Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00999/16.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:PRESCRIÇÃO;
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL;
Sumário:
I – O prazo de prescrição de dívidas por contribuições à Segurança Social interrompe-se “por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida” (artigo 63.º, n.º 3 da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto).

II – Constituem factos interruptivos do prazo de prescrição de dívidas à Segurança Social, a notificação do projecto de reversão para audição prévia à mesma, bem como a citação do revertido para a execução fiscal, sendo que este segundo facto interruptivo tem eficácia duradoura (artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil), mantendo-se o efeito interruptivo até ao termo do processo de execução fiscal.

III – O n.º 3 do artigo 49.º da LGT é aplicável aos factos interruptivos da prescrição das dívidas à Segurança Social que tenham não apenas efeito instantâneo, como também o efeito duradouro de impedir que o novo prazo comece a correr enquanto não findar o processo.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte fiscal n.º ...51, melhor identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da parte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 27/10/2022, que julgou improcedente a oposição deduzida contra a execução fiscal n.º ...22 e apenso ...93, a correr termos junto do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. – Secção de Processo Executivo ..., (IGFSS, I.P.), instaurado inicialmente contra a devedora originária [SCom01...] LDA, NIPC ...75, relativos a contribuições e cotizações dos períodos de 2006/01 a 2007/09.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“I- A ora recorrente vem recorrer da douta sentença que julgou a Oposição Judicial improcedente, não considerando as dívidas prescritas, em relação ao responsável subsidiário/Oponente, as dívidas de contribuições e quotizações aos anos 2006 e 2007, objeto dos Processos Executivos n° ...85 e ...22 e apenso ...93 e apensos instaurados contra a devedora originária, [SCom01...] LDA NIPC ...75 e revertidos contra a Oponente.
II- Considerando que, quanto à matéria de facto relevante, o tribunal a quo considerou provados os factos enumerados sob os números 1 a 12 da douta sentença recorrida.
III- Que da factualidade dada como provada na douta sentença a quo ficou assente que (factos n.º 10, 11,12) a Exequente determinou a reversão das dívidas contra a oponente no âmbito do processo executivo n.º ...22 e apenso ...93, ali indicando o valor em dívida de €18.758,70, fls 56, do pf.; e emitiu documento de citação no âmbito do processo n.º ...22 e apenso ...93, exigindo-lhe o pagamento de €18.758,70-fls.54 do processo físico; que enviou à oponente, por carta registada com aviso de receção, tendo o aviso sido assinado em 23.02.2012- fls. 61, do pf.”
IV- O tribunal a quo ao decidir como factos interruptivos do prazo da prescrição relativamente ao devedor originário e que aproveitam o devedor subsidiário tendo por referência as emissões das certidões de dívida, que na ótica do julgador ocorreram em relação à dívida mais antiga em 06.02.2008, e que por conseguinte, valendo tal facto como causa interruptiva, tendo por referência que a citação da oponente, enquanto responsável subsidiária ocorreu em 23.02.2012, ou seja dentro do prazo dos cinco anos, cai em manifesto erro de julgamento assente em incorreta interpretação do n° 2 do artigo 187º do Código do Regime Contributivo e errada aplicação aos autos do artigo 48º, nº 3 da L.G.T..
V- Sendo certo e consabido, que a prescrição interrompe-se, nos termos do n.º 2 do artigo 187º supra transcrito, por qualquer diligência administrativa realizada com conhecimento pelo responsável pelo pagamento conducente à liquidação ou à cobrança da dívida (à semelhança do que acontecia nos diplomas anteriores: n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de dezembro; n.º 4 do artigo 60.º da Lei n.º 04/2007, de 16 de janeiro).
VI- Certo e consabido é que deve ser entendido que o responsável pelo pagamento só tem efetivamente conhecimento da diligência administrativa quando é citado.
VII- Dos autos e dos factos assentes resulta que a sociedade Executada (devedora originária) não foi citada de documentos de cobrança respetivamente processos executivos n.º ...22 e n.º ...85 certidão de execução (factos 5, 6 e 7 dos factos provados pág.. 5/20 da sentença que ora se recorre) e que a aqui recorrente, lá oponente foi notificada apenas e no âmbito do projeto de reversão a 15.12.2011 e não a 21.11.2011 conforme erradamente ajuíza o tribunal a quo. Acrescente-se que dos factos assentes apesar de se fazer menção à data de envio do projeto de decisão, é omisso quanto à data de receção pela aqui oponente/ recorrente.
