de identificar esses locais e contactar com quem lhe teria vendido essas mesmas mercadorias.
Refere-se ainda a incapacidade da “A..., Lda” provar o pagamento das compras supostamente efetuadas a D... Lda, relevando a quase totalidade dos mesmos (com exceção de € 3.000) como tendo ocorrido em dinheiro, em clara violação da lei.
Isto são FACTOS obtidos diretamente na contabilidade da “A..., Lda”.
C) Quanto às supostas aquisições a “C... Ld.ª”
Demonstrou-se, sem margem para dúvida, que a “A..., Lda” declara ter adquirido em março de 2014 à “C... Ld.ª” mercadorias de que não necessitava para o exercício da sua atividade.
Mostrou-se a incapacidade das viaturas que foram indicadas como tendo efetuado o transporte para realizarem essas cargas.
Demonstrou-se que a “A..., Lda” não consegue fazer prova do pagamento de qualquer valor pelas supostas compras à “C... Ld.ª”.
Isto são FACTOS obtidos diretamente na contabilidade da “A..., Lda”.
D) Quanto às supostas compras a AA...
A..., Lda declara ter adquirido as mercadorias em localidades onde AA... não possui quaisquer instalações, ou foi simplesmente omitida essa origem. Estranho é que colocada perante as suspeitas que incidem sobre estas faturas, não tenha diligenciado no sentido de identificar esses locais e contactar com quem lhe teria vendido essas mesmas mercadorias.
Foi demonstrada a incapacidade de uma das viaturas indicadas para fazer o transporte que lhe teria sido atribuído.
Demonstrou-se, sem margem para dúvida, que a “A..., Lda” declara ter adquirido em dezembro de 2014 a AA... mercadorias de que não necessitava para o exercício da sua atividade.
Refere-se ainda a incapacidade da “A..., Lda” provar o pagamento das compras supostamente efetuadas a AA....
Isto são FACTOS obtidos diretamente na contabilidade da “A..., Lda”.
E) Quanto às supostas compras a BB...
A A..., Lda declara ter adquirido as mercadorias em localidades onde BB... não possui quaisquer instalações. Estranho é que colocada perante as suspeitas que incidem sobre estas faturas não tenha diligenciado no sentido de identificar esses locais e contactar com quem lhe teria vendido essas mesmas mercadorias.
Demonstrou-se, sem margem para dúvida, que a “A..., Lda” declara ter adquirido em dezembro de 2014 a BB... mercadorias de que não necessitava para o exercício da sua atividade.
Refere-se ainda a incapacidade da “A..., Lda” provar o pagamento das compras supostamente efetuadas a BB....
Isto são FACTOS obtidos diretamente na contabilidade da “A..., Lda”
Note-se que estamos a falar apenas dos FACTOS recolhidos na própria contabilidade da “A..., Lda”, logo, afirmar como faz o sujeito passivo no exercício do seu direito de audição que nada resulta em concreto do projeto de relatório não faz qualquer sentido.
Note-se ainda que, além dos FACTOS apurados com referência direta à “A..., Lda” há ainda os FACTOS que constam do projeto de relatório recolhidos em relação às inspeções realizadas a cada emitente em particular, factos estes que não podem ser menosprezados, e muito menos desprezados, pois refletem as reais condições (ou a falta delas) do hipotético exercício de atividade dos emitentes em causa.
Temos assim que as conclusões retiradas do projeto de relatório da inspeção realizada à firma “A..., Lda” se baseou em FACTOS, e não em meras considerações pessoais.
Foi igualmente descrito no projeto de relatório toda a fundamentação de direito, com base nos Códigos Tributários e aprofundando ainda essa fundamentação com diversos Acórdãos que se debruçam sobre situações similares.
A fundamentação de facto e de direito encontra-se devidamente efetuada no presente relatório.
Parágrafos 10 a 12
Afirma o signatário do direito de audição que não está feita a prova da falsidade das faturas e que a prova desses factos cabe a quem os invoca, ou seja, a Inspeção Tributária. Afirma que esta através do projeto de relatório nada prova em concreto quanto à simulação das faturas através de factos retirados de documentos respeitantes à firma “A..., Lda”.
Ora, conforme se demonstrou na resposta aos parágrafos 5 a 9, essa prova foi feita, com base não apenas em elementos recolhidos na inspeção aos emitentes (que por si só já seria bastante esclarecedora, dada a total ausência de atividade patenteada pelos emitentes em causa), mas, principalmente, com base em documentos recolhidos na própria “A..., Lda”.
A conclusão quanto à falsidade das operações tituladas pelas faturas identificadas no presente relatório resulta das inspeções efetuadas aos emitentes e à empresa “A..., Lda”, tendo sido recolhidos toda uma série de elementos que permitem concluir por essa falsidade.
É perfeitamente consensual, conforme demonstra a Jurisprudência existente, incluindo a que foi mencionada no presente relatório que compete à Administração Tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, apresentando indícios objetivos e credíveis que conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitam concluir que as faturas em causa não correspondem operações reais. Ora, esses factos, conforme amplamente descrito no presente relatório, foram apresentados e notificados ao contribuinte.
Ainda à luz dessa mesma Jurisprudência, numa situação dessas, compete depois ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente em sede de IVA e IRC. Ora, nem no decurso da ação de inspeção, quando foi expressamente notificado para tal, nem no decurso do exercício do direito de audição, a “A..., Lda” apresenta a prova que lhe competia fazer. Limita-se a repetir até à exaustão a veracidade das faturas, sem conseguir contestar as provas recolhidas no decurso da inspeção realizada, ou apresentar outros factos que permitam demonstrar a legitimidade da sua retensão. Contudo, não será por repetir a mesma coisa vezes sem conta que esta se torna verdadeira, contra todas as provas apresentadas.
Parágrafos 13 e 14
Refere o signatário do direito de audição que a “B... Lda” emitiu faturas que cumprem os requisitos enunciados no artigo 36º do Código do IVA.
Afirma ainda que referindo-se que foi inspecionada essa empresa, não se juntou uma cópia autenticada do relatório que dessa inspeção resultou, apenas se transcrevendo partes do mesmo.
Ora, sendo verdade que as faturas timbradas em nome da “B... Lda” cumprem os requisitos formais do artigo 36º do Código do IVA, que descreve os elementos que devem constar das faturas, não cumpre no entanto o requisito mais importante de todos para que os valores nelas mencionados possam ser fiscalmente aceites: a veracidade das operações.
Como é óbvio, para que os valores titulados por faturas sejam fiscalmente aceites não basta o cumprimento formal das normas do artigo 36 do CIVA; é fundamental, acima de tudo, que as operações sejam verdadeiras, quer quanto aos valores, quer quanto aos bens, quer quanto aos intervenientes, o que não sucede no caso presente, conforme já amplamente descrito.
Ainda em relação à inspeção realizada à “B... Lda”, como é igualmente evidente, nunca poderia ser enviada à “A..., Lda” uma cópia, autenticada ou não, do referido relatório, em virtude da obrigação do sigilo fiscal, por do mesmo constarem factos não relacionados com a “A..., Lda”.
Foram no entanto transcritos os factos relevantes para a inspeção à “A..., Lda”, para que a mesma deles tomasse conhecimento, se ainda não o tivesse, e sobre eles se poder pronunciar.
Parágrafo 15
Afirma o signatário do direito de audição que para pagamento das faturas nº ...2, ...4, ...5 e ...6 timbradas em nome da “B... Lda” foram aceites letras no valor global de € 171.972,45, que foram pagas no ano seguinte, não existindo qualquer prova da simulação das faturas.
Citando o próprio signatário do direito de audição, «a prova dos factos constitutivos dos direitos cabe a quem os invoque». Conforme descrito no capítulo respetivo (111.2.1.2.2.), a “A..., Lda” não faz prova do alegado pagamento de qualquer valor à “B... Lda” e competia-lhe fazer essa prova.
Acrescente-se ainda que, em relação à “B... Lda” estão em causa as faturas nº ...1, ...2, ...3, ...4 e ...5 e não as faturas nº ...2, ...4, ...5 e ...6, conforme se depreende do quadro no capítulo III.2. deste relatório.
Parágrafos 16 e 17
Refere o signatário do direito de audição que o contribuinte D... Lda emitiu faturas que cumprem os requisitos enunciados no artigo 36º do Código do IVA.
Afirma ainda que referindo-se que foi inspecionado esse contribuinte, não se juntou uma cópia do relatório que dessa inspeção resultou, apenas se transcrevendo partes do mesmo.
Ora, sendo verdade que as faturas timbradas em nome de D... Lda cumprem os requisitos formais do artigo 36º do Código do IVA, que descreve os elementos que devem constar das faturas, não cumpre no entanto o requisito mais importante de todos para que os valores nelas mencionados possam ser fiscalmente aceites: a veracidade das operações.
Como é óbvio, para que os valores titulados por faturas sejam fiscalmente aceites não basta o cumprimento formal das normas do artigo 36 do CIVA; é fundamental, acima de tudo, que as operações sejam verdadeiras, quer quanto aos valores, quer quanto aos bens, quer quanto aos intervenientes, o que não sucede no caso presente, conforme já amplamente descrito.
Ainda em relação à inspeção realizada ao contribuinte D... Lda, como é igualmente evidente, nunca poderia ser enviada à “A..., Lda” uma cópia, autenticada ou não, do referido relatório, em virtude da obrigação do sigilo fiscal, por do mesmo constarem factos não relacionados com a “A..., Lda”. Foram no entanto transcritos os factos relevantes para a inspeção à “A..., Lda”, para que a mesma deles tomasse conhecimento, se ainda não o tivesse, e sobre eles se poder pronunciar.
Parágrafo 18
Afirma o signatário do direito de audição que as faturas nº ...2, ...4, ...5 e ...6 timbradas em nome de D... Lda foram pagas no ano de 2014, não existindo qualquer prova da simulação das faturas.
Citando o próprio signatário do direito de audição, oca prova dos factos constitutivos dos direitos cabe a quem os invoque». Conforme descrito no capítulo respetivo (III.2.2.2.2.) a “A..., Lda.” não faz a prova do pagamento das faturas a D... Lda e competia-lhe fazer essa prova.
Parágrafos 19 e 20
Refere o signatário do direito de audição que a empresa “C... Ld.ª” emitiu faturas que cumprem os requisitos enunciados no artigo 36º do Código do IVA
Afirma ainda que referindo-se que foi inspecionado essa empresa por duas ocasiões, não se juntou uma cópia dos relatórios que dessas inspeções resultaram e que sendo as faturas respeitantes ao exercício de 2014, a Inspeção Tributária não pode afirmar que as faturas nº ...81 e ...82 são falsas.
Ora, sendo verdade que as faturas timbradas em nome da “C... Ld.ª” cumprem os requisitos formais do artigo 36º do Código do IVA, que descreve os elementos que devem constar das faturas, não cumpre no entanto o requisito mais importante de todos para que os valores nelas mencionados possam ser fiscalmente aceites: a veracidade das operações.
Como é óbvio, para que os valores titulados por faturas sejam fiscalmente aceites não basta o cumprimento formal das normas do artigo 36 do CIVA; é fundamental, acima de tudo, que as operações sejam verdadeiras, quer quanto aos valores, quer quanto aos bens, quer quanto aos intervenientes, o que não sucede no caso presente, conforme já amplamente descrito.
Ainda em relação à inspeção realizada à empresa “C... Ld.ª”, como é igualmente evidente, nunca poderia ser enviada à “A..., Lda” uma cópia, autenticada ou não, do referido relatório, em virtude da obrigação do sigilo fiscal, por do mesmo constarem factos não relacionados com a “A..., Lda”.
Foram no entanto transcritos os factos relevantes para a inspeção à “A..., Lda”, para que a mesma deles tomasse conhecimento, se ainda não o tivesse, e sobre eles se poder pronunciar.
Acrescente-se ainda que a inspeção titulada pela ordem de serviço ...56, conforme descrito no presente relatório, decorreu em 2014, entre janeiro e dezembro.
Mais se acrescenta, que conforme descrito igualmente no presente relatório, os factos referentes à “C... Ld.ª” descritos nas inspeções anteriormente realizadas foram novamente alvo de confirmação no decurso da inspeção à “A..., Lda”.
Parágrafo 21
Afirma ainda o signatário do direito de audição que em 2014-12-31 existe um saldo credor com referência às faturas nº ...81 e ...82, timbradas em nome da C... Ld.ª”, que transitou para o exercício de 2015 e que as faturas titulam verdadeiras transações, sendo que as «afirmações do Senhor Inspetor Tributário, desacompanhadas de documentos que as comprove, carecem de valor».
Ora, o signatário do direito de audição confirma neste parágrafo não poder fazer qualquer prova na data presente do pagamento de qualquer valor à empresa “C... Ld.ª”, conforme descrito no relatório.
Mais se acrescenta que esse facto foi referido no projeto de relatório com a competente junção dos extratos de conta corrente que o comprovam e que a prova que continua por fazer é a que nos termos da Jurisprudência incumbe ao sujeito passivo.
Parágrafo 22 e 23
Refere o signatário do direito de audição que o contribuinte AA... emitiu faturas que cumprem os requisitos enunciados no artigo 36º do Código do IVA.
Afirma ainda que sobre esse contribuinte apenas é dito que era sócio da “B... Lda” e que existia um saldo credor em 2014-12-31 no valor de€ 77.679,28, e nada mais, não constando que tenha sido inspecionado.
Ora, sendo verdade que as faturas timbradas em nome de AA... cumprem os requisitos formais do artigo 36º do Código do IVA, que descreve os elementos que devem constar das faturas, não cumpre no entanto o requisito mais importante de todos para que os valores nelas mencionados possam ser fiscalmente aceites: a veracidade das operações.
Como é óbvio, para que os valores titulados por faturas sejam fiscalmente aceites não basta o cumprimento formal das normas do artigo 36 do CIVA; é fundamental, acima de tudo, que as operações sejam verdadeiras, quer quanto aos valores, quer quanto aos bens, quer quanto aos intervenientes, o que não sucede no caso presente, conforme já amplamente descrito.
Ainda em relação à inspeção realizada ao contribuinte AA..., que efetivamente decorreu no cumprimento da Ordem de Serviço ...74, realizada pelo signatário do presente relatório, como é igualmente evidente, nunca poderia ser enviada à “A..., Lda” uma cópia, autenticada ou não, do referido relatório, em virtude da obrigação o sigilo fiscal, por do mesmo constarem factos não relacionados com a “A..., Lda”.
Foram no entanto transcritos os factos relevantes para a inspeção à “A..., Lda”, para que a mesma deles tomasse conhecimento, se ainda não o tivesse, e sobre eles se poder pronunciar.
Acrescente-se ainda que o signatário do direito de audição confirma não poder fazer na data presente prova do pagamento de qualquer valor a AA....
Parágrafos 24 e 25
Refere o signatário do direito de audição que o contribuinte BB... emitiu faturas que cumprem os requisitos enunciados no artigo 36º do Código do IVA.
Afirma ainda que estando esse contribuinte ainda a ser inspecionado, não existem relatórios finais, pelo que as afirmações do Inspetor Tributário referentes às faturas desse contribuinte carecem de valor e fundamentação.
Ora, sendo verdade que as faturas timbradas em nome de BB... cumprem os requisitos formais do artigo 36º do Código do IVA, que descreve os elementos que devem constar das faturas, não cumpre no entanto o requisito mais importante de todos para que os valores nelas mencionados possam ser fiscalmente aceites: a veracidade das operações.
Como é óbvio, para que os valores titulados por faturas sejam fiscalmente aceites não basta o cumprimento formal das normas do artigo 36 do CIVA; é fundamental, acima de tudo, que as operações sejam verdadeiras, quer quanto aos valores, quer quanto aos bens, quer quanto aos intervenientes, o que não sucede no caso presente, conforme já amplamente descrito.
Ainda em relação à inspeção em curso ao contribuinte BB..., antes de mais, relembre-se o signatário do direito de audição que há FACTOS concretamente identificados na inspeção à própria empresa “A..., Lda” que por si só põe em causa de forma contundente a veracidade das operações tituladas pelas referidas faturas.
Acrescente-se ainda que, conforme decorre dos próprios factos descritos no que concerne aos elementos já apurados na inspeção em curso ao contribuinte BB..., apesar de não existir ainda relatório final elaborado, os factos já confirmados permitem identificar sem qualquer margem para dúvida este contribuinte como emitente em grande escala de faturas falsas, sem qualquer estrutura empresarial e financeira que lhe permita sustentar a manutenção duma qualquer atividade comercial ou industrial.
Parágrafos 26 e 27
Afirma o signatário do direito de audição que os factos alegados não são de molde a fundamentar a situação concreta da “A..., Lda” e que meras e genéricas afirmações não consubstanciam uma correta e completa fundamentação, sendo a tributação proposta ilegal em termos de IVA e IRC.
Afirma ainda que a Inspeção Tributária não provou que o sujeito passivo não comprou nem vendeu as mercadorias a que se referem as faturas.
Tais afirmações carecem de fundamento, uma vez que todos os pressupostos legais para que as correções fossem efetuadas foram plasmados no projeto de relatório, não tendo o sujeito passivo sido capaz de apontar um único preceito que não tivesse sido cumprido.
Além disso, quanto às correções, tendo sido efetuadas aos custos declarados, teria a Administração Fiscal de provar que a empresa não teria comprado as mercadorias a que se referem as faturas rotuladas como falsas. Quando muito, a empresa é que deveria espelhar na sua contabilidade a prova de que o fez, o que, conforme relatado no presente relatório, não sucede, apontando-se em vários capítulos a prova de que a empresa não declara vendas compatíveis com as compras que declara ter efetuado aos emitentes classificados como falsos.
A Inspeção Tributária demonstrou que a “A..., Lda” não comprou àqueles concretos contribuintes, naquelas concretas datas, aquelas concretas mercadorias, por aqueles concretos valores, logo, a operação é falsa.
A Inspeção Tributária notificou o sujeito passivo dando-lhe a possibilidade de carrear para o processo elementos que demonstrassem que tinha adquirido aquelas concretas mercadorias, ou outras, que pudessem ser tidas em conta no apuramento da sua matéria coletável, o que o sujeito passivo optou por não fazer, quer na resposta à notificação, quer na resposta ao direito de audição.
Em última análise, se o sujeito passivo adquiriu a outrem (que não os contribuintes identificados no presente relatório, que se demonstrou que nada venderam) mercadorias, ou matérias-primas, ou serviços, e não refletiu esses valores na sua contabilidade, a responsabilidade pela consequência dessa atuação, que é a não consideração desses gastos, apenas a si cabe.
Parágrafos 28 a 35
Afirma o signatário do direito de audição que os contribuintes emitentes das faturas estão identificados nos documentos e os números fiscais foram atribuídos pela Administração Fiscal e elo ministério da Justiça, correspondendo aos verdadeiros fornecedores dos bens.
firma ainda que o projeto de relatório não contém em si qualquer prova da simulação das faturas que permita as correções propostas e que essas correções não podem assentar em meros juízos u em factos que as não suportam, que seria o caso presente, ao não serem suportados por factos retirados da própria contabilidade da “A..., Lda”.
Tal argumentação foi já profusamente rebatida no presente relatório e resposta ao direito de audição, enumerando-se por diversas vezes factos retirados da própria contabilidade da A..., Lda” que colocam em causa a veracidade das operações que se pretendem titular pelas faturas classificadas como falsas. Falamos de factos e não de meros juízos, conforme amplamente descrito.
Aliás, algo que a Inspeção Tributária demonstrou desde logo foi a incapacidade daqueles concretos emitentes fornecerem aquelas concretas mercadorias, naquelas concretas datas, naqueles concretos valores.
Depois, demonstrou, para cada emitente os factos recolhidos na própria contabilidade da “A..., Lda” que confirmam aquelas conclusões.
Essa fundamentação de facto e de direito foi feita e o signatário do direito de audição limita-se a tecer meras e genéricas considerações sem justificar as afirmações que faz, nomeadamente contrapondo caso a caso os indícios que levaram a que as faturas fossem indiciadas como falsas.
O signatário do direito de audição limita-se a proferir meras e genéricas afirmações de que as faturas titulam transações verdadeiras e que a atuação da Inspeção Tributária está errada, sem que em momento algum tente contestar os factos concretos apurados no decurso da fiscalização efetuada e que levaram às conclusões constantes do presente relatório.
Aliás, o signatário do direito de audição demonstra mesmo não ter lido atentamente o projeto de relatório, quando reclama sobre a ausência dum controlo quantitativo da produção e matérias consumidas que reclama devia ter sido feito.
É um facto constante deste relatório que esse controlo foi efetuado relativamente às mercadorias mencionadas nas faturas identificadas no presente relatório e que esse controlo permitiu igualmente demonstrar a falsidade das supostas compras.
Parágrafo 35
Afirma o signatário do direito de audição que as correções propostas em sede de IRC para os anos de 2013 e 2014 não correspondem à realidade, por não se fundamentarem em factos concretos.
Ora, essa afirmação não corresponde à verdade, pois, conforme amplamente demonstrado, a Inspeção Tributária carreou para o processo fartas evidências de que a “A..., Lda” não comprou àqueles concretos contribuintes, naquelas concretas datas, naquelas concretas quantidades, naqueles concretos valores, aquelas concretas mercadorias. Isto são FACTOS concretos.
Parágrafos 36 a 37
Afirma o signatário do direito de audição que a Inspeção Tributária admite que a escrita da sociedade reflete o resultado efetivamente obtido nos exercícios de 2013 e 2014, pretendendo fundamentar essa afirmação com base nos quadros incluídos nas páginas 4 e 42 do projeto de relatório.
Essa afirmação não corresponde à verdade, pois aquilo que a Inspeção Tributária amplamente demonstrou é que os valores declarados pelo sujeito passivo nesses exercícios não correspondem à verdade.
Quanto aos quadros incluídos nas páginas 4 e 42 do projeto de relatório, as considerações feitas no direito de audição apenas podem ser entendidas como fruto duma deficiente leitura do projeto de relatório, pois na página 4 indica-se os valores declarados pelo sujeito passivo, sem que, em momento algum, se afirme corresponderem os mesmos à efetiva realidade e na página 42 indica-se precisamente o valor das correções efetuadas aos resultados declarados pelo sujeito passivo, ou seja, como se pode afirmar que o quadro em causa demonstra que a Inspeção tributária admite esses valores como verdadeiros, se nesse mesmo quadro se indicam as correções aos valores declarados?
Parágrafos 38 e 39
Afirma o signatário do direito de audição que a Inspeção tributária em contradição com o seu próprio entendimento pretende apenas desqualificar os custos suportados com as faturas por ela colocadas em causa, não explicando as razões pelas quais as mesmas são dispensáveis à formação dos proveitos, questionando como é possível aceitar o volume de negócios, se os custos não são verdadeiros.
Em primeiro lugar, já se referiu o erro em que incorre o signatário do direito de audição quanto à alegada aceitação dos resultados declarados e que se demonstrou não corresponder à verdade.
Seguidamente, pretende o sujeito passivo operar uma inversão do ónus da prova, ao afirmar que a Inspeção Tributária deve demonstrar as razões pelas quais os gastos titulados pelas faturas rotuladas de falsas são dispensáveis à formação dos proveitos. Pelo contrário, é ao sujeito passivo nos termos da lei que está obrigado a fazer prova da sua indispensabilidade.
Apesar disso, conforme já igualmente descrito no presente relatório, a Inspeção tributária efetuou controlos quantitativos a vários dos artigos titulados pelas faturas em causa, demonstrando a dispensabilidade desses concretos gastos, mencionados nessas concretas faturas.
Parágrafos 40 e 41
Afirma o signatário do direito de audição que a Inspeção Tributária está vinculada à realização de todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade, não podendo impor ao contribuinte um lucro tributável que não é real e que as correções propostas no projeto de relatório com referência aos anos de 2013 e 2014 são actos ilegais, descabidos, abusivos e desproporcionais.
Mais uma vez, o signatário do direito de audição limita-se a tecer meros juízos de valor, sem fundamentar as afirmações que profere.
A Inspeção Tributária demonstrou, conforme amplamente descrito no presente relatório, fartas evidências pelas quais os gastos suportados na contabilidade da “A..., Lda” com base em faturas indiciadas como falsas não podiam ser considerados.
Apresentadas essas evidências, nos termos da Lei e da Jurisprudência, incumbia ao sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento do rendimento tributável, o que este não fez.
O sujeito passivo foi especificamente notificado com esse fim, não tendo junto ao processo quaisquer elementos que permitissem fundamentar essa sua pretensão.
No exercício do seu direito de audição, volta a não o fazer, apenas afirmando a veracidade das operações tituladas pelas faturas falsas, sem apresentar qualquer dado que conteste os factos apurados e as conclusões deles resultantes.
Nesses termos, as correções propostas não são descabidas, abusivas, desproporcionais, muito menos ilegais; pois decorrem da própria Lei fiscal.
Parágrafo 42
Afirma o signatário do direito de audição que as correções efetuadas ao resultado fiscal declarado com referência aos exercícios de 2013 e 2014 representam um afastamento da matéria coletável superior a 30% em cada exercício, que a lei não permite nos termos do artigo 87º, nº 1, alínea c) da LGT.
Ora tal afirmação não tem razão de ser e deriva apenas duma errada interpretação da lei por parte do signatário do direito de audição, pois o referido artigo consagra o direito da Administração Fiscal recorrer à avaliação indireta no caso dos referidos desvios existirem. Note-se que se trata dum direito da Administração Fiscal e não duma obrigação, não tendo qualquer aplicação no caso em apreço.
Parágrafo 43 e 44
Refere o signatário do direito de audição que a jurisprudência referida nas páginas 40 a 42 do projeto de relatório não será de manter no presente, após a vigência da Lei Geral Tributária por se referir a factos anteriores a 1 de janeiro de 1999.
Acrescenta ainda que o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - Recurso 23768, de 27 de outubro de 1999 se refere a uma impugnação duma liquidação relativa ao ano de 1989, dizendo respeito a custos não documentados, o que não seria o caso presente.
O signatário do direito de audição não indica qualquer suporte para essa sua afirmação, pelo que a mesma não está de facto fundamentada (a afirmação do signatário do direito de audição), não se vislumbrando igualmente na Lei suporte para que tal pretensão possa ser aceite.
Aliás, todas as disposições legais referidas no presente relatório são contemporâneas aos factos apurados na inspeção à empresa “A..., Lda”, nomeadamente os artigos do Código do IRC mencionados e que fundamentam as correções efetuadas.
Ainda quanto ao referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, cumpre, novamente, clarificar a sua aplicabilidade. Foi demonstrado, sem margem para dúvida, que a “A..., Lda” não comprou, àqueles concretos contribuintes, naquelas concretas datas, aquelas concretas mercadorias, naquelas concretas quantidades, naqueles concretos valores. Foi ainda demonstrado, sem margem para dúvida através dos controlos quantitativos efetuados, que não existe a indispensabilidade dos gastos suportados com base naquelas concretas faturas para a obtenção dos proveitos declarados pelo sujeito passivo.
Esse facto (falsidade das operações tituladas com base em faturas falsas), por si só, constituem fundamento para proceder à correção dos gastos declarados em sede de IRC.
No entanto, decidiu ainda assim a Inspeção tributária, no cumprimento do seu dever, conceder ao sujeito passivo a possibilidade de carrear para o processo outros documentos/elementos que suportassem o seu direito a ver refletidos na matéria coletável gastos naquele montante, ou outros, para efeitos do apuramento do resultado tributável em sede de IRC, o que o sujeito passivo optou por não fazer.
Nesses termos, quaisquer eventuais gastos em que eventualmente pudesse ter incorrido e que não se encontrem refletidos na sua contabilidade, expurgada das faturas falsas, são não documentados.
Parágrafo 45
Conclui o signatário do direito de audição que as correções efetuadas em sede de IVA e IRC não estão fundamentadas, por apenas serem alegados indícios que não existem.
Essa afirmação é uma mera consideração pessoal dos signatários do direito de audição, sem qualquer aderência à realidade, visto que foi profusamente demonstrado no presente relatório os fundamentos de facto e de direito para que as correções ocorram e em momento algum o signatário do direito de audição consegue num simples caso em concreto contestar um dos indícios apresentados, limitando-se a dizer que não existem.
Parágrafo 46º
Solicita o signatário do direito de audição por virtude do Princípio do Contraditório a remessa de cópia devidamente autenticada dos relatórios finais relativos aos emitentes em causa.
Conforme já referido no presente relatório, no cumprimento do dever do sigilo fiscal, a Administração Tributária não pode facultar à “A..., Lda” fotocópia dos relatórios de inspeções realizadas a outros contribuintes.
Apesar disso, foram carreados para o presente relatório todos os factos relevantes relativos a cada um dos emitentes em causa. Não está assim prejudicado o Princípio do Contraditório quanto a esses factos.
Aliás, muito se estranha este pedido do signatário do direito de audição, uma vez que o mesmo em momento algum mostrou no presente relatório vontade de sequer contestar qualquer dos factos apresentados, limitando-se a afirmar a veracidade das faturas desconsideradas, sem concretizar com a apresentação de qualquer elemento de prova, ou sem contrariar qualquer um dos fundamentos apresentados para as correções propostas.
Parágrafos 47º e 48º
O signatário do direito de audição refere que a Inspeção Tributária deve obediência à Lei e que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, sendo como tal ilegítimas e infundadas as correções propostas para os anos de 2013 e 2014.
Apenas nos cumpre concordar com o afirmado quanto ao dever de obediência à Lei, sendo precisamente no cumprimento dessa Lei, conforme amplamente descrito no presente relatório, que foram efetuadas as correções notificadas ao contribuinte.
Foi ainda no sentido de tributar a empresa pelo seu lucro real que essas correções foram feitas, pois decorre da Lei que não podem ser considerados gastos suportados com base em faturas falsas.
Ainda no cumprimento do princípio da busca da verdade material, foi a empresa notificada para juntar ao processo outros elementos que possuísse e que fundamentassem o direito que reclama de ver reconhecidos aqueles gastos ou outros na sua contabilidade, o que a empresa não fez, pelo que somos levados a crer que estes não existem, ou se existem o sujeito passivo, de forma meditada e ponderada, entendeu, por razões que só ele conhece, não proceder à sua identificação.
A empresa “A..., Lda” relevou na sua contabilidade gastos suportados com faturas falsas, que não podem nos termos da lei ser deduzidas em sede de IRC, ou o IVA nelas mencionado ser fiscalmente aceite.
Foi-lhe dada a possibilidade de demonstrar a efetiva realização desses gastos, sem que o sujeito passivo o tenha feito.
Face ao exposto, tendo sido integralmente analisado e rebatido o alegado no direito de audição, propõe-se a manutenção das correções notificadas ao contribuinte no projeto de relatório, bem como do respetivo enquadramento sancionatório.
(...)”
[cfr. emerge do relatório inspetivo que faz fls. 1 a 33 do procedimento administrativo apenso aos presentes autos].
E. Com fundamento no sancionamento hierárquico das correções propostas pela IT, foi emitida a liquidação de IRC respeitante ao ano de 2013 e à Impugnante, em 2016/03/01, n.º ...20, onde foi apurado como devido por aquele ano o montante de EUR 59.145,03
[cfr. liquidação junta pela Impugnante como doc. 1 – fls. 26 dos autos apensos 778/16.0BERAVR na sua versão física].
F. Em resultado da liquidação referida no facto precedente foi elaborada a nota de cobrança n.º ...84, onde foi apurado o montante a pagar de EUR 56.612,30.
[cfr. nota de cobrança junta pela Impugnante como doc. 1 – fls. 26 dos autos apensos 778/16.0BERAVR na sua versão física].
G. Com fundamento no sancionamento hierárquico das correções propostas pela IT, foi emitida a liquidação de IRC respeitante ao ano de 2014 e à Impugnante, em 2016/03/01, n.º ...31, onde foi apurado como devido por aquele ano o montante de EUR 80.604,55
[cfr. liquidação junta pela Impugnante como doc. 1 – fls. 28 dos autos na sua versão física].
H. Em resultado da liquidação referida no facto precedente foi elaborada a nota de cobrança n.º ...61, onde foi apurado o montante a pagar de EUR 77.643,59.
[cfr. nota de cobrança junta pela Impugnante como doc. 1 – fls. 28 dos autos na sua versão física].
I. A Impugnante contabilizou nos anos de 2013 e 2014 como gastos as faturas elencadas no capítulo III do relatório inspetivo.
[Facto incontrovertido e que emerge do relatório inspetivo que faz fls. 1 a 33 do procedimento administrativo apenso aos presentes autos].
J. A Impugnante não foi notificada do teor integral dos relatórios inspetivos elaborados pela AT relativamente aos contribuintes identificados no capítulo III do relatório inspetivo.
[Facto incontrovertido e que resulta da posição das partes expressa nos respetivos articulados].
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.
Motivação da matéria de facto:
No que respeita à fundamentação, a convicção do Tribunal baseou-se essencialmente numa apreciação crítica [artigos 396.º do Código Civil e 607.º, n.º 5 do CPC, ex vi do art.º 2.º do CPPT], e à luz das regras da experiência comum, do exame da globalidade dos documentos juntos aos autos, incluindo os constantes do procedimento administrativo apenso, não impugnados.
A convicção do Tribunal resultou da sua análise em conjunto, independentemente de poderem não ter suportado diretamente qualquer facto levado ao probatório, de harmonia com as menções constantes no fim de cada um dos factos assentes.
Neste domínio importa salientar que as partes prescindiram da inquirição das testemunhas arroladas. No que concerne ao ónus da prova e sua repartição, tal matéria será objeto de desenvolvimento adiante.»

2.2. A Recorrente (A..., Lda) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro de 23.09.2020 que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais decorrentes de correcções meramente aritméticas às matérias tributáveis declaradas relativamente aos exercícios de 2013 e 2014, no montante global de € 134.255,89.
Liquidações essas, emitidas na sequência de uma acção de inspecção realizada à contabilidade da Impugnante, no âmbito da qual a Administração Tributária (AT) entendeu não aceitar como custos os valores relativos a um conjunto de facturas emitidas a favor da impugnante por “D... Lda; B... Lda C... Ld.ª; AA... e BB...”, por entender que as mesmas não correspondem a efectivas e reais transacções comerciais.
A Recorrente alicerçou a sua Impugnação, invocando, em suma, (i) Vício de ausência da fundamentação legalmente exigível; (ii) Vício de violação de lei por omissão da elisão da presunção de veracidade da contabilidade e inexistência de facto tributário; (iii) Violação do princípio da proporcionalidade, da tributação do rendimento real e do dever de aplicação de métodos indiretos; (iv) Violação do direito ao contraditório; (v) Violação do princípio do inquisitório.
O tribunal a quo conhecendo dos vícios invocados, considerou que os mesmos não se verificavam, no essencial, e em concreto no ponto crucial, que do quadro indiciário referido no relatório de inspecção, analisado à luz das regras da experiência comum, suporta a conclusão da AT, no sentido de que as facturas em causa não se reportam a transacções reais e que a Impugnante não fez a prova, que se lhe impunha, de que adquiriu os bens titulados pelas facturas e que os mesmos lhe foram fornecidos pelo emitente das mesmas. Concluindo, assim, que os valores relevados contabilisticamente pela Impugnante relativos às facturas emitidas a seu favor por “D... Lda; B... Lda C... Ld.ª; AA... e BB...”, não podem ter-se por encargos comprovadamente suportados, por via do que não é admissível a sua aceitação como custos para efeitos de apuramento do lucro tributável.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, invocando, no essencial, que a sentença recorrida enferma de (i) nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação; (ii) violação dos princípios do contraditório e igualdade de meios, do principio do inquisitório; (iii) incorreu em erro de julgamento de facto; (iv) erro na apreciação da prova produzida, no entendimento de que o tribunal a quo não podia dar como provado todo o vertido no Relatório de Inspecção Tributária, que a análise dos documentos juntos aos autos, designadamente do RIT, em conjugação com as regras da experiência comum impunham decisão diversa, mormente que os fornecimentos a que se reportam as facturas desconsideradas existiram, e eram imprescindíveis ao desenvolvimento da actividade da Recorrente aceite pela AT, e que, assente nessa premissa, a AT não logrou apontar a existência de factos objetivos ou indícios seguros, credíveis e consistentes com a demais factualidade situada do lado dos emitentes de que os fornecimentos constantes das faturas por ele emitidas e contabilizadas pela Recorrente não correspondiam a operações reais e efetivas e que, consequentemente o julgador incorreu em (v) erro na aplicação do direito.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
2.2.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
A primeira questão que importa apreciar e decidir, por contender com a sua validade formal, é a de saber se a sentença recorrida enferma da alegada nulidade por omissão de pronúncia.
Com efeito, na conclusão 1), 2) e 4) das alegações de recurso, a Recorrente imputa à sentença recorrida nulidade por omissão de pronúncia, sustentando que o Tribunal a quo, não se pronunciou sobre todas as questões postas em crise pela impugnante, ora Recorrente, e aquelas que apreciou, fê-lo de forma pouco fundamentada, sem conseguir dar respostas através dos factos e fundamentos de direito, se bem compreendemos aquilo que podemos enquadrar como falta de fundamentação da sentença recorrida cuja apreciação autonomizaremos.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 125º nº 1 do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
A nulidade por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 608º, nº2 do CPC [aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT], significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Portanto, a apontada nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” (vide, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13.07.11 e de 20.09.11, proferidos nos recursos nºs 0574/11 e 0268/11, respectivamente).
E, como se refere no acórdão do STA de 11.03.2015, proferido no âmbito do proc. nº 01035/12, “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice). (…)
Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista.
Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.
Em reforço deste entendimento, cumpre salientar o expendido no acórdão do STA de 12.06.2018 [processo n.º 0930/12.7BALSB] “(…)
24. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC].
25. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
26. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio (…)”.
Munidos destes ensinamentos e jurisprudência, em jeito de súmula, temos que: «O conceito de questões abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem» (cf. Jorge Lopes Sousa, in CPPT Anotado, 6.º Ed., vol. II, p. 363). A este propósito, refere-se que «as questões que o tribunal deve apreciar e decidir são apenas aquelas que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir, do pedido e das exceções, não se confundindo com as considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pela parte (e, portanto, quanto a estas últimas, o tribunal não só não tem de ser pronunciar, como nenhuma consequência daí advirá se o não fizer, nomeadamente, não configurando tal situação uma omissão de pronúncia)» (cf. Helena Cabrita, in A sentença cível, Fundamentação de facto e de direito, Almedina, 2019, p. 235). «O conhecimento de todas as questões não significa que o tribunal tenha de conhecer de todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes e só a falta de conhecimento de questões constitui nulidade por omissão de pronúncia» (cf. Jorge Lopes de Sousa, in ob cit, p.364).
Cientes de tais princípios e uma vez compulsada a petição inicial (nomeadamente os seus 93 artigos e 18 conclusões) e a sentença sob recurso, contata-se que não vislumbramos ocorrer qualquer omissão de pronúncia, tarefa que espigamos por nós, perante a afirmação genérica, sem qualquer conteúdo concreto, que decorre das alegações de recurso da Recorrente, a qual não identifica qualquer questão que tenha sido invocada na sua petição inicial e cujo conhecimento tenha sido preterido pelo tribunal a quo.
É que, a esgrimida omissão de pronúncia emerge do facto de a sentença recorrida não se ter pronunciado sobre o teor das alegações escritas apresentadas pela Impugnante, ora Recorrente, nos termos do artigo 120º do CPPT (vide conclusão 1.).
Mas qual a questão em concreto, por si alegada, cujo conhecimento foi omitido, perguntamos nós??
Pois que, nas suas alegações e respectivas conclusões a Recorrente limita-se a alegar a falta de pronúncia, sem, contudo, concretizar em que termos a sentença a quo incorre em tal nulidade, concretamente identificando as questões que, porque suscitadas, deveriam ter sido apreciadas e o não foram. Sendo certo, como já referimos, que analisada a petição inicial, as alegações apresentadas nos termos do artigo 120º do CPPT e, a sentença recorrida, não divisamos que questão ou questões quedaram sem a devida pronúncia pelo tribunal a quo.
Termos em que improcede a arguida nulidade por omissão de pronúncia.
2.2.2. Da nulidade por falta de fundamentação
Mais alega a Recorrente contra a sentença recorrida o arrazoado de que “O Meritíssimo Juíz “a quo” incorreu em erro de julgamento e não apreciou todas as questões postas em crise pela impugnante, ora recorrente, e aquelas que apreciou, fê-lo, salvo o devido respeito, de forma não fundamentada, sem conseguir dar respostas através dos factos e fundamentos de direito, o que só por si conduz ao vicio da nulidade da sentença recorrida.” (vide conclusão 4)) e, mais adiante (sob a conclusão 15.), refere que “…, se conclui que a decisão recorrida não indica com clareza e congruência, os elementos de facto e de direito que determinaram as liquidações adicionais de IRC impugnadas relativas ao ano de 2013 e 2014”, por referência ao controlo da produção e volume de negócios declarados e à presunção de veracidade da contabilidade.
A questão que cumpre agora apreciar e decidir, é a de saber se a sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação.
Ora, nos termos do disposto no artigo 123º, nº2 do CPPT, o juiz deve, na sentença discriminar a matéria de facto provada da não provada.
Temos que, no processo judicial tributário, o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125º, nº1, do CPPT, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (cf. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; e acórdãos do STA de 24.02.2011, in rec.871/10; de 13.10.2010, in rec.218/10).
E, a exigência de fundamentação das decisões judiciais encontra previsão no artigo 154º do CPC, constituindo, aliás, imperativo constitucional que decorre do n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), nos termos do qual «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». É, aliás, nesse contexto, que o artigo 125.º do CPPT e o análogo artigo 615.º, nº 1, al. b), do CPC, estipulam que é nula a sentença quando falte a especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
Esta especificação dos fundamentos da decisão judicial refere-se à sua motivação ou fundamentação no plano factual e jurídico e passa pela expressão e discriminação da matéria de facto considerada pertinente para apoiar a solução de direito, cumprindo, assim, uma dupla função: por um lado, impõe necessariamente ao Juiz um momento de controlo crítico da lógica e da bondade da decisão; por outro, permite, pela via do recurso, o reexame da decisão por ele tomada.
Como se deixou plasmado no acórdão proferido pelo STA em 29.05.2002, no âmbito do Rec. n.º 228/02, citando Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139.), «…uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”; comprometendo a sua validade por carecer, então, de um elemento essencial, quer porque cabe ao juiz demonstrar que a solução dada ao pleito é emanação correcta da vontade da lei, quer porque as partes, e sobretudo a vencida, “tem o direito de saber porque razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o Tribunal Superior”; carecendo este “também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso».
Tem sido, entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência, que a falta de fundamentação prevista no preceito é a falta absoluta, dela se subtraindo as situações de fundamentação insuficiente, medíocre ou errada, quer a nível factual, quer jurídico. «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2.º do art. 668.º» - Alberto dos Reis, in obra citada, vol. V, pág. 140.
Em suma, tal nulidade só ocorre quando falte em absoluto a fundamentação, e não já quando se verifique a sua deficiência ou incongruência e, muito menos, quando haja erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta. Isto é, só se verificará quando a fundamentação não exterioriza minimamente as razões (factuais e jurídicas) que levaram o julgador a decidir naquele sentido e não noutro qualquer, ou quando a fundamentação aduzida é ininteligível ou não tem relação perceptível com o julgado, situação em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Ainda que a Recorrente na sua investida contra a sentença a quo invoque que esta enferma de nulidade por falta de fundamentação, ancorada numa alegação genérica, é manifesto que da sua respectiva leitura, se constata que ela encerra a motivação factual e jurídica que levou o Mmº Juiz a julgar no sentido em que o fez. Perscrutado o probatório e a fundamentação expendida, é patente que na decisão recorrida estão ampla e profusamente explicitados os fundamentos de facto e de direito que se julgaram relevantes para a decisão proferida e que, por ponderados, conduziram o tribunal a quo a decidir no sentido da improcedência da pretensão da Impugnante.
Ademais, e mesmo que assim não se considerasse, como já referimos a falta de fundamentação suscetível de integrar a nulidade prevista no artigo 125º nº 1 do CPPT (bem como no artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC) é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos (quer referentes aos factos quer ao direito), que não uma fundamentação escassa e, ou deficiente [vide neste sentido Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p.687, Fernando Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, p.55], sendo que quando a justificação seja deficiente e/ou insuficiente, a sua apreciação poderá, eventualmente, recair em sede de erro de julgamento de facto ou de direito.
O que, é perentório não ocorrer in casu, pois que, relativamente aos vícios que conheceu, o tribunal a quo referenciou as diversas normas legais aplicadas, concretizou as mesmas com referências doutrinais e jurisprudenciais, e efetuou a respetiva subsunção ao caso, sustentando de forma perfeitamente percetível, a sua decisão.
Assim sendo, sem curar, por ora, da bondade, da fundamentação em que ancora a respectiva decisão, urge considerar que o tribunal a quo satisfez a exigência de fundamentação que lhe estava adstrita, e nessa medida, não se verifica a arguida nulidade, sendo que na decisão recorrida foi analisado o articulado inicial e feito o necessário enquadramento jurídico em termos que permitiram à ora Recorrente apreender à luz de que preceitos jurídicos foi encontrada a solução de direito aplicada no caso concreto, tal como o presente recurso, através das suas alegações e conclusões, bem evidencia.
Termos, em que, improcede a arguida nulidade por falta de fundamentação.
2.2.3. Da violação dos princípios do contraditório, da igualdade das partes e do inquisitório
Objecta ainda a Recorrente contra a sentença a quo a alegação, em jeito de sinopse, que “(… ) sendo principio estruturante do processo judicial tributário o princípio do inquisitório pleno previsto nos artigos 13º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 99º da Lei Geral Tributária, o Juiz do Tribunal “a quo” deveria ter ordenado as diligências necessárias com vista à produção de prova, que inexiste nos autos, pois não resulta demonstrada a falta de veracidade dos elementos constantes na contabilidade da Impugnante.” pelo que não pode “ conformar-se com o entendimento constante da Douta Sentença recorrida, pois possuindo os Relatórios dos emitentes das faturas aqui em causa a natureza de informações oficiais (artigo 111º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), por virtude do princípio da igualdade e do contraditório tinham de ter sido notificados do seu teor integral à impugnante, aqui recorrente, por imperativo do nº 3 do artigo 115' do Código de Procedimento e de Processo Tributário” mais afirma que “… é processualmente inconcebível que todos os alegados indícios dados por apurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira se sustentem em “partes” de Relatórios de outros contribuintes, no caso sub judice, dos emitentes, e só constam do Relatório da Impugnante ”partes” que o Senhor Inspetor Tributário “escolheu” no seu livre arbítrio para transcrever no Relatório Final da impugnante, aqui recorrente, na mais complete violação do Princípio da Igualdade consignado no artigo 55º e 98º da Lei Geral Tributária, em que as partes dispõem no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa” (vide conclusões 3., 40. a 42. ) e, remata argumentando que “… o Tribunal deve assegurar, ao longo do processo, um estatuto de igualdade substancial das partes” (conclusão 44 e 45).
Se atentarmos as alegações e às conclusões de recurso, parece poder concluir-se que a Recorrente pretende invocar a violação do princípio do contraditório e do princípio da igualdade.
Ora, antes de mais, importa clarificar que as nulidades a que se refere o artigo 98º do CPPT que a Recorrente aclama na sua conclusão 44., são as nulidades ocorridas no processo judicial, e não no procedimento administrativo e, como tal, eventuais irregularidades ocorridas nesse procedimento inspetivo nunca poderiam ser enquadradas no invocado preceito legal.
No que concerne à questão da alegada falta de notificação dos relatórios de inspeção respeitantes aos emitentes das faturas em questão (conclusão 41.), importa salientar, que a sentença sob recurso pronunciou-se concretamente sobre a questão, pelo que a ocorrer qualquer violação do princípio do contraditório dai decorrente, o mesmo deveria vir alegado em sede de erro de julgamento de direito, o que manifestamente não é o caso, pelo que seguramente estaríamos legitimados a afirmar que a questão não tendo sido alvo de recurso, por via do seu ataque concreto, transitou.
Contudo, recuperemos nesta sede o que na sentença sob recurso ficou explanado e decidido sobre a questão:
«Nesta sede alega a Impugnante que o seu direito ao contraditório foi violado porquanto não foi notificada do teor integral dos relatórios respeitantes aos sujeitos passivos emitentes das faturas a IT desconsiderou.
Defende que constituindo tais relatórios informações oficiais, a IT tinha tal dever de harmonia com o art.º 8.º do RCPIT e n.º 3 do art.º 115.º do CPPT aplicável por remissão da alínea b) do artigo 4.º do RCPIT.
Por seu turno, a Fazenda Pública defende que basta a transcrição dos factos pertinentes e que a IT estava impedida de notificar aqueles relatórios sob pena de violar o sigilo fiscal daqueles contribuintes.
Cumpre apreciar.
É consabido que o art.º 8.º do RCPIT estabelece que o procedimento inspetivo segue o princípio do contraditório.
Em anotação ao preceito referem Freitas Rocha e João Caldeira [RCPIT Anotado e Comentado, p. 56 e ss.]:
O princípio do contraditório como código enformador do procedimento de inspeção encontra-se ligado ao princípio da participação, do qual constituirá uma dimensão essencial. Com efeito, contraditório e participação não são uma e a mesma coisa, sendo o primeiro um dos possíveis modos de manifestação desta última. Por outras palavras, a participação constitui um princípio essencial do procedimento tributário, nos termos do qual os destinatários das atuações públicas, máxime administrativas, devem ser chamados a participar no iter conducente à decisão, não podendo ser negligenciados, esquecidos ou alheados, e esse chamamento pode ser efetuado de várias formas, das quais o contraditório é uma das mais visíveis (a par, por exemplo, do direito a ser ouvido ou do direito de apresentação de elementos ou dados relevantes). A exigência do contraditório, enquanto manifestação de um princípio geral de Direito, não carece de consagração expressa na lei, sendo um momento essencial do procedimento administrativo, um princípio de “ética jurídica” e considerado uma norma de “direito natural administrativo”.
Em termos mais específicos, o princípio do contraditório, no âmbito do procedimento de inspeção tributária impõe à Administração tributária a obrigação de conceder ao sujeito passivo inspecionado a possibilidade de se pronunciar livremente e em prazo razoável, sobre os factos que lhe digam respeito ou que lhe sejam imputados, confirmando-os ou refutando- os, compreendendo-se assim que o princípio do contraditório (dimensão objetiva) dê origem a um direito ao contraditório (dimensão subjetiva).
Prosseguindo,
O princípio do contraditório, seja no âmbito de procedimentos administrativos, seja no âmbito de processos judiciais, é hoje entendido como um direito de participação efetiva das partes no desenvolvimento do objeto do procedimento / processo, mediante a possibilidade de influenciarem a respetiva tramitação e contribuírem para a formação da decisão mediante a aquisição processual dos factos tidos por potencialmente pertinentes para esta.
Como decorre do teor do relatório inspetivo à Impugnante foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre os indícios carreados para o procedimento inspetivo pela IT que lhe permitiam concluir pela não realização das operações económicas nos termos relevados pelas faturas aqui em crise.
Nessa medida e em sede de audição prévia foi facultada a possibilidade de exercício do contraditório podendo a Impugnante, nessa altura, juntar os documentos que entendesse pertinentes para contraditar aquelas conclusões, requerer diligências complementares ou seja, potencialmente influenciar o sentido decisório.
Assim, é evidente que foi facultado o exercício do direito ao contraditório em sede de audição prévia. Não obstante,
O que a Impugnante pretenderá defender é que esse exercício embora formalmente realizado foi efetuado de forma deficiente na medida em que a mera notificação de excertos desses relatórios lhe coarta o cabal exercício desse direito.
Contudo, aí já não está em causa o exercício do direito ao contraditório, mas sim a um procedimento equitativo.
De todo o modo, nem a Impugnante concretiza em que medida e por que razão a omissão da notificação integral daqueles relatórios a prejudica na sua defesa, nem se vislumbra de que modo tal poderia ocorrer na medida em que aqueles factos poderiam, em abstrato, ser contraditados mesmo sem aquele.
A título meramente exemplificativo poderia a Impugnante, quer em sede de audição prévia antes do relatório final ou mesmo em sede da presente Impugnação alegar e demonstrar que qualquer daqueles emitentes das faturas tinham instalações que a IT desconhecia, identificando-as, contraditar que existia lapso na indicação das matrículas constantes das guias de remessa ou que estas não correspondiam aos veículos identificados pela IT, que as mercadorias constavam dos inventários, juntar cópias de cheques ou de ordens de transferência bancária, etc.
Acresce que, como muito bem refere a Fazenda Pública, sobre a Autoridade Tributária impende um dever de sigilo relativamente à situação tributária dos contribuintes, de harmonia com o previsto no art.º 64.º da LGT, dever esse que apenas nos casos legalmente previstos se permite que seja afastado.
Assim, com os fundamentos de facto e de direito acima referidos, se julga improcedente a arguição do referido vício.» (fim de transcrição)
Vejamos.
Não podemos deixar de concordar na íntegra com o explanado sobre este ponto na sentença sob recurso. Efectivamente, o princípio do contraditório, no âmbito do procedimento de inspeção tributária impõe à Administração tributária a obrigação de conceder ao sujeito passivo inspecionado a possibilidade de se pronunciar livremente e em prazo razoável, sobre os factos que lhe digam respeito ou que lhe sejam imputados.
O princípio do contraditório, seja no âmbito de procedimentos administrativos, seja no âmbito de processos judiciais, é hoje entendido como um direito de participação efetiva das partes no desenvolvimento do objeto do procedimento e/ou processo, mediante a possibilidade de influenciarem a respetiva tramitação e contribuírem para a formação da decisão mediante a aquisição processual dos factos tidos por potencialmente pertinentes para esta.
Diremos apenas, que conforme o exarado no relatório inspetivo, à Impugnante foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre os indícios carreados para o procedimento inspetivo pela Inspecção Tributária que lhe permitiam concluir pela não realização das operações económicas nos termos relevados pelas faturas aqui em crise. Nessa medida e em sede de audição prévia foi facultada a possibilidade de exercício do contraditório à Impugnante, ora Recorrente, pela via do qual poderia juntar os documentos que entendesse por pertinentes e requerer as diligências complementares que tivesse por adequadas.
Entende a Recorrente, que a transcrição no relatório final de partes dos relatórios respeitantes aos emitentes viola o “princípio de igualdade” das partes.
Ora, a Recorrente não concretiza em que medida e por que razão a omissão da notificação integral daqueles relatórios prejudica a sua defesa, nem se vislumbra de que modo tal poderia ocorrer na medida em que aqueles factos poderiam, em abstrato, ser contraditados mesmo sem os mesmos.
A título meramente exemplificativo, poderia a Impugnante/Recorrente, quer em sede de audição prévia antes do relatório final ou mesmo em sede da Impugnação, alegar e demonstrar que qualquer daqueles emitentes das facturas tinham instalações que a AT desconhecia, identificando-as, concretizar os meios de transporte das mercadorias efectivamente utilizado, meios de pagamentos, de modo a contraditar as conclusões aduzidas pela inspeção tributária e que efectivamente foram do seu conhecimento, aliás como assertivamente o tribunal a quo referenciou e no corpo do recurso a Recorrente não alude .
Acresce que, como é salientado também na sentença recorrida, sobre a AT impende um dever de sigilo relativamente à situação tributária dos contribuintes, de harmonia com o previsto no art.º 64.º da LGT, dever esse que apenas nos casos legalmente previstos se permite que seja afastado. (neste sentido entre outros vide acórdãos do TCA Norte de 22.10.2020, in proc. n.º 984/16.7BEAVR, de 03.03.2021, in proc. 986/16.3BEAVR e 16.09.2021, in proc. 474/16.8BEAVR).
Quanto ao principio do inquisitório, cumpre referir que estamos perante um dos princípios estruturantes do processo tributário, que consiste no poder de o juiz ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade material. Com efeito, nos termos que decorrem dos normativos legais contidos nos artigos 13º do CPPT e 99º, nº 1 da LGT, os juízes dos tribunais tributários devem realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.
Assim, sobre a factualidade relevante para a decisão deve incidir a atividade instrutória necessária de modo a que o tribunal possa dar resposta às questões que lhe são colocadas, nomeadamente através da explicitação dos factos que considera provados e não provados. E no caso de não ser realizada essa atividade instrutória, a sentença pode ser (mesmo oficiosamente) anulada e ordenada a baixa dos autos ao tribunal a quo para esse efeito.
Ora, no caso dos autos, a Recorrente apenas refere que “o Juiz do Tribunal “a quo” deveria ter ordenado as diligências necessárias com vista à produção de prova, que inexiste nos autos, pois não resulta demonstrada a falta de veracidade dos elementos constantes na contabilidade da Impugnante", não concretizando a factualidade alegada que impunha tais diligências e, como lhe era exigido, o que pretendia que o tribunal a quo desse como provado e em que medida ficou prejudicado o conhecimento do por si alegado em sede de petição, pelo que não vislumbramos que tenha ocorrido violação do princípio do inquisitório.
Por último, no que concerne ao princípio do inquisitório em sede de procedimento, a sua eventual violação foi apreciada pelo tribunal a quo, nos seguintes termos aos quais aderimos:
«Nesta sede alega a Impugnante que a Inspeção Tributária não “desenvolveu as diligências necessárias com vista ao apuramento da verdadeira situação tributária do contribuinte, designadamente através de um controlo quantitativo das mercadorias e das matérias-primas para a realização das vendas no exercício de 2013.
Do cotejo do relatório inspetivo emerge o desacerto da alegação.
É referido neste que efetuado o controlo dos artigos titulados pelas faturas em causa se verificou da dispensabilidade desses concretos gastos e mesmo que tais mercadorias não constavam dos inventários e que não era viável que pudessem ter sido transformadas em produtos acabados antes do final do ano.
Assim fica demonstrado que a IT procedeu a um controlo das existências ao contrário do alegado.
Importa salientar, ainda, que a Impugnante não imputa nem demonstra qualquer erro a tais alegações, nomeadamente juntando os respetivos inventários onde constassem tais mercadorias.
Assim, improcedendo o vício alegado.»
Improcede o recurso quanto a estas questões.
2.2.4. Do erro de julgamento da matéria de facto
Da leitura conjugada das alegações e das conclusões de recurso verificamos que a Recorrente parece manifestar discordância quanto ao julgamento sobre a matéria de facto efetuado pelo tribunal recorrido, sobretudo contra a valoração dos elementos probatórios recolhidos em sede de procedimento e, no âmbito do processo judicial (sendo que não foi realizada a inquirição de testemunhas arroladas pelas partes, por as mesmas terem prescindindo da mesma). Refere por um lado, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto, porquanto considerou como provados os factos constantes no ponto A) a J) da matéria de facto dada como provada (págs. 4 a 51 da sentença), nomeadamente considerando como verdadeiro tudo o que vem alegado no Relatório Final pelo Inspetor Tributário relativamente aos Relatórios Finais elaborados aos fornecedores emitentes das Faturas em causa. Mais alude que do Relatório Final (RIT) elaborado à Impugnante, apenas constam alguns "excertos" dos alegados Relatórios Finas das inspecções realizadas aos emitentes das facturas, sendo que a Impugnante, logo na sua Petição Inicial questionou a sua existência, porque os mesmos nunca foram juntos ao RIT, nem ao processo Administrativo, não poderia ser relevado o que deles consta. Que o Juiz do tribunal a quo considerou como provados os factos constantes no Ponto D. da Matéria de facto dada como provada, considerando como verdadeiro tudo o que vem alegado no RIT, ou seja, dá como assente e provado tudo o que a contraparte (AT) nestes autos alega, fazendo um "copy past" das páginas do Relatório da Autoridade Tributária e Aduaneira (vide conclusões 5. a 7.).
Vejamos.
Como é sabido, a alteração pelo TCA da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artigo 640º nº1 alíneas a) e b) do CPC).
Com efeito, só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.
Importa, assinalar, que na decisão sobre a matéria de facto o Juiz a quo aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada. É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na respetiva apreciação.
Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05.05.11 (processo 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os arts 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”
Assim, posta em causa a matéria de facto controvertida e julgada, o tribunal de recurso pode alterá-la desde que os elementos de prova produzidos e indicados pela Recorrente como mal ou incorretamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, num juízo de certeza, outra decisão. Com efeito, só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação das provas, legitimador da respetiva correção pelo Tribunal Superior.
No caso concreto, se bem interpretamos as conclusões do recurso, tarefa árdua diga-se, o que a Recorrente efetivamente pretende é discutir a convicção do julgador que fundamentou a decisão, ou seja, a impetrante mais não faz do que retirar da prova produzida ilações distintas das que o Mmº Juiz a quo percepcionou e amplamente explicitou na respetiva fundamentação da sentença recorrida, onde se vê que o tribunal a quo especificou, identificou e desenvolveu os meios de prova que serviram de suporte à concreta decisão sobre a factualidade dada como assente e não assente, tendo fundamentado de forma suficiente a sua convicção.
Para além do mais, se a Recorrente pretende com estas alegações, que o tribunal ad quem proceda à alteração da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os meios de prova que impunham decisão divergente da adoptada.
Pois que, quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o artigo 640.º, n.º 1, do CPC, exige que o recorrente especifique:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Ora, analisando as alegações de recurso, adiantamos desde já que tal ónus não foi cumprido, limitando-se a Recorrente a discordar da factualidade assente, e quanto à matéria de facto dada como não provada, reconduz-se a alusão genérica de que dos documentos e elementos na posse da AT, decorre a materialidade das operações e que as facturas correspondem a verdadeiras transações, o que redunda numa menção meramente conclusiva, por se tratar de ilação(s) a retirar de factos concretos que não elenca e não reconduz aos documentos e/ou elementos constantes do Processo Administrativos que permitam a este tribunal ad quem proceder a qualquer sindicância.
Note-se, que relativamente à factualidade mencionada no ponto D) do probatório (pág. 4 a 51 da sentença), é feita efetivamente referência ao relatório da inspeção, bem como aos documentos que sustentaram a fundamentação lá aduzida, cujos extratos o Mmº Juiz a quo se limitou a reproduzir.
Contudo, perscrutada a sentença em apreço verifica-se que o Meritíssimo Juiz a quo não deu como provados os factos vertidos no RIT, o que consignou no probatório foi o teor do relatório inspectivo, uma vez que é neste que reside toda a factualidade que consubstancia a declaração fundamentadora da liquidação posta em crise, sendo que é essencial conhecer-se a motivação do acto impugnado, de modo a que o tribunal a possa sindicar, razão pela qual tal fundamentação pode (e deve) integrar o probatório, uma vez que é à luz dessa fundamentação (lembre-se, vertida no RIT) que o tribunal ad quem tem de sindicar se a AT demonstrou os pressupostos que legitimam a sua actuação, ou melhor, a legitimam a proceder às correcções à matéria tributável que estão na génese das liquidações questionadas.
Na verdade, as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando devidamente fundamentadas e se sustentam em critérios objetivos (artigo 76º, nº 1 da LGT). O que significa, desde logo, que a Fazenda Pública não tem que repetir em juízo o esforço instrutório e probatório que desenvolveu em sede de procedimento administrativo. Ou seja, por força do disposto no artigo 76º, nº 1 da LGT a Fazenda Pública pode valer-se em sede judicial da factualidade que apurou no procedimento administrativo, sem ter de reproduzir essa prova em tribunal.
Contudo, isto não significa que se os factos aí afirmados (RIT) forem impugnados na petição inicial (nomeadamente por desconhecimento ou por oposição), o tribunal esteja dispensado de valorar a respetiva prova (é que uma coisa é dar como provado que a administração tributária realizou os actos de inspeção descritos no probatório e recolheu as informações aí referidas e outra, distinta, é dar como provado o que aquela concluiu). O facto de os fundamentos aduzidos no relatório de inspeção tributária constarem do probatório em nada colide com a eventual prova que a Impugnante possa fazer nos autos, em sentido contrário àqueles.
Em regra, o local apropriado para se efetuar tal juízo será na subsunção dos factos ao direito em que o Juiz (depois de dar como assente, na resposta à matéria de facto, que a administração tributária concluiu o que concluiu) aprecia a qualidade do respetivo discurso fundamentador e confirma se houve ou não erro sobre a suficiência dos pressupostos de facto da tributação. Quando a impugnação do facto afirmado for feita por oposição, “o juízo sobre a ocorrência do facto afirmado pelos serviços de inspeção tributária depende da prova que for feita dos factos materiais que forem alegados pelo impugnante e da sua idoneidade para abalar os juízos de facto que o relatório ou as suas conclusões exprimam. Sendo tais factos alegados na petição e relevantes para a decisão, deve o juiz formular o juízo sobre a sua existência na resposta à matéria de facto e sobre a sua idoneidade na aplicação do direito aos factos” (cf. acórdão, ainda inédito, deste TCAN de 6/6/2012, Processo 79/04.6 BEPNF).
Nem se diga , como faz a recorrente que é processualmente inconcebível que todos os alegados indícios dados por apurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira se sustentem em "partes" de Relatórios de outros contribuintes, in casu dos emitentes, e só constam do Relatório da Impugnante "extratos" que o Senhor Inspetor Tributário "escolheu" para transcrever no Relatório Final da impugnante, porquanto, nada obsta a que a AT, na sua actividade inspectiva, acolha fundadamente os elementos apurados no âmbito de outros procedimentos de fiscalização realizados a terceiros com quem a Impugnante se relacionou, proceda a uma análise comparativa e, numa leitura conjunta de tais dados com os elementos colhidos ex novo junto a entidade inspeccionada, retire as conclusões que entenda pertinentes, tanto mais que, na situação dos autos, apurou-se, na esfera dos emitentes, factualidade que contraria a dimensão da relação comercial espelhada na contabilidade da Recorrente.(Neste sentido vide acórdão do TCAN de 28.01.2021, proferido in Rec.3157/12.4BEPRT pela ora 1ª adjunta).
E assim sendo, resta concluir que nada há apontar ao probatório da sentença recorrida pelo facto de na mesma constar extratos do RIT, quer quanto à Recorrente, quer quanto aos emitentes das faturas.
Assim, e pelo exposto se conclui que, ao relevar a factualidade que consta do relatório de inspeção tributária (e em que se fundamenta a liquidação impugnada) nos termos que constam da sentença recorrida, e independentemente da demais prova produzida nos autos, não incorreu o tribunal a quo no erro de julgamento que lhe vem imputado.
Por todo o exposto, em sede de matéria de facto, improcedem todas as considerações tecidas, ao julgamento de facto, apontadas nas conclusões de recurso.
2.2.5. Do erro de Julgamento de Direito
2.2.5.1. Recapitulando, está em causa a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida pela ora Recorrente contra as liquidações adicionais de IRC, decorrente da desconsideração das faturas emitidas por “D... Lda; B... Lda C... Ld.ª; AA... e BB...”, no período de 2013 e 2014 que no entender da Administração Tributária não reflectem as operações lá mencionadas.
Para assim decidir, o tribunal a quo considerou que AT carreou para os autos indícios objetivos e claros de que os documentos em causa não titulam efetivas operações económicas, não tendo a Recorrente logrado demonstrar a materialidade das mesmas.
Ora, é contra este entendimento que a Recorrente se insurge, alegando, em suma, que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quer no tocante à apreciação que fez da matéria de facto, quer na aplicação do direito, argumentando que a AT não provou que as facturas, eram falsas e que não permitiam suportar as operações contabilísticas que tiveram lugar, não podem ser dadas como provadas as conclusões inscritas no Relatório da Inspecção Tributária (RIT), uma vez que estas foram, alegadamente, contrariadas pela sua contabilidade, o que, aliada às regras da experiência do sector da cortiça apontam em sentido diametralmente oposto àquele em que se fundou a sentença recorrida.
Assim, estabilizada que se encontra a matéria de facto, importa agora decidir nesta sede se o tribunal a quo errou ao sufragar o entendimento de que a AT fez prova, como lhe competia, da existência de indícios sérios e consistentes susceptíveis de permitir a conclusão de que as facturas contabilizadas pelo sujeito passivo não correspondem a reais operações, o que a Impugnante não logrou infirmar. Ou seja, impõe-se determinar, se a AT actuou em conformidade com a lei ao desconsiderar as facturas emitidas pelos fornecedores da Recorrente, a saber ”D... Lda; B... Lda C... Ld.ª; AA... e BB...”, por entender que tais facturas não correspondiam a efectivas transacções comerciais, facturas essas que a Impugnante contabilizou e cujos custos deduziu.
E, desde já se diga, que quanto aos documentos juntos aos autos que suportam a alegação de uma contabilidade ¯sem mácula, a sua aparente regularidade formal, por si só, não basta, para suportar a tese da Recorrente, pois, como a jurisprudência tem considerado reiteradamente, a própria regularidade da contabilidade, em utilizadores de facturação falsa, constitui um dos indícios da falta de materialidade das operações, pela necessidade de regularização formal face à não efectivação das transacções.
Ainda que ressalte manifesto que o esforço expositivo da Recorrente se dirige a fazer vingar a alegação da veracidade do por si declarado, assente na regularidade formal das transacções tituladas pelas facturas desconsideradas, temos por assente que, por si só, desacompanhada de demais provas, não logra contrariar os índicos recolhidos em sede inspectiva e, consequentemente, mostra-se imprestável para infirmar as conclusões extraídas pela AT.
É que, nos casos da denominada ¯facturação falsa, não está em causa a correcção formal da contabilidade, mas sim a substancial. A circunstância de as operações se encontrarem documentadas (factura, comprovativo dos meios de pagamento, etc.) e terem sido devidamente inscritas na contabilidade faz presumir a existência da operação, todavia, tal presunção deixa de se verificar, nomeadamente, quando a contabilidade ou escrita do contribuinte revelar indícios fundados de que não reflecte ou impede o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75º, nº 1 da Lei Geral Tributária).
Como tal, se a AT recolher indícios sérios, e objectivos de que os documentos de suporte, ainda que formalmente correctos não reflectem uma verdadeira transacção (seja relativamente aos sujeitos, objecto, datas, valores, meios de transporte utilizados, etc.), cessa a presunção de veracidade das operações constantes de tais documentos.
Importa, contudo, atentar que a AT não tem de fazer a prova directa da simulação, a prova dos pressupostos exigidos pela lei civil para que se verifique a simulação (cf. artigo 240º do Código Civil), sendo suficiente a prova indirecta, ou seja, a prova de “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova.” (cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Coimbra, 1972, pág. 154). Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, in A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311.
In casu, estão correcções de IRC, por desconsideração dos custos suportados em facturas que a AT reputou de falsas.
Dispõe o n.º 1 do art.º 17.º do CIRC que ”O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
Por sua vez, nos termos da alínea a) do art.º 23.º do CIRC, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação.
Da leitura conjugada dos preceitos citados resulta que o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas deduzidos os gastos ou perdas que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Logo, quando as faturas têm subjacentes operações simuladas, não é admissível a contabilização de tais documentos para efeitos de apuramento do lucro tributável, nos termos do n.º 1 do art.º 23° do CIRC.
Assim, se a Administração Tributária recolher indícios sérios e credíveis da falsidade das facturas que o sujeito passivo relevou na sua contabilidade, compete a este o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos fiscais declarados na determinação da respectiva matéria tributável, nos termos que decorrem dos arts. 17º, nº 1 e 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso a norma do artigo 100.º do CPPT não tem aplicação
No caso vertente esgrime, a Recorrente, em defesa da sua tese, o argumento de que a Administração Fiscal não logrou enunciar factos susceptíveis de abalar a presunção de veracidade dos elementos constantes da escrita da contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, não tendo, desta forma, demonstrado cabalmente os factos que sustentam a liquidação impugnada.
Como vem sendo repetidamente e maioritariamente afirmado pela doutrina e pela jurisprudência (Cfr., entre outros, os acórdãos deste TCA de 27.01.04, no Proc. nº 6646/02 e de 11.03.03, no Proc. nº 6915/02 e os acórdão do STA de 24.04.02, no Proc. nº 102/02, de 17.04.02, no Proc. nº 26.635, de 09.10.02, no Proc. nº 871/02 e 20.04.03 no Proc. nº 241/03) é à AT que cabe o ónus de prova da existência dos pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente, a prova da verificação dos pressupostos que a legitimaram a efectuar as correcções técnicas que a suportam. Daí que a AT tenha o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a desconsiderar as facturas contabilizadas (in casu, o que a levou a considerar determinadas aquisições de bens como não correspondendo a operações reais), factualidade essa que tem de ser susceptível de afastar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente em sede tributária), só, então, passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações comerciais se realizaram.
Ora, tais indícios podem colher-se não só junto da escrita e contabilidade de quem arquivou e relevou contabilisticamente os documentos em causa, como colher-se junto de elementos externos à mesma, nomeadamente mediante cruzamento de informação, sendo que, só perante esses concretos indícios, essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade da escrita do sujeito passivo, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que as transacções/operações ali descritas efectivamente se realizaram.
No caso que nos ocupa, os “factos-índice” que levaram a AT a concluir que as facturas emitidas por alguns dos fornecedores da Impugnante não titulavam operações reais, encontram-se claramente enunciados no probatório e amplamente concretizados no RIT, do qual ressalta manifesto que a AT partiu do conhecimento dos emitentes das facturas e com recurso à fiscalização cruzada na pessoa da Impugnante, apurou uma série de circunstâncias indiciadoras de que, no caso em apreço, não estamos perante transacções reais, nomeadamente, por via das diligências realizadas pelos Serviços Inspectivos da AT junto dos emitentes das facturas, bem como, dos elementos recolhidos junto da Impugnante. Das diligências realizadas em sede dos emitentes das facturas, uma referência às prolixas diligências realizadas para apurar da existência e condições das instalações, das requisições dos respectivos livros de facturas (por quem, onde), tentativas várias de contactos pessoais e, outros, junto das pessoas físicas indicadas como gerentes das mesmas, levantamento dos meios de transporte detidos pelos emitentes e que figuravam nas facturas, etc.
Porém, entende a Recorrente que da factualidade apurada junto dos emitentes não podia a Administração Fiscal concluir pela simulação das transacções a que se reportam as facturas desconsideradas, argumentado que face aos valores por si declarados, espelhado na sua contabilidade, assente na premissa de que “se vendeu é porque adquiriu”.
Ora, a origem da emissão das questionadas facturas no outrém com quem o sujeito passivo alvo de inspecção se relacionou comercialmente, tem, inevitavelmente e logicamente, que recair sobre os concretos termos em que o emitente das facturas actuou, procurando conferir a veracidade das operações que aquelas traduzem, não se vislumbrando qualquer outra metodologia num primeiro patamar disponível aos Serviços de Inspecção, pois que, colocando-se na veste do sujeito passivo sujeito a fiscalização, os elementos integrantes da sua contabilidade e vertidos nas competentes declarações tributárias gozam de uma “presunção de veracidade”, pelo que só actuação dos respectivos fornecedores permite o seu ataque e determinar a realização de diligências na esfera do inspeccionado.
Assim, se da avaliação da situação do emitente das facturas resultar a recolha de indícios fortes da ocorrência de transações fictícias, essa informação não pode ser tida por irrelevante e desprezível com o singelo argumento que se trata da conduta de terceiro, e por isso totalmente alheia à Impugnante, uma vez que tais situações, ainda que tenham a sua génese no comportamento assumido por aquele, ocorrem sempre e necessariamente, com a complacência do receptor das faturas (neste sentido vide o acórdão do TCA Norte, de 01.03.2007, in rec. 00027/00).
Em suma, cumpre não olvidar, como já se referiu, que a AT não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (neste sentido, entre outros, acórdão do STA de 27.10.2004, proferido no processo n.º 810/04), invocando factos-índice que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, pois, de contrário, seria praticamente impossível atingir o objectivo legal de tributação do rendimento real e de combate à fraude fiscal. Que a AT, nesta ingrata, mas essencial tarefa, não se pode limitar a uma fundamentação meramente formal do juízo que formula quanto à indevida dedução dos custos fiscalmente relevantes, exige-se-lhe, ademais, que demonstre o bem fundado desse juízo, provando os indícios que o sustentam, dessa forma possibilitando a conclusão de ser correcta a sua fundamentação material (neste sentido vide o acórdão do TCA Norte de 24.01.2008 proferido no recurso 01834/04). Alcançada essa prova pela AT, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a relevar custos, nos termos que decorrem do artigo 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois, neste caso, o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação.
É que, o ónus consagrado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, contra a AT (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação das transacções cujos custos alega ter suportado e que pretende ver reflectidos na sua contabilidade (neste sentido vide, acórdãos do TCA Norte de 24.01.2008, proferido no Processo 01834/04, e de 24.01.2008, proferido no Processo 2887/04, acórdãos do STA de 17.04. 2002, proferido no Processo 26635 e do Pleno de 07.05.2003, proferido no Processo 1026/02).
Perante tal enquadramento jurídico, atentemos nos elementos recolhidos em sede inspectiva, de molde a determinar se, in casu, AT logrou reunir, como sobre ela impendia, indicadores suficientes e demonstrativos de que às facturas contabilizadas pela Impugnante emitidas por aqueles seus fornecedores identificados pela AT, não subjazem as operações que nelas se descrevem, ou seja , se os elementos indiciários apontados pela AT permitem inferir, com um grau de probabilidade elevada, a simulação das operações subjacentes à respectiva emissão ou se o juízo formulado pelo tribunal a quo, no que concerne à falta de veracidade das facturas merece a censura que lhe é desferida.
A sentença recorrida não reconheceu razão à Impugnante, sendo que para assim concluir, o Mmº Juiz a quo alinhou o seguinte discurso argumentativo que, no segmento relevante à matéria em discussão, se transcreve:
«Alega a Impugnante que a IT não logrou elidir a presunção de veracidade da escrita constante do art.º 75.º da LGT, nem satisfazer o ónus da prova da existência do facto tributário, da harmonia com o disposto no art.º 74.º da mesma Lei.
Aduz que não se encontra demonstrada a existência de qualquer acordo simulatório nos termos do art.º 240.º do CC.
Concluindo, assim, pela inexistência do facto tributário sujeito a IRC.
Antes de mais sobressai que a apreciação deve ser efetuada por apelo às normas tributárias e não às normas civilísticas, porquanto as primeiras constituem normas especiais e inexiste qualquer lacuna que imponha a sua aplicação subsidiária.
De harmonia com o n.º 1 do art.º 74.º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, sem prejuízo de se «presumirem» “verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.
Contudo, aquela “presunção” não se verifica quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo [alínea a) do n.º 2 do art.º 75.º da LGT].
Do exposto resulta que o contribuinte beneficia de uma “presunção legal” da veracidade do conteúdo inscrito na sua contabilidade ou das declarações que apresentou, a menos que ocorra uma das situações previstas nas quatro alíneas do número 2 daquele preceito.
(…) Salienta-se, no entanto, que o beneficiário, quer da presunção legal, quer da verdade interina, está dispensado de demonstrar o facto presumido.
Donde emerge a conclusão que a veracidade do conteúdo da declaração de IRC apresentada pela Impugnante (em cujo apuramento da matéria tributável foram incluídos como gastos as faturas que a Inspeção Tributária reputa de falsas por não refletirem operações económicas consentâneas com o seu teor, nomeadamente “a compra / venda, daquela mercadoria, entre aquelas partes, por aquele preço e naquela data”) não é uma verdadeira presunção legal mas sim uma forma de repartição do ónus da prova que, de forma dinâmica, impende sobre uma ou outra parte, em função da prova produzida pela contraparte.
Com efeito, ab initio, a Impugnante beneficia da «verdade interina» de “veracidade e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal” e está dispensada de fazer qualquer prova relativa a essa materialidade [cfr. art.º 349.º e 350.º do Código Civil].
Contudo, tal justifica que para contrariar essa “presunção”, a Autoridade Tributária não tem de fazer prova do contrário [cfr. art.º 350.º n.º 2 do Código Civil], isto é, que as operações não foram efetivamente realizadas naqueles termos, como ocorreria se se tratasse de uma verdadeira presunção legal.
Isto porque, de harmonia com o n.º 2 do mesmo preceito, a “presunção” não se aplica quando se verificarem «indícios fundados» que tais operações não se realizaram conforme declarado, isto é, que, no caso em apreço, a Impugnante verdadeiramente não suportou aqueles custos e da forma pela qual estes foram contabilizados.
Por «indícios» se deve ter o que aponta no sentido da existência de um determinado facto, um princípio de prova ou seja, uma prova que não é suficiente, por si só, para estabelecer um qualquer juízo final sobre a verificação do facto, mas que pode coadjuvar a prova de um facto quando conjugado com outros elementos de prova.
Prosseguindo, ao se prever na LGT que os indícios devem ser fundados, eleva-se a exigência probatória, impondo-se que tais indícios constituam mais do que meras suspeitas precariamente sustentadas em factos objetivos, uma “intuição” ou “pré-conceito”.
Exige-se, assim, que os indícios sejam suficientes para atingir um segundo nível de grau de prova ou crença, mediante o qual se possa afirmar que tais indícios são suficientes para que se crie in casu a convicção racional que a ausência de materialidade daquelas operações, mais do que hipotética ou meramente possível, é verosímil e provável (no sentido de probabilidade estatística ou “valor esperado”).
Afastando-se a presunção legal pela demonstração de «indícios fundados», remove-se, também, a dispensa do ónus da prova da materialidade das operações e, consequentemente passa a ser aplicável a regra geral ínsita no art.º 74.º da LGT em que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque” [disposição de efeito análogo ao do art.º 342.º do CC].
Resulta, assim, do expendido que, demonstrando a Autoridade Tributária a existência de indícios sérios, credíveis e fundados que conjugados e apreciados de harmonia com as regras de experiência comum permitam criar a convicção da probabilidade séria da falta de materialidade das operações nos precisos termos em que esta é patenteada pelas respetivas faturas, é à Impugnante que cabe o ónus da prova dessa materialidade, e sob pena de as mesmas não poderem ser aceites como custo fiscal, de harmonia com o art.º 23.º do CIRC.
(…) Por fim, importa ainda referir que a desconsideração dos gastos deve ser aferida casuisticamente, de harmonia com os elementos disponíveis que os ponham em causa, não podendo em razão de uma qualquer discrepância serem estes postos em causa na sua globalidade.
Para o que se mostra necessário aferir da suficiência da fundamentação da AT para a descredibilização do conteúdo das faturas e, por inerência, da respetiva contabilização e consideração como gasto relevante para efeitos de IRC.
Por outro lado,
No domínio da (ir)relevância dos custos incorridos para determinação da matéria tributável importa, antes de mais, ter presente que a base de determinação da matéria coletável são os resultados, tal como determinados pela contabilidade.
Com efeito, a matéria tributável, para efeitos do IRC, parte, desde logo, dos registos contabilísticos, como se afirma no preâmbulo do Código do IRC, aprovado pelo Decreto-Lei 442-B/88, de 30 de Novembro: “Dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável. (...) continua a privilegiar-se uma solução marcada pelo realismo e que, no essencial, consiste em fazer reportar, na origem, o lucro tributável ao resultado contabilístico ao qual se introduzem, extracontabilisticamente, as correções – positivas ou negativas – enunciadas na lei para tomar em consideração os objetivos e condicionalismos próprios da fiscalidade”.
Daí que seja necessário ter presente que, muito embora os custos ou gastos devam estar contabilizados segundo as regras próprias da contabilidade, por forma a revelarem a situação financeira e patrimonial da sociedade para todos os interessados (administração, sócios, credores, trabalhadores, etc.), tal não significa que exista uma total coincidência entre os gastos contabilizados (porque efetivamente suportados pela sociedade) e aqueles que relevam para efeitos da determinação do lucro tributável desta.
Com efeito, no art.º 3.º do CIRC, define-se como “lucro tributável”, o valor resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas no Código”.
(…) Estatui o art.º 23.º do CIRC que se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora com exceção (i) dos que indiciem a violação de legislação penal; (ii) os incorridos em razão de transmissão onerosa de partes sociais detidas por período inferior a 3 anos e adquiridas a parte sujeita a regime especial de tributação ou com relações especiais; (iii) ou sempre que a entidade alienante tenha resultado de transformação, incluindo a modificação do objeto social, de sociedade à qual fosse aplicável regime fiscal diverso relativamente a estes gastos e tenham decorrido menos de três anos entre a data da verificação desse facto e a data da transmissão; (iv) os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, a entidades com as quais existam relações especiais, ou a entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, bem como as menos - valias resultantes de mudanças no modelo de valorização relevantes para efeitos fiscais [no ano de 2014 corresponde ao art.º 23.º-A n.º 1].
Resulta, assim, que a regra é que um custo efetivamente suportado por uma sociedade será fiscalmente relevante em sede de IRC caso, no momento em que este foi incorrido, aquele seja adequado à estrutura da própria sociedade e à sua obtenção de lucros, independentemente do resultado em concreto da operação económica em causa, a menos que se conclua que este foi suportado tendo em vista a satisfação de interesses alheios à sociedade ou resulte da violação da legislação penal.
Entrando na apreciação do caso:
1.º passo: Apreciação da suficiência dos indícios:
Fazendo-se apelo à factualidade assente, emerge que a Inspeção Tributária considerou como indícios suficientes para que as faturas em causa não refletissem operações reais, pelo menos nos termos por estas relevados:
a) Quanto às faturas em nome de “B... Lda.”:
(i) Inexistência de instalações adequadas;
(ii) Sede coincidir com o domicílio da DD... que afirma desconhecer a sociedade;
(iii) Impossibilidade de localização do sócio AA... e apuramento que se trata de pessoa de poucas posses;
(iv) Terem sido declaradas compras àquela sociedade de aproximadamente 2,7 milhões de euros em 2013 e 2014;
(v) Distintas caligrafias no preenchimento dos documentos;
(vi) Incongruências quanto aos locais e meios de transporte da mercadoria alegadamente transmitida;
(vii) Falta de demonstração do pagamento das faturas e recurso à contabilização de pagamentos por lançamentos em conta do gerente da Impugnante que declara rendimentos brutos na ordem dos EUR 5.000 anuais;
(viii) Falta de registo das letras que teriam servido como meios de pagamento;
(ix) Incongruências nas datas de emissão sucessiva dos documentos.
Se um ou outro indícios de forma isolada até pudessem ter explicação, todos estes indícios apreciados criticamente e no seu conjunto permitem concluir que é manifesto que a IT carreou para o relatório mais indícios do que os que seriam necessários para abalar a presunção de veracidade dos documentos que suportaram a contabilização de gastos relevantes para efeitos de IRC.
Motivo pelo qual se considera invertido o ónus da prova, incumbindo, assim, à Impugnante demonstrar a materialidade das operações, conforme anteriormente referido.
b) Quanto às faturas em nome de “D... Lda
(i) Contribuinte com rendimentos baixos ou negativos, em permanente crédito de IVA;
(ii) Inadequação das instalações para o exercício da atividade (falta de espaço de armazenamento de matéria-prima e produtos fabricados), míngua de evidências da sua utilização (ausência de serrim, pó de cortiça, aparas, etc.) e existência de apenas uma broca que declarou não lhe pertencer;
(iii) Não tem empregados;
(iv) Compras suportadas por documentos emitidos por entidades emitentes de faturação falsa e por entidades que denunciaram a utilização abusiva do seu nome;
(v) Declaração de vendas de meio milhão de euros sem que tenha estrutura comercial apropriada e sem movimentos financeiros compagináveis nas suas bancárias;
(vi) Quilómetros percorridos pela viatura são incompagináveis com as deslocações subjacentes às vendas de mercadorias constantes das suas faturas;
(vii) Incongruências quanto ao transporte da mercadoria;
(viii) Falta de demonstração do pagamento.
A constatação de que as compras efetuadas por aquele fornecedor são sustentadas por entidades emitentes de faturação falsa e tratar-se de contribuinte com rendimentos baixos ou negativos em permanente crédito de IVA constituem indícios factualmente muito ténues de que as operações não terão sido realizadas.
A circunstância de determinado individuo ter emitido faturação falsa não significa que não possa efetivamente realizar algumas operações em simultâneo ou que, apesar de não ter posses e servindo de intermediário, não possa mediar alguma operação de compra e venda de rolhas ou cortiça, pagando ao seu fornecedor com o preço que recebe do seu cliente.
Todavia,
A Inspeção Tributária não carreou apenas esses indícios de falta de materialidade das operações, mas muitos outros.
E, apreciados criticamente estes indícios de forma global, afigura-se manifesto que o ónus de gerar a dúvida fundada quanto à materialidade das operações se encontra satisfeito, em especial quando a Impugnante não põe fundadamente em crise a sua verificação.
Motivo pelo qual se considera invertido o ónus da prova, incumbindo, assim, à Impugnante demonstrar a materialidade das operações, conforme anteriormente referido.
c) Quanto às faturas em nome de “C... Ld.ª.
(i) Instalações desativadas, em estado de degradação e com sinais de estar sem utilização há alguns anos;
(ii) Dívidas fiscais de cerca de meio milhão de euros sem património conhecido suscetível de as solver;
(iii) 95% das aquisições suportadas por documentos emitidos em nome de contribuintes indiciados por emissão de faturas falsas;
(iv) Desde 2011 que a empresa não possui máquinas que foram penhoradas pelo SF da Feira-2 em 2008;
(v) Mercadorias não constam no inventário de 2014 e as vendas efetuadas pela Impugnante de rolhas idênticas são substancialmente inferiores, em volume e preço;
(vi) Os veículos indicados nas guias de transporte não podiam transportar aquele volume de rolhas;
(vii) As faturas persistem na contabilidade como não pagas (EUR 144.525,00);
A constatação de que as compras efetuadas por aquele fornecedor são sustentadas por entidades emitentes de faturação falsa constitui indício factualmente muito ténue de que as operações não terão sido realizadas, pelos motivos atrás referidos.
Todavia,
Apreciados criticamente todos os indícios e segundo as regras da experiência, é possível concluir pela verificação de fundadas dúvidas quanto à materialidade das operações, encontrando-se assim o ónus da Fazenda satisfeito.
Motivo pelo qual se considera invertido o ónus da prova, incumbindo, assim, à Impugnante demonstrar a materialidade das operações, conforme anteriormente referido.
d) Quanto às faturas em nome de AA---
(i) Sócio da B... Lda.;
(ii) Contribuinte sem posses de relevo, sem viatura e que residiu numa pensão até ao final de 2014;
(iii) Não possui instalações, empregados ou meios de desenvolvimento de atividade comercial suscetíveis de sustentar vendas de mais de 2 milhões de euros no ano de 2014;
(iv) Diferentes caligrafias no preenchimento dos documentos;
(v) Guia de transporte da mercadoria menciona matrícula correspondente a um motociclo;
(vi) Aquisição de mercadoria a 30/12/2014 que não consta do inventário de 2014 nem poderia ser transformada em 24 horas;
(vii) Inconsistências entre o teor dos recibos e os pagamentos “efetuados” em numerário;
(viii) Incongruências entre a numeração das faturas e as supostas datas de emissão;
É manifesto que apreciados criticamente todos os indícios anteriormente elencados e segundo as regras da experiência, é possível concluir pela verificação de fundadas dúvidas quanto à materialidade das operações, encontrando-se assim o ónus da Fazenda satisfeito.
Motivo pelo qual se considera invertido o ónus da prova, incumbindo, assim, à Impugnante demonstrar a materialidade das operações, conforme anteriormente referido.
e) Quanto às faturas em nome de “BB...
(i) Inexistência de instalações adequadas;
(ii) O próprio reconheceu que não trabalha nem trabalhou com cortiça e que apenas vendeu faturas;
(iii) Apreensão de documentos em branco que corroboram as suas declarações;
(iv) Situação económica de quase indigência;
(v) Falta de instalações que permitissem o transporte da mercadoria do local constante da guia de transporte;
(vi) Mercadoria adquirida é omissa ao inventário de 2014;
(vii) Não consta qualquer pagamento da mercadoria;
(viii) Documentos emitidos com data anterior à da sua impressão;
Em face da confissão do emitente das faturas de que estas não titulavam qualquer operação real a que acrescem os demais indícios carreados pela IT é de concluir pela fundada dúvida e, consequentemente, pela inversão do ónus da prova.
2.º passo: Inversão do ónus da prova
De harmonia com o anteriormente referido emerge que relativamente à totalidade dos fornecedores que a IT concluiu pela não realização de operações foi considerado que existiam indícios fundados nesse sentido.
Consequentemente, deixa de prevalecer a presunção de veracidade da contabilidade da Impugnante e dos seus documentos de suporte para sobre ela impender o ónus de demonstrar que as operações foram efetivamente realizadas e nos termos que são relevados pelas faturas.
Incumbe-lhe, assim, convencer o Tribunal que (i) adquiriu a mercadoria constante de cada uma das faturas, (ii) naquela quantidade, (iii) ao fornecedor que as emitiu, (iv) naquela data, e, (v) por aquele preço.
Manifestamente, a mera junção de cópias dos documentos de suporte da contabilização dos gastos, como as faturas, recibos e guias de transporte, desacompanhadas de quaisquer outros meios de prova idóneos para a demonstração da materialidade de cada uma daquelas operações, não constitui a cabal satisfação do ónus que lhe cabe.
Sendo que na dúvida e cabendo-lhe o ónus, contra si o facto deve ser valorado.
Motivos pelos quais o Tribunal não pode dar como assente a realização daquelas operações e, consequentemente, são de julgar improcedentes os vícios invocados de omissão da elisão da presunção de veracidade da contabilidade e de inexistência de facto tributário.» (fim de transcrição; negritos nossa autoria)
Mais uma vez nos permitimos adiantar que concordamos com o assim decidido.
Efectivamente, ainda que apreciados isoladamente cada um dos elementos reunidos pelos Serviços Inspectivos, estes não lograssem traduzir por si só, indícios da falta de materialidade das transacções tituladas pelas facturas em apreço, contudo, conjugados entre si e “lidos” à luz das regras da experiência comum, evidenciam a elevada probabilidade de as transações em causa não titularem operações reais, representando indícios sérios e credíveis da simulação aventada pela Administração Tributária, revelando-se fulcrais, as diligências encetadas por esta, quer junto da Impugnante, dos emitentes, quer de terceiros com quem estes se relacionavam.
Atentos os factos apurados em sede inspectiva, os quais revelam indícios sólidos da falta de materialidade subjacente às facturas emitidas, recaia agora sobre a Impugnante o ónus da prova do contrário, isto é, de que efectivamente e, não obstante esses factos-índice, as transacções/operações foram realmente concretizadas, nos termos constantes nos documentos que as titulam. Impendia, pois, sobre a impetrante o ónus de demonstrar a existência dos factos que invoca, como esteio do seu direito à dedução dos custos alegadamente suportados.
O que a Recorrente efectivamente não logrou fazer, porquanto, tal como já referido supra, não lhe bastava criar a dúvida relativamente à actuação da AT, impunha-se-lhe, ademais, um rigoroso esforço probatório no sentido de demonstrar que as transacções que subjazem aos documentos que relevou na sua contabilidade efectivamente se realizaram.
Concluindo, o contribuinte não logra, no caso concreto, demonstrar a veracidade das operações tituladas pelas faturas em causa, pelo que também não pode ver refletidos os respetivos hipotéticos custos na determinação da matéria coletável. Desta forma, não pode a Impugnante, ora Recorrente beneficiar da aplicação do regime dos artigos 17.º e 23.º do Código do IRC, uma vez que não suportou esses alegados custos para o exercício da sua atividade, pelo que não devem ser tidos em consideração na formação do ato tributário em sede de IRC. Consequentemente, as operações simuladas não podem ser valoradas em sede de IRC como variação patrimonial negativa para o resultado do exercício, nem como custos para a manutenção da fonte produtora.
Ora, não tendo Impugnante, ora Recorrente, logrado afastar o pendão de falsidade que recaia sobre as facturas desconsideradas pela AT, prova esta que se lhe exigia, bem andou a sentença recorrida ao decidir manter a liquidação impugnada.
Termos em que improcede este fundamento do recurso.
2.2.5.2. Da falta de fundamentação
Alega a Recorrente [conclusões 24. a 28.] que a AT «… limita-se vagamente a lançar na generalidade, sem qualquer fundamento, de que existem elementos recolhidos que põem em causa as faturas. Contudo não indica quais são esses indícios concretos ou elementos recolhidos em relação a cada uma das concretas faturas aqui em causa nos presentes autos, o que constitui uma deficiente fundamentação.» sendo que «… para a impugnante, aqui recorrente, vender mercadoria teve que comprar matéria prima, pelo que é evidente que as faturas aqui em causa titulam verdadeiras transações comerciais e os documentos de suporte a essas transações não foram impugnados nestes autos.» mais alude que «… Como é possível vender se as compras não são verdadeiras ??!!! Tal resposta a esta questão essencial não existe no Relatório Final, o que consubstancia falta de fundamentação legalmente exigível.».
Vejamos,
Por imperativo constitucional, artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legitimamente protegidos, pelo que a decisão de correção da matéria tributável não pode deixar de se mostrar acompanhada da correspondente fundamentação.
Os contornos dessa fundamentação recolhem-se na lei ordinária, artigo 77.º da LGT que determina que ela se revista de uma sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Importa, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.
Distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, Vieira de Andrade, in “O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”, Almedina, 2003, pág. 231, refere que a diferença está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
Estamos ainda cientes, de que a fundamentação dos atos administrativos visa, além do mais, dar a conhecer as razões por que foi decidido de uma maneira e não de outra, de molde a permitir aos seus destinatários uma opção consciente entre a sua aceitação e a sua impugnação contenciosa. É, conforme jurisprudência unânime do STA, um conceito relativo, que varia em função do tipo legal de acto, dos seus antecedentes e de todas as circunstâncias com ele relacionadas, designadamente as típicas condutas administrativas, que permitam dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo que levou a que fosse decidido dessa maneira e não de outra, estando suficientemente fundamentado quando um destinatário normal se aperceba das razões de ser da decisão.
Para se atingir aquele objetivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, suficiente, congruente e que se mostre contextual.
Note-se que a fundamentação do acto administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
Ora, atento o acima descrito e o exarado na sentença recorrida, adianta-se desde já e no que concerne a esta matéria, que não assiste qualquer razão à Recorrente.
Com efeito, e como bem salienta o Tribunal a quo, «Entrando no conhecimento da questão, da análise da fundamentação expressa no relatório inspetivo, emerge de forma nítida, que foram carreados para o mesmo os fundamentos das correções efetuadas, no que concerne aos motivos pelos quais se considerou que as faturas em crise não titulavam operações reais e, como tal, deveriam ser desconsideradas como custos fiscalmente relevantes dos exercícios fiscais dos anos de 2013 e 2014, com as inerentes consequências a nível do IRC devido.
Verifica-se, também, que do relatório inspetivo constam os normativos legais considerados aplicáveis, aos quais foram subsumidos os factos tidos por pertinentes, daí se extraindo as legalmente previstas consequências.
Assoma, assim, que era (e foi) perfeitamente percetível à Impugnante apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo daquela decisão.
Tal apreensão emerge, cristalina, do conteúdo da impugnação apresentada em que a Impugnante rebate, inconformada, as conclusões da ação inspetiva decorrente daquele enquadramento legal / factual formulado pela Inspeção Tributária.
Impera, assim, concluir que a fundamentação inserta no Relatório Inspetivo permitiu à Impugnante conhecer as razões de facto e de direito, que consubstanciaram as correções à matéria tributável de IRC, dos anos de 2013 e 2014, na medida em que a impetrante munida daqueles elementos essenciais, pela presente ação, vem atacar tal decisão, em termos que só se mostram possíveis pelo conhecimento que manifesta dos factos concretos considerados pela Administração Tributária, permitindo-lhe argumentar, pelo conhecimento que revela daqueles critérios valorativos da Administração, sobre esses factos, de forma a discuti-los e, finalmente, em face das normas legais invocadas, vir discutir a sua violação ou (in)aplicabilidade in casu.
Se dúvidas existissem, estas ficariam totalmente dissipadas pelas detalhadas conclusões formuladas na petição inicial.
Donde emerge a nítida conclusão que, independentemente dos méritos substantivos da correção, não se verifica o invocado vício de obscuridade da fundamentação.
Também é possível retirar da argumentação da Impugnante que a falta de fundamentação também se poderá reportar à fundamentação substancial, isto é, à demonstração fática dos pressupostos da atuação da AT.
Todavia, nesse campo, já não estamos no mero cumprimento formal do dever de fundamentação atrás referido, mas no âmbito material do eventual erro sobre os pressupostos de facto da prática do ato.
Tal questão, será, naturalmente apreciada no âmbito da validade substantiva da correção.
Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito anteriormente expostos se julga improcedente a arguição do vício de falta de fundamentação.» (fim de transcrição)
Aderindo ao ali decidido, somos de concluir que do relatório elaborado pelo SIT, resulta claro as razões de facto e de direito que levaram à não aceitação da contabilização das faturas supra identificadas como gastos.
É que, resulta bem explicitado, no aludido relatório, que no exercício de 2013 e 2014 se encontram contabilizados valores, que após a realização de múltiplas diligências, designadamente junto dos emitentes das faturas, se concluiu não corresponderem a verdadeiras transações comerciais. E quanto a não ter sido dada resposta directa sobre “como é possível vender mercadorias sem as comprar”, diga-se para além de todo o mais que foi referenciado na sentença sob recurso sobre o item “III – Violação do princípio da proporcionalidade, da tributação do rendimento real e do dever de aplicação de métodos indiretos e, não colocado em causa por via do presente recurso, a mesma não tinha que ter resposta directa pelo SIT, atento o trabalho meticuloso que foi feito da natureza da mercadoria constantes das facturas em análise, da venda pelo Recorrente de produto reconduzível ao mesmo e do produto em sede de existências no final de cada um dos anos a que se reportam as facturas, diligências concretas em sede do sujeito passivo.
Questão distinta é a que contende com a questão do ónus da prova, nomeadamente no que concerne aos indícios de que não estamos perante verdadeiras operações materiais, mas esta matéria, já foi apreciada supra.
Assim, atento o descrito, resta, pois, concluir que a fundamentação do acto existe, sendo percetível as razões de facto e de direito que levaram a AT a não aceitar os valores das faturas em causa como gastos.

Assim, e no que concerne a esta matéria nenhuma censura merece a sentença recorrida.

2.3. Conclusões

I. A nulidade por omissão de pronúncia, prevista na al. d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, não se verifica quando a sentença aprecia todas as questões suscitadas, directamente ou por remissão para outras decisões ou doutrina, embora não tenha em conta todos os argumentos apresentados pelas partes.

II. Nulidade por falta de fundamentação da sentença só se verifica perante a falta absoluta de fundamentação, dela se subtraindo as situações de fundamentação insuficiente, medíocre ou errada, quer a nível factual, quer jurídico.

III. Da transcrição parcial de Relatórios Finais de inspecções realizadas aos emitentes das facturas para o Relatório Final da Impugnante não decorre a violação do princípio do contraditório e da igualdade de armas.

IV. Não cumpre a Recorrente o ónus de impugnação da decisão da matéria de facto imposto pela al. b), do nº1, do artigo 640º, do CPC, quando se limita a impugnar factos sem a concreta especificação dos meios probatórios e análise crítica dos mesmos.

V. Administração Fiscal tem o ónus de provar a factualidade que a levou a desconsiderar um custo, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte.

VI. Logrando a administração Tributária demonstrar os factos-índice em que se baseia para afirmar que as operações tituladas pelas faturas não correspondem a verdadeiras e reais transações comerciais, passa a impender sobre o contribuinte o ónus da prova da efectiva realização dessas operações materiais.

VII. As operações simuladas não podem ser valoradas em sede de IRC como variação patrimonial negativa para o resultado do exercício, nem como custos para a manutenção da fonte produtora.

3. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Custas pela Recorrente.

Porto, 30 de junho de 2022

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis