Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00565/21.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/30/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:RECLAMAÇÃO; COVID; TEMPESTIVIDADE DO REQUERIMENTO JUNTO DO OEF; ARTIGO 52º, Nº 4 DA LGT; CONDUTA DOLOSA;
ÓNUS DA PROVA DA FP; MEIOS PROBATÓRIOS; RIT
Sumário:I – A suspensão dos prazos processuais urgentes, prevista na legislação decorrente da situação de pandemia Covid-19, não é de aplicar ao prazo de interposição de requerimento de pedido de dispensa de prestação de garantia, nos termos do artigo 170º, nº 2 da LGT, por se tratar de um prazo inserto num procedimento administrativo.

II – A mera constatação genérica da existência de um estabelecimento comercial na esfera jurídica da reclamante, não é suficiente para se concluir pela suficiência de bens para prestar garantia, quando em momento temporal anterior próximo, a AT avaliou esse estabelecimento em zero (o) euros.

III – Não compete ao tribunal, no uso do seu poder do inquisitório, diligenciar no sentido de ser concretizado o valor económico do estabelecimento, porquanto na reclamação do indeferimento do pedido de dispensa de garantia o tribunal decide se tal acto de indeferimento está suportado na lei. Não decide, em primeira mão, se o requerente tem o direito a ser dispensado da prestação de garantia.

IV – A prova indiciária de que a insuficiência dos bens se deu devido a actuação dolosa da reclamante, nos termos do nº 4 do artigo 52º da LGT (redacção da Lei 42/2016, de 28.12), que recai sobre a AT, não se basta com o apuramento em sede de relatório de inspecção tributária (RIT) dos pressupostos do recurso a métodos indirectos, mesmo que a reclamante em impugnação judicial a decorrer, apenas se insurja contra a quantificação da matéria colectável.

V- O elemento teleológico do artigo 52º, nº 4 da LGT mostra que o enfoque se dá na intencionalidade da “insuficiência de bens” para pagamento da dívida, e não apenas e só numa e qualquer situação irregular detectada pela AT na contabilidade da impetrante.

VI – É no hiato de tempo entre a detecção da situação irregular na contabilidade e o momento da cobrança da dívida, que haverá que determinar a intencionalidade da actuação da aqui reclamante/executada.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A., LDA
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
I. Relatório

A Fazenda Pública, melhor identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a reclamação deduzida contra o despacho do Chefe de Divisão da Direcção de Finanças do Porto, pela sociedade comercial denominada “A., Lda”, que lhe havia indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia, para suspensão dos processos de execução fiscal 3174201901170554 e aps que correm termos no Serviço de Finanças do Porto 1, tendo-o anulado.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando conclusões que se reproduzem:
a) O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou “(…) decido julgar a presente reclamação procedente e, em consequência, anulo o acto reclamado, consubstanciado na decisão proferida em 12.11.2020, pela Chefe de Divisão da Direcção de Finanças do Porto, que indeferiu o pedido de dispensa total da prestação de garantia formulado pela Reclamante”.

b) Posto isto, a Representação da Fazenda Pública não se conforma com o decidido, apresentando de seguida as suas alegações.

V.1 – Da impugnação da decisão de Facto da sentença do Tribunal a quo

c) Desde já, a RFP considera que, quanto à decisão de facto, deve ser aditado, aos “Factos Provados”, pois são factos notórios, na sentença recorrida, e que tem relevo para a boa decisão da causa, os seguintes factos,
“16) Em 2020-03-11, a Organização Mundial de Saúde classificou a emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19 como uma pandemia internacional, constituindo uma calamidade pública.”
“17) Efetivamente, foi publicada a Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, que aprovou as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, quer a Lei nº 4-A/2020, de 06/04, assim como os artigos que regulamentaram a contagem dos prazos.”

V.2 – Da impugnação da decisão de Direito da sentença do Tribunal a quo

V.2.1 - Da tempestividade/intempestividade do pedido de dispensa total de prestação de garantia formulado pela Reclamante em 25.09.2020

d) No âmbito deste segmento, discordamos com a decisão de direito plasmada na douta sentença, proferida, nos presentes autos, nos seguintes termos e fundamentos.
e) Vejamos, então, se tais factos, em concreto, são de molde a considerar a tempestividade/intempestividade do pedido de dispensa total de prestação de garantia formulado pela Reclamante, em 25-09-2020.
f) Como já aditamos à matéria de facto provada, em 11 de março de 2020 a Organização Mundial de Saúde classificou a emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19 como uma pandemia internacional, constituindo uma calamidade pública.
g) Vejamos, agora, as especificidades decorrentes da pandemia COVID-19.
h) Uma vez feita a leitura deste segmento da sentença proferida, nos presentes autos, facilmente se denota que a sentença sobre recurso não levou sequer em consideração os diplomas que versaram sobre os prazos e modo de contagem em tempos de pandemia.
i) A legislação especial, decorrente da situação de pandemia COVID-19, impôs a suspensão dos prazos processuais, nos processos de natureza urgente, entre 09.03.2020 e 06.04.2020, inclusive.
j) Pelo que, sendo necessário praticar um ato em processo de natureza urgente, o referido prazo retomou o seu curso a 07.04.2020.
k) Ora, como facto mundial nos termos sobreditos integra o mesmo o conceito de facto notório e deve ser considerado pelo juiz nas decisões a tomar, nos termos constantes da alínea c), do n.º 2, do artigo 5.º, do CPC.

l) Todavia, ao contrário do defendido pelos serviços da AT, a decisão de direito plasmada na sentença proferida, nos presentes autos, apesar da situação excecional que vivemos, desde pelo menos 9 de março de 2020, apenas considerou o mês de agosto de 2020, como o mês a partir do qual considerou tempestivo o pedido de dispensa de garantia formulado, sem considerar os seguintes factos.
m) Em primeiro lugar, como já acima foi referido, “(a) legislação especial decorrente da situação de pandemia COVID-19, impôs a suspensão dos prazos processuais, nos processos de natureza urgente, entre 09.03.2020 e 06.04.2020, inclusive”.
n) Em segundo lugar os próprios (alegados) valores apresentados, pela Impugnante, quanto à sua atividade económica, conforme a matéria de facto provada, no ponto 12, da sentença proferida, nos presentes autos, estão apresentados, no quadro aí plasmado, os seguintes valores,
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

o) Ora, parece-nos que, analisando o referido quadro, nota-se uma evidente queda, nos meses de março e abril, ambos de 2020, alias coincidentes com a situação de pandemia e a consequente legislação elaborada, como acima foi já referido.
p) Porém, o mesmo argumento já não poderá ser utilizado face aos restantes meses do ano, tanto mais que a diferença entre os totais apresentados, de 2019 para 2020, excluídos que sejam os meses de março e abril, não é assim tão evidente.
q) Mais, os valores apresentados para os meses de janeiro e fevereiro, ambos de 2021, meses anteriores à declaração pública da pandemia, não são muito diferentes dos de julho e agosto, ambos do referido ano de 2021, já posteriores a essa declaração.
r) Ora, a exigibilidade de uma gestão criteriosa e responsável, tal como é imposta, pelo próprio artigo 64.º, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), leva-nos a considerar que a referida formulação do pedido de dispensa de garantia foi elaborado tardiamente, designadamente quando o mesmo faz apelo, desde logo, à situação de pandemia COVID-19.
s) Assim sendo, entende-se que o pedido de dispensa da prestação de garantia, apresentado pela aqui Recorrida, com fundamento no agravamento das suas concretas condições económico-financeiras em virtude do surto pandémico que se vivia e vive, é intempestivo.
t) Pelo que o despacho reclamado, ao considerar a intempestividade do pedido, é legal, em conformidade com o disposto no artigo 170.º, n.º 2, do CPPT.
u) Pelo que violou o Tribunal recorrido as seguintes disposições legais: artigos 169°, 170°, n.º 2, do CPPT, e 10° do CPA, ex vi 2°, c), da LGT e 2°, d), do CPPT.
v) Nestes termos e nos melhores de direito, deve a decisão recorrida na parte aqui impugnada ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, seguindo-se os demais termos legais.

V.2.2 - Da legalidade/ilegalidade do despacho reclamado quanto à apreciação dos pressupostos necessários ao deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia
w) Em primeiro lugar, a RFP desde já, em consonância com o próprio teor do Parecer do Digno Magistrado do Ministério Público8, resulta da matéria de facto provada que, em 31-10-2019, a aqui Recorrida, ao abrigo do n.º 2, do artigo 169.º, do CPPT, requereu a suspensão da execução, oferecendo como garantia a penhora do seu estabelecimento comercial pedindo, subsidiariamente, a dispensa de prestação de garantia pelo valor remanescente.
x) Ora, como resulta da matéria de facto provada, o referenciado pedido foi indeferido pelo órgão de execução fiscal, em 06-03-2020, decisão essa que não foi objeto de reclamação por parte da aqui Recorrida.
y) Mais, resulta da matéria de facto provada que, em 27-11-2019, a aqui Recorrida, ao abrigo do n.º 2, do artigo 169.º, do CPPT, requereu a suspensão da execução, oferecendo como garantia a penhora do seu estabelecimento comercial.
z) Ora, como resulta da matéria de facto provada, o referenciado pedido foi indeferido pelo órgão de execução fiscal, em 12-03-2020, decisão essa que não foi objeto de reclamação por parte da aqui Recorrida.
aa) Recorde-se aqui, conforme resulta da matéria de facto provada, em 02-12-2019, a aqui Recorrida deduziu impugnação Judicial, relativa às dívidas exequendas, processo que corre os seus termos, no TAF do Porto, sob o n.º 3215/19.4BEPRT.
bb) Em 25-09-2020, a aqui Recorrida apresentou um novo requerimento, sobre o qual recaiu a decisão de indeferimento objeto da presente reclamação, onde a Recorrida alegou a alteração de circunstâncias decorrentes da pandemia Covid-19, com o consequente agravamento da situação económico-financeira, como fundamento do pedido de dispensa total da prestação de garantia.
cc) Também aqui não deixamos de estar em consonância com o douto Parecer do Digno Magistrado do Ministério Público, pois que, ainda que seja notório o facto da existência da pandemia que vivemos, atualmente, no país, não vislumbramos que a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia padeça de qualquer ilegalidade, nos seguintes termos e fundamentos.
dd) Em primeiro lugar, não deixamos de reproduzir aqui para todos os devidos e legais efeitos, o segmento do teor do referido despacho, constante do ponto 15, dos factos provados, para oi qual se remete, por razões de mera economia processual, pelo que, face ao aí exposto, temos de chegar as seguintes conclusões.
ee) Em primeiro lugar, facto é que a aqui Recorrida dispõe de um estabelecimento comercial.
ff) E, neste âmbito, não se entende muito bem qual a teleologia imanente à argumentação da Meritíssima Juíza a quo, na decisão de direito, quanto à tese apresentada e que fundamenta a referida decisão de direito, senão vejamos.
gg) Partindo da existência do estabelecimento comercial, a decisão de direito diz-nos que “(…) a referência ao estabelecimento comercial, enquanto elemento a prestar como garantia, nos termos vagos e conclusivos em que foi feita, não impõe a conclusão da existência de bens suficientes na esfera patrimonial da Reclamante para prestar garantia e que permita concluir nos termos do despacho impugnado”.
hh) Com o devido respeito pela decisão judicial, mas, parece-nos, que não está vedado ao Tribunal a quo, a ponderação de um pedido oficioso de elementos (documentais) que auxiliassem na tomada da decisão judicial, afigurando-se como um pedido devidamente justificado, de modo a concretizar o valor económico do referenciado estabelecimento comercial.
ii) Assim, apesar da douta decisão de direito dar conta da existência do estabelecimento comercial, a referida douta decisão de direito não deu grande relevo ao facto dos serviços da AT terem dado conta que a aqui Recorrida, em algum momento do seu pedido de dispensa de garantia formulado, em 25.09.2020, indicou “(…) que o estabelecimento deixou de existir ou indicado algum prejuízo irreparável que impeça que o mesmo possa ser oferecido como garantia”.

jj) Portanto, ao contrário da sentença proferida, nos presentes autos, com todo o devido respeito, mas os serviços da ATA partiram de pressupostos corretos: a existência do referido estabelecimento comercial, bem como a falta de indicação por parte da Recorrida, no seu pedido de dispensa de garantia formulado, em 25.09.2020, de “algum prejuízo irreparável que impeça que o mesmo possa ser oferecido como garantia”.
kk) Mais, neste âmbito, estamos perante uma situação concreta, despoletada pelo pedido de dispensa de garantia formulado, em 25.09.2020, sendo o mesmo avaliado conforme jurisprudência dos tribunais superiores, ou seja, o requerimento é analisado tendo em conta não apenas a situação contemporânea, ao referido pedido de dispensa de garantia formulado, em 25.09.2020, mas também a um conjunto de situações que foram comunicadas pela própria Recorrida aos serviços da ATA, e que estão inter-relacionadas com a forma como a Recorrida, já no período abrangido pelo referido procedimento inspetivo, ano de 2017, se comportava perante as leis contabilísticas e fiscais, senão vejamos.
ll) Assim, a matéria de facto acima fixada, mostra-nos que a aqui Recorrida apresentou, aos serviços da ATA, a seguinte realidade contabilística e fiscal desta,
“Da análise ao balancete de agosto de 2019, facultado pelo executado, verifica-se:
- saldo da conta 12 – Depósitos à ordem - € 1.914,40;
- saldo da conta 21 – Clientes - € 300,00;
- saldo da conta 22 – Fornecedores - € 3.000,03;
- saldo da conta 31 – Compras - € 14.404,37:
- saldo da conta 32 – Mercadorias - € 37.516,13;
- saldo da conta 43 – Ativos Fixos Tangíveis - € 105,618,14.
Através da consulta à IES/DA de 2017, 2018 e 2019, constata-se:
- Os Ativos Não Correntes apresentam apenas a seguinte rubrica e correspondentes montantes:
- Ativos fixos tangíveis - € 107.951,54 (2017), € 107.951,54 (2018) e € 107.951,54 (2019);
- Os Ativos Correntes apresentam as seguintes rubricas e correspondentes montantes:
- Clientes - € 0,00 (2017), € 6.248,40 (2018) e € 6.027,00 (2019);
- Inventários - € 63.189,00 (2017), € 37.516,13 (2018) e € 36.066,99 (2019);
- No Caixa e Depósitos Bancários - € 3.654,49 (2017), € 6.175,00 (2018) e € 1.683,38 (2019).
No que se diz respeito às contas de Capital Próprio da IES de 2017 e 2018, auferiu-se o seguinte:
- Resultado Líquido do Exercício de € 246, 192,94 (2017), € 27.531,40 (2018) e € 2.318,29 (2019); - Resultados Transitados de € 44.598,99 (2017), € 293.302,35 (2018) e € 320.833,75 (2019).
Da Declaração Mod. 22 do ano de 2019, consta os seguintes valores relativamente ao
Resultado Tributável e volume de negócios:
- Lucro Tributável no valor de €2.793,11;
- Volume de Negócios no valor de € 74.401,81;
- Total de Rendimentos do período no valor de € 74.771,89
Assim, tendo a requerente apelado à manifesta falta de meios económicos para prestar garantia, revelada pela insuficiência/inexistência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido, convém referir que na contabilidade se encontram declarados bens/direitos susceptíveis de poderem constituir garantia – Activos Fixos Tangíveis (€ 105.618,14) e Inventário (€ 51.920,50), pelo que, desde logo, não é possível dar-se por verificada a alegada manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido.
E, pese embora os mesmos poderem não ser suficientes, sempre poderia a executada oferecê-los como garantia, bem como o próprio estabelecimento comercial enquanto unidade jurídica.
mm) Ou seja, além da existência do estabelecimento comercial, os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) detetaram na contabilidade, “(…) declarados bens/direitos susceptíveis de poderem constituir garantia – Activos Fixos Tangíveis (€105.618,14) e Inventário (€51.920,50), pelo que, desde logo, não é possível dar-se por verificada a alegada manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido”.
nn) Ora, a douta sentença proferida, nos presentes autos, mais não faz do que fazer tabula rasa dos “declarados bens/direitos suscetíveis de poderem constituir garantia – Activos Fixos Tangíveis (€ 105.618,14) e Inventário (€ 51.920,50)”, fixando, por outro lado, o valor da causa em € 72.935,54.
oo) Mas os serviços da ATA não ficaram por aqui.
pp) Conforme resulta da decisão de direito, “(a) dívida a ser exigida nos presente processo resultou de correcções efectuadas em sede de processo inspectivo elaborado no âmbito da OI201804583”.
qq) Mais dizendo que “(o)s factos apurados na referida acção inspectiva e relatados no relatório elaborado pela inspecção tributária, indiciam que os valores espelhados nas demonstrações financeiras apresentadas pela sociedade, no exercício em análise (2017), e que originou as liquidações de IVA e IRC exigidas nos presentes autos, não representam a sua real situação económico-financeira, porquanto nem todos os proveitos apurados foram devidamente relevados na contabilidade, prejudicando a sua capacidade financeira”.
rr) Concluindo, mais à frente, para o que aqui interessa, que a aqui Recorrida “(…) não contesta a verificação dos fundamentos par aplicação de métodos indirectos, afirmando mesmo que “Não vê, por isso, obstáculo ao recurso a métodos indirectos de tributação”. Apenas coloca em causa o método utilizado para o apuramento do rendimento, ou seja, a quantificação”.
ss) Ou seja, dos factos apurados pelos serviços de inspeção, conclui-se pela existência de fortes indícios de que a insuficiência se deveu a situação dolosa por parte do executado porquanto parte da sua atividade foi exercida à margem da contabilidade, desviando da sociedade as receitas obtidas com estas transacções, e os fluxos financeiros associados a essas vendas/prestações de serviços, diminuindo por esta via a sua capacidade financeira e contributiva (…)»
tt) Ora, como bem referido é, na douta decisão de direito, “(…) indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª edição, pág. 311 (…)”.
uu) Ora, da “análise efetuada, pelos SIT, plasmada no RIT, a mesma evidencia:
· Rendimentos declarados que não permitem a cobertura das três principais rubricas de
· gastos (…);
· CMVMC largamente superior aos rendimentos declarados;
· Após notificação para esclarecer o cálculo do CMVMC o sujeito passivo efetua uma regularização da existência por contrapartida de resultados transitados, no montante de 224.476,61€, sem qualquer justificação ou documento comprovativo;
· Aquisições intracomunitárias de bens não declaradas;
· Omissão de custos na contabilidade;
· Recebimentos por TPA e depósitos em numerário superiores aos serviços prestados declarados, o que indica a omissão de rendimentos;
· Empréstimos de sócios à sociedade em que não foi feita prova suficiente da existência desta operação.
vv) Ou seja, os SIT identificaram um conjunto de manifestações (factos-indice) por parte da aqui Recorrida que não se podem subsumir ao conceito de negligência, pois aqui há indícios claros e manifestos de ocultar, intencionalmente, a real situação económico-financeira da aqui Recorrida.
ww) Ora, perante este quadro, a decisão de direito plasmada na douta sentença proferida, nos presentes autos, justifica, em síntese conclusiva com os seguintes parágrafos,
Ø “E também no caso vertente a Administração Tributária pretende aproveitar as alegadas desconformidades entre os valores espelhados nas demonstrações financeiras apresentadas pela sociedade, no ano de 2017, e a sua real situação económico-financeira, factos temporalmente já muito distantes e que não evidenciam o intuito coevo de diminuir o património social, nem consubstanciam indícios de que, quando foram alegadamente omitidas as declarações de rendimentos, a Reclamante tivesse representado, como possível, conformando-se com tal, que a Autoridade Tributária efectuaria correcções de uma dimensão tal que, face aos activos remanescentes da Reclamante, se verificaria a impossibilidade de proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescidos.
Ø Assim sendo, o despacho impugnado, ao considerar não verificados os referidos pressupostos (insuficiência de bens e ausência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado), nos termos em que o fez, violou ainda o disposto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT.”
xx) Bom, que dizer?
yy) Em primeiro lugar, o referido Acórdão do TCAN, de 18/10/2013, proferido no âmbito do processo n.º 00101/13.5BEVIS, com base no qual a decisão de direito, quanto a este segmento, se baseou, revela afirmações tais como “(…) AT não demonstrou que a Recorrida, com esses pagamentos, estava alegadamente a transferir para o exterior fundos com o propósito de não vir a pagar o imposto resultante da sua conduta. Estes pagamentos são um mecanismo preferencial para o sujeito passivo pagar menos imposto e não para diminuir a sua situação financeira ou capacidade patrimonial. Aliás, num silogismo lógico, se pagou menos imposto, ficará com mais património”.
zz) Pelo que, com todo o devido respeito, nem nos vamos pronunciar mais sobre este Acórdão, partindo de imediato para a análise da decisão de direito aplicável ao caso concreto
aaa) Em primeiro lugar, o facto de na sentença, acima reproduzida, se falar de “factos temporalmente já muito distantes”, não se pode transpor para a situação concreta dos presentes autos, tanto mais que não se tratam aqui de factos temporalmente distantes, como no referido acórdão, tendo em atenção a matéria de facto acima provada e aditada.
bbb) Em segundo lugar, os factos, designadamente, os seguintes factos,
· Rendimentos declarados que não permitem a cobertura das três principais rubricas de gastos (…);
· CMVMC largamente superior aos rendimentos declarados;
· Após notificação para esclarecer o cálculo do CMVMC o sujeito passivo efetua uma regularização da existência por contrapartida de resultados transitados, no montante de 224.476,61€, sem qualquer justificação ou documento comprovativo;
· Aquisições intracomunitárias de bens não declaradas;
· Omissão de custos na contabilidade;
· Recebimentos por TPA e depósitos em numerário superiores aos serviços prestados declarados, o que indica a omissão de rendimentos;
· Empréstimos de sócios à sociedade em que não foi feita prova suficiente da existência desta operação.
evidenciam o intuito coevo de diminuir o património social, pois há aqui uma manifesta intenção de ocultar rendimentos, e tal comportamento não pode ser justificado, com o devido respeito por opinião diversa da nossa, nem pela distancia temporal, nem por juízos de prognose póstuma, pela aqui Recorrida, sobre a possibilidade/impossibilidade de proceder a pagamentos de possíveis dividas exequendas, como esta plasmado na decisão de direito, na sentença proferida nos presentes autos.
ccc) Ou seja, quando a sentença proferida, nos presentes autos, se refere ao facto de que não (…) consubstanciam indícios de que, quando foram alegadamente omitidas as declarações de rendimentos, a Reclamante tivesse representado, como possível, conformando-se com tal, que a Autoridade Tributária efectuaria correcções de uma dimensão tal que, face aos activos remanescentes da Reclamante, se verificaria a impossibilidade de proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescidos”, é, com todo o devido respeito pelo Tribunal a quo, naturalizar as coisas erradas.
ddd) É que em tese, quem oculta rendimentos sabe o que está a fazer, e, pior, sabe porque o está a fazer, porque, afinal, neste âmbito contabilístico e fiscal, quem oculta, oculta de quem e porquê?
eee) Ora, dúvidas não restam, mesmo por mera hipótese académica, que quem se comporta, de acordo com os factos–índice, acima melhor identificados, visa, não só esconder a verdadeira situação do património da aqui Impugnante, mas também, com isso, diminuir as garantias dos credores, em caso de algum incumprimento, por parte daquela.
fff) Assim sendo, e ao contrário do decidido pela douta sentença proferida, nos presentes autos, o despacho aqui impugnado, ao considerar não verificados os referidos pressupostos, nos termos em que o fez, cumpriu o disposto no n.º, 4 do artigo 52.º, da LGT.
ggg) Pelo que violou o Tribunal recorrido as seguintes disposições legais: artigos 52.º, n.º 4, da LGT, e 170.º, n.º 3, do CPPT.
hhh) Nestes termos e nos melhores de direito, deve a decisão recorrida, na parte aqui impugnada ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, seguindo-se os demais termos legais.
Nos termos vindos de expor e nos que Vªs Ex.ªs, sempre mui doutamente, poderão suprir, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a reclamação judicial improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o Direito e a Justiça.”

A Recorrida, “A., Lda” apresentou contra – alegações, que finalizou com as seguintes conclusões:

A. A Douta Sentença não incorreu em qualquer erro de julgamento e, bem pelo contrário, a mesma assenta em fundamentos totalmente válidos, pelo que deve manter-se plenamente vigente na ordem jurídica, condenando totalmente ao decaimento o recurso interposto pela Recorrente.
B. De qualquer modo, quanto à matéria de facto, a Recorrente começa por querer aditar aquilo que qualifica como “factos notórios”.
C. Ora, como refere o artigo 412.º, n.1, do CPC, devem considerar-se como “factos notórios”, os factos que são do conhecimento geral, sucede que, os factos aludidos pela Recorrente, isto é, uma classificação efetuada por uma Organização Internacional, e uma emanação normativa, não configuram, de todo, como “factos notórios”.
D. De todas as formas, mas sem conceder, a verdade é que a Recorrente também se equivoca, porquanto entre os poderes do Tribunal ad quem não consta o aditamento de “factos notórios” à matéria de facto provada, conforme se retira do artigo 662.º do CPC, pelo que, o peticionado quanto a este aspeto deverá ser totalmente desconsiderado.
E. Por outro lado, a Recorrente vem impugnar a decisão de direito da Douta Sentença do Tribunal a quo, começando por analisar o aspeto formal da tempestividade/intempestividade do pedido de dispensa total de prestação de garantia formulado pela Recorrida em 25 de setembro de 2020, sustentando, pasme-se, a intempestividade com base na legislação emanada de resposta à pandemia.
F. Ora, a legislação que a Recorrente convoca para sustentar o seu ponto de vista nada tem a ver com a situação sub judice, pelo que, este argumento deve decair de imediato.
G. Basta atentar que a Recorrida apresentou um pedido de dispensa de prestação de garantia junto da AT a 25 de setembro de 2020 e a Recorrente vem argumentar agora, sem qualquer sentido, com legislação “Covid 19” atinente aos prazos procedimentais e processuais.
H. Como se os efeitos económicos da pandemia em curso tivessem sido todos observados logo em março/abril de 2020.
I. Ademais de tudo o exposto, analisando o teor do despacho de indeferimento da dispensa de prestação de garantia, objeto da presente reclamação judicial, este fundamento de recurso apresentado pela Recorrente consubstancia fundamentação a posteriori pelo que deve ser totalmente desconsiderada.
J. Como proclamou o Douto Acórdão do STA, processo n.º 0208/17, de 22 de março de 2018: “A fundamentação dos atos administrativos e tributários à posteriori não é legalmente consentida, cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. nº 01674/13 e de 23/4/2014, proc. nº 01690/13, sendo que a validade do ato terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”.
K. A partir desse ponto, inusitadamente, a Recorrente constrói a tese de que deveria ser o Tribunal a quo a substituir-se à Recorrente, quando esta olvida de todo a factualidade fundamental da presente ação.
L. É que a Recorrida, por não ter qualquer possibilidade de poder apresentar uma garantia que permitisse suspender a tramitação dos processos de execução fiscal (PEF’s) sobre si incidentes, apresentou junto da AT, em 25 de setembro de 2020, um pedido de dispensa total de prestação de garantia.
M. Este pedido foi recusado pela Direção de Finanças do Porto, conforme notificação recebida a 25 de novembro de 2020, com base na (i) intempestividade, (ii) na existência de um estabelecimento comercial com valor económico e (iii) porque a aplicação de métodos indiretos demonstra que a atuação foi dolosa por parte da Reclamante e por isso impeditiva da aplicação da dispensa de prestação de garantia.
N. A Recorrida discordou deste indeferimento pelas razões expostas na sua reclamação e que aqui se sintetizam: (i) foram alegados factos concretos que demonstram a queda de receitas da Recorrida que tiveram no surto pandémico em curso causa direta e imediata; (ii) em março de 2020, a AT recusou o penhor do estabelecimento comercial oferecido pela Recorrida porquanto considerou que o mesmo não tinha qualquer valor económico, pelo que, em face deste dado objetivo e porque o quadro de exploração económico deteriorou-se de forma abrupta e grave, a Recorrida apresentou novo pedido que foi indeferido pela AT com fundamentação em total contradição com o anteriormente decidido, ou seja, já considerando que a Recorrida deveria ter oferecido antes o penhor do estabelecimento comercial porquanto o mesmo já teria valor económico; (iii) não existe qualquer base legal para se impedir a aplicação do instituto da dispensa de prestação de garantia, quando a dívida exequenda tem na sua base a aplicação de métodos indiretos, ademais de um vício de fundamentação porquanto não é concretizado quais os forte indícios da atuação dolosa da Recorrida.
O. Toda a atuação da AT neste processo coloca em causa de forma ostensiva os princípios da confiança e da boa-fé (cf. artigo 266.º, n.2, da CRP e artigo 55.º da LGT), porquanto criou a convicção genuína na Recorrida que o seu estabelecimento comercial não teria aptidão, aos “olhos” da AT, para poder operar como garantia apta a poder suspender os PEF’s em causa, sendo que afinal agora, quando solicitada a dispensa total da prestação de garantia, já teria esse estabelecimento comercial essa aptidão.
P. Neste sentido, a defesa de algo e do seu contrário, num tão curto espaço de tempo de distância, convoca naturalmente a ideia de uma busca de um permanente “argumentário” por parte da AT que impeça o reconhecimento de um direito fundamental dos contribuintes e que é tão válido como aquele que rege o direito à cobrança, e que é o direito à dispensa de prestação de garantia com a inerente suspensão dos PEF’s subjacentes.
Q. Em face disto, estamos perante um despacho ilegal que urge ser anulado, tal como, e muito bem, determinou a Douta Sentença recorrida.
R. Pelo que, e em suma, não pode haver qualquer dúvida acerca da boa decisão tomada pelo Tribunal a quo quando julgou procedente a reclamação aqui em causa, pelo que, a mesma, deverá manter-se na ordem jurídica, decaindo, totalmente, a inopinada fundamentação aportada agora pela Recorrente.

NESTES TERMOS e nos melhores de Direito, solicita a Recorrida que V. Exas. determinem a manutenção do decidido pelo Douto Tribunal a quo, porquanto, assim se fará, e como sempre, a inteira e sã JUSTIÇA!

Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, foram os mesmos com Vista ao Exmo Procurador-Geral Adjunto que emitiu Parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Sem vistos legais, atenta a natureza uregente, vem o processo à Conferência, para julgamento.

I.1 Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT) são as de saber se a sentença incorreu em erro do julgamento de facto e de direito ao ter considerado que que (i) a reclamação interposta era tempestiva, (ii) que a Reclamante, agora Recorrida, havia feito prova dos pressupostos que sobre ela pendiam para a dispensa da prestação de garantia, (iii) de que a Fazenda Pública não provou indiciariamente a actuação dolosa da Recorrida quanto à insuficiência de bens.

II. Fundamentação

II.1. De Facto
II.1.1 No Tribunal a quo, o julgamento de facto efectuado foi do seguinte teor:
“(…) Factos provados
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1) «A., Lda», NIPC (…), ora Reclamante, é uma sociedade comercial cujo objecto social assenta em: «Salão de cabeleireiros, massagens facial, maquilhagem, manicura, pedicura, limpeza de pele, depilação e similares, sauna, massagens, emagrecimento, relaxação. Comercialização de produtos de cosméticos de higiene e perfumaria)» – cf. certidão permanente junta aos autos (documento n.º 7 junto com a petição inicial).
2) Junto do Serviço de Finanças de Porto correm actualmente termos contra a Reclamante os seguintes processos de execução fiscal:
Processo deDataCertidãoTributoPeríodoValor
Execução FiscalinstauraçãoTributação
2019-10-2017-01-
3174201901187260199.3174.2019.1523502IRC01 a 2017-6.345,09€
05
12-31
2019-09-2017-01-
3174201901170554199.3174.2019.1351449IVA01 a 2017-13.285,65€
09
03-31
31742019011705622019-09-2017-01-
199.3174.2019.1351450IVA01 a 2017-1.013,34€
(apenso)09
03-31
31742019011705702019-09-2017-04-
199.3174.2019.1351451IVA01 a 2017-15.672,67€
(apenso)09
06-30
31742019011705892019-09-2017-04-
199.3174.2019.1351452IVA01 a 2017-1.032,24€
(apenso)09
06-30
31742018011705972019-09-2017-07-
199.3174.2019.1351453IVA01 a 2017-17.060,91€
(apenso)09
09-30
31742019011706002019-09-2017-07-
199.3174.2019.1351454IVA01 a 2017-957,28€
(apenso)09
09-30
31742019011706192019-09-2017-10-
199.3174.2019.1.351455IVA01 a 2017-16.797,08€
(apenso)09
12-31
31742019011706272019-09-2017-10-
199.3174.2019.1351456IVA01 a 2017-771,28€
(apenso)09
12-31
Valor Total72.935,54€

– cf. documento n.º 4 junto com a resposta e documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial.
3) Em 30.10.2019, a Reclamante, através do seu mandatário, enviou, via email, ao Serviço de Finanças de Porto 1, um requerimento, em suma, com o seguinte teor:
«Exmos. Senhores,
Do Serviço de Finanças do Porto 1
C.R. 3174
Na qualidade de Advogado da sociedade A., LDA, titular do NIPC (…), venho solicitar nos termos do artigo 169º, n 2, do CPPT a suspensão dos processos de execução fiscal com os nºs
- 3174201901187260
- 3174201901170554 e Apensos
Em virtude do contribuinte pretende apresentar meio judicial – impugnação judicial –, e oferecendo em garantia o penhor do seu estabelecimento onde desenvolve a sua atividade comercial, conforme balancetes e a IES aqui juntos, mas sem prejuízo da possibilidade continuar a poder laborar no mesmo (…)” – cf. fls. 5 do documento registado no SITAF com o n.º 007666376, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4) Em 31.10.2019, a Reclamante, através do seu mandatário, enviou, via email, ao Serviço de Finanças de Porto 1, um outro requerimento, em suma, com o seguinte teor:
«Exmos. Senhores,
Do Serviço de Finanças do Porto 1 C.R. 3174
Na qualidade de Advogado da sociedade A., LDA., titular do NIPC (…), e em complemento do email anterior onde se solicitou, nos termos do artigo 169.º, n2, do CPPT, a suspensão dos processos de execução fiscal com os n.ºs:
- 3174201901187260
- 3174201901170554 e Apensos
Em virtude do contribuinte pretende apresentar meio judicial – impugnação judicial, visando contestar a legalidade das liquidações adicionais de IVA e de IRC, referentes a 2017, e oferecendo em garantia o penhor do seu estabelecimento onde se desenvolve a sua actividade comercial de cabeleireiro, conforme balancetes e a IES aqui juntos, mas sem prejuízo da possibilidade de poder continuar a laborar no mesmo.
Mais requer que, em face da sua reduzida dimensão económica, como se afere pelos elementos contabilísticos já enviados, a dispensa parcial de garantia em caso do valor do estabelecimento oferecido não ser considerado suficiente para os montantes a garantir subjacentes aos referidos PEF”s.
Protesta ainda juntar comprovativo da impossibilidade de lhe ser prestada garantia bancária.
(…)» – cf. fls 14 do documento registado no SITAF com o n.º 007666376, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5) Em 27.11.2019, a Reclamante, através do seu mandatário, apresentou no Serviço de Finanças de Porto 1 novo requerimento, em suma, com o seguinte teor:
«Exmo. Senhor Chefe de Finanças do Serviço de Finanças do Porto 1 C.R. 3174
Assunto: Processos de Execução Fiscal n.ºs – 3174201901187260 e 3174201901170554 e seus apensos Apresentação de Garantia – Oferecimento de Penhor de Estabelecimento Comercial A., LDA., aqui “requerente”, titular do NIPC (...), e em complemento dos emails anteriores onde solicitou, nos termos do artigo 169.º, n.2, do CPPT, a suspensão dos processos de execução fiscal (PEF) com os nºs:
-3174201901187260
-3174201901170554 e apensos
em virtude de a contribuinte pretender apresentar meio judicial – processo de impugnação judicial -, visando contestar a legalidade das liquidações adicionais de IVA e de IRC, referentes a 2017, vem apresentar os seguintes documentos que sustentam o referido pedido:
1. Documento emitido pelo Banco Santander não autorizando qualquer operação de financiamento ou de garantia de quaisquer montantes à Requerente (cf. documento n.º 1);
2. Orçamento feito por uma entidade terceira do imobilizado existente no estabelecimento comercial de barbearia sito na Rua do Bonfim, n. 99, Porto e que se fixou num montante total de €12.225,00 (cf. documento n.º 2);
3. Inventário de produtos existentes no estabelecimento comercial de barbearia sito na Rua (…), no valor total de €43.258,75.
Em face do exposto, vem reiterar, nos termos do artigo 195.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, bem como dos artigos 666.º e seguintes do Código Civil e artigo 782.º do Código do Processo Civil (CPC), que se digne determinar o penhor do identificado estabeleci mento comercial, enquanto universalidade de bens e direitos, onde a Requerente desenvolve a sua actividade comercial de barbearia/cabeleireiro, conforme balancetes já anteriormente juntos, bem como a respectiva IES, que aqui deverão ser considerados para todos os efeitos legais, mas sem prejuízo da possibilidade de poder continuar a laborar no mesmo, conforme prevê o artigo 782.º, n.2, do CPC.
Acresce que, não sendo o valor considerado suficiente para garantia da totalidade da dívida exequenda e do respectivo acrescido, requer-se ainda a dispensa parcial de prestação de garantia nessa eventual diferença apurada.
(…)» – cf. fls. 15 a 17 do documento registado no SITAF com o n.º 007666377.
6) Com o requerimento referido no ponto anterior deste probatório assente a Reclamante juntou os três documentos nele mencionados – cf. fls. 18 a 23 do documento registado no SITAF com o n.º 007666377.
7) Em 02.12.2019, a Reclamante apresentou Impugnação Judicial contra as liquidações subjacentes às dívidas exequendas identificadas no ponto 3) deste probatório assente, que se encontra a correr termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.º 3215/19.4BEPRT – cf. documentos n.ºs 4 e 5 juntos com a petição inicial.
8) Por despacho da Directora de Finanças Adjunta de 06.03.2020 foram indeferidos os pedidos formulados pela Reclamante de apreciação de garantia e de dispensa pelo remanescente, relativamente ao processo de execução fiscal n.º 3174201901170554 e aps. – cf. fls. 27 e 28 do documento registado no SITAF com o n.º 007666378.
9) O despacho identificado no ponto anterior estribou-se na informação de 05.03.2020, constante a fls. 28 a 32 do documento registado no SITAF com o n.º 007666378, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte:
«(…)
Da Garantia
(…)
A fim de se proceder à análise da garantia oferecida, no PEF supra indicado, pelo seu estabelecimento comercial, solicitou-se a sua avaliação nos termos do artigo 15.º do CIS, à Divisão Liquidação de Impostos – Património e Outros Impostos (DLIPI).
Em resposta ao solicitado, enviou, a DLIPI, a respectiva avaliação, na qual atribuiu o valor de €0,00 ao estabelecimento comercial.
(…)
O valor a garantir na presente dará ascende a €86.384,05, conforme simulação de 2020-03-05, pelo que face à avaliação nos termos do artigo 15.º do CIS, o estabelecimento comercial não é, de todo, suficiente para garantia dos autos.
DA DISPENSA DE GARANTIA PELO REMANESCENTE
(…)
Da consulta das bases de dados da AT, verifica-se que o executado nunca dispôs de qualquer bem imobiliário e que na sua titularidade não consta qualquer viatura.
Não obstante, oferece o mesmo estabelecimento para penhora no presente PEF.
Ainda que tal penhora se afigure insuficiente para assegurar o valor necessário para garantia da dívida, forçosamente terá de resultar demonstrada a insuficiência de bens.
Efectivamente, o executado está a oferecer todos os bens de que dispõe, representados pelo estabelecimento comercial no seu todo, resultando assim demonstrado o primeiro dos pressupostos previstos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT.
(…)».
10) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Porto 1 de 12.03.2019 foram indeferidos os pedidos formulados pela Reclamante de apreciação de garantia e de dispensa pelo remanescente, relativamente ao processo de execução fiscal n.º 3174201901187260 – cf. fls. 43 do documento registado no SITAF com o n.º 007666378.
11) O despacho identificado no ponto anterior estribou-se na informação de 05.03.2020, constante a fls. 36 s 41 do documento registado no SITAF com o n.º 007666378, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, dal qual consta, além do mais, o seguinte:
«(…)
Da Garantia
(…)
A fim de se proceder à análise da garantia oferecida, no PEF supra indicado, pelo seu estabelecimento comercial, solicitou-se a sua avaliação nos termos do artigo 15.º do CIS, à Divisão Liquidação de Impostos – Património e Outros Impostos (DLIPI).
Em resposta ao solicitado, enviou, a DLIPI, a respectiva avaliação, na qual atribuiu o valor de €0,00 ao estabelecimento comercial.
(…)
O valor a garantir na presente dará ascende a €8.441,43, conforme simulação de 2020-03-05, pelo que face à avaliação nos termos do artigo 15.º do CIS, o estabelecimento comercial não é, de todo, suficiente para garantia dos autos.
DA DISPENSA DE GARANTIA PELO REMANESCENTE
(…)
Da consulta das bases de dados da AT, verifica-se que o executado nunca dispôs de qualquer bem imobiliário e que na sua titularidade não consta qualquer viatura.
Não obstante, oferece o mesmo estabelecimento para penhora no presente PEF.
Ainda que tal penhora se afigure insuficiente para assegurar o valor necessário para garantia da dívida, forçosamente terá de resultar demonstrada a insuficiência de bens.
Efectivamente, o executado está a oferecer todos os bens de que dispõe, representados pelo estabelecimento comercial no seu todo, resultando assim demonstrado o primeiro dos pressupostos previstos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT. (…)».
12) Em 25.09.2020, a Reclamante, através do seu mandatário, enviou, via email, ao Serviço de Finanças de Porto 1, requerimento constante a fls. 55 a 59 do documento registado no SITAF com o n.º 007666380, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte:
«(…)
10. Sucede que, actualmente, circunstância excepcionais, infelizmente conhecidas por todos, associadas ao tema pandémico, agravara, ainda mais as condições de exploração do salão de cabeleireiros da Requerente.
11. Para se ter em conta, em termos homólogos, a perda do volume de negócios é de mais de 36% face ao ano passado, conforme decorre da tabela infra, bem como do documento assinado pelo TOC da Requerente que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cf. documento n.º 8):
Ano de 2019Ano de 2020
Jan5.662,80€4.707,86€
Fev5.445,00€5.469,06€
Mar6.179,02€2.138,69€
Abr6.309,68€- €
Mai7.246,03€5.311,08€
Jun6.411,97€4.730,62€
Jul6.986,01€5.690,19€
Ago7.367,81€4.480,00€
Total€51,608,32€32,527,50

12.Nesse sentido, este agravamento das condições económico-financeiras da Requerente, de que agora se tem uma percepção real e efectiva, e da qual à Requerente nenhuma responsabilidade pode ser assacada, é condição suficiente para que haja uma nova análise do tema da dispensa da prestação de garantia, e agora em toda a sua extensão, porquanto no ano passado, a mesma foi apenas peticionada em termos subsidiários e no remanescente da parte que não fosse, eventualmente, coberta pela garantia oferecida.
(…)
17. Como já a AT verificou e declarou acerca da Requerente, existe uma manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, conforme decorre dos sobreditos Ofícios n.ºs 20205000064840 e 20205000064791 e do documento que se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido (cf. documento n.º 9).
(…)
21. Ora, como decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul, no seu Douto Acórdão de 16 de setembro de 2019, proferido no processo n.º 513/19.0BESNT: (…) III – Compete à Administração Tributária a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa dos Reclamantes”.
22.Por outro lado, importa referir que este requerimento agora apresentado difere do anterior quer na sua factualidade, quer nas circunstâncias actuais, bem como no seu pedido, pelo que reúne todas as condições legais para poder ser analisado.
(…)
Nestes termos e nos melhores de Direito, a Requerente solicita a V. Exa. que se digne determinar a dispensa total de prestação de garantia e, por inerência, a suspensão dos PEF’s supra-identificados (…)».
13) Com o requerimento referido no ponto anterior a Reclamante juntou 9 documentos, constantes a fls. 60 a 79 do documento registado no SITAF com o n.º 007666380, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

14) Em 12.11.2020, por despacho proferido pela Chefe de Divisão da Direcção de Finanças do Porto, foi proferido, relativamente ao processo de execução fiscal n.º 3174201901170554 e apensos, o seguinte despacho: «Concordo. Indefiro o pedido nos termos propostos. Notifique-se. (…)» – cf. fls. 83 do documento registado no SITAF com o n.º 007666381.
15) O despacho referido no ponto anterior estribou-se na informação de 05.11.2020 constante de fls. 83 a 90 do documento registado no SITAF com o n.º 007666381, da qual consta, além do mais, o seguinte:
«(…)
TEMPESTIVIDADE
Pelo disposto nos nºs 1 e 2 do artº 52.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do nº 1 do art.º 169º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) a execução suspende-se em virtude de pagamento em prestações, reclamação graciosa, impugnação judicial, ou recurso judicial desde que tenha sido constituída garantia nos termos do art.º 195.º ou prestada nos termos do art.º 199º, ambos do CPPT.
Refere o n.º 4 do referido artigo 52.º que “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia (…)”.
Dispõem o nº 1 do art.º 170.º do CPPT “Quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal no prazo de 15 dias a contar da apresentação do meio de reacção previsto no artigo anterior”.
De acordo com o n.º 2 do mesmo normativo legal, “Caso o fundamento da dispensa da garantia seja superveniente ao termo daquele prazo, deve a dispensa ser requerida no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.
Atendendo à data da apresentação da impugnação judicial – 2019-12-02 – o prazo previsto no n.º 1 do artigo 170.º do CPPT foi já amplamente excedido.
Na petição agora apresentada vem a requerente apelar às circunstâncias excepcionais da pandemia e suas repercussões na situação económica da empresa, que alega ter tido uma quebra de facturação de 36%. E, pese embora não expressamente, parece fazê-lo com o intuito de invocar estas circunstâncias como facto superveniente que lhe permite formular tempestivamente novo pedido de dispensa, nos termos do n.º 2 do artigo 170.º do CPPT.
Embora seja admissível que a pandemia tenha levado a uma redução de atividade, por si só, não configura facto superveniente enquadrável na previsão constante do n.º 2 do artigo 170.º do CPPT, referindo-se esta a um facto concreto que fundamento os pressupostos da isenção.
E no requerimento agora em análise, a executada não concretiza em que medida é que isso afetou os pressupostos de que depende a dispensa de garantia, não se considerando, desta forma que exista qualquer facto superveniente que lhe permita invocar o prazo do n.º 2 do artigo 170.º do CPPT.
Pelo que o pedido é intempestivo.
Sem prescindir, de seguida será efectuada a análise do pedido de dispensa de garantia.
DA DISPENSA DE GARANTIA
Os pressupostos necessários para a concessão da dispensa de prestação de garantia são os previstos no n.º 4 do art.º 52.º da LGT.
- A prestação de garantia deve ser causa da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido;
- Quer se baseie no pressuposto 1, quer no pressuposto 2, torna-se necessário que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens de deveu a atuação dolosa do interessado.
Importa referir que o n.º 3 do art.º 170.º do CPPT, ao estabelecer que o pedido deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária, pressupõe que toda a fundamentação e prova, seja desde logo apresentada pelos executados para ser possível o deferimento da sua pretensão.
Para os devidos efeitos, solicita a aqui requerente que se considere juntar os elementos/documentos anteriormente remetidos, balancete, datado de agosto de 2019, IES/DA, de 2019, cópia do documento da Instituição Bancária Santander relativo à recusa do pedido de Garantia Bancária, cópia de orçamento, elaborada por entidade terceirada, do AFT existente no estabelecimento comercial no valor de €12.225,00 (valor S/IVA) e Inventário de produtos no valor de €43.258,75.
No presente requerimento juntou cópia de documento de cálculos da quebra do volume de negócios.
Da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis.
Da petição alega o executado “Como já a AT verificou e declarou acerca da Requerente, existe uma manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, conforme decorre dos sobreditos Ofícios n.ºs 2020S000064840 e 2020S000064791 e do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cf. documento n.º 9)”.
Como documento identificado pela executada como “documento n.º 9” junto à petição consta cópia da Recusa de garantia bancária, pela entidade bancária Santander.
Através dos referidos Ofícios n.ºs 2020S000064840 e 2020S000064791, foi remetido o despacho proferido pela Sra. Diretora de Finanças Adjunta, datado de 2020-03-06, que determinou o indeferimento da garantia oferecida, por falta idoneidade e, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia, por não se encontrarem preenchidos os requisitos necessários, nos termos do n.º 4 do art.º 52.º da LGT.
Do referido despacho, no que diz respeito à manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, consta:
“Da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis.
Da petição alega o executado “que se digne determinar o penhor do identificado estabelecimento comercial, enquanto universalidade de bens e direitos, (…)”.
Da consulta das bases de dados da AT, verifica-se que o executado nunca dispôs de qualquer bem imobiliário e que na sua titularidade não consta qualquer viatura. Não obstante, oferece o mesmo o estabelecimento para penhora no presente PEF. Ainda que tal penhora se afigure insuficiente para assegurar o valor necessário para garantia da dívida, forçosamente terá de resultar demonstrada a insuficiência de bens.
Efectivamente, o executado está a oferecer todos os bens de que dispõe, representados pelo estabelecimento comercial no seu todo, resultando assim demonstrado o primeiro dos pressupostos previstos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT.
No primeiro pedido de dispensa (parcial) formulado, a executada ofereceu à penhora o seu estabelecimento comercial, requerendo ainda a dispensa de prestação de garantia pelo remanescente, no case de a penhora do estabelecimento comercial se mostrar insuficiente ou não se encontrarem reunidos os pressupostos para a aceitação da mesma.
No despacho de 2020-03-06 considerou-se que, tendo a executada oferecido todos os bens de que dispunha – estabelecimento comercial -, ainda que tal penhora se mostrasse insuficiente encontrar-se-ia verificado o pressuposto da insuficiência de bens (mas só após a penhora/penhor do referido estabelecimento).
Porém, a situação do presente requerimento é diferente. Pretende a executada, que lhe seja concedida a dispensa TOTAL de garantia com fundamento na manifesta insuficiência de bens penhoráveis.
E afigura-se que a única alteração face ao requerimento anterior é a de que a empresa sofreu quebras de facturação. Mas nunca é referido que o estabelecimento deixou de existir ou indicado algum prejuízo irreparável que impeça que o mesmo possa ser oferecido como garantia.
Considera a requerente que “este requerimento agora apresentado difere do anterior, quer na factualidade, quer nas circunstâncias atuais, bem como no seu pedido, pelo que reúne todas as condições legais para poder ser analisado”, assim solicita a dispensa de garantia e alega que se encontra preenchido os pressupostos “existe uma manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido”.
Solicita que se considere juntar os elementos/documentos anteriormente remetidos, balancete, datado de agosto de 2019, IES/DA de 2019, cópia do documento da Instituição Bancária Santander relativo à recusa do pedido de Garantia Bancária, cópia de orçamento, elaborado por entidade terceira, do AFT existente no estabelecimento comercial no valor de €12.225,00 (valor s/IVA) e Inventário de produtos no valor de €43.258,75.
No presente requerimento juntou cópia de documento de cálculos da quebra do volume de negócios. Não tendo sido junto qualquer balancete actualizado.
Assim, cabe analisar.
Da análise ao balancete de agosto de 2019, facultado pelo executado, verifica-se:
-saldo da conta 12 – Depósitos à ordem - €1.914,40;
- saldo da conta 21 – Clientes - €300,00;
-saldo da conta 22 – Fornecedores - €3.000,03;
-saldo da conta 31 – Compras - €14.404,37:
-saldo da conta 32 – Mercadorias - €37.516,13;
-saldo da conta 43 – Ativos Fixos Tangíveis - €105,618,14.
Através da consulta à IES/DA de 2017, 2018 e 2019, constata-se:
-Os Ativos Não Correntes apresentam apenas a seguinte rubrica e correspondentes montantes:
-Ativos fixos tangíveis - €107.951,54 (2017), €107.951,54 (2018) e € 107.951,54
(2019);
-Os Ativos Correntes apresentam as seguintes rubricas e correspondentes montantes:
-Clientes - €0,00 (2017), €6.248,40 (2018) e €6.027,00 (2019);
-Inventários - €63.189,00 (2017), €37.516,13 (2018) e €36.066,99 (2019);
-No Caixa e Depósitos Bancários - €3.654,49 (2017), €6.175,00 (2018) e €1.683,38
(2019).
No que se diz respeito às contas de Capital Próprio da IES de 2017 e 2018, auferiu-se o seguinte:
-Resultado Líquido do Exercício de €246, 192,94 (2017), €€27.531,40 (2018) e €2.318,29 (2019);
-Resultados Transitados de €44.598,99 (2017), €293.302,35 (2018) e €320.833,75 (2019).
Da Declaração Mod. 22 do ano de 2019, consta os seguintes valores relativamente ao Resultado Tributável e volume de negócios:
-Lucro Tributável no valor de €2.793,11;
-Volume de Negócios no valor de €74.401,81;
-Total de Rendimentos do período no valor de €74.771,89.
Assim, tendo a requerente apelado à manifesta falta de meios económicos para prestar garantia, revelada pela insuficiência/inexistência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido, convém referir que na contabilidade se encontram declarados bens/direitos susceptíveis de poderem constituir garantia
– Activos Fixos Tangíveis (€105.618,14) e Inventário (€51.920,50), pelo que, desde logo, não é possível dar-se por verificada a alegada manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido.
E, pese embora os mesmos poderem não ser suficientes, sempre poderia a executada oferecê-los como garantia, bem como o próprio estabelecimento comercial enquanto unidade jurídica.
De facto, no que concerne à penhora do estabelecimento, a base legal emerge dos normativos do art.º 962.º-A do Código de Processo Civil, tendo sido inclusivamente objecto de instruções administrativas específicas, constantes do Ofício Circulado 60010, de 22/10/1999 da Direção de Serviços de Justiça Tributária.
Compondo-se o estabelecimento comercial de um conjunto de elementos patrimoniais que permitem o exercício de uma actividade comercial (comércio, indústria ou serviços) afetos a um local detido pelo empresário, estes elementos podem ser corpóreos ou incorpóreos.
Não obstante a penhora incluir materiais ou consumíveis existentes, em virtude de a penhora visar o estabelecimento comercial como unidade jurídica, a executada poderia proceder à sua venda desde que efectuasse a necessária reposição, o que, na sua falta constituiria violação da penhora.
Efectivamente, o estabelecimento comercial constitui uma universidade de bens e direitos abrangendo o conjunto das instalações, utensílios, mercadorias, know-how, relações com clientes e fornecedores ou outros elementos que integram o estabelecimento, inclusivamente o direito ao arrendamento se se tratar de estabelecimento arrendado.
Sendo que, o acórdão de 2011-12-07 do TCA Sul, define o estabelecimento comercial como “uma organização de factores produtivos e o conjunto de bens posto à disposição da empresa pelo empresário, entre os quais se costumam destacar, o local, o aviamento, a reputação, as relações com fornecedores, com clientes, direitos de crédito, de débito, contratos de trabalho, contratos de fornecimentos, marcas o Know-how”.
Por outro lado, ainda que tal penhora – do estabelecimento comercial – se afigurasse insuficiente para assegurar o valor necessário para garantia da dívida, oferecendo a requerente todos os bens e não dispondo de mais nenhum poder-se-ia entender demonstrada a insuficiência de bens.
Efectivamente, caso o executado oferecesse todos os bens de que dispõe, representados pelo estabelecimento comercial no seu todo, afigurar-se-ia cumprido o primeiro dos requisitos previstos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT o que não se verificou.
Pelo que não pode dar-se por verificada a manifesta falta de bens penhoráveis.
Assim e desde logo afigura-se não se encontrar cumprido um dos pressupostos para a concessão de dispensa de garantia – insuficiência/inexistência de bens – porquanto existem na esfera jurídica da executada bens susceptíveis de poderem constituir garantia, designadamente o próprio estabelecimento comercial enquanto unidade jurídica.
Pelo que não pode dar-se por verificada a manifesta falta de bens penhoráveis.
Ainda assim, e não sendo o caso, mesmo que se considerasse demonstrado o pressuposto da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido, como refere a própria executada no ponto 20 da sua petição “Cumulativamente, o art.º 52.º, n.º e, da LGT exige a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado”.
Ou seja, a lei impõe que “A administração tributária pode, (…) isentá-lo da prestação de garantia (…) desde que não existam forte indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado”.
Da (in)existência indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
Dispõe o n.º 4 do artigo 52.º da LGT que a concessão da dispensa depende da não existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
A dívida a ser exigida nos presente processo resultou de correcções efectuadas em sede de processo inspectivo elaborado no âmbito da OI201804583.
Os factos apurados na referida acção inspectiva e relatados no relatório elaborado pela inspecção tributária, indiciam que os valores espelhados nas demonstrações financeiras apresentadas pela sociedade, no exercício em análise (2017), e que originou as liquidações de IVA e IRC exigidas nos presentes autos, não representam a sua real situação económico-financeira, porquanto nem todos os proveitos apurados foram devidamente relevados na contabilidade, prejudicando a sua capacidade financeira.
Do relatório extrai-se que o recurso aos métodos indirectos de avaliação assentou na existência de fundados indícios de que os rendimentos apresentados não traduzem a exata situação patrimoniais e o resultado efectivamente obtido e numa série de factos fortemente indiciadores de terem sido omitidas vendas pela executada, os quais constam descritos, detalhadamente, no capítulo IV do relatório.
Salientam-se ainda as suas conclusões:
«IV.3. Conclusões
A análise efectuada, exposta nos pontos anteriores, evidencia:
• Rendimentos declarados que não permitem a cobertura das três principais rubricas de gastos (…);
• CMVMC largamente superior aos rendimentos declarados;
• Após notificação para esclarecer o cálculo do CMVMC o sujeito passivo efetua uma regularização da existência por contrapartida de resultados transitados, no montante de 224.476,61€, sem qualquer justificação ou documento comprovativo;
• Aquisições intracomunitárias de bens não declaradas;
• Omissão de custos na contabilidade;
• Recebimentos por TPA e depósitos em numerário superiores aos serviços prestados declarados, o que indica a omissão de rendimentos;
• Empréstimos de sócios à sociedade em que não foi feita prova suficiente da existência desta operação.
Em face do exposto, conclui-se que existem irregularidades nos registos contabilísticos e consequentemente nas declarações fiscais do sujeito passivo, existindo fundados indícios de que os rendimentos apresentados não traduzem a exata situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.
(…).
Não foi possível confirmar a presunção do n.º 2 do artigo 75.º da LGT, dado que os factos elencados nos pontos anteriores do presente relatório, demonstram que a contabilidade não merece credibilidade, e consequentemente os valores que se encontram registados nas declarações fiscais apresentadas pelo sujeito passivo, sofrem de erros e inexactidões, indiciando nomeadamente omissão de vendas, que não podem ser supridos de forma direta e exata.
(…)
VIII.2. Apreciação
O sujeito passivo não contesta a verificação dos fundamentos par aplicação de métodos indirectos, afirmando mesmo que “Não vê, por isso, obstáculo ao recurso a métodos indirectos de tributação”. Apenas coloca em causa o método utilizado para o apuramento do rendimento, ou seja, a quantificação”.
Ou seja, dos factos apurados pelos serviços de inspecção, conclui-se pela existência de fortes indícios de que a insuficiência se deveu a situação dolosa por parte do executado porquanto parte da sua atividade foi exercida à margem da contabilidade, desviando da sociedade as receitas obtidas com estas transacções, e os fluxos financeiros associados a essas vendas/prestações de serviços, diminuindo por esta via a sua capacidade financeira e contributiva.
Como tal, considera-se existirem fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.
D. CONCLUSÃO
Em face do exposto propõe-se o indeferimento do pedido com a seguinte fundamentação:
- intempestividade do pedido:
- falta de preenchimento dos pressupostos de que depende a dispensa de garantia com vista à suspensão da execução fiscal, vertidos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT (…)» – cf. fls. 83 a 90 do documento registado no SITAF com o n.º 007666381.
*
IV. 2. Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.
*
IV. 3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A decisão da matéria de facto provada assentou no acordo das partes, expresso na posição assumida pelas mesmas nos respectivos articulados, e na análise dos elementos documentais especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.
A restante matéria alegada não foi julgada provada ou não provada por não ter relevância para a decisão da causa ou por não ser susceptível de prova, por constituir, designadamente, considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito.

II.1.1 A Recorrente iniciou as suas conclusões de recurso requerendo o aditamento dos seguintes factos, que considerou como “notórios”:
“16) Em 2020-03-11, a Organização Mundial de Saúde classificou a emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19 como uma pandemia internacional, constituindo uma calamidade pública.”
“17) Efetivamente, foi publicada a Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, que aprovou as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, quer a Lei nº 4-A/2020, de 06/04, assim como os artigos que regulamentaram a contagem dos prazos.”
Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos. Como plasmado no n.° 2 do art. 257.° do Cód. Civil: “O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar”. – cfr. neste sentido vejam-se Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anot., 3.° vol, pag 259 e ss.; Castro Mendes, Do conceito de prova, págs. 711 e ss.; Vaz Serra, Provas, em BMJ, 110.°- 61 e ss., entre outros.
Já de acordo com o disposto no nº 1 do art 412º do Código de Processo Civil, “1 – Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são de conhecimento geral.” Em consequência do seu conhecimento geral não necessitam de prova, “Notoria non egent probatione”.
Regressando ao caso que nos ocupa sempre se diga que o juiz apenas deve levar ao probatório os factos indispensáveis para o julgamento da questão ou questões que lhe são colocadas, e não qualquer facto que seja alegado. Como explicaremos infra, o segundo facto que a Recorrente pretende levar ao probatório não é relevante para a questão a dirimir, daí que seja de concluir, apenas, pelo aditamento do primeiro facto requerido.
Assim adita-se ao julgamento de facto o seguinte:
“16) Em 2020-03-11, a Organização Mundial de Saúde classificou a emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID 19 como uma pandemia internacional, constituindo uma calamidade pública.”

II.2. De Direito

II.2.1 Do Erro de Julgamento
II.2.1.1 A Recorrente insurge-se contra a decisão do Tribunal a quo, desde logo, por considerar que, ao contrário do decidido, a reclamação interposta do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia foi intempestiva. Invocou dois fundamentos de discordância. Por um lado, a sentença ao considerar o mês de agosto de 2020 como o mês a partir do qual considerou tempestivo o pedido de dispensa de garantia formulado, não levou em consideração os diplomas que versaram sobre os prazos e modo de contagem em tempos de pandemia. Que a legislação decorrente da situação de pandemia COVID-19, impôs a suspensão dos prazos processuais de natureza urgente, entre 9.03.2020 e 06.04.2020, inclusive. Que sendo necessário praticar um prazo em processo de natureza urgente, tal prazo foi retomado a 07.04.2020. Por outro lado, a quebra da actividade económica ocorreu, de acordo com o ponto 12 do probatório nos meses de março e abril de 2020 sendo que os meses que de janeiro e fevereiro de 2020 não foram muito diferentes dos meses de julho e agosto do mesmo ano, pelo que também a exigibilidade de uma gestão criteriosa e responsável, imposta pelo artº 64º do Código das Sociedades Comerciais levou a uma apresentação tardia do pedido formulado. [Conclusões d) a q)].

Atente-se, antes de prosseguirmos, no discurso fundamentador da sentença:”(…) Segundo o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do nº 1 do artigo 169.º do CPPT a execução suspende-se em virtude de pagamento em prestações, reclamação graciosa, impugnação judicial, ou recurso judicial desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º, ambos do CPPT.
Refere o n.º 4 do referido artigo 52.º que «A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia (…)».
Nos termos do disposto no artigo 170.º, n.ºs 1 e, do CPPT, «1 - Quando a garantia possa ser dispensa nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão de execução fiscal no prazo de 15 dias a contar da apresentação de meio de reacção previsto no artigo anterior. 2 - Caso o fundamento da dispensa da garantia seja superveniente ao termo daquele prazo, deve a dispensa ser requerida no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Segundo a AT (cf., uma vez mais, informação parcialmente transcrita no ponto 15) do elenco dos factos provados), o pedido de dispensa total de prestação de garantia formulado pela Reclamante em 25.09.2020 é intempestivo pois «(…) Embora seja admissível que a pandemia tenha levado a uma redução de atividade, por si só, não configura facto superveniente enquadrável na previsão constante do n.º 2 do artigo 170.º do CPPT, referindo-se esta a um facto concreto que fundamento os pressupostos da isenção. E no requerimento agora em análise, a executada não concretiza em que medida é que isso afetou os pressupostos de que depende a dispensa de garantia, não se considerando, desta forma que exista qualquer facto superveniente que lhe permita invocar o prazo do n.º 2 do artigo 170.º do CPPT.».

Entende-se que não lhe assiste razão.
É verdade que, atendendo à data da apresentação da impugnação judicial respeitante ao processo n.º 3215/19.4BEPRT, a correr termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – 02.12.2019 – [cf. ponto 7) do elenco dos factos provados], impera concluir que o prazo previsto no n.º 1 do artigo 170.º do CPPT, à data da apresentação do requerimento que deu origem ao acto ora reclamado – 25.09.2020 [cf. ponto 12) do elenco dos factos provados] –, já estava largamente ultrapassado.
Contudo, tal requerimento teve como fundamento o surto pandémico associado à doença COVID-19 e os efeitos prejudicais que tal situação teve nas concretas condições de exploração do salão de cabeleireiros da Reclamante, atenta a verificada perda do volume de negócios face ao ano de 2019, o que consubstancia um facto superveniente para efeitos do disposto no artigo 170.º, n.º 2, do CPPT.
A Reclamante não se limitou a invocar o facto (notório) relativo à existência da situação pandémica. Antes, concretizou e demonstrou documentalmente em que medida tal situação excepcional se repercutiu negativamente nas suas condições económico-financeiras, o que, está inexoravelmente associado aos pressupostos plasmados no artigo 52.º, n.º 4, da LGT (insuficiência de bens, possibilidade de prejuízo irreparável).
Acresce que a Reclamante alega que só em de Agosto de 2020 é que teve uma percepção real e efectiva de tal situação, o que se compreende, à luz das regras da experiência comum, na medida em que a queda de facturação ocorrida num mês ou em dois meses poderia, eventualmente, ter sido compensada por um crescimento da facturação no(s) mês/meses seguintes. Por esta razão, temos também por observado o prazo de 30 dias a que se alude no n.º 2 do artigo 170.º do CPPT.
Assim sendo, entende-se que o pedido de dispensa da prestação de garantia apresentado pela Reclamante, com fundamento no agravamento das suas concretas condições económico-financeiras em virtude do surto pandémico que se vivia e vive, é tempestivo.
Pelo que o despacho reclamado, ao considerar a intempestividade do pedido, é ilegal, por violação do disposto no artigo 170.º, n.º 2, do CPPT. (…)”
E concordamos com o decidido.

Salvo melhor opinião, a Recorrente labora num erro de interpretação legal.

Nada nos artigos relativos à dispensa de garantia, como sejam os artigos 169º, 170º do CPPT e 52º da LGT estipulam que o prazo ali indicado seja de considerar como um prazo processual urgente. Desde logo, por a jurisprudência dos tribunais superiores entender que apesar de o processo de execução fiscal ter um carácter processual, existem procedimentos administrativos nele excertados, como sejam o procedimento de pedido de dispensa de prestação de garantia Veja-se neste sentido, entre muitos, o acórdão do STA de 05.02.2020, proferido no processo 01930/19BEPRT, disponível em www.dgsi.pt”. Assim sendo, no presente caso, não estamos perante um prazo processual, daí que não se mostrasse relevante levar ao probatório, a existência de normas que regulamentaram a contagem dos prazos processuais, em tempo de pandemia. A contagem de prazos processuais apenas releva para a interposição da competente reclamação junto do tribunal tributário, mas não da dedução de tal pedido junto das autoridades tributárias.
Falece assim o primeiro fundamento esgrimido pela Recorrente, quanto à intempestividade do pedido de dispensa de prestação de garantia.

Analisando o segundo fundamento alegado, sempre se diga que o fundamento superveniente da pandermia, invocado pela aqui Recorrida, que levou à quebra das receitas, não pode ter a visão redutora invocada pela Recorrente.
Recuperemos o quadro do ponto 12 do probatório:



Ano de 2019Ano de 2020
Jan5.662,80€4.707,86€
Fev5.445,00€5.469,06€
Mar6.179,02€2.138,69€
Abr6.309,68€- €
Mai7.246,03€5.311,08€
Jun6.411,97€4.730,62€
Jul6.986,01€5.690,19€
Ago7.367,81€4.480,00€
Total€51,608,32€32,527,50

Analisando o quadro supra retira-se que as maiores quebras na actividade ocorreram nos meses de Março e Abril, quando comparados com os valores do exercício de 2019. E como bem se refere no parecer do Ministério Público junto deste Tribunal ad quem, realçando a fundamentação plasmada na sentença: “(…) nessa altura ninguém sabia dizer se a pandemia ia durar um mês ou um ano, e se ia ter uma gravidade grande ou enorme como se veio depois a comprovar(…)”.
A alicerçar esta ideia, sublinhe-se que a actividade do mês de Agosto de 2020 teve uma quebra quase tão significativa como a do mês de Março do mesmo ano. Aceita-se assim que a percepção real e efectiva da situação fosse apenas possível no mês de Agosto de 2020, de que a situação de carência efectiva ou verificada não era episódica.
Dispõe o nº 2 do artigo 170º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que “Caso o fundamento da dispensa de garantia seja superveniente ao termo daquele prazo, deve a dispensa ser requerida no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

Mais, como referido pelo Supremo Tribunal Administrativo, (STA) no acórdão de 06-04-2016, proferido no processo n.º 0282/16, cuja posição se sufraga, “(…) o contribuinte pode a todo o tempo pedir a dispensa da prestação da garantia mas para obter o efeito útil por si pretendido da suspensão da execução é que necessita de o apresentar em determinado prazo.
Com efeito, o decurso de qualquer dos prazos previstos no artº 170º do CPPT não libera a Administração Fiscal de conhecer do pedido de prestação de garantia ou de dispensa de garantia, por entender que o pedido é extemporâneo. Enquanto estiver pendente a execução tais pedidos podem sempre ser formulados e têm que ser apreciados.
Os prazos dos artigos 169º e 170º são, prazos durante os quais a Administração Fiscal não pode prosseguir com a execução. Decorridos os mesmos, a execução pode e deve prosseguir, mesmo que esteja pendente um requerimento de dispensa de garantia entretanto apresentado”.

Retomando todo o exposto supra, é de considerar tempestiva, nos termos do nº 2 do artigo 170º do CPPT que a contagem dos 30 dias tenha sido efectuada apenas a partir de Agosto de 2020. Pelo que o pedido de dispensa de prestação de garantia se mostra tempestivo.
Sucumbem as conclusões de recurso quanto ao presente segmento.
Avancemos.

II.2.1.2 A Recorrente veio ainda atacar a sentença, por entender que, ao contrário do decidido, não se mostra provada a insuficiência/inexistência de bens por parte da Reclamante.

Iniciemos a nossa apreciação por uma exposição sucinta do regime jurídico aplicável.

O processo de execução fiscal visa a cobrança coerciva das dívidas elencadas no artigo 148º do CPPT. Sob a epígrafe “Garantia da cobrança da prestação tributária” dispõe o artigo 52º da Lei Geral Tributária (LGT), na redacção aplicável ao caso que nos ocupa:
“1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.
2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
3 - A administração tributária pode exigir ao executado o reforço da garantia no caso de esta se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
(…)”

A cobrança da prestação tributária suspende-se, assim, no processo de execução fiscal em virtude das situações elencadas nos nº 1 e 2, dependendo tal suspenção da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias [cfr. artigo 169º do Código de Procedimentio e de Processo Tributário (CPPT)]
Todavia, nos termos do nº 4, a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.
Por força das disposições conjugadas dos nº 9 do artigo 199º, e 197º do CPPT a competência para apreciar a(s) garantia(s) a prestar cabe ao órgão de execução fiscal.
O ónus da prova dos pressupostos factuais para a requerida dispensa, nomeadamente a situação de prejuízo irreparável ou a manifesta falta de meios económicos revelados pela insuficiência/inexistência de bens, impende sobre o exe cutado, atento o regime ínsito no art. 74º, nº 1, da LGT, uma vez que é sobre a parte que almeja obter tal desiderato, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que impende o ónus da prova de que se verificam as condições ou pressupostos legais de que ele depende, porquanto estamos perante factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido (lembre-se o direito à dispensa de garantia). Já a prova da existência de fortes indícios de que tal insuficiência se deveu a actuação dolosa do executado, passou a ser imputável à Administração Tributária, em face da alteração efectuada ao nº4 do artigo 52º, pela Lei nº 42/2016.

No caso em apreço, recorde-se, a Recorrente fundamenta o seu dissídio com a sentença recorrida, ao entender, por um lado, que não se mostra provada a insuficiênca de bens. Segundo ela, a Reclamante, aqui Recorrida, dispõe de um estabelecimento comercial. Que não entende muito bem qual a teleologia imanente à argumentação da M juiz quando afirma que “…a referência ao estabelecimento comercial, enquanto a prestar como garantia nos termos vagos e conclusivos em que foi feita, não impõe a conclusão da existência de bens suficientes na esfera patrimonial da reclamante para prestar garantia e que permita concluir nos termos do despacho reclamado…”. Que ao Tribunal não está vedado a ponderação de um pedido oficioso de elementos documentais que auxiliem na tomada da decisã0 judicial, de modo a concretizar o valor económico do referenciado estabelecimento comercial. Que a AT partiu de pressupostos correctos: a existência do referido estabelecimento comercial, bem como a falta de indicação por parte da recorrida no seu pedido de dispensa de garantia “de algum prejuízo irreparável que impeça que o mesmo possa ser oferecido como garantia” . – cfr. [Conclusões w) a jj)]

Antecipe-se que não tem razão, impondo-se sublinhar, para melhor percepção do que nos vem pedido, e como decorre do probatório, que o pedido de dispensa de prestação de garantia, que deu origem aos presente autos, solicitado em 25.09.2020, foi precedido, em 30.10.2019, por outro pedido junto da Autoridade Tributária, onde havia sido oferecido o penhor do estabelecimento comercial da reclamante e formulado o pedido de dispensa parcial de garantia, se o valor do estabelecimento não fosse suficiente para os montantes a garantir, tendo o mesmo sido indeferido em 12.03.2020, dado o valor do estabelecimento ter sido valorado em zero (0) euros, e logo insuficiente para a garantia dos autos, e o consequente indeferimento da dispensa parcial da garantia, por não verificação dos pressupostos. – cfr. pontos 3) a 11) da matéria de facto dada como provada.

Aliás, os fundamentos alegados, agora pela Recorrente, nem se nos afiguram sérios, roçando mesmo a má fé, sendo certo que, de todo o modo, infere-se a existência de um verdadeiro “venire contra factum proprio”. Senão vejamos:

A AT, aqui Recorrente, começou por anteriormente decidir que o estabelecimento valia zero euros (informação que a Recorrente omite nas alegações de recurso) para efeitos de penhor do mesmo, quando a agora Recorrida pretendeu oferecê-lo como garantia. Meses mais tarde, no despacho objecto da sentença sob recurso, a AT indeferiu o despacho de dispensa total da garantia, com o fundamento que a aqui Recorrida era titular de um estabelecimento que podia ser oferecido como garantia, referindo-se naquele despacho que “…afigura-se que a única alteração face ao requerimento anterior é a de que a empresa sofreu quedas de facturação. Mas nunca é referido que o estabelecimento deixou de existir ou indicado algum prejuízo irreparável que impeça que o mesmo possa ser oferecido como garantia…”.

Ora, em face do exposto, é de fácil compreensão a teleologia imanente à argumentação jurídica plasmada na sentença recorrida ao entender que a referência ao estabelecimento, enquanto elemento a prestar como garantia, foi efectuada em termos vagos e conclusivos. Acrescentamos nós, e não se olvide, que ainda alguns meses antes a AT, havia avaliado em zero (0) euros o estabelecimento que agora advoga ser elemento que obsta à dispensa de prestação de garantia, sem sequer fundamentar, o porquê dessa alteração. A sentença, referiu e bem, que a referência ao estabelecimento foi efetuada sem sustentação, sem qualquer concretização valorativa.

Mas a Recorrente vai mais longe, e entende que ao tribunal a quo não estava vedada a ponderação de um pedido oficioso de elementos documentais que auxiliassem na tomada da decisão judicial, de modo a concretizar o valor económico do referenciado estabelecimento comercial.

Quanto a este segmento do recurso, limitamo-nos a fazer nossas as palavras do Supremo Tribunal Administrativo (STA), plasmadas no seu recentíssimo acórdão de 26.05.2021 proferido no processo 0295/20, com o qual concordamos na íntegra, e que com a devida vénia, aqui transcrevemos parcialmente:”(…) “O último vício imputado à decisão recorrida diz respeito à inobservância pelo próprio tribunal a quo dos seus deveres inquisitórios. Considera o Ex.mo Representante da Fazenda Pública – na essência – que o incumprimento pelo órgão decisor dos seus deveres inquisitórios deveria ter sido suplantado pelo juiz com base nos seus próprios poderes inquisitórios.
Também se não pode acordar com tal argumentação.
É claro que um tal entendimento implicaria que a inobservância pelo órgão decisor dos seus próprios deveres de direção e de instrução do procedimento, em ver de afetar a validade da decisão respetiva, ia onerar o tribunal com os deveres que aquele declinou cumprir.
Mas não é só essa a objeção que, no caso, se levanta: é que a reclamação de uma decisão administrativa do órgão de execução fiscal é uma verdadeira impugnação de atos administrativos. E na impugnação de atos administrativos a função do tribunal tributário é a de aferir a legalidade da atuação administrativa, e não a de se lhe substituir no exercício da função administrativa.
Na impugnação da decisão que indefere o pedido de dispensa de garantia o juiz decide se o ato de indeferimento está suportado na lei. Não decide em primeira mão se o requerente tem direito a ser dispensado da prestação da garantia.. (…)”. Ainda neste sentido veja-se o acórdão do STA de 05.02.2020, proferido no proceso 01930/19.BEPRT.

Sucumbem, assim as conclusões recurso, no presente segmento.

A Recorrente continua a insurgir-se contra a sentença, invocando que a mesma fez “tábua rasa”dos elementos que AT havia detectado na contabilidade da aqui Recorrida. Segundo ela, bens/direitos susceptíveis de poderem constituir garantia. [Conclusões ll) a nn).
Mas, também aqui não tem razão, contradizendo-se, até.

Vejamos.
Na sentença fundamentou-se como segue:” Quanto ao pressuposto atinente à manifesta falta de meios económicos para o pagamento da dívida exequenda e acrescido entendeu a AT, no caso concreto, que «(…) tendo a requerente apelado à manifesta falta de meios económicos para prestar garantia, revelada pela insuficiência/inexistência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido, convém referir que na contabilidade se encontram declarados bens/direitos susceptíveis de poderem constituir garantia – Activos Fixos Tangíveis (€105.618,14) e Inventário (€51.920,50), pelo que, desde logo, não é possível dar-se por verificada a alegada manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido. E, pese embora os mesmos poderem não ser suficientes, sempre poderia a executada oferecê-los como garantia, bem como o próprio estabelecimento comercial enquanto unidade jurídica (…)».

Do exposto resulta que o activo apresentado pela Reclamante, por si só, não é suficiente para prestar a garantia em causa, dado que o despacho impugnado apela à existência do estabelecimento comercial enquanto unidade jurídica, para concluir, dessa forma, que não se verifica a insuficiência patrimonial invocada. (…)”

Como decorre da leitura da sentença, no despacho reclamado, reconheceu-se que os bens/direitos susceptíveis de penhora, podiam não ser suficientes para prestar garantia, tendo o despacho chamado à colação o estabelecimento comercial enquanto unidade jurídica, também passível de penhora, para concluir pela não demonstração da insuficiência de bens. (cfr. ponto 15 da matéria de facto dada como provada).

A ser assim, reconhecendo a AT no despacho de indeferimento de dispensa de garantia que sem a penhora do estabelecimento, os activos que a aqui Recorrida possuía podiam não ser suficientes para garantir a dívida, bem se vê que a sentença não fez tábua rasa de tais valores, antes partiu deles para apreciar a questão relacionada com o estabelecimento comercial. Como relatado supra, ao Tribunal cumpre apenas apreciar a legalidade do despacho e não substituir-se à AT, determinando que os bens eram ou não suficientes para a garantia da dívida.

Cumpre, pois, sublinhar que nada há a apontar à sentença recorrida.
Sucumbem, também, as conclusões de recurso, quanto ao presente segmento.

II.2.1.3 Por último a Recorrente invectiva contra a sentença, por entender que cumpriu o ónus da prova, que sobre ela incidia, relativamente à prova de fortes indícios de que a insuficiência dos bens se havia dado devido à actuação dolosa da executada.

A nova redação do n.º 4, do art.º 52.º, da LGT, como referido supra, procedeu à inversão do ónus da prova no que tange ao preenchimento do terceiro pressuposto (cumulativo) da dispensa de garantia para suspensão da execução fiscal, passando a constar uma actuação dolosa ao invés da prova do afastamento de uma actuação culposa por parte do interessado.

Alega a Recorrente que efectou tal prova. Que a prova da actuação dolosa decorreu de parte da actividade da Recorrida ter sido exercida à margem da sua contabilidade, tendo as liquidações exigidas no processo de execução e apensos a que se reportam os presentes autos, resultado da aplicação de métodos indirectos, cujos pressupostos a aqui Recorrida não colocou em crise, tendo apenas colocado em causa o método utilizado para o apuramento do rendimento, ou seja a sua quantificação, através de impugnação judicial. E que os elementos apurados evidenciam o intuito coevo de diminuir o património social, pois houve uma manifesta intenção de ocultar rendimentos, e tal comportamento não pode ser justificado nem pela distância temporal, nem por juízos de prognose póstuma, pela aqui Recorrida, sobre a possibilidade/impossibilidade de proceder a pagamentos de possíveis dividas exequendas, como está plasmado na sentença proferida nos presentes autos. O tribunal recorrido violou os artigos 52º, nº 4 da LGT [Conclusões oo) a hhh)].

O discurso fundamentador da sentença, quanto a este segmento de recurso foi, como agora parcialmente se transcreve:
«(…) importa agora atentar no que se ponderou no acórdão do TCA Norte de 09.05.2019, proferido no processo 3109/18.0BEPRT:
“(…) A recolha dos (fortes) indícios não é equivalente à prova da existência dos factos indiciados, nem configura uma acusação criminal. Não é de factos provados, mas sim de indícios que fala a lei. E estes são os factos a partir dos “quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o Acórdão do TCAN, de26/04/2012, proferido no âmbito do processo n.º 00964/06.0BEPRT.
Portanto, não é imperioso que a Administração Tributária efectue uma prova directa de que na origem da insuficiência patrimonial está um comportamento doloso da Reclamante, pois que, como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, o que significa que à AT basta evidenciar a consistência de determinados factos que indiciem, traduzindo uma probabilidade elevada, que a Reclamante teve em vista colocar-se numa situação de insuficiência de bens.
No que concerne à responsabilidade da Recorrida pela insuficiência de bens, afigura-se-nos pertinente o enquadramento efectuado pelo Acórdão deste TCAN, de18/10/2013, proferido no âmbito do processo n.º00101/13.5BEVIS:
“(…) Aqui chegados, importa fazer, desde já, uma constatação: a de que estamos perante três interpretações totalmente diversas do requisito constante da parte final do n.º 4 do artigo52.º da Lei Geral Tributária.
Temos, de um lado, a interpretação seguida pelo órgão de execução fiscal, segundo a qual a irresponsabilidade pela insuficiência ou inexistência de bens só ocorre quando decorra de causas a que é completamente alheio e que não possa controlar. Aponta-se aqui para um conceito de responsabilidade que prescinde da culpa do agente e se centra exclusivamente na natureza do facto que dá origem à situação de insuficiência de bens. A responsabilidade existe se essa insuficiência deriva de um facto voluntário (qualquer que seja o juízo de censura que se deva assacar ao agente) e não existe se essa insuficiência deriva de facto involuntário (como tal entendido o facto fortuito, aquele que não pode ser controlado ou dominado pela vontade do agente).
Temos, no outro extremo, a interpretação seguida pela Recorrente, segundo a qual a irresponsabilidade pela insuficiência ou inexistência de bens ocorre quando demonstre que a diminuição de bens não resultou de uma atuação que visasse a diminuição das garantias dos seus credores (cfr. conclusão “HH”). Aponta-se aqui para um conceito de responsabilidade assente no dolo específico do agente, segundo a qual a responsabilidade só existe se essa insuficiência deriva de factos praticados com o intuito de obstar à prestação da própria garantia.
Temos finalmente, a meio termo entre as duas, a interpretação que julgamos ter sido seguida na parte final da douta sentença recorrida, segundo a qual a irresponsabilidade pela insuficiência ou inexistência de bens ocorre quando se demonstre que o requerente da dispensa da prestação da garantia «não teve uma participação culposa na insuficiência patrimonial em que se encontra» (primeiro parágrafo da pág. 34 da douta sentença). Aponta-se aqui para um conceito de responsabilidade assente na culpa do agente, seja ela fundada no dolo, ou na negligência censurável (omitindo a diligência que lhe era exigível na salvaguarda dos interesses do credor).
A posição seguida pela administração tributária aponta para um conceito de responsabilidade que não tem tradução no nosso ordenamento jurídico tributário nem no ordenamento jurídico civil. Ninguém é responsável perante outrem ou deixa de o ser apenas porque o facto que determinou a situação que a lei pretendeu evitar decorreu de ação voluntária ou involuntária do sujeito. E as situações em que a responsabilidade existe independentemente da culpa têm natureza excecional, como decorre do n.º 2 do artigo 483.º do Código Civil, a que aqui recorremos para o correto enquadramento do termo «responsabilidade», na falta de conceito privativo do direito tributário que aqui sirva e atento o disposto no artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.
A indisponibilidade do crédito tributário a que alude o artigo30.º, n.º 2, da mesma Lei e a proibição de moratórias no pagamento das obrigações tributárias, consagrada no n.º 3 do seu artigo 36.º, também não justificam, por si só, uma tal interpretação, seja porque ao dispensar a garantia não se está a dispensar o pagamento do crédito a garantir, seja porque a moratória é concedida nos casos expressamente previstos na lei, entre os quais se inclui, sem esforço, o previsto no artigo170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
A posição segundo a qual a responsabilidade pela insuficiência de bens não existe se se demonstrar que essa insuficiência não deriva de factos praticados com o intuito de obstar à prestação da própria garantia também não tem respaldo na letra da lei. (…)
A questão que fica, por isso, é a de saber se à prova de que a insuficiência de bens, para este efeito, não basta a demonstração de que não existiu essa responsabilidade a título de dolo (seja ele específico, direto, necessário ou eventual) e é também necessário demonstrar que não existiu essa responsabilidade a título de negligência.
A esta questão respondemos que essa responsabilidade deve ser dolosa, no sentido de que tal responsabilidade existe quando ocorram situações de diminuição da garantia patrimonial provocadas pelo executado ou por este consentidas, bem sabendo que iriam diminuir as garantias dos credores e conformando-se com esse resultado. Vejamos porquê:
A dispensa de garantia resulta – a nosso ver – da necessidade de conferir igual tratamento a quem tem bens e quem os não tem, assegurando que tem acesso à suspensão da execução, nas mesmas circunstâncias, não apenas o devedor que possa prestar a garantia, mas também o que não possua meios económicos para o fazer. Prevalece o interesse do executado na conservação da sua situação patrimonial (na pendência do processo em que seja discutida a legalidade da dívida tributária) sobre o interesse do credor na medida em que seja necessário a assegurar essa igualdade de tratamento.
E é seguro que não se justifica a preocupação em conferir tratamento igual ao devedor que tem bens e ao que não os tem, quando tenha sido este a dar origem a tal desigualdade, gerando para si mesmo uma situação económica que o coloca em situação de tal necessidade, bem sabendo que iria enfrentar essa necessidade ou até mesmo por causa dela, com o objectivo de frustrar os interesses do credor.
(…)
De todo o exposto decorre que a prova – para os efeitos da parte final do n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária – de que a insuficiência de bens não é da responsabilidade da sociedade executada (ou de quem a geriu) se basta com a demonstração de que essa insuficiência de bens não foi provocada pelo executado ou por ele consentida de forma dolosa, não sendo também necessária a demonstração de que essa insuficiência de bens não resultou da gestão negligente da sua atividade. (…)”
(…)
In casu a Fazenda Pública afirma ter reunido indícios de simulação de valor, tendo a Recorrida o intuito de empolar os gastos no exercício de 2011, gerando a consequência de obtenção de um lucro tributável inferior ao real. Quando muito, tais factos índice espelham a intenção, o objectivo, de pagar menos imposto sobre o rendimento no exercício de 2011.
Na verdade, a AT, em sede de inspecção tributária, tentou demonstrar factos no sentido de que a Recorrida, alegadamente, deduziu gastos fiscais que não poderia deduzir (artigo 23.º do Código do IRC) e que realizou pagamentos a entidades residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal mais favorável, sujeitos a tributação autónoma (artigo 88.º, n.º 8 da LGT). Contudo, a AT não demonstrou que a Recorrida, com esses pagamentos, estava alegadamente a transferir para o exterior fundos com o propósito de não vir a pagar o imposto resultante da sua conduta. Estes pagamentos são um mecanismo preferencial para o sujeito passivo pagar menos imposto e não para diminuir a sua situação financeira ou capacidade patrimonial. Aliás, num silogismo lógico, se pagou menos imposto, ficará com mais património.
Efectivamente, não é minimamente crível que os factos alegadamente verificados em 2011, que a AT tenta imputar à Recorrida, tenham tido o propósito de vir frustrar a cobrança do crédito tributário em 2018. Portanto, a importância de os factos terem ocorrido “num período temporal distinto”, como se refere na sentença recorrida, não se prende com a impossibilidade de valorar ocorrências que não sejam contemporâneas do pedido de dispensa de prestação de garantia, mas antes na dificuldade acrescida que se verifica em estabelecer um nexo de causalidade entre ocorrências em 2011 e um momento coevo. São irrefutáveis as dificuldades no estabelecimento de ligações intencionais com dilações de mais de sete anos.
Deste modo, podemos concluir que a AT, através da remissão para os factos alegadamente apurados em sede de inspecção tributária, não demonstrou que a conduta da Recorrida foi no sentido de, com intenção dolosa, diminuir a garantia e frustrar a cobrança do crédito tributário, pois não demonstrou, ainda que através de factos indiciários, que a Recorrida ao realizar os pagamentos para entidades residentes em territórios submetidos a um regime fiscal claramente mais favorável tenha realizado transferências para o exterior sob o seu controlo e, assim, que tenha dissipado e ocultado bens com aquele propósito. Além do mais, apesar da discussão da legalidade da actuação da AT que ainda está pendente, se demonstrar a razão da AT quando efectuou correcções ao exercício de 2011 e tributou autonomamente, então, parece que o problema se coloca a montante (ao nível dos pressupostos alternativos), ou seja, a falta de bens económicos para prestar a garantia em 2018 será real e efectiva?
De todo o modo, exigir-se-ia, no mínimo, a prova de que a Recorrida e os seus responsáveis representaram, como possível, conformando-se com tal configuração, que, na sequência da alegada simulação de preço e das eventuais transferências de capital para “paraísos fiscais”, a Autoridade Tributária procederia a uma inspecção e efectuaria correcções à matéria tributável e tributações autónomas de uma dimensão tal que, face aos activos remanescentes da Recorrida, se verificaria a impossibilidade de proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescidos.
Ou seja, teriam que existir indícios de que, quando foram realizados os negócios, com as inerentes despesas, a Recorrida tivesse representado, como possível, conformando-se com tal, que a Autoridade Tributária, no âmbito de uma inspecção concluída, em 27/03/2018, data da elaboração do relatório inspectivo, efectuaria correcções em sede de IRC, bem como apuraria imposto resultante de tributação autónoma, de uma dimensão tal que, face aos activos remanescentes da Recorrida, se verificaria a impossibilidade de proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescidos. (…).
Ora, não só não existe qualquer indício de manifestação do elemento volitivo nesse sentido, que a distância do ano de 2011 claramente dificulta, como, cfr. alínea B) da decisão da matéria de facto, a Recorrida contestou judicialmente as correcções e liquidações efectuadas pela Autoridade Tributária, com fundamento na falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade, conforme teor da petição de oposição constante dos autos; acrescendo que a Recorrida havia deduzido reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC de 2011 e, entretanto, já consta dos autos também a respectiva impugnação judicial, na medida em que entende que tais correcções, que estão na origem da dívida em cobrança coerciva nos autos, são ilegais. (…)» [sublinhado deste Tribunal].
Concorda-se com o entendimento vertido no acórdão acabado de citar.
E também no caso vertente a Administração Tributária pretende aproveitar as alegadas desconformidades entre os valores espelhados nas demonstrações financeiras apresentadas pela sociedade, no ano de 2017, e a sua real situação económico-financeira, factos temporalmente já muito distantes e que não evidenciam o intuito coevo de diminuir o património social, nem consubstanciam indícios de que, quando foram alegadamente omitidas as declarações de rendimentos, a Reclamante tivesse representado, como possível, conformando-se com tal, que a Autoridade Tributária efectuaria correcções de uma dimensão tal que, face aos activos remanescentes da Reclamante, se verificaria a impossibilidade de proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescidos.
Assim sendo, o despacho impugnado, ao considerar não verificados os referidos pressupostos (insuficiência de bens e ausência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado), nos termos em que o fez, violou ainda o disposto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT.(…)”

Analisemos.
De acordo com o exposto supra sobre a dispensa de garantia, recupere-se que, de acordo com o nº 4 do artigo 52º da LGT, e no segmento aplicável aos presentes autos, a executada poderá ser dispensada/isenta de prestar garantia se for manifesta a falta de meios económicos “revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”.

Ou seja, haverá que ser feita prova indiciária pela AT da intenção do interessado/executado em se colocar nessa situação de insuficiência.

Do expressado nas conclusões de recurso, e se bem as entendemos, a Recorrente advoga que a prova dos indícios de dolo na actuação da executada se mostram preenchidos com os elementos e factos constatados aquando da inspecção tributária realizada à executada e que fundamentaram a liquidação que deu origem à dívida exequenda. E que a aqui Recorrida não contestou os pressupostos do recurso aos métodos indirectos, mas tão só a sua quantificação.

Salvo melhor opinião é uma posição totalmente indefensável.
É certo que a referência da lei à actuação dolosa na insuficiência de bens mostra a necessidade de existir uma intenção de o executado/interessado se colocar na situação de insuficiência. Mas a lei ao sublinhar que essa intenção dolosa se foca na “insuficiência de bens” e não numa qualquer situação irregular detectada pela AT, mostra que a finalidade, a teleologia legal que funda tal normativo são a insuficiência/inexistência de bens. O que implica que a intencionalidade não poderá estar meramente na existência da situação irregular detectada pela AT, como se verificou nos presentes autos, mas na actuação que a executada teve após a verificação da dita situação irregular até ao momento da cobrança da dívida. É neste hiato temporal de factos, que haverá que determinar a intencionalidade da actuação da executada/interessada.
Daí que bem se compreenda que no acórdão citado pela sentença se faça a menção de que a irregularidade da contabilidade visa directamente pagar menos imposto, e não a diminuição da situação financeira ou capacidade patrimonial. Aliás, como referido, num silogismo lógico se pagou menos imposto, ficará com mais património.
É que só a interpretação feita por nós da norma, salvo melhor opinião, permite fazer a ponte sistemática para as situações de reversão da dívida, da responsabilidade do gerente. Também esta é sempre reportada à insuficiência de bens para pagamento da dívida e não à existência dessa mesma dívida – veja-se para tal o artigo 24º da LGT.

Diverso entendimento, como o propugnado pela Recorrente levar-nos-ia a conclusões que, sem dúvida, feririam elementares princípios constitucionais. Desde logo, estava encontrada uma forma da AT se desembaraçar do seu ónus da prova indiciária, pois bastaria a detecção de qualquer situação irregular em sede de inspecção tributária para, automaticamente, ficar provado o dolo do executado/interessado na dissipação de bens. Passaríamos de um ónus que sobre ela recai para uma verdadeira presunção.

Por outro lado, ao contrário do pugnado pela Recorrente, o simples facto de a executada não ter questionado em juízo os pressupostos do recurso a métodos indirectos, mas tão só a sua quantificação, não se pode traduzir “tout court”, na sua concordância de que dolosamente teria sonegado bens com vista ao não pagamento da dívida exequenda. Se assim fosse, estaríamos perante a violação do princípio da igualdade, caindo-se numa situação, no mínimo caricata, pois bastaria que um executado discutisse em juízo os pressupostos do recurso a métodos indirectos ou de correcções aritméticas e outro não o fizesse, para em função disso se retirar a conclusão de que numa situação, houve reconhecimento da actuação dolosa, enquanto na outra, tal conclusão não seria possível retirar.

Estes exemplos demonstram, à saciedade, que a intenção dolosa na insuficiência de bens para pagamento da dívida exequenda terá de se apurar num momento a jusante da situação irregular da executada que levou à liquidação do imposto, pois a tónica da lei é actuação que visa a intencional situação de “insuficiência de bens” para pagamento da dívida exequenda.

Destarte, não se mostra violado o artigo 52º, nº 4 da LGT, sendo de negar provimento ao recurso, e manter a sentença recorrida na ordem jurídica, com a presente fundamentação.

III- Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, e manter a sentença recorrida na ordem jurídica, com a presente fundamentação.
*
Custas pela Recorrente, em ambas as instâncias.
*
Porto, 16 de Setembro de 2021

Cristina Paula Travassos de Almeida de Jesus Bento Duarte
Maria Celeste Gomes Oliveira
Maria do Rosário Meneses da Silva Pais

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i) Veja-se neste sentido, entre muitos, o acórdão do STA de 05.02.2020, proferido no processo 01930/19BEPRT, disponível em www.dgsi.pt