VIII- Dos factos assentes consta ainda que a oponente/ aqui recorrente foi citada como responsável subsidiária no âmbito do processo executivo n.º ...22 e apenso ...93 a 23.02.2012.
IX- Importa também ter presente que as lacunas do regime de prescrição dos créditos para a Segurança Social são integradas por aplicação das causas gerais de interrupção e de suspensão do prazo constantes dos artigos 48.º e 49.º da Lei Geral Tributária. Atualmente, a aplicação subsidiária da Lei Geral Tributária à relação jurídica contributiva está consagrada no artigo 3.º, alínea a), do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
X- E ainda que o regime de interrupção da prescrição foi alterado no sentido de a interrupção ter lugar uma única vez, com o facto interruptivo que se verificar primeiro (artigo 49.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, redação da Lei n,º 53-A/2006, de 29 de dezembro). No entanto, esta norma deve ser interpretada em conjugação com os factos interruptivos duradouros constantes do artigo 49.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, com o sentido de que a limitação a uma das interrupções apenas vale para os que tenham efeito duradouro. Deste modo, não fica abrangida a causa de interrupção aplicável às obrigações de pagamento de cotizações e contribuições para a segurança social, consistente em diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida, em virtude do seu efeito instantâneo – cf. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 29/01/2014 proferido no processo 01941/13; de 20/05/2015 proferido no processo 01500/14; de 29/09/2016 proferido no processo 0956/16; de 12/10/2016 proferido no processo 0984/16; e de 12/02/2020 proferido no processo 0440/10.7BECBR.
XI- Aplicando o que acima fica dito ao caso concreto verifica-se que a prescrição se interrompeu com a notificação, a 15/12/2011, no âmbito do processo executivo instaurado contra a originária devedora, à ora Recorrente, na qualidade de responsável subsidiária, para audição prévia à reversão da execução. E não como ajuíza o tribunal a quo que assenta facto interruptivo no dia 06.02.2008 por referência às emissões das certidões de dívida, sem que dos autos e da prova assente decorra qualquer prova notificação ou citação naquela data (06.02.2008) quer à responsável de originária quer à aqui oponente / recorrente! Ou seja, dos autos e dos factos assentes não decorre qualquer facto interruptivo da prescrição antes da notificação do projeto de decisão de reversão à aqui oponente/ recorrente, tendo por assente que a prescrição interrompe-se, por qualquer diligência administrativa realizada com conhecimento pelo responsável pelo pagamento conducente à liquidação ou à cobrança da dívida podemos concluir que o responsável pelo pagamento só tem efetivamente conhecimento da diligência administrativa quando é citado.
XII- A notificação para o exercício do direito de audição prévia ao despacho de reversão é uma diligência administrativa, atenta a qualidade de quem a determina, com vista à cobrança da dívida no processo executivo que já corre contra a originária devedora, e passará a correr também contra o revertido, que será, se a reversão for devidamente determinada, a pessoa que nos termos da lei é o responsável subsidiário pelo pagamento da dívida.
XIII- Não obstante, os factos interruptivos da prescrição ocorridos na esfera do devedor originário antes de operada a reversão da execução, produzem efeitos relativamente ao responsável subsidiário desde que a citação deste ocorra até ao quinto ano posterior ao da liquidação (artigo 48.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária). Ora, e neste alinhamento e considerando todos os factos assentes constantes da sentença que ora se recorre factos de 1 a 12, como pode ajuizar e decidir o tribunal a quo quando decide que houve facto interruptivo com as emissões de certidões de divida a 06.02.2008? Se do processo não ocorre ou se demonstra quaisquer factos interruptivos antes da notificação do projeto de decisão de reversão à aqui oponente (de acordo com o que o art.º 187º n.º 2 do CRCSPSS).
XIV- O que decorre e isso é facto assente é que a devedora originária não foi citada dos documentos com o teor de “citação”, conforme decorre dos factos provados em 5, 6 e 7.
XV- Pelo que mal andou o tribunal a quo quando erradamente julgou por não prescritas as dívidas, dívidas que estão há muito prescritas como decorre linearmente do disposto do art.º 187º n.º 2 do CRCSPSS.
XVI- A este propósito ainda deverá ser considerado que, o tribunal a quo é omisso na sua pronúncia quanto à apreciação da existência ou falta de citação da devedora originária como elemento da decisão sobre a prescrição das dívidas.
XVII- Ora, como decorre dos factos provados (facto 5,6 e 7) a devedora originária não foi citada dos documentos com teor de citação dados por assente em factos 5 e 6 dos factos provados. Se por um lado, o tribunal a quo vem ajuizar que “questão diferente será apreciar a existência ou falta de citação como elemento da decisão sobre a prescrição das dívidas” (pág. 15/29 da sentença), a verdade é nada aprecia ou decide quanto a esta questão. Ou seja, apesar de alcançar que as dívidas estão reconhecidamente prescritas tendo por referência o hiato temporal da dívida mais antiga em confronto com o envio do projeto de decisão de reversão (o que conforme já retro se alegou erradamente quando fixa a data em 21.11.2011 como notificação daquele projeto de decisão à aqui oponente), logo se “arrepende” com decisão surpresa em que atribui facto interruptivo à emissão de dívida a 06.02.2008! Tudo ao arrepio do facto provado constante em 7 dos factos provados.
XVIII- A aqui oponente na sua oposição alega a falta de citação da executada, falta esta que deve ser analisada para efeitos da prescrição;
XIX- Prescrição das dívidas e juros que a aqui oponente lá invoca para os legais efeitos.
XX- Se é certo e consabido que sentença só tem de se pronunciar sobre matéria relevante para a decisão da causa, outrossim, a omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido.
XXI- A falta de citação da devedora originária para efeitos de prescrição é uma questão com relevância jurídica para a decisão do mérito e que, pese embora suscitada pela oponente não foi que seguramente resolvida pelo tribunal a quo, para além da omissão de pronúncia sobre factos e questões juridicamente relevantes (art.° 615.°, n.° 1, al. d), do C.P.C.), o tribunal a quo tomou uma decisão que não só é injusta, como é também errada (de facto e) de Direito (designadamente errando ao nível da aplicação do art.° 187º n.º 2 do CRCSPSS, art.º 49º n.º 1 da LGT, 103º LGT, art.º 60 da lei de Bases da segurança social e art.º 327º n.º 1 e 334.° do CC), tudo razões pelas quais deverá ser declarada a nulidade da sentença nulidade que se argui para os legais efeitos.
Nestes termos e no mais de direito deverão V.ª Ex.ª julgar procedente o presente recurso e em consequência revogar a sentença que ora se recorre, com as inerentes consequências legais, fazendo-se assim INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, e se incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, ao julgar não se verificar a prescrição das dívidas exequendas.
Impõe-se esclarecer que o tribunal de primeira instância extinguiu parcialmente a instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente parcial da lide, decisão que não se mostra impugnada, sendo que, por esse motivo, apenas são objecto do presente recurso as dívidas exequendas revertidas referentes a contribuições e cotizações à Segurança Social, e respectivos juros de mora, relativas aos períodos de 2006/07 a 2006/12 e de 2007/06 a 2007/09, em cobrança coerciva nos processos de execução fiscal n.º ...85 e ...93 (apenso), no montante global de €15.342,65.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os factos seguintes:
1. Em 10.10.2007 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...22, ao qual foi apensado o processo n.º ...93, no Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. – Secção de Processo Executivo ..., (IGFSS), contra a devedora originária [SCom01...] LDA, NIPC ...75 - fls. 21, do processo físico (p.f);
2. Relativos a contribuições e cotizações dos períodos 02 e 04 de 2007, no valor global de €4.808,42 - fls. 22 e 23, do processo físico;
3. Contra a sociedade devedora foi ainda instaurado o processo executivo n.º ...85 e apenso ...93 - fls. 24, do processo físico;
4. Relativos a contribuições e cotizações dos períodos de 05/2006 a 12/2006 e 06/2007 a 09/2007, no valor global de €16.085,71 - fls. 28 e 29. do processo físico;
5. A exequente emitiu documento com o teor de “citação” em nome da devedora originária, indicando o processo executivo n.º ...22 e apensos, exigindo-lhe o pagamento de €4.808,42 - fls. 24, do p.f.;
6. A exequente emitiu documento com o teor de “citação” em nome da devedora originária, indicando o processo executivo n.º ...85 e apensos, exigindo-lhe o pagamento de €16.085,71 - fls. 26, do p.f.;
7. Que enviou por carta registada com aviso de receção, que foi devolvido - fls. 113 e ss., do p.f.;
8. Em 18.11.2011 a exequente elaborou “Projecto de decisão – reversão”, nos termos de fls. 41, do p.f., o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, ali indicando o processo executivo n.º ...85 - fls. 41, do processo físico;
9. A exequente em 18.11.2011 enviou carta sob o registo n.º RN.......60PT à oponente com o teor “Notificação para exercício de audição prévia em sede de reversão do responsável subsidiário”, ali indicando o processo executivo n.º ...85 - fls. 40, do processo físico;
10. A exequente determinou a reversão das dívidas contra a oponente no âmbito do processo executivo n.º ...22 e apenso ...93, ali indicando o valor em dívida de €18.758,70 - fls. 56, do p.f.;
11. E emitiu documento de “citação” no âmbito do processo n.º ...22 e apenso ...93, exigindo-lhe o pagamento de €18.758,70 - fls. 54, do processo físico;
12. Que enviou à oponente, por carta registada com aviso de receção, tendo o aviso sido assinado em 23.02.2012 - fls. 61, do p.f..
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Factos não provados: não se mostram provados quaisquer outros factos invocados com relevância para a decisão da causa.
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Motivação.
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, conforme indicado em cada facto. Os demais factos não considerados resultam da circunstância de se tratar de conclusões, considerações jurídicas ou sem interesse para a decisão da causa.”
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Considerando a relevância da eventual citação da devedora originária para a apreciação da questão da prescrição das dívidas exequendas, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, altera-se a decisão da matéria de facto, eliminando do probatório o seu ponto 7.
Com efeito, o tribunal recorrido, pretendendo acautelar a completude do processo de execução fiscal ínsito nos autos (que foi enviado através de certidão, composta por 56 folhas, rubricadas e carimbadas, atestando estar conforme o original), solicitou ao IGFSS, I.P. – Secção de Processo Executivo do Porto a junção aos autos do comprovativo do registo postal da notificação para audição prévia de todos os revertidos e comprovativo da citação da devedora originária (registo postal e aviso de recepção).
Porém, se está demonstrado que foi emitido o documento denominado “citação”, referente ao processo de execução fiscal n.º ...85 e apenso, conforme resulta do ponto 6 do probatório, nenhum documento foi junto aos autos que comprovasse o respectivo envio à devedora originária.
Efectivamente, o talão “aviso de recepção” ínsito a fls. 114 do processo físico não contém qualquer carimbo dos CTT, Correios, nomeadamente, no espaço reservado a “marca do dia da estação que devolve o aviso”. Por outro lado, também não há cópia da guia de expedição do respectivo registo postal nos CTT, Correios, pelo que se suscitam dúvidas sérias acerca do efectivo envio do documento mencionado no ponto 6 do probatório.
Uma vez que os documentos juntos, bem como todos os ínsitos nos autos, não permitem, com a segurança e certeza exigíveis, comprovar o envio da respectiva carta registada com aviso de recepção contendo “citação” da devedora originária, urge eliminar da decisão da matéria de facto o seu ponto 7, atendendo à presente motivação.

2. O Direito

A Recorrente imputa o vício de nulidade à sentença recorrida, por omissão de pronúncia quanto à falta de citação invocada na petição inicial.
Sustenta que a falta de citação da devedora originária para efeitos de prescrição é uma questão com relevância jurídica para a decisão do mérito e que, pese embora suscitada pela oponente, não foi seguramente resolvida pelo tribunal a quo, para além da omissão de pronúncia sobre factos e questões juridicamente relevantes, aludindo ao artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC), para efeitos de declaração de nulidade da sentença recorrida.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
Efectivamente, não residem dúvidas que a Recorrente dedicou os primeiros artigos da sua petição à invocação de nulidade insanável de todo o processado em sede de execução e reversão, acentuando não ter sido citada a devedora originária para os processos de execução fiscal a que se referem as dívidas em crise – cfr. artigos 1.º a 9.º da petição de oposição.
Reiteramos que a apontada nulidade por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” - Vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13/07/11 e de 20/09/11, proferidos nos recursos n.º 0574/11 e n.º 0268/11, respectivamente.
A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” - Vide Alberto dos Reis, CPC, anotado, Volume V, pág. 143.
Ora, a sentença recorrida dedicou três páginas à apreciação da invocada nulidade por falta de citação, referindo-se ao artigo 165.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), distinguindo as situações de falta de citação, que são susceptíveis de constituir casos de nulidade insanável, das situações de nulidade da citação, que ocorrem quando não tenham sido observadas as formalidades previstas na lei, aludindo ao artigo 191.º, n.º 1 do CPC e aos respectivos diferentes regimes de arguição e conhecimento.
Tudo para concluir que a falta de citação não constitui causa de pedir própria da oposição à execução fiscal, dado que, sendo aqui o pedido a extinção do processo de execução fiscal, não poderá tal causa de pedir determinar esse efeito, razão pela qual, nesta parte, o tribunal recorrido julgou a oposição improcedente. Salientando, contudo, ser questão diferente a apreciação da existência ou da falta de citação como elemento da decisão sobre a prescrição das dívidas.
Nesta conformidade, o tribunal recorrido apresentou um motivo para a abstenção de conhecimento, em concreto e de forma autónoma, da invocada falta de citação. Pelo que não será possível, neste contexto, encontrar uma verdadeira omissão de pronúncia geradora de nulidade da sentença recorrida.
É verdade que a Meritíssima Juíza “a quo” apontou a possibilidade de apreciação da existência ou falta de citação, a título incidental, para conhecimento da questão, também colocada na petição de oposição, relativa à prescrição das dívidas exequendas – cfr. artigos 10.º a 24.º desta peça processual.
Contudo, aquando da realização desta análise, não chegou a utilizar este elemento, limitando-se a destacar a data da emissão das certidões de dívida, que serão equiparáveis às liquidações, em conjugação com a citação da oponente, para concluir que as dívidas não estão prescritas.
Portanto, quando muito, verificamos que, eventualmente, poderá existir erro de julgamento, por falta de ponderação de facto alegadamente interruptivo (a citação da devedora originária). Porém, apesar de a sentença recorrida introduzir a necessidade de apurar se ocorreram factos que interromperam o prazo relativamente ao devedor originário que aproveitem ao devedor subsidiário, a verdade é que não chega a considerar a citação da devedora originária como tendo sido efectivada ou a retirar quaisquer ilações a esse propósito, pelo que, mais uma vez, a questão somente se poderá colocar ao nível do eventual erro de julgamento, por deficiente selecção da factualidade relevante, já que todos os factos, pertinentes para a decisão da causa, que emerjam do processo de execução fiscal, são de conhecimento oficioso.

Como já deixámos equacionado supra, o objecto do presente recurso prende-se apenas com o julgamento realizado em primeira instância acerca da prescrição das dívidas exequendas revertidas, referentes a contribuições e cotizações à Segurança Social, e respectivos juros de mora, relativas aos períodos de 2006/07 a 2006/12 e de 2007/06 a 2007/09, em cobrança coerciva nos processos de execução fiscal n.º ...85 e ...93 (apenso), no montante global de €15.342,65.
Apesar de a perplexidade da Recorrente se direccionar essencialmente para o desfecho da análise prescricional realizada pelo tribunal recorrido, ao chamar à colação a data das certidões de dívida para concluir que as dívidas não estão prescritas; teremos em atenção toda a matéria que consta do probatório (alterado).
Considerando que se trata de dívidas à Segurança Social, o prazo de prescrição é de cinco anos, sem prejuízo de o mesmo se poder interromper e suspender.
Vejamos o regime legal referente à prescrição das dívidas à Segurança Social.
A contagem do prazo de prescrição é feita nos termos do disposto na Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro.
Segundo esta Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro, que aprova as Bases Gerais do Sistema de Segurança Social, as dívidas à Segurança Social prescrevem no prazo de cinco anos, interrompendo-se com qualquer diligência administrativa realizada para a sua cobrança. O preceito contém a seguinte redacção:
Artigo 60.º (Restituição e cobrança coerciva das contribuições ou prestações)
1 - As quotizações e as contribuições não pagas, bem como outros montantes devidos, são objecto de cobrança coerciva nos termos legais.
2 - As prestações pagas aos beneficiários que a elas não tinham direito devem ser restituídas nos termos previstos na lei.
3 - A obrigação do pagamento das quotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
4 - A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.
Para além deste diploma, é, ainda, aplicável o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, na medida em que acrescenta um facto à interrupção da prescrição, bem como esclarece os termos em que a prescrição se suspende. Trata-se do artigo 187.º do Código dos Regimes Contributivos, que contém a seguinte redacção:
Artigo 187.º (Prescrição da obrigação de pagamento à segurança social)
1 - A obrigação do pagamento das contribuições e das quotizações, respectivos juros de mora e outros valores devidos à segurança social, no âmbito da relação jurídico-contributiva, prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
2 - O prazo de prescrição interrompe-se pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida e pela apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação.
3 - O prazo de prescrição suspende-se nos termos previstos no presente Código e na lei geral.
Ora, em regra, a prescrição interrompe-se com a citação do devedor originário.
Por sua vez, a revertida foi citada em 23/02/2012, o que não se mostra questionado no presente recurso.
Quando há citação do devedor originário, interrompe-se a prescrição, mas como estão em causa reversões contra responsáveis subsidiários, aplicar-se-á o regime do n.º 3 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária (LGT), que estabelece:
Artigo 48.º (Prescrição) (…)
3. A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.
Este regime é aplicável também à reversão das dívidas à Segurança Social, pois que não existe normativo idêntico nem na Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro, que aprova as Bases Gerais do Sistema de Segurança Social, nem no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro.
Neste sentido, remete-se para o que escreve o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa in “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária – Notas Práticas”, 2.ª Edição, Áreas Editora, 2010, páginas 115 a 122, quando refere que o n.º 3 do artigo 48.º da LGT, consagra uma excepção à regra da interrupção da prescrição, fazendo depender a continuação da interrupção em relação ao responsável subsidiário, pelas causas de interrupção que se verifiquem em relação ao devedor principal, a citação do responsável subsidiário até ao 5.º ano posterior ao da liquidação. E também para o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18/11/2020, proferido no processo n.º 0730/13.7BELRA ou o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 28/09/2017, proferido no âmbito do processo n.º 01241/16.4BRAVR.
A jurisprudência do STA chegou a orientar-se no sentido de que o acto de liquidação, para efeitos do n.º 3 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária, correspondia ao acto de extracção de certidão de dívida, como parece acolher a sentença recorrida. Sucede que o Supremo Tribunal Administrativo alterou a sua posição, conforme se pode ver pelo teor do Acórdão proferido em 06/10/2021, no âmbito do processo n.º 02408/13.2BEPRT, cujo sumário é o seguinte:
I - O prazo de prescrição da obrigação de pagamento das contribuições para a Segurança Social é de cinco anos [era esse o prazo no âmbito da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto (artigo 63.º), que posteriormente se manteve nas Leis n.º 32/2002, de 20 de Dezembro (artigo 49.º), n.º 4/2007, de 16 de Janeiro (artigo 60.º), n.º 32/2002 e, por fim, é esse o prazo de prescrição previsto no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (artigo 187.º, n.º 1), aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, que actualmente se encontra em vigor].
II - O prazo de prescrição referido em I conta-se a partir da data em que a obrigação deve ser cumprida, isto é, a partir do dia 15 do mês subsequente àquele a que as contribuições respeitavam, por assim o determinarem os artigos 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de Junho e 6.º do Decreto-Regulamentar n.º 26/99, de 27 de Outubro (situação que só se alterou com a entrada em vigor do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, de que passou a decorrer, por força do artigo 43.º, que tal prazo se conta a partir do dia 20, também do mês seguinte àquele a que as contribuições respeitem, por ser admitido o cumprimento da obrigação entre os dias 10 e 20 de cada mês).
III - A citação, enquanto acto interruptivo da contagem do prazo de prescrição, só “aproveita” ao devedor subsidiário se este último tiver sido citado até ao quinto ano posterior à liquidação (artigo 48.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária, aplicável ao regime das contribuições para a segurança Social em tudo que esteja omisso no regime especial que lhe respeita).
IV - No caso dos tributos em dívidas à Segurança Social, não há um verdadeiro acto de liquidação, constituindo a extracção de certidões de dívida mero resultado ou procedimento imposto pela constatação de omissão de um pagamento.
V - Daí que, o prazo de cinco anos, a que alude o artigo 48.º, n.º 3 da LGT, deva ser contado por referência a cada um dos momentos em que a contribuição se tornou certa, líquida e exigível (o dia 15 do mês subsequente ao que diz respeito, actualmente dia 20 do referido mês) e não da data em que a certidão de dívida foi extraída.
Temos de concordar com este entendimento do STA, na medida em que é aquele que confere uma certeza ao momento em que se inicia a contagem do prazo de prescrição para o responsável subsidiário. De outra forma, seria estar a deixar na disponibilidade do credor o início de um prazo que foi estabelecido em favor do devedor; situação não desejada pelo legislador, pois este pretende que haja certeza e segurança jurídica nas relações estabelecidas entre os contribuintes e o credor tributário. (Só assim não será, nas situações de liquidação oficiosa, decorrente de inspecção em suprimento das obrigações dos contribuintes, caso em que a liquidação se opera com a inscrição e a declaração de remunerações, bem como com os correspondentes cálculos efectuados oficiosamente pela Segurança Social – cfr. Acórdão deste TCA Norte, de 03/03/2022, proferido no âmbito do processo n.º 279/11.2BEAVR).
Significa isto que, in casu, estando em apreço dívidas do ano de 2006 e 2007, deve ser considerada liquidada a dívida no dia 15 do mês seguinte àquele a que a contribuição diz respeito, ou seja, em 15/08/2006, 15/09/2006, 15/10/2006, 15/11/2006, 15/12/2006, 15/01/2007, 15/07/2007, 15/08/2007, 15/09/2007 e em 15/10/2007, respectivamente.
Estas devem ser as datas a ter em consideração para aplicação do regime previsto no n.º 3 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária, ou seja, o momento a partir do qual se procederá à contagem dos aí previstos cinco anos e em que a interrupção da citação produzida em relação ao devedor principal deixará (se for o caso) de produzir efeitos em relação ao responsável subsidiário.
Conforme já vimos, a oponente foi citada no dia 23/02/2012, pelo que foi citada depois do 5.º ano posterior a cada uma das liquidações mensais de 2006.
Contudo, resulta do probatório, após alteração efectuada por este tribunal, não ter ocorrido o efeito interruptivo da prescrição operado pela citação da devedora originária, na medida em que não se demonstrou o envio da carta registada com aviso de recepção contendo essa “citação”, como resulta da motivação que aditámos à decisão da matéria de facto.
Significa isto que não tem cabimento na situação concreta a aplicabilidade do disposto no artigo 48.º, n.º 3 da LGT, muito menos com a interpretação aventada pelo tribunal recorrido; tanto mais que, do processo de execução fiscal, não emerge qualquer facto interruptivo relativo à devedora originária.
Poderíamos, então, desde logo, pensar que, por a oponente ter sido citada mais de cinco anos após as liquidações dos períodos de 2006/07 a 2006/12, estas dívidas em cobrança estariam prescritas.
Todavia, como já deixámos enunciado supra, a prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.
Resulta da sentença recorrida, bem como da decisão da matéria de facto, que a primeira diligência administrativa tendente a cobrar as dívidas em causa ocorreu com a notificação do projecto de reversão para exercício do direito de audição prévia, que teve lugar em 21/11/2011 – cfr. pontos 8 e 9 do probatório.
A Recorrente não questiona ter tido conhecimento dessa diligência, apenas afirma que tal terá ocorrido em 15/12/2011. No entanto, não existe qualquer prova nos autos de que tenha recebido a carta registada em sede de exercício do direito de audição prévia mais tardiamente que a data que resulta da presunção legal prevista no artigo 39.º, n.º 1 do CPPT.
É nossa convicção que a presunção prevista neste n.º 1 do artigo 39.º do CPPT deve funcionar in casu, dado estarmos perante uma situação de comprovado afastamento do risco do extravio da carta, pois há afirmação pela Recorrente do seu efectivo recebimento.
Esta presunção só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção – cfr. artigo 39.º, n.º 2 do CPPT, na redacção à data.
Ora, esta factualidade relativa à data do recebimento da carta contendo o projecto de reversão é inovadora, uma vez que nada foi invocado a este respeito na petição de oposição, não sendo, por isso, agora, em sede recursiva, possível ilidir tal presunção (o que, note-se, nem sequer foi ensaiado pela interessada).
Assim, constatamos que, quanto às dívidas anteriores a 2006/11, já se mostra decorrido o prazo de cinco anos de prescrição e no que tange às dívidas exequendas de 2006/11, 2006/12, 2007/06, 2007/07, 2007/08 e 2007/09, o prazo prescricional foi interrompido pelo conhecimento, em 21/11/2011, pela Recorrente de que teria que efectuar o respectivo pagamento, quando foi ouvida previamente à decisão de reversão.
Nesta conformidade, para as dívidas exequendas dos períodos de 2006/11 e seguintes, o prazo de cinco anos que se encontrava a decorrer interrompeu-se em 21/11/2011 e começou a correr um novo prazo de prescrição de cinco anos (artigo 326º, n.º 1 do Código Civil).
Assim, de acordo com os factos dados como provados, o facto seguinte com eventual relevância interruptiva da prescrição consistiu na citação da Oponente, em 23/02/2012.
E nessa data, ainda não tinha decorrido o novo prazo de prescrição de cinco anos que tinha começado a correr desde 22/11/2011 (artigo 279.º, alínea b) do Código Civil).
Pelo que, coloca-se a questão de aferir se se poderá atender à citação da Oponente para efeitos de considerar que o prazo de prescrição foi novamente interrompido, dado que o artigo 49.º, n.º 3 da LGT estabelece que “a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar”.
Ora, debruçando-se sobre a compreensão desta norma, o Supremo Tribunal Administrativo já firmou jurisprudência no sentido de que “Esta norma deve ser interpretada em conjugação com os factos interruptivos duradouros constantes do art.49º nº1 LGT, com o sentido de que a limitação a uma das interrupções apenas valha para os que tenham efeito duradouro; assim se excluindo a causa de interrupção aplicável às obrigações de pagamento de cotizações e contribuições para a segurança social, consistente em diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida, em virtude do seu efeito instantâneo” – cfr. o acórdão proferido no processo n.º 0440/10.7BECBR 01088/17, de 12/02/2020.
Deste modo, e sufragando a jurisprudência que dimana do acórdão citado, não tendo a notificação para o exercício da audição prévia o designado efeito duradouro da prescrição (decorrente do artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil, o qual estabelece que “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”), não se aplica a limitação imposta pelo artigo 49.º, n.º 3 da LGT e sendo de considerar que o prazo de prescrição foi novamente interrompido no dia 23/02/2012, em virtude da citação da oponente, aqui Recorrente – cfr. ponto 12 do probatório.
Assim sendo, a prescrição interrompeu-se nesta data, por ocorrência do facto interruptivo consubstanciado na citação da revertida, ora Recorrente, para o processo de execução fiscal, facto interruptivo este com efeito duradouro, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil, porquanto resultante de citação em processo de execução fiscal, razão pela qual tal efeito se mantém até final do processo – cfr. Acórdão do STA, de 29/01/2014, proferido no âmbito do processo n.º 01941/13.
Como tem sido reiterado, tal citação, constituindo facto interruptivo da prescrição das referidas dívidas à segurança social, tem não apenas efeito instantâneo, como também o efeito duradouro de impedir que o novo prazo comece a correr enquanto não findar o processo executivo.
Este acto consubstanciado na sua citação em 23/02/2012 assume natureza interruptiva do prazo de prescrição, nos termos do artigo 63.º, n.º 3 da Lei n.º 17/2000, de 08 de Agosto. Na ausência de regulamentação especial quanto aos efeitos da interrupção da prescrição, estes terão de procurar-se no regime do Código Civil e este Código só excepcionalmente – nos casos previstos no seu artigo 327.º - atribui à interrupção da prescrição o “efeito duradouro” de impedir que novo prazo comece a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo, neste caso, ao processo executivo.
Pelo exposto, urge conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença na parte recorrida, julgando a oposição parcialmente procedente, por via da prescrição das dívidas exequendas anteriores ao período de 2006/11 e por se concluir não estarem prescritas as dívidas exequendas referentes aos períodos de 2006/11, 2006/12, 2007/06, 2007/07, 2007/08 e 2007/09.

Conclusões/Sumário

I – O prazo de prescrição de dívidas por contribuições à Segurança Social interrompe-se “por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida” (artigo 63.º, n.º 3 da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto).
II – Constituem factos interruptivos do prazo de prescrição de dívidas à Segurança Social, a notificação do projecto de reversão para audição prévia à mesma, bem como a citação do revertido para a execução fiscal, sendo que este segundo facto interruptivo tem eficácia duradoura (artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil), mantendo-se o efeito interruptivo até ao termo do processo de execução fiscal.
III – O n.º 3 do artigo 49.º da LGT é aplicável aos factos interruptivos da prescrição das dívidas à Segurança Social que tenham não apenas efeito instantâneo, como também o efeito duradouro de impedir que o novo prazo comece a correr enquanto não findar o processo.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença na parte recorrida e julgar a oposição parcialmente procedente.

Custas a cargo de ambas as partes, nas duas instâncias, na proporção do decaimento, que se fixa da seguinte forma:
Na primeira instância, 73,8% das custas a cargo da Oponente e 26,2% das mesmas a cargo do IGFSS, I.P., que incluem o julgamento da parte não recorrida referente à impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Nesta instância, 68% das custas a cargo da Recorrente e 32% das mesmas a cargo do Recorrido, sendo que, quanto a este, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 23 de Novembro de 2023

Ana Patrocínio
Cláudia Almeida
Maria do Rosário Pais