Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00680/19.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/28/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:INTERESSE EM AGIR. INCERTEZA OBJECTIVA. CEMITÉRIO.
Sumário:I) - Se, em intentada “acção de mera apreciação negativa”, não há incerteza objectiva quanto ao direito, falta interesse em agir.
Recorrente:AA e Outro(s)...
Recorrido 1:FF
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução de sentença de anulação de actos administrativos (arts. 173 e segs. CPTA) - Rec. Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
AA, NIF: 13...7, casado, BB, casada, CC , casado, DD, casada, e EE, casado, com morada escolhida na Avenida …, Vila Nova de Famalicão, em “acção de simples apreciação negativa” (sic) intentada contra FF, viúva, residente na Avenida …, Vila Nova de Famalicão, interpõe recurso jurisdicional do decidido pelo TAF de Braga, que julgou “verificada a exceção dilatória de falta de interesse em agir dos Autores e, em consequência, absolvo a Ré da presente instância”.
Despejam sob conclusões:
1ª - O Meritíssimo Juiz “a quo”, conforme consta no intróito da sentença, nos termos do artº 87º-B, nº1. do CPTA, entendeu que não havia lugar à realização da audiência prévia, por se lhe afigurar que o processo devia findar no Despacho Saneador pela procedência da excepção dilatória atípica e inominada de falta de interesse em agir - que, quer o CPTA , quer o CPC,. vigentes não contemplam como excepção dilatória - com o que os AA. discordam, porquanto o Meritíssimo Juiz baseou-se apenas nos factos descritos pela R., não provados e no documento apresentado por esta na Contestação sob Doc. 3, impugnado pelos AA. tendo desprezado pura e simplesmente o Documento apresentado pelos AA. na PI., sob DOC 7 que não foi impugnado pela R. e que contradiz, em absoluto, aquele, e fê-lo indevidamente porque não houve oportunidade de produzir prova e assim destrinçar os factos provados dos não provados. Se o Meritíssimo Juiz “ a quo” tivesse comparado e conjugado os documentos, o Doc. 7 junto com a P.I. e o Doc. 3, junto com a Contestação, por certo não encontraria motivo para invocar o artº 87º-B nº1 do CPTA, não poderia dispensar a realização de audiência prévia por não ser claro que o processo deva findar no despacho Saneador pela procedência da exceção dilatória e decidir no Saneador Sentença, como decidiu.
2ª – Na fundamentação do Saneador Sentença não há uma única referência ao contraditório exercido pelos AA, nem o DOC. 7 apresentado com a P.I., verificando-se que apenas foram considerados factos invocados na Contestação da R. e um documento que esta juntou, em clara violação ao disposto no artº 6º do CPTA – igualdade das partes, do processo equitativo, consagrado no artº 10º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artº 2º nº4 da Constituição da República portuguesa, e da imparcialidade, princípios por que se norteiam os tribunais, último reduto da igualdade de todos os cidadãos perante a lei,
3ª – DA SUBSUNÇÃO: a presente acção de simples apreciação negativa foi intentada contra pessoa particular, que é a outra parte na relação material controvertida e o artº 39º do CPTA implica que a outra parte seja a Administração que aqui claramente não é. Com a presente acção, os AA. pretendem que o Tribunal declare a inexistência ou inexistência do direito da R., ora Recorrida, sobre o jazigo de família dos AA., sendo que o que lhe subjaz é uma atitude de arrogância extra-judicial por parte desta, não da Junta de Freguesia, relativamente à titularidade desse direito. Este facto é bem objectivo, pois a R. praticou-o ao dar instrução para enterrar o corpo do falecido marido, na sepultura dos avós e outros familiares dos AA., sempre merecedores do respeito.
4ª- O pedido formulado pelos AA. não é o de simples apreciação do tipo estabelecido no artº 39º do CPTA, não sendo a causa de pedir e o pedido enquadráveis, no artº 39º do CPTA, desde logo porque não foi proposta contra pessoa colectiva de direito público e, assim, não havendo, como não há disposição legal aplicável, no CPTA. - no elenco do seu artº39º não prevê a situação apresentada, nos precisos termos, pelos AA. ao Tribunal - dispõe a Lei nº15/2002, de 22 de Fevº 2011, actualizada com suas alterações, no seu artº1º, que se aplica supletivamente o disposto na lei de processo civil, com as necessárias adaptações. No CPC, a acção de simples apreciação negativa está prevista no artº 10º nº 3- Espécie de acções, sonsoane o seu fim. A causa de pedir invocada pelos AA. integra os factos que não são actos da Administração, não sendo legítimo que o Meritíssimo Juiz “aquo” convole tais factos para contemplá-los no referido artº39º, pois que só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, cfr artº 264º nºs1 e 6 do CPC. Ao considerar a falta de interesse em agir por parte dos AA, com fundamento em causa de pedir diferente daquela por eles invocada conhece de questão não submetida à apreciação do Tribunal, incorrendo a presente decisão no vício de nulidade previsto no artº 615º º nº 1 al. d) do CPC., que está em correlação com o disposto no nº 2 do artº 608ºdo CPC.
Padece, pois, de erro de julgamento a decisão recorrida ao julgar procedente a excepção dilatória atípica e inominada de falta de interesse em agir. Tal entendimento fere o princípio da igualdade (artº 13º da CRP) e da igualdade de armas.
5ª - O Meritíssimo Juiz “a quo” ao decidir que os AA. não têm interesse em agir, recusando-lhes a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legítimos, fez uma interpretação inconstitucional do artº 10º nº 3 do CPC por referência aos artºs 28º nº 1 e 50º da Constituição da República Portuguesa (CRP) violando consequentemente os artºs 20º nº1 e 16º nº2 da CRP, estes últimos por referência ao artº 6º nº1 da CEDH
6ª- Os AA., conforme comprovam através das respectivas certidões de nascimento que juntaram, são netos de XX e de KK e sobrinhos-netos de YY e de WW , irmã e irmão de sua avó, conforme comprovam as respectivas certidões de óbito onde consta que o pai e a mãe de KK, LL, NN são os mesmos ou seja OO e PP e comprova ainda a cópia da escritura de Partilha junta pela Recorrida, Doc.s juntos pela R. sob docs 1 e 2, faleceram em 14.08.1959 e 28.08.1969 respectivamente e os seus restos mortais encontram-se desde as respectivas datas de falecimento, depositados em jazigo da família, com duas sepulturas, existente desde tempos imemoriais no Cemitério da Freguesia de **, Vila Nova de Famalicão; na mesma sepultura encontram-se depositados os restos mortais dos Bisavós dos AA.; em tal jazigo, noutra sepultura, encontram-se depositados os restos mortais dos Tios-avós dos AA., RR, falecida em 10.05.1960 e WW falecido em 01.01.1983; as referidas sepulturas encontram-se devidamente identificadas e encimadas por uma lápide com os seus nomes, datas de nascimento e de falecimento e fotografias respectivas; a sepultura dos avós dos Recorrentes foi sempre zelada e venerada pelas filhas, filhos, netos e netas dos referidos falecidos XX e KK.
7ª - Facto objectivo e não impugnado pela R.: no mês de Agosto de 2015, os Recorrentes foram surpreendidos com o facto de ter sido depositado na sepultura dos seus avós, o corpo de HH, falecido em 05.07.2015, estranho à família, marido de FF, ora Recorrida, facto objectivo que lhes causou incerteza quanto à titularidade da sepultura que julgavam ser da família e causou grande dor incapaz de ser medida e comparada, pois, os aqui Recorrentes estão unidos por lapsos familiares aos seus entes falecidos, cujos restos mortais estão depositados naquele túmulo, há mais de 60 anos à vista de toda a população e da Junta de Freguesia, os quais fazem pressupor a existência de fortes vínculos afectivos, eternamente invioláveis, sendo que os aqui Recorrentes cidadãos inseridos na sociedade e aqui neste meio tão pequeno, em que, como é do senso comum, o culto religioso no túmulo de uma pessoa falecida e a colocação de flores e outros objectos a lembrá-la nessa sua última morada é vista como uma forma de estabelecer uma relação espiritual com aquela; relação essa que foi desrespeitada pela Recorrida ao mandar abrir a sepultura dos familiares dos AA., ora Recorrentes, sem dar uma palavra sequer e pedir autorização aos Recorrentes e, deste modo, violá-la com a colocação ali de um defunto estranho à família, o que, como é natural, lhes causou. revolta e incerteza grave tendo em conta o meio em que vivem e isto se passa, uma freguesia pequena e os laços familiares que os une aos seus entes falecidos e incerteza.
8ª – Facto objectivo não impugnado pela R.: Com vista a esclarecer o sucedido, naturalmente por se tratar de um jazigo da família, após contactos pessoais sem resultado, os Recorrentes dirigiram-se por escrito ao Presidente da Junta de Freguesia, que, por ofício de 15.12.2015, sob DOC. 7, junto com a P.I., que não foi impugnado, informou: “após recepção da vossa carta recebida no dia 02.12-20 e após reunião do executivo, vem por este meio informar que em tempo oportuno o Sr. SS – aqui 3º A. sublinhado nosso – questionou o Presidente da Junta em relação ao direito de propriedade das referidas sepulturas; após essa abordagem, procurou-se nos arquivos o alvará ou título de propriedade das mesmas, os quais devido à antiguidade não foram encontrados A junta de freguesia diligenciou junto da outra parte na pessoa do Sr. VV - filho da ora Recorrida, sublinhado nosso - procurando saber se possuía documentos referentes às sepulturas, o qual nos informou que era possuidor dos mesmos e só os apresentaria em tribunal caso fosse intimado”. E acrescenta: “Perante o exposto, dado não existirem na Junta de Freguesia documentos que comprovem a titularidade das sepulturas em causa, dado que a Junta de Freguesia é simplesmente uma entidade administrativa e não faz jurisprudência será convocada uma reunião entre as partes. para apresentação dos alvarás ou documentos que comprovem a posse das sepulturas. E mais acrescenta ainda: “mais informamos que à data da reunião se as partes não apresentarem documentos comprovativos da posse das sepulturas, as mesmas reverterão ao domínio público da Junta de Freguesia até que qualquer das partes prove a respectiva titularidade”.
9ª – Facto objectivo não impugnado pela R.: A R., que não correspondeu à solicitação do Presidente da Junta, entretanto afirmava em público que o jazigo com as duas sepulturas lhe foi doado pela Tia-Avó dos AA., RR, repetindo que só entregava o documento em tribunal caso fosse intimada., na sequência do que os ora Recorrentes voltaram a pedir à referida União de Freguesias que lhe desse mais informação sobre este caso, mas a mesma não lhes deu resposta, o que os levou a apresentarem queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, que lhes transmitiu que esta deveria facultar a informação e os documentos, solicitados, mas esta continuou a não dar resposta.
10ª - o facto exterior, de violação da sepultura dos seus avós, e dos pais e avós destes, com o depósito de um corpo estranho à família, que interfere nas suas vidas pela negativa, cuja incerteza os assombra, os ora Recorrentes - a presente decisão ora em crise, compreende e reconhece o contexto desta vivência social dos AA. e, por isso, o Meritíssimo juiz “a quo”, considerando que a sepultura está ligada a valores imateriais significativos para os AA., alterou oficiosamente o valor da acção para 30.001,00 - e do facto ainda de a ora Recorrida intitular-se proprietária do jazigo, mas que só apresentaria em Tribunal o respectivo documento comprovativo caso fosse intimada, resulta claramente que necessitam da tutela judicial, de reagir contra esta situação de incerteza através da simples apreciação negativa.
11ª - O recurso à via judicial, nomeadamente através da interposição da presente acção declarativa de simples apreciação negativa, tem como finalidade a de colocar termo a uma incerteza, que prejudica a saúde dos AA., havendo necessidade que o Tribunal decida, quanto ao desfazer da mesma, porque extrajudicialmente não o fizeram por falta de entendimento nesse sentido, ou seja os Recorrentes encontram-se em situação de carência que faz com que necessitem do Tribunal .
12º - Segundo o disposto no artº 10º nº3 a) do Código de Processo Civil, supletivamente aplicável, nos termos do disposto no artº 1º do CPTA, a acção é de simples apreciação negativa se tiver por fim obter a declaração de existência ou inexistência de um direito ou de uma factualidade. Cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declarativo, III, pág. 352 e 358,” nas acções de simples apreciação negativa não se aplica imediatamente o disposto no artº 342º do CC. pela simples razão de que nas acções de simples apreciação negativa o A., visado em tal norma não está a invocar qualquer direito; por isso, aplica-se imediatamente e diremos também que naturalmente, o artº 343º nº 1 competindo ao R. a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga” in Acórdão do TCAS nº12740/15 de 14.01.
13ª - Ainda: na jurisprudência é maioritária a orientação, segundo a qual o artº 343º nº 1 do Código Civil implica uma inversão do ónus da prova; nas acções de simples apreciação negativa não cabe ao Autor alegar e provar, pela negativa, que o direito ou facto alheio não existe, mas compete ao Réu, que vinha arrogando extrajudicialmente a existência desse seu direito ou facto, alegar e provar pela positiva tal existência. Neste mesmo sentido Ac. o Tribunal da Relação de Coimbra nº 32/18.2T8MGR-1 2 “ao invés do que tipicamente acontece com a acção de condenação, a acção de simples apreciação negativa não pressupõe qualquer lesão ou violação de um direito, são meios de tutela de direitos em que não é posta em causa a sua violação, quer efectiva, quer receada, no mesmo sentido: Ac. Tribunal da Relação de Coimbra nº50/09.1TBALD.C1, proc.º 158/09.3TBVZL.C1, Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães Proc.º nº 924/02.2 de 23.10.2002, Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa 1370/12.3TBAGH.L1-4 Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa 563/12.8TBSSB.L1-2, do STJ 70!0.3TBVLZ.1 , Ac. 158/09.3TBVZL. C1 do Tribunal da Relação de Coimbra “Nas acções em que só esteja em causa a simples apreciação negativa de um direito de que o réu se tenha arrogado, o autor só tem de alegar e provar esse arrogo e os factos que demonstram o seu interesse em agir, cabendo ao réu a alegação e prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga”.
14ª - Então os ora Recorrentes, como consta do documento que a Recorrida juntou com a sua Contestação, sob DOC.1, documento nº 006203012 de 24.09.2020, fotocópia do Processo nº1028/18.0BEBRG – intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões - contra a União de Freguesias de Vale/…, ** e P…, cujo mandatário, como aqui se constata é o mesmo da ora Recorrida, pedindo que esta fosse citada para facilitar o acesso integral à informação e documentos que dizem respeito ao jazigo em causa, na sua carta de 08.06.2017, que não obteve resposta do seu Presidente, motivo este que já havia levado a que os AA, apresentassem queixa à Comissão de Acesso à Informação e Documentos ( CADA) tendo esta emitido parecer no sentido de ser facultado o acesso solicitado, ou seja os documentos que dizem respeito ao jazigo em causa, onde estão depositados os seus avós e tios-avós e, anteriormente, outros ascendentes desde tempos imemoriais, e ao registo da autorização do depósito, em 05.07.2015, na sepultura dos seus avós, do último defunto, instauraram, conforme o DOC 1, da Contestação, acção judicial de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões contra a União de Freguesias de Vale/São Cosme, ** e ***, pedindo que esta fosse citada para facilitar o acesso integral à informação e documentos pedidos na carta dos Autores, de 08.06.2017, sem resposta do Presidente
15ª – Outro facto objectivo não impugnado: na falta de resposta aos seus insistentes pedidos, os ora Recorrentes intentaram acção de simples apreciação negativa no Tribunal de Vila Nova de Famalicão que se declarou incompetente, conforme o documento junto pela ora Recorrida sob DOC.2, documento nº 006203013, fotocópia do Procº 6...5/17.7T8VNF, acção de simples apreciação negativa, que sobre a competência material mereceu o douto Acórdão do Tribunal dos Conflitos, constante dos presentes autos,
16ª - e é nesta acção que surgem as estranhas teses da R., ora Recorrida, a tal ponto que em despacho de 12-02-2018, a Meritíssima Juiz convida a R. “a prestar os esclarecimentos: “alega a R. por um lado, que o jazigo em causa nestes autos, com duas sepulturas, se situa no “Cemitério de **” ; - cfr artº9º da Contestação. Porém, contraditoriamente, alega igualmente que tal jazigo sempre pertenceu ao prédio – particular – denominado Casa de Vv...- cfr. artº10º daquela peça. Ora nos termos do artº11º, nº1 do DL 411/98. de 30/12, a inumação não pode ter lugar fora do cemitério público. Excepcionalmente, nos termos do nº2 al. c) daquele preceito, poderá a inumação ter lugar, para o que ora interessará, em capelas privativas, Assim, cumpre que a R. esclareça, desde logo, onde na sua tese, se situa o jazigo em causa se no Cemitério de **, se no imóvel privado da “Casa de Vv...” sendo que neste último caso, deverá justificar a possibilidade que lhe foi conferida de inumação fora do cemitério público, nos termos acima explicitados”
17ª - Pois que lhe faltava como comprovar a concessão através do correspondente alvará de concessão, a R. lembrou-se fabricar, então, uma invenção rocambolesca, absolutamente surreal, fraudulenta, desumana, caricata, desprezível e ilícita no sentido de esvaziar a sepultura do jazigo, conseguindo obter uma Declaração, DOC. 3, sob o nº 066203014 de 24.09.2020, a seu pedido e arrolou como testemunha o próprio subscritor da mesma, o Tesoureiro da União de Freguesias, cujo Presidente - que ele aqui refere - em 2015 informava que não tinha qualquer registo de alvará, quanto ao jazigo em questão, cfr. DOC 7 junto à P.I.. Tal cenário, de humor negro, autêntica heresia, construído pela R., nos artºs, 27, 31e 32, embora contradizendo-se é descrito assim:: “ há mais de 20 anos a Junta fez obras de alargamento do Cemitério da Freguesia e, com autorização da R. os coveiros retiraram as urnas de WW e de YY e transferiram-nas para o novo local e que quanto às outras duas urnas dos avós dos Autores, foram soterradas e ficaram debaixo do passeio porque os seus descendentes, designadamente os AA. ignoraram-nas por completo.
18ª - Veja-se só o ridículo de tal invenção: ao fim de mais de 60 anos sobre o enterramento havia urnas no jazigo; só por invenção arquitectada com um propósito bem definido qual seja o de despejar o jazigo é possível falar na existência de urnas decorridos mais de 60 anos sobre o enterramento. Quadro macabro, deplorável, escandaloso e condenável sob o ponto de vista, quer ético, quer legal. Como conseguiu a R. identificar as ossadas que diz ter sido transferidas? Esqueceu-se, porém, que os tios-avós também são familiares dos AA. e, pois, o jazigo não ficou vazio, com pretende faze crer, segredo este que só agora ao fim de mais de 30 anos revelou. Atente-se ainda nisto: com as obras de ampliação do cemitério - 1ª ampliação o que quer dizer que já houve mais - ficaram debaixo do passeio, as urnas dos avós ficaram qual pedras ou calhaus, e durante estes 30 anos a R. e a Junta de Freguesia que a R. parece querer comprometer – mas que quanto a isto não se compromete na Declaração - conhecendo os AA. e dando pela presença deles ao longo deste período, junto ao jazigo da família, a venerá-lo e a enfeita-lo e a rezar pelos seus, silenciaram, sabendo que no túmulo do jazigo em questão, segundo a versão da R., apenas estavam as lápides, as fotografias e as flores no jazigo em questão; não é referido mas, certamente, as ossadas dos bisa- vós e trisa-vós dos AA. pais e avós dos tios-avós NN, também terão ficado debaixo do passeio, no cemitério acabado de alargar e, que, pois, deveria ter ficado com muito mais espaço livre para as acolherem.
19ª – Com este cenário a R. brinca com os sentimentos dos AA., configurando uma fraude, que revela ao fim de mais de 30 anos, uma grande falta de respeito e ofensa à memória das pessoas falecidas, quer por parte da R., quer por parte da Junta de Freguesia de **, dita de Autarquia de proximidade, a merecer intervenção do Digno. Mº Pº junto deste Tribunal. As ossadas são o que resta do corpo humano uma vez terminado o processo de mineralização do corpo. O bem jurídico protegido pelo nº1 alínea a) do artº 254º do Código Penal encontra-se no respeito comunitário devido aos mortos. Dos crimes contra a piedade para com os defuntos tutela-se um sentimento individual e colectivo que explica com o quase religioso respeito pelos defuntos
20ª - A Declaração da Junta, pese embora não refira a ridícula tese da R.- mal estaria se o fizesse - em que o Meritíssimo Juiz a quo também baseou a decisão ora em crise, emitida a pedido da R. e assinada pelo Tesoureiro da Junta de Freguesia, TT, tem o valor que tem, já que nem sequer é emitida com as formalidades legais, não podendo nunca ser havida como documento autêntico, sendo que a Lei nº75/2013 de 2.09 que consagra o Regime Jurídico das Autarquias no elenco do nº 1 do artº16º não consagra a passagem de Declarações, mas sim na al. rr) a passagem de Atestados
21ª – Tal Declaração, DOC 1 junta à Contestação é mentirosa, porquanto sendo de 4 anos os mandados dos órgãos da Junta de Freguesia, o subscritor da mesma, vai a caminho de somar 12 anos na Junta de Freguesia e, pois, em 1990, há 28 anos atrás, o mesmo não tinha cargo na Junta e ainda pura e simplesmente contraditória, pois afirma que no Cemitério da Freguesia de ** há um jazigo privado pertencente à Casa de Vv... e o Presidente da Junta UU que assinou o referido ofício DOC 7 junto com a P.I. afirmava que não havia registo de alvará do jazigo em causa –nunca referindo o jazigo da Casa de Vv...; ora, se não havia registo de alvará a favor da R., o Presidente , o mesmo que subscreveu o referido Ofício, foi pedir autorização à proprietária da Casa de Vv…, FF, a concessionária segundo o Tesoureiro diz, e ainda é vazia de conteúdo porquanto não identifica nem sequer faz referência ao jazigo e sepultura dos avós, tios-avós e trisavós dos AA, que seria o que a R, pretendia para sustentar a sua tese..
22ª - Aliás, se a Junta julgando-se no direito de proceder à remoção das ossadas dos ascendentes dos AA. que aí se encontravam, sabia e não podia ignorar que não lhe era permitido por lei ordenar ou dar indicações para proceder à deslocação das ossadas que se encontravam depositadas na sepultura, sem o prévio consentimento ou autorização dos familiares das pessoas que aí tinham sido depositadas, e como diz na Declaração sabia quem eram, sob pena de, além do mais, violar o sentimento de piedade para com os defuntos, por parte da colectividade. É que, como se diz no Ac. do STJ de21/03/2006 Proc.º 03B2523, Relator Pires da Rosa, www.dgsi.pt, o cadáver é ainda corpo humano após a morte. e as ossadas são ainda o que resta do corpo humano.
23ª - Por outro lado, conforme dizia a acima referida Meritíssima Juiz do Tribunal de V..N. de Famalicão “Caso se entenda que tal sepultura se encontra no Cemitério de ** importa frisar na senda do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.11.2015, in www.dgsi.pt, que infra seguiremos de perto, que é pacífico o entendimento de que os cemitérios são bens do domínio público, afectos à utilidade pública – veja-se igualmente o processo 01249/04.2BEVIS de 15.042020 do TCAN , acrescentamos nós. E mais dizia: “Ora, as coisas públicas estão fora do comércio jurídico privado (cfr. artº 202º, nº2 do CC), sendo inalienáveis, imprescritíveis e não oneráveis. Não é, por isso, possível a posse em termos de direito privado, muito menos real, nem os poderes de fruição, utilização e disposições atribuídos aos concessionários são usurpáveis. Razão por que está fora de questão a aquisição originária do direito de propriedade sobre as sepulturas ou mesmo por via derivada (compra e venda).”.
24º -Tal Declaração, que não pode ter o condão de ter o acolhimento - sem a conjugar com o Ofício anterior da mesma Junta, DOC. 7 da P.I: - que lhe deu o Meritíssimo Juiz “a quo”,
afirma que o jazigo, não o identificando sequer, do Cemitério de ** pertence - é propriedade - à Casa de Vv…, que foi doada à R., esquecendo e não devia esquecer que devido à sua dominialidade pública os terrenos de cemitérios são insusceptíveis de apropriação de direitos privados como a posse e o direito de propriedade e encontram-se fora do comércio jurídico não podendo ser objecto de qualquer tipo de negócios jurídicos de direito privado, como aliás resulta da própria lei, segundo o nº 2 do artº 202º do Código Civil e do entendimento pacífico e consensual da nossa jurisprudência, tal como afirma o Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) no seu acórdão de 22/06/2011 (Procº nº 00482/06.7BE, e neste sentido também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/04/2005.
25ª - A concessão de terreno no cemitério, para sepulturas e construção de jazigos efectua-se através de contratos administrativos referente a concessão de uso privativo do domínio público o qual é celebrado por escrito e titulado por Alvará, o que a R. em 2015 não apresentou nem até agora.
26ª – Pese embora o artº 89º nº2 , do CPTA, mande verificar que a excepção dilatória de conhecimento oficioso obste a que o tribunal conheça do mérito da causa, tal não impediu o Meritíssimo Juiz “a quo” de, para fundamentar que a situação de incerteza que se apresentava - segundo sublinha - subjectiva, na mente dos Autores, de o conhecer servindo-se só e apenas da “ Declaração sob a refª 006299604”, sem ter em conta o DOC.7 da PI. e, assim, afirmar que não há qualquer dúvida sobre a titularidade do jazigo - o que perante o texto da mesma só poderá ser da Casa de Vv... e então terá descoberto na escritura de partilha e de doação, o que os AA. não lograram descobrir, estando na origem do Requerimento de refª 006261838 e ao douto Despacho de 06.01.2021, documento nº 006276099, conhecendo, assim, na sentença recorrida do que não poderia conhecer, com o que viola o nº 2 , 2º parte, do artº 615ºdo CPC.
27ª - Há interesse directo dos AA. em demandar a R., traduzindo-se este num benefício a retirar da lide qual seja o de desfazer a incerteza que tanto os inquieta e perturba, com o que também beneficiará a sua saúde prejudicada pela mesma.
28ª – A estreiteza com que o tribunal “a quo” avaliou e interpretou os requisitos específicos do interesse em agir na presente acção de simples apreciação negativa, que substancialmente conduziu a uma restrição inadmissível do exercício do direito de jurisdição constitucionalmente garantido no nº1 do artº 20º da CRP, violação que se invoca. “Sempre que são postergados instrumentos de defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares e, nomeadamente, o direito de acção, que se materializa, através de um processo, é violado o direito fundamental de acesso aos Tribunais” (Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional nº238/97).
29ª - O Despacho “a quo”, que dispensa a realização de audiência prévia viola o direito dos AA. a discutir em sede de Audiência prévia o litígio em diferendo, sendo que alei processual civil e administrativa consagra a regra de obrigatoriedade da audiência prévia. Tal entendimento do Tribunal “a quo”, fere o princípio da igualdade (artº 13º da CRP) e da igualdade de armas.
30ª - O Meritíssimo Juiz “a quo” ao decidir que os AA. não têm interesse em agir, recusando-lhes a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legítimos, fez uma interpretação inconstitucional do artº 10º nº 3 do CPC por referência aos artºs 28º nº 1 e 50º da Constituição da República Portuguesa (CRP, violando consequentemente os artºs 20º nº1 e 16º nº2 da CRP, estes últimos por referência ao artº 6º nº1 da CEDH e o artº10º da DUDH.
31ª - No Saneador Sentença, em análise, não foi observado o nº5 do artº 88º do CPTA que estabelece que em tudo que não esteja expressamente regulado neste artigo aplica-se com as necessárias adaptações, o disposto no Código do Processo Civil em matéria de Despacho Saneador e de gestão inicial do processo.
32ª - Os AA. não têm que se arrogar proprietários, mas sempre estiveram convencidos que o jazigo está concessionado aos trisavós, bisavós e avós dos AA. e é um bem que está por partilhar. Conforme entendimento da grande maioria da Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nas acções em que só esteja em causa a simples apreciação negativa de um direito de que o Réu se tenha arrogado, o autor só tem de alegar e provar esse arrogo e os factos que demonstram o seu interesse em agir, cabendo ao Réu a alegação e a prova dos factos constitutivos do direito de que se arroga. É entendimento jurisprudencial que “nas acções de apreciação negativa pretende-se que o tribunal declare a inexistência de um direito ou de um facto, sendo que o que lhes subjaz é uma atitude de arrogância extra-judicial por parte do réu relativamente à titularidade desse direito ou à existência desse facto, arrogância essa que prejudica o Autor”. E no douto entendimento de Montalvão Machado, Processo Civil, cit. Pag.55 “ as acções de simples apreciação negativa visam responder à arrogância extrajudicial por parte do R., pondo cobro a uma situação de incerteza sobre um facto ou um direito – prejudicial para o Autor”, consistindo a sua especificidade, segundo Alberto dos Reis “ na ausência de lesão ou violação do direito” (Alberto dos Reis CPC Anotado Volume I, 3ºe Edição Coimbra Editora, Coimbra 1948 pág. 121).
33ª - .A douta sentença recorrida violou, por errada interpretação, o disposto nos artºs 1º, 6º, 39º, 87º A, 87-B nº2, 88 nº5, 89 nº2 , do CPTA, 4º, 10º nº3, , 195º e 615º nº2 do CPC, artº13º, 20º, 28 e 50º da CRP, artº 6º nº 1 do CEDH, artº10º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, devendo ser revogada.
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Sem contra-alegações.
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A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta foi notificada nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, não emitindo parecer.
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Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
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A apelação:
O tribunal “a quo” julgou “verificada a exceção dilatória de falta de interesse em agir dos Autores e, em consequência, absolvo a Ré da presente instância”.
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Ø Circunstancialmente:
1º) - Os autores intentaram a presente “acção de simples apreciação negativa” (sic) conforme sua p. i., cujos termos se têm presentes, pedindo que a Ré “faça prova documental do direito a que se arroga sobre o referido jazigo e sobre a sepultura onde depositou o cadáver do seu marido HH; não o fazendo, deve proceder a presente acção e, em consequência, ser declarada a inexistência do mesmo direito a que a R. se arroga.”.
2º) - A decisão recorrida tem o seguinte teor:
«(…)
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Nos termos do art.º 87.º-B, n.º 1, do CPTA, não há lugar à realização de audiência prévia.
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DESPACHO SANEADOR
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria, hierarquia e território.
O processo é o próprio, e não enferma de qualquer nulidade que o invalide total ou parcialmente.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária, e estão devidamente representadas.
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Falta de Interesse em Agir
Mediante despacho de 16.02.2022, foi oficiosamente suscitada pelo Tribunal a exceção dilatória de falta de interesse em agir dos Autores, nomeadamente porquanto aqueles não alegaram qualquer impedimento, por parte da Ré, no exercício do seu direito de venerar a memória dos respetivos antepassados, nem se arrogam titulares de qualquer direito sobre a sepultura.
Sobre o assunto, foi dada às partes a possibilidade de se pronunciarem, o que fizeram.
Cumpre decidir.
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Mediante o pedido formulado, não parece suscitarem-se dúvidas de que a presente ação administrativa é de simples apreciação; aliás, os próprios Autores assim o dizem, para justificar a não junção de qualquer meio de prova testemunhal. Com efeito, o pedido consiste em a Ré fazer “prova documental do direito a que se arroga sobre o referido jazigo e sobre a sepultura onde depositou o cadáver do seu marido HH; não o fazendo, deve proceder a presente acção e, em consequência, ser declarada a inexistência do mesmo direito a que a R. se arroga.
Sendo linear esse pressuposto – i. e., a natureza da ação – cumpre então aferir do interesse em agir dos Autores.
Na verdade, a respeito de ações deste tipo, o art.º 39.º do CPTA, no seu n.º 1, estabelece o seguinte:
1 – Os pedidos de simples apreciação podem ser deduzidos por quem invoque utilidade ou vantagem imediata, para si, na providência jurisdicional pretendida, designadamente por existir uma situação de incerteza, de ilegítima afirmação por parte da Administração da existência de determinada situação jurídica, como nos casos de inexistência de ato administrativo, ou o fundado receio de que a Administração possa vir a adotar uma conduta lesiva, fundada numa avaliação incorreta da situação jurídica existente.
Portanto, a tónica do interesse em agir residente na utilidade ou vantagem imediata, para o autor da ação, na providência jurisdicional pretendida, elencando a lei, a título de exemplo, algumas situações em que tal pode suceder.
Analisando a norma em causa, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha [“Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, pp. 278/279] colocam o enfoque, precisamente, nesse aspeto, referindo o seguinte a este respeito:
De notar que o interesse em agir não se pode ter como verificado com a constatação de uma qualquer situação subjetiva de dúvida ou incerteza acerca da existência do direito ou do facto ou com um interesse meramente académico de ver o caso definido pelos tribunais, exigindo-se uma situação de incerteza objetiva e grave, que resulte de um facto exterior e que seja capaz de trazer um sério prejuízo ao demandante, impedindo-o de tirar do seu direito a plenitude das vantagens que ele comportaria. Pode tratar-se da negação de um direito do demandante (por exemplo, o direito de propriedade) ou da afirmação de um direito contra ele (por exemplo, um direito de crédito). Este pressuposto exige, portanto, a verificação objetiva de um interesse real e atual, que se deverá traduzir na utilidade da procedência do pedido, e que se encontra interligado à ideia de economia processual.”
Também a jurisprudência tem enveredado por idêntico caminho, exigindo não apenas uma simples situação de dúvida, mas antes de incerteza qualificada, ou seja, de especial gravidade. Neste sentido, ficou escrito no acórdão do STJ de 09.05.2008, proferido no processo número 673/13.4TTLSB.L1.S1: “Só se pode afirmar que há interesse processual quando a situação de incerteza, ou de dúvida, acerca da existência, ou não, de um direito ou de um facto, contra as quais o autor pretende reagir através da ação de simples apreciação, reunir objetividade e gravidade.” – sublinhado nosso.
Assim sendo, a ideia genérica em matéria de interesse em agir consiste na necessidade de tutela judicial, ou seja, em instaurar ou fazer prosseguir determinada ação, como forma de obter a tutela de certo direito.
Volvendo ao caso concreto.
Desde logo, os Autores não invocam serem titulares de qualquer direito sobre o jazigo/sepultura; somente invocam que ali estão sepultados os seus antepassados, nomeadamente os avós/tios-avós (em diversos graus de parentesco). E, portanto, dizem eles, ali se dirigem para venerarem a sua memória. Na realidade, os Autores até alegam que aquele jazigo “nunca foi objeto de partilha”, pelo que não poderia ser da titularidade da tia-avó dos Autores, para o doar à aqui Ré.
Ainda de acordo com os Autores, a presença dos restos mortais do marido da aqui Ré na sepultura em causa, o qual é estranho à família, causa-lhes limitação e desgosto. E ainda que, por essa via, se veem limitados na sua ação de manifestar, manter e preservar a memória destes.
Mas nunca alegam que a aqui Ré, por alguma forma, os tenha impedido de prestar aquele culto aos antepassados falecidos – a limitação decorre da simples inumação do cadáver de uma pessoa estranha à família.
Ora, não decorre daqui qualquer situação que revele utilidade ou vantagem imediata para os Autores.
Nomeadamente, porque não está alegada qualquer situação de afetação suficientemente forte de qualquer direito. Na verdade, e como dito, não está em causa o direito dos Autores à titularidade do jazigo/sepultura, mas, tanto quanto se compreende, o direito a venerar a memória dos familiares já falecidos, cuja violação ocorre, então, da simples inumação do cadáver do marido da Ré (e não de qualquer ato impeditivo desta quanto aos Autores, no sentido de lhes permitir aceder ao jazigo e, aí, venerar os seus antepassados).
Aliás, a situação de incerteza dos Autores apresenta-se meramente subjetiva. De facto, sendo incontrovertido que o cemitério em causa se encontra sob a responsabilidade da junta de freguesia (portanto, pertence à Freguesia ou, neste caso, União de Freguesias), esta entidade não demonstra qualquer dúvida sobre a titularidade do jazigo [cf. documento junto aos autos sob a ref.ª 006249604].
Além do mais, mesmo que essa situação de incerteza fosse objetiva (que não é, porque é revelada apenas pelos Autores, sem qualquer outro facto externo que o demonstre), nunca se traduziria num sério prejuízo. Com efeito, uma vez que o único direito que vem alegado da parte dos Autores é o direito à veneração da memória de familiares falecidos (já nem sequer do primeiro grau em linha reta ou colateral), a situação descrita nem sequer se pode considerar revestida de especial gravidade, dado que não se alega que a Ré alguma vez tenha impedido os Autores do que quer que fosse no sentido de garantir o exercício daquele direito. Aliás, a situação tornar-se-á quase caricata se realmente se vier a provar que, com as obras de ampliação do cemitério, as urnas dos familiares dos Autores ficaram onde hoje se localiza o passeio, por nunca terem sido movidas do local original – o que levaria a concluir que, na sepultura, já não existe qualquer resto mortal para ser venerado.
Ou seja, e em suma, não existe necessidade de tutela jurídica para garantir aos Autores o exercício do seu direito à veneração da memória dos familiares falecidos. A situação de incerteza do direito da Ré é subjetiva, partindo somente dos próprios Autores, já que nem a entidade responsável pelo cemitério questiona o direito da Ré. Inexiste qualquer sério prejuízo para os Autores derivado da situação de incerteza, mesmo que esta fosse objetiva – e não é -, podendo até dar-se o caso de ficar demonstrado que os familiares em causa já nem estão sepultados conjuntamente com o marido da Ré, devido às obras de ampliação do cemitério.
Assim sendo, é de considerar que aos Autores falta o interesse em agir para formular aquele pedido de simples apreciação.
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A falta de interesse em agir, traduzida na desnecessidade de tutela judicial para acautelar a situação do autor da ação, constitui uma exceção dilatória, embora atípica e inominada, porque não prevista no elenco exemplificativo do art.º 89.º, n.º 4, do CPTA.
Enquanto exceção dilatória, sendo, além do mais, de conhecimento oficioso, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, nos termos do art.º 89.º, n.º 2, do CPTA.
O que, em conformidade, se decide. Mais se considerando prejudicado o conhecimento da alegada ilegitimidade passiva, dado que o interesse em agir é uma questão que a precede.
«(…)
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Ø Apreciando.
Os recorrentes terminam por assinalar que a decisão recorrida violou, por errada interpretação os “artºs 1º, 6º, 39º, 87º A, 87-B nº2, 88 nº5, 89 nº2 , do CPTA, 4º, 10º nº3, , 195º e 615º nº2 do CPC, artº13º, 20º, 28 e 50º da CRP, artº 6º nº 1 do CEDH, artº10º da Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
Sobre essa censura, em grande parte, “o tribunal está impedido de a conhecer, dado que, não especificando a recorrente as razões pelas quais sustenta a sua verificação, fornecendo ao tribunal a mínima justificação em que assenta a violação dos direitos em causa e não enunciando qualquer desenvolvimento argumentativo da pretensa violação, não permite uma clara identificação desse vício” (Ac. do STA, de 12-04-2018, proc. n.º 01485/17).
Vejamos, quanto ao que vem substanciado.
Um primeiro passo para assinalar que não sofre a decisão recorrida de qualquer nulidade por se ocupar de questão que não podia conhecer; a questão única de que se ocupou foi quanto ao interesse em agir; a qual é de conhecimento oficioso; e com que até previamente o tribunal “a quo” confrontou; na contenção do que é poder de pronúncia cabe o tratamento da questão, volteiem, mais ou menos suficientes ou acertados, os argumentos que sustentem seu tratamento; e, aquando do saneamento, ocupou lugar certo para esse conhecimento; resolvida como o foi, prejudicando, até vedando (como agora fica), conhecimento de mérito; sem necessidade de outros trâmites processuais.
Posto isto.
Não há dúvida que a acção é de simples apreciação negativa.
Sem que espante convocação do disposto no art.º 39.º, n.º 1, daquele que é norma da disciplina nativa, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; norma que apenas exemplifica algumas hipóteses, também não surpreende a convocação que os recorrentes fazem quanto ao tratamento do pressuposto processual no domínio processual civil, daí recolhendo contributo.
As acções de simples apreciação negativa versam sobre relações jurídicas concretas.
Visam os autores nesta acção que a Ré “faça prova documental do direito a que se arroga sobre o referido jazigo e sobre a sepultura onde depositou o cadáver do seu marido HH; não o fazendo, deve proceder a presente acção e, em consequência, ser declarada a inexistência do mesmo direito a que a R. se arroga.”.
Não são admitidas no sistema de tutela as antigas acções provocatórias.
O direito a que a R. se arroga - assim identificam os AA. – consubstancia-se na afirmação desta de que “o jazigo com as duas sepulturas lhe foi doado pela Tia-Avó dos AA. ZZ e lhe estava concessionado”. (art.º 10º da p. i.).
Mas com isso não se proporciona nenhuma incerteza objectiva quanto a tal direito.
O que é de tese sempre exigível, como também os recorrentes aduzem.
«O interesse em agir, sendo diferente da legitimidade tem, todavia, em comum com este conceito o dever ser aferido, objectivamente, pela posição alegada pelo Autor que tem de demonstrar a necessidade do recurso a juízo como forma de defender um seu direito.» - Ac. do STJ, de 16-09-2008, proc. n.º 08A2210; e a tal propósito observa-se que «Nas acções de simples apreciação negativa será através da causa de pedir invocada que se surpreende a legitimidade do réu: será a pessoa directamente interessada na versão oposta à do autor.» - Ac. do STJ, de 20-04-1999, proc. n.º 99B974.
Ora, os Autores, que não estão desonerados de apresentar a sua causa de pedir - mesmo que na distribuição de ónus fique o réu com ele onerado - apresentam-se na causa despidos da alegação de qualquer título, actual ou por trato, apto a brandir a seu favor um direito quanto ao jazigo/sepultura.
O direito que antes contrapõem é outro, o seu direito de personalidade (art.º 19º ss. da p. i.)., por via de alegada perturbação de veneração à memória dos familiares falecidos.
Mas isso não coloca sobre o direito a que a R. se arroga dúvida, incerteza; não é essa a equação, mesmo que, como dão nota, se proporcione, por diferentes direitos em confronto, uma situação conflituante.
Como se vê.
Mas não a dirimir por acção com pedido de mera apreciação, que requer um interesse processual qualificado na necessidade de recorrer ao pleito.
O que só por si é o bastante, indo de encontro ao decidido.
Sem resultar erro de julgamento, o julgado é de manter.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelos recorrentes.
Porto, 28 de Outubro de 2022.
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa