Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01270/14.2BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/20/2018
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:IMPOSTO ÚNICO DE CIRCULAÇÃO, INCIDÊNCIA SUBJECTIVA, ILEGITIMIDADE SUBSTANTIVA, LEI INTERPRETATIVA, EFEITO JURÍDICO DA PROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO
Sumário:
I - Constitui fundamento admissível da oposição à execução fiscal a ilegitimidade substantiva do oponente, fundada no facto de este, apesar de figurar como devedor no título executivo, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram [cfr. artigo 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT].
II - Esta excepção à impossibilidade de discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade concreta da liquidação que deu origem à dívida exequenda, quando a lei faculta meio de impugnação judicial desse acto, apenas é admitida relativamente aos tributos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjectiva é a posse, fruição ou propriedade de bens.
III. - O n.º 1 do artigo 3.º do CIUC é uma norma de incidência subjectiva, sendo que, na redacção vigente em 2011, o contribuinte pode demonstrar, para efeitos de tributação nesta sede que, ainda que constasse do registo automóvel como titular do direito de propriedade sobre o veículo em causa, não era efectivamente o titular desse direito, à data da liquidação.
IV - O artigo 169.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março - Orçamento de Estado para 2016 - concedeu autorização legislativa no âmbito do imposto único de circulação ao Governo para introduzir alterações no Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, com o seguinte sentido e extensão: “Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas, de direito publico ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º;” o que veio a ser concretizado pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01/08.
V - Mas o legislador ordinário não adoptou tal cariz interpretativo no Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01/08, usando, nesta circunstância, da possibilidade de consagrar ou não esse carácter interpretativo, por tal se conter dentro dos limites da autorização concedida. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:RN, Ld.ª
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 25/01/2018, que julgou procedente a oposição deduzida pela sociedade RN, Ld.ª, pessoa colectiva n.º 5…167, com sede no lugar de C…, S…, P…, contra o processo de execução fiscal que o Serviço de Finanças de Penafiel lhe move, para cobrança coerciva de Imposto Único de Circulação (IUC) do ano de 2011, de diversos veículos.
*
O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida pela executada RN, Lda., NIPC 5…167, ao processo de execução fiscal n.º 1856201401108697 e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de Penafiel, para cobrança coerciva de Imposto Único de Circulação (IUC) do ano de 20112, de diversos veículos.
B. A oponente fundamentou a sua oposição alegando a sua ilegitimidade nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT.
C. Em suma alegou que, não obstante figurar como titular inscrita no registo, à data do tributo já não era a proprietária nem tinha a posse dos veículos em causa, porquanto os mesmos tinham sido vendidos e alguns deles exportados.
D. No entender da Fazenda Pública a oponente, pese embora tenha peticionado a extinção da execução [discorrendo acerca da incidência subjectiva do imposto], verdadeiramente e mediatamente o que pretendia era pleitear a legalidade concreta das liquidações que originaram os processos executivos.
E. A Mma Juíza do Tribunal a quo, considerou no seu entender, no que diz respeito à incidência subjectiva [vg. sujeito passivo] do Imposto Único de Circulação (I.U.C.), que esta se aferia em primeiro lugar pela propriedade dos veículos, e que o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC previa uma mera presunção legal de que o titular do registo automóvel era o seu proprietário, e, considerando esta presunção ilidível decidiu que tendo a oponente ilidido a presunção deveria ser extinta a execução fiscal instaurada contra o Oponente tendente à cobrança coerciva das dívidas em crise.
F. Em consequência do exposto, julgou procedente a oposição, determinando a anulação de parte das liquidações e extinguindo a execução fiscal correspondente contra a oponente. Com custas pela Fazenda Pública.
G. Ora, com o assim decidido, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se, porquanto a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito.
H. Verifica-se que o facto n.º 14 encontra-se errado, o recibo n.º 200900137 data de 31/12/2009 e não de 07/11/2011, além de, mesmo que corrigido, ser uma repetição do facto n.º 12, pelo que deverá ser retirado do probatório.
I. A lista de fundamentos de oposição à execução fiscal consignados no artigo 204º do CPPT, apresenta uma estrutura taxativa, e não pode ser objeto de contenda a legalidade em concreto da dívida exequenda.
J. A causa de pedir alegada, conducente à apelada procedência da oposição, não é pois subsumível aos fundamentos previstos no artigo 204º do CPPT.
2 Por lapso, na parte do Relatório da sentença recorrida são referidos 2013 e 2014.
K. Porquanto, atento o fundamento invocado pela oponente na sua petição, a forma processual adequada para a obtenção do efeito jurídico pretendido era a impugnação judicial, prevista no artigo 99º do CPPT, a que se deve dar preferência por força do preceituado no artigo 97º, nº 2 da Lei Geral Tributária (LGT), na medida em que a oponente veio (e só) litigar a legalidade da liquidação do tributado em causa nos autos, por, no seu entender os veículos à data já não serem de sua propriedade.
L. O argumento invocado prende-se com a discussão da legalidade concreta das liquidações em crise, e como tal, constitui fundamento de impugnação judicial, onde se visa a anulação das liquidações
M. O processo de impugnação judicial destina-se a atacar a legalidade da liquidação visando obter a sua anulação ou a declaração da sua nulidade ou inexistência nos termos do artigo 99º n.º 1 do CPPT.
N. Assim, os vícios que afetam a validade do ato tributário deveriam ser apreciados em sede de impugnação judicial, nos termos do art.º 99 e segs do CPPT, por ser este o meio idóneo (próprio) para atingir o desiderato pretendido pela oponente.
O. Não pode é ter, não é legalmente admissível, com o mesmo fim (de fundo) indistintamente e a seu belo prazer dois meios processuais judiciais.
P. Entende a Fazenda Pública, que o facto gerador do IUC é determinado pelo art. 6.º, n.º 1, do Código do IUC (CIUC), sendo constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.
Q. Isto é, enquanto o veículo tiver matrícula ou estiver registado em território nacional (art. 2.º do CIUC – incidência objetiva), é devido IUC pela pessoa singular ou coletiva, de direito público ou privado, em nome da qual o mesmo se encontre registado, que é o sujeito passivo do imposto (art. 3.º, n.º 1, do CIUC – incidência subjetiva).
R. A propriedade e a posse efetivas do veículo são irrelevantes para a verificação das incidências subjetiva e objetiva e do facto gerador do imposto.
S. Independentemente do registo do direito de propriedade do registo automóvel ser obrigatório (art. 5.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei (DL) 54/75, de 12 de fevereiro, versão atualizada), no caso do IUC não estava em causa a ilação da presunção do direito de propriedade derivada do registo automóvel, nem a elisão da presunção do registo do direito de propriedade automóvel,
T. o que estava em causa era a determinação do facto gerador do imposto e a determinação da sua incidência subjetiva, que são fixados pelo direito de propriedade do veículo “tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional” (art. 6.º, n.º 1, in fine, do CIUC), ou seja, independentemente das presunções derivadas do registo automóvel e da sua ilação e/ou elisão.
U. Neste sentido, foi na esfera jurídica da oponente que se verificou o facto gerador do imposto e se afere os elementos de incidência objetiva e subjetiva do IUC (artigos 2.º, 3.º e 6.º, n.º 1, do CIUC).
V. Acresce dizer, que mesmo que assim não se entendesse da redacção anterior, ao contrário do entendimento da meritíssima Juíza do Tribunal a quo a alteração do regime legal operado pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, estando-se perante uma anterior norma jurídica incerta e cujo teor tem vindo a ser amplamente controvertido, é também de se aplicar aos presentes autos.
W. O Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto veio dar cumprimento à norma constante da Lei do Orçamento de Estado (doravante LOE) para 2016, no seu artigo 169.º, e aprovada pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março.
X. Dispõe o referido normativo o seguinte: “Fica o Governo autorizado a introduzir alterações no Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, com o seguinte sentido e extensão: a) Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito publico ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º (…)”.
Y. No uso desta autorização legislativa, foi publicado o referido Decreto-Lei n.º 41/2016, e que alterou a redação do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, que passou a ser a seguinte: “São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”, norma esta que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (nos termos do disposto no artigo 15.º do identificado diploma legal).
Z. A lei habilitante, a LOE, no seu artigo 169.º, classifica a alteração legal a efectivar quanto ao artigo 3º do CIUC como tendo carácter interpretativo.
AA. A norma habilitada estabelece, no seu preâmbulo: “(…) Finalmente, o artigo 169.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autoriza que se efetuem, também, alterações ao Código do Imposto Único de Circulação. Sendo estas, igualmente, conexas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto. (…)”
BB. Pese embora não classificar a norma como tendo natureza interpretativa, tendo o diploma assumido que a alteração legal veio ao encontro da necessidade sentida pelo legislador de “ultrapassar dificuldades interpretativas”, considera-se que esta é verdadeiramente interpretativa, inserindo-se a nova redação do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC na lei interpretada, aplicando-se assim retroactivamente.
CC. A nova redacção não é inovadora, limita-se a clarificar qual, de entre duas interpretações possíveis é aquela que o legislador considera a adequada.
Como lei interpretativa, a nova lei integra-se na lei interpretada, nos termos do art. 13.º, n.º 1, do CCIV.
DD. Da redação dada ao n.º 1 do artigo 3.º do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 conclui-se que veio o legislador afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados.
EE. Entendimento, já antes da alteração normativa, sufragado pela Autoridade Tributária. Relativamente à norma anterior, esta nova norma veio assim fixar uma interpretação possível.
FF. Pelo que pretendendo a oponente mediatamente a anulação das liquidações deveria a oposição improceder.
Subsidiariamente, mesmo que assim doutamente não se entenda,
GG. por eventualmente se considerar que in casu era passível, atendendo-se ao plasmado no art.º 158.º do CPPT, de se invocar a ilegitimidade ao abrigo da al. b) do art.º 204.º do CPPT, diga-se que,
HH. cabe nos fundamentos de oposição, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, a Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida.
II. Não preenchendo a 1ª ou a 3ª parte da previsão da norma para ser eventualmente passível de oposição judicial, a incidência subjectiva da liquidação do imposto em crise dever-se-ia fundar na posse dos bens que a originaram, o que no entender da Fazenda Pública não se verifica.
JJ. Temos como excepção à proibição da discussão da legalidade concreta da liquidação as situações previstas no art. 158º do CPPT, casos em que, relativamente a impostos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjectiva seja a posse, fruição ou propriedade de bens, o que na opinião da Fazenda Pública não se verifica em relação ao IUC.
KK. Conforme consta das notas 12 e 13 ao art. 204º do CPPT Anotado e Comentado, 6.ª Edição, Volume III, do Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa), que fundamenta diversa jurisprudência, esta situação de ilegitimidade está conexionada com as situações de reversão da execução contra possuidores, fruidores e proprietários, previstas no art. 158º do CPPT
LL. Entende-se, salvo melhor opinião em contrário, que estes comentários andam a ser erroneamente entendidos e aplicados, a norma em questão (al. b) do art.º 204.º do CPPT) deverá ser objecto, de acordo com a unidade do sistema jurídica, de uma interpretação restritiva.
MM. O direito de controverter a liquidação nestes casos não se deverá verificar na esfera do originário sujeito passivo em nome do qual saiu a liquidação e não a impugnou (o que consagraria um incompreensível duplo direito de controverter a liquidação), mas apenas na esfera do revertido, que não foi notificado da liquidação, e não teve o direito de em tempo útil controvertê-la se assim o pretendesse fazer.
NN. Sendo violador do princípio da adequação formal, interpretação distinta, a possibilidade do visado poder (e eventualmente usar) dois meios processuais judiciais distintos para atingir o mesmo fim, in casu a anulação das liquidações controvertidas.
OO. Veja-se que, como mero exemplo, mesmo nos casos das reversões efectuadas nos termos do art.º 23.º da LGT, o responsável subsidiário apenas pode impugnar a liquidação de imposto e/ou opor-se à execução que contra ele reverteu, mas não pode fazê-lo instintivamente por um ou outro meio consoante o que mais lhe convier, pois a cada direito (e objectivo) corresponde o meio adequado de tutela jurisdicional!
Ademais,
PP. sem conceder, vingando a tese do facto da incidência subjectiva do IUC se aferir pela propriedade do veículo, mesmo que se decidisse pela ilegitimidade da oponente para as execuções, em processo de oposição não poderia se ter decidido pela anulação das liquidações (em virtude da eventual reversão sobre os reais proprietários nos termos do art.º 158.º do CPPT).
QQ. Por tudo o exposto, incorreu assim o douto Tribunal a quo em erro de julgamento de facto e de direito, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra em conformidade com a argumentação aduzida.
Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, com o que se fará inteira JUSTIÇA.
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar a oposição o meio adequado e a Recorrida parte ilegítima.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com pertinência para a decisão, julgam-se provados os seguintes factos:
1) A Oponente tem como atividade o comércio de veículos automóveis;
2) Em 31/01/2006, a Impugnante emitiu uma fatura com o n.º 2006206, dirigida a “T… Unipessoal Ld.ª”, com morada em O… D…P…, com vencimento no próprio dia, relativa a “Toyota …”, na qual consta a matrícula com o n.º …-…-UR, no valor de € 13500,00 [cfr.doc. de fls. 15, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
3) Em 31/01/2007, a Impugnante emitiu uma fatura com o n.º 200700015, dirigida a JD Ld.ª, com morada em Rua de A… P…, com vencimento no próprio dia, relativa a “Camião I…”, na qual consta a matrícula com o n.º …-…-SA, no valor de € 3000,00 [cfr.doc. de fls. 15, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]
4) Em 31/01/2007, a Impugnante emitiu uma fatura com o n.º 200700015, dirigida a JD Ld.ª, com morada em Rua A… P…, com vencimento no próprio dia, relativa a “Trator M…”, na qual consta a matrícula com o n.º …-…-CO, no valor de € 8000,00 [cfr.doc. de fls. 15, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]
5) Em 07/07/2009, a Impugnante emitiu uma fatura com o n.º 20009939, dirigida a “LRA SA”, com morada em Edifício D…, L…, com vencimento no próprio dia, relativa a “Camião marca V…”, na qual consta a matrícula com o n.º …-…-GP, no valor de € 8000,00 [cfr.doc. de fls. 19, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
6) Em 31/12/2009, a Impugnante o recibo 200900138, em nome de “LRA SA”. [cfr.doc. de fls. 135, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
7) Em 07/07/2009, a Impugnante emitiu uma fatura com o n.º 20009139, dirigida a “LRA SA”, com morada em Edifício D…, L…, com vencimento no próprio dia, na qual consta a matrícula com o n.º …-…-BS, no valor de € 10000,00 [cfr.doc. de fls. 20, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
8) Em 16/07/2009, a Impugnante emitiu uma fatura com o n.º 200900144 dirigida a “EV Ld.ª”, com morada em Rua J…, com vencimento no próprio dia, relativa a veículo “Veículo M…”, na qual consta a matrícula com o n.º …-AB-…, no valor de € 32500,00 [cfr.doc. de fls. 13, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
9) Em 15/12/2009, a Impugnante emitiu uma fatura com o n.º 200900245 dirigida a “AEC, SA”, com vencimento no próprio dia, relativa a “ Camião usado marca V…”, na qual consta a matrícula com o n.º …-…-QQ, no valor de € 17.500,00 [cfr.doc. de fls. 16, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
10) Em 31/12/2009, a Impugnante emitiu o recibo 200900136, em nome de “AEC, SA”. [cfr.doc. de fls. 134 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
11) Em 29/12/2009, a Impugnante emitiu uma fatura com o n.º 20090025 dirigida a “EV Ld.ª”, com morada em com vencimento no próprio dia, relativa a “Trator R…”, na qual consta a matrícula com o n.º …-AS-…, no valor de € 30000,00 [cfr.doc. de fls. 12 , cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
12) Em 31/12/2009, a Impugnante emitiu o recibo 200900137, em nome de “EV Ld”. [cfr.doc. de fls. 133 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
13) Em 04/02/2011, a Impugnante emitiu uma fatura com o n.º 09/2011, dirigida a “AD Ld.ª”, com morada em Centro Comercial J… 3.º Piso, com vencimento no próprio dia, relativa a “Camião R…”, na qual consta a matrícula com o n.º …-…-MQ, no valor de € 31000,00 [cfr.doc. de fls. 21, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
14) Em 07/11/2011, a Impugnante emitiu o recibo 200900137, em nome de “EV Ld”. [cfr.doc. de fls. 135 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
15) Em 15/04/2014, foi instaurada a execução fiscal n.º 185620140101108697, ao qual foram apensos processos de execução fiscal, para cobrança coerciva de Imposto Único de Circulação (IUC) do ano de 2011, de diversos veículos, no valor total de € 6446,67, conforme se discrimina:
Processo Matrícula
1856201401109138 …-…-MJ
1856201401109421 …-…-NF
1856201401108697 XE-…-…
1856201401110080 …-…-MQ
1856201401108760 …-AS-…
1856201401109006 …-AB-…
1856201401109286 …-…-SA
1856201401109308 …-…-QQ
1856201401109430 …-…-UR
1856201401109570 …-…-GP
1856201401110020 …-…-BS
1856201401110527 …-…-CO
[cfr.doc. de fls. 3, 41 a 90 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
16) Em virtude de algumas das matrículas em causa terem sido canceladas antes da data do facto tributário, o Órgão de Execução Fiscal nos termos do art.º 208.º do CPPT, revogou parcialmente o ato que deu fundamento aos processos executivos:
Processo Matrícula N.º liquidação
1856201401109138 …-…-MJ 39068941
1856201401109421 …-…-NF 39069048
1856201401108697 XE-…-… 39068784

[cfr.doc. de fls. 89 dos autos].
17) Foram canceladas retroativamente, a pedido do interessado e por exportação, as seguintes matrículas:
1856201401110020 …-…-BS 02-03-1993 39069247
1856201401110527 …-…-CO 07-09-1993 39069416
1856201401109286 …-…-SA 10-07-2001 39068995
[cfr.doc. de fls. dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
Não existem outros factos a dar como provados, com relevância para a decisão da causa.
Os demais factos alegados não resultaram provados.
Da análise dos documentos juntos pela Oponente, não resulta ter havido transmissão do veículo com a matrícula.
*
A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados e da admissão das partes.”
*
Considerando o teor do documento ínsito nos autos a fls. 135 verso do processo físico, altera-se a factualidade vertida no ponto 14) da decisão da matéria de facto, nos termos do artigo 662.º do Código de Processo Civil:
14) Em 07/11/2011, a Impugnante emitiu o recibo n.º 71/2011, em nome de “AD Ld”. [cfr.doc. de fls. 135 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
*
2. O Direito
A Recorrente começa por se insurgir contra o julgamento de facto, apontando erro à factualidade vertida no ponto 14). Na verdade, o seu teor repetia, em parte, a factualidade vertida no ponto 12), resultando, certamente, de manifesto lapso de escrita, dado que o documento que fundamenta tal facto, a fls. 135, se encontra emitido em nome de “AD Ld” e não “EV, Lda.”, pelo que se procedeu à respectiva alteração/correcção junto à decisão da matéria de facto.
A presente execução fiscal foi instaurada para cobrança coerciva de dívidas referentes a imposto único de circulação (IUC), relativas a 2011, sobre diversos veículos, que deu origem a estes autos.
A Recorrida deduziu oposição à execução fiscal, com fundamento na sua ilegitimidade – artigo 204.º, n.º 1, alínea b) do CPPT, alegando que, apesar de os veículos estarem inscritos em seu nome na Conservatória do Registo Automóvel, não era já sua proprietária, uma vez que tinham sido objecto de venda.
Sustenta a Recorrente que a causa de pedir alegada, conducente à apelada procedência da oposição, não é pois subsumível aos fundamentos previstos no artigo 204.º do CPPT.
A decisão agora recorrida, sustentada no Acórdão do STA, de 08/07/2015, proferido no âmbito do processo n.º 606/15, considerou que a oposição era o meio adequado para conhecer a questão equacionada pela Recorrida por não ser possuidora, nem proprietária de facto, mas apenas nominal dos identificados veículos, pelo que apreciou a invocada ilegitimidade da oponente para a execução – cfr. artigo 204.º, n.º 1, alínea b) do CPPT.
Vejamos o seu teor:
«(…) É jurisprudência uniforme do STA (cfr. Acórdão de 8/7/2015, proc. nº 606/15),que as “situações em que a dívida exequenda se refere a impostos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjetiva é a posse, fruição ou propriedade de bens e, tendo a execução fiscal sido instaurada contra aquele que constava do título executivo como devedor, se veio a verificar no âmbito da execução fiscal que a dívida respeita a um período em que era possuidor, fruidor ou proprietário dos bens outra pessoa, contra a qual a execução fiscal reverterá nos termos do art. 158.º do CPPT (…) configura “uma das exceções à regra geral de que não é possível discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda. Na verdade, nas referidas situações admite-se que seja questionada a legalidade da liquidação quanto à sua incidência subjetiva, mas essa possibilidade excecional justifica-se pela «falta de verificação, pela administração tributária, dos pressupostos fácticos do ato de liquidação, relativamente a tributo deste tipo e na constatação de um erro que lhe é imputável», pois, «para proceder à liquidação destes tributos, não é recolhida qualquer informação do contribuinte através de declaração, nem é feita qualquer indagação sobre quem é o real proprietário, fruidor ou possuidor dos bens referidos, antes se efetuando a liquidação a partir do conhecimento da qualidade de proprietário que conste dos registos da administração tributária ou de outros serviços públicos» (vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, anotações 12 e 13 ao art. 204.º, pág. 453/454 e anotações 6 e 8 a 10 ao art. 158.º, págs. 103 e 104 a 106; anotação 5 ao art. 158.º, pág. 103).
Assim, no caso, importa apreciar a invocada ilegitimidade da oponente para a execução por nunca ter sido a possuidora, nem a proprietária de facto, mas apenas nominal/registral, do identificado veículo, questão que deve ser apreciada em processo de oposição à execução fiscal - cfr. al. b), do nº. 1 do artigo 204.º do CPPT. (…)»
Revemo-nos nesta solução de excepção à regra geral (de que não é possível discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda), sendo que manter o julgamento que acompanhou a jurisprudência dos tribunais superiores.
Assim, constitui fundamento admissível da oposição à execução fiscal a ilegitimidade substantiva do oponente, fundada no facto de este, apesar de figurar como devedor no título executivo, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram - cfr. artigo 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT.
Salientamos que esta excepção à impossibilidade de discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade concreta da liquidação que deu origem à dívida exequenda, quando a lei faculta meio de impugnação judicial desse acto, apenas é admitida relativamente aos tributos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjectiva é a posse, fruição ou propriedade de bens.
O presente recurso não incide sobre o segmento decisório que decidiu pela impossibilidade superveniente da lide quanto às dívidas exequendas anuladas pelo órgão de execução fiscal na pendência da acção.
Relativamente às dívidas referentes aos demais veículos, a sentença em crise considerou que a Recorrida era parte ilegítima na execução fiscal, porquanto, sendo embora o devedor que figurava no título, não era, conforme alegou e provou, no ano de 2011 (período a que respeita a dívida exequenda), o possuidor dos identificados veículos automóveis que a originou e, consequentemente, anulou as liquidações e julgou extinta a execução fiscal instaurada contra a Recorrida tendente à cobrança coerciva daquela dívida.
Assim, a segunda questão que importa analisar é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao considerar parte ilegítima a Recorrida.
A Recorrente entende que o facto gerador do IUC é determinado pelo artigo 6.º, n.º 1, do Código do IUC (CIUC), sendo constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.
Defende, assim, que a propriedade e a posse efectivas do veículo são irrelevantes para a verificação das incidências subjectiva e objectiva e do facto gerador do imposto.
Decorre do Código do Imposto de Circulação (aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29/6), nos artigos 3.º, n.º 1, 4.º e 5.º, n.º 1, que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
O imposto único de circulação é de periocidade anual, sendo devido por inteiro em cada ano a que respeita, correspondendo ao ano em que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos da categoria A.
Este entendimento mostra-se sufragado em vários acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte, em que as partes são as mesmas, nomeadamente, nos Acórdãos de 25/05/2018, proferidos no âmbito dos processos n.º 608/14.7BEPNF e n.º 189/14.BEPNF, e de 21/06/2018, proferido no processo n.º 603/14.6BEPNL:
“(…) Decorre do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC que o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atesta a matrícula ou o registo em território nacional.
Por conseguinte, é pressuposto da liquidação que o sujeito a quem foi liquidado o imposto de circulação seja o proprietário do veículo.
Por conseguinte, o citado art. 3º é uma norma de incidência subjetiva.
De facto a lei presume determinados factos, como no caso, é proprietário de um veículo quem o tem registado em seu nome. (…)”
O n.º 1 do artigo 3.º do CIUC é uma norma de incidência subjectiva, sendo que, na redacção vigente em 2011, o contribuinte pode demonstrar, para efeitos de tributação nesta sede que, ainda que constasse do registo automóvel como titular do direito de propriedade sobre o veículo em causa, não era efectivamente o titular desse direito, à data da liquidação.
Em defesa da sua tese, alega a Recorrente que foi na esfera jurídica da Recorrida que se verificou o facto gerador de imposto e, em auxílio desta interpretação, chama à colação a alteração da lei operada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 de 01/08, mais precisamente do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, pugnando tratar-se de uma lei interpretativa, inserindo-se a nova redacção na lei interpretada, aplicando-se assim retroactivamente.
Relativamente a esta questão a sentença recorrida refere: «Apenas uma breve nota a propósito do referido nas alegações da Oponente quanto à alteração do regime legal operado pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, pois que se entende que o mesmo não é de aplicar aos presentes autos.
O identificado Decreto-Lei veio dar cumprimento à norma constante da Lei do Orçamento de Estado (doravante LOE) para 2016, no seu artigo 169.º, e aprovada pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março.
Na verdade, dispõe o referido normativo o seguinte: “Fica o Governo autorizado a introduzir alterações no Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, com o seguinte sentido e extensão: a) Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito publico ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º (…)”.
No uso desta autorização legislativa, foi publicado o referido Decreto-Lei n.º 41/2016, e que alterou a redação do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, que passou a ser a seguinte: “São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”, norma esta que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (nos termos do disposto no artigo 15.º do identificado diploma legal).
Ora não se julga que a supra transcrita seja uma norma verdadeiramente interpretativa.
Dúvidas não existem de que a lei habilitante, a LOE, no seu artigo 169.º, classifica a alteração legal a efetivar quanto ao artigo 3º do CIUC como tendo carácter meramente interpretativo. Já a norma habilitada se limita a estabelecer, no seu preâmbulo, o seguinte: “(…) Finalmente, o artigo 169.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autoriza que se efetuem, também, alterações ao Código do Imposto Único de Circulação. Sendo estas, igualmente, conexas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto. (…)”
Porém, não classifica a norma como tendo natureza interpretativa, apesar de o diploma assumir que a alteração legal veio ao encontro da necessidade sentida pelo legislador de “ultrapassar dificuldades interpretativas”.
Da redação dada ao n.º 1 do artigo 3.º do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 conclui-se que veio o legislador afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados.
Relativamente à norma anterior, esta nova norma não vem fixar qualquer interpretação de várias possíveis, pois que, como vimos, só existe uma: a de que a anterior norma consagra presunção legal, pelo que não estamos perante qualquer norma jurídica incerta ou cujo teor seja controvertido, designadamente para a jurisprudência dos Tribunais Superiores. Tendo-se formado uma corrente jurisprudencial uniforme, então a Lei Nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.
Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a LN vem consagrar, então esta é decididamente inovadora. (…)”[cfr. João Batista Machado clarificar, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador (15ª Reimpressão, 2006, Almedina, Coimbra, pág. 246 e seguintes); Ac STA de 02/05/2012, processo n.º 0234/12].
Na verdade, a norma que vigorou até à aprovação do Decreto-Lei n.º 41/2016 nunca suscitou dúvidas, ao intérprete ou outros interessados, não sendo fonte de incerteza ou insegurança jurídica a definição do seu âmbito de aplicação. Contrariamente, sempre foi pacífica e uniformemente interpretado o referido artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, como estabelecendo uma presunção legal iuris tatum, ou seja, suscetível de prova em contrário, sobre quem se considera ser o proprietário do veículo. Sublinhe-se que as normas de interpretação legal sempre impuseram a classificação de que era sujeito passivo deste tributo o proprietário do veículo, servindo a referida presunção para estabelecer que se considera como tal a pessoa singular ou coletiva que como tal figurar no registo automóvel, solução que bem se entende num sistema jurídico em que o registo tem como objetivo dar publicidade ao ato em questão, que não qualquer natureza constitutiva. [cfr. Acórdão do STA de 08/07/2015, processo n.º 0606/15].
Assim, nenhum dos dois requisitos para que se possa classificar uma lei como tendo natureza interpretativa se verifica: além de não existir, em momento anterior, incerteza quanto à solução de direito, a solução definida pela nova lei ultrapassa largamente os limites impostos à interpretação da lei.
Destarte, a nova redação do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC só se aplica para futuro.
Tratando-se de norma claramente inovadora que não se aplica ao caso subjudice. Só se a lei fosse interpretativa é que aplicaria a factos passados. (…)»
Este julgamento não merece qualquer reparo, tanto mais que vem sendo reiterado pelos tribunais superiores – cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 18/04/2018, proferido no âmbito do processo n.º 0206/17.
É certo que o artigo 169.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autorizou a alteração da redacção do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC. O que foi cumprido pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, passando esta norma a prever que “São o sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos”.
Trata-se de norma claramente inovadora, uma opção legislativa diversa da anterior, e, como tal, não se aplica ao caso sub judice em que está em causa o ano de 2011.
Só se a lei fosse interpretativa é que se aplicaria a factos passados, e se o fosse, por certo o legislador não deixaria de o fazer constar do respectivo texto, dizendo que se tratava de uma norma interpretativa. Mas, o legislador ordinário não adoptou tal cariz interpretativo no Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01/08, usando, nesta circunstância, da possibilidade de consagrar ou não esse carácter interpretativo, por tal se conter dentro dos limites da autorização concedida.
Aqui chegados, e respeitando o facto tributário ao ano de 2011, concluímos que o citado artigo 3.º, n.º 1, do CIUC consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artigo 73.º da Lei Geral Tributária.
A ilisão da presunção legal obedece à regra constante do artigo 347.º, do Código Civil, tendo em vista demonstrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais.
Ora, atenta a prova produzida, a sentença recorrida considerou ilidida a presunção, uma vez que a Recorrida fez prova, através de documentos comprovativos da transmissão dos veículos em causa, bem como de documentos que atestam o cancelamento das matrículas, pelo que concluiu não ser possuidora nem proprietária dos veículos a que respeitam as liquidações em apreço.
Quanto a este julgamento, a Recorrente não aponta qualquer erro; não se vislumbra o apontamento de qualquer óbice à valoração da prova, nem às ilações retiradas, não sendo, portanto, objecto do presente recurso.
Contudo, subsidiariamente, a Recorrente defende, ainda, que mesmo que se decidisse pela ilegitimidade da Oponente para as execuções, não poderia, em sede de Oposição, a Meritíssima Juíza “a quo” ter decidido anular as liquidações, em virtude da eventual reversão sobre os reais proprietários, nos termos do artigo 158.º do CPPT.
Efectivamente, como havíamos mencionado, na sentença recorrida considerou-se ilegítima a Recorrida para a execução e, nessa sequência, anulou-se as liquidações e julgou-se extinta a execução fiscal instaurada contra a Recorrida tendente à cobrança coerciva das dívidas em apreço.
O processo de oposição à execução fiscal tem por finalidade essencial o ataque (global ou parcial) à execução, visando a extinção desta, ou a absolvição do executado da instância executiva, pela demonstração do infundado da pretensão do exequente em face dos fundamentos tipificados na lei – cfr. os artigos 176.º, n.º 1, alínea c) e 204.º do CPPT.
In casu, verifica-se a ilegitimidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT – ilegitimidade substantiva, que assenta na falta de responsabilidade do citado (Recorrida) pela dívida exequenda – e que determina a prolação de uma sentença que, conhecendo do mérito, julgue extinta a execução fiscal quanto à Oponente.
Saliente-se que a extinção da execução fiscal constitui uma verdadeira absolvição da pretensão executiva, não se confundindo com a anulação da própria liquidação em dívida. Entendemos que somente o ataque directo à liquidação de IUC, por via do meio processual “impugnação judicial” poderá ter como consequência jurídica a anulação dessa liquidação.
Nestes autos, o mérito da pretensão executiva foi apreciado e julgado procedente, sendo, assim, de concluir pelo provimento do recurso, nesta parte.
Em suma, impõe-se a revogação da sentença recorrida somente na parte respeitante ao efeito jurídico da procedência da oposição; quanto ao mais, não incorreu em erro de julgamento, pelo que improcede a pretensão da Recorrente.

Conclusões/Sumário

I - Constitui fundamento admissível da oposição à execução fiscal a ilegitimidade substantiva do oponente, fundada no facto de este, apesar de figurar como devedor no título executivo, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram [cfr. artigo 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT].
II - Esta excepção à impossibilidade de discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade concreta da liquidação que deu origem à dívida exequenda, quando a lei faculta meio de impugnação judicial desse acto, apenas é admitida relativamente aos tributos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjectiva é a posse, fruição ou propriedade de bens.
III. - O n.º 1 do artigo 3.º do CIUC é uma norma de incidência subjectiva, sendo que, na redacção vigente em 2011, o contribuinte pode demonstrar, para efeitos de tributação nesta sede que, ainda que constasse do registo automóvel como titular do direito de propriedade sobre o veículo em causa, não era efectivamente o titular desse direito, à data da liquidação.
IV - O artigo 169.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março - Orçamento de Estado para 2016 - concedeu autorização legislativa no âmbito do imposto único de circulação ao Governo para introduzir alterações no Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, com o seguinte sentido e extensão: “Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas, de direito publico ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º;” o que veio a ser concretizado pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01/08.
V - Mas o legislador ordinário não adoptou tal cariz interpretativo no Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01/08, usando, nesta circunstância, da possibilidade de consagrar ou não esse carácter interpretativo, por tal se conter dentro dos limites da autorização concedida.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida quanto ao efeito jurídico da procedência da oposição – anulação das liquidações – que ora se elimina, subsistindo apenas a extinção da execução fiscal instaurada contra a Oponente/Recorrida.
Custas a cargo da Recorrente na proporção de 4/5, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 20 de Setembro de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro