Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00019/08.3BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IRS, QUALIFICAÇÃO;
RENDIMENTOS DA CATEGORIA B; RENDIMENTOS DA CATEGORIA G;
ART. 3.º CIRS; ART. 10.º CIRS; ATO DE COMÉRCIO;
Sumário:
I. Não se pondo em causa que o número de atos envolvidos poderá ser um indicador da existência de algum tipo de atividade comercial, no caso em apreço, tendo a Recorrida apresentado e provado uma explicação que oferece um contexto credível para as vendas dos 8 imóveis em causa que não o exercício de uma atividade comercial, e não tendo a Recorrida, por sua vez, logrado provar que os imóveis tenham sido adquiridos para revenda, de modo a preencher o requisito eleito pela lei comercial para que se pudesse concluir que em causa estavam atos de comércio, não era possível qualificar os rendimentos resultantes como enquadráveis na categoria B, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 3.º do CIRS.

II. Há por isso que concluir que na sentença sob recurso é feita uma correta interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto nos arts. 3.º e 10.º do CIRS.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2011-07-27 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de ... que julgou procedente a impugnação judicial interposta por «AA» tendo por objeto a liquidação de IRS relativa ao ano de 2002 no montante de EUR 9.461,32 euros, vem dela interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
A. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional n.º ...27, de 23.11.2006, referente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2002, contemplada na Nota de Cobrança - Demonstração de Compensação n.º ...25, de que resultou o valor global a pagar de € 9.461,32, por haver entendido que: “Nenhuma evidência existe de que as aquisições tenham sido feitas para a revenda e para a alienação. Os rendimentos obtidos devem ser enquadrados como rendimentos de mais valias” determinando, em consequência, a anulação da liquidação impugnada.
B. Ressalvado o sempre devido respeito, não se conforma a Fazenda Pública com o desta forma decidido, porquanto considera que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a anulação da liquidação em crise nos autos.
C. De molde a subsumir a situação real respigada dos autos à boa decisão da causa, o Probatório deverá ser corrigido de acordo com a verdade factual, ao abrigo do disposto no art. 712.º, n.º 1 alínea a) do CPC, pois, não se concorda com a convicção do Tribunal, no que tange à factualidade dada como assente, aditando-se factos, que se encontram documentalmente provados:
Ÿ aquando do exercício do Direito de Audição a Impugnante refere que, “foi adquirindo bens, de conformidade com as suas possibilidades e no sentido de assegurar o seu futuro e o dos seus filhos; Já ao tempo de casada, continuou com a mesma política de aforramento/poupança”, cf. fls. 78 do Processo Administrativo;
Ÿ o facto de grande parte dos bens adquiridos e alienados em 2002, serem estabelecimentos comerciais e respectivas garagens, para além de terem sido adquiridos dois estabelecimentos comerciais, não alienados naquele ano - fracção C.., adquirida em 06.11.1991, cf. documento a fls. 52 a 55 do Processo Administrativo e fracção G.., adquirida em 19.09.1985, cf. documento a fis. 61 a 64 do Processo Administrativo.
D. Considerando ainda a Fazenda Pública que a prova produzida em audiência - depoimentos das testemunhas inquiridas -, por si só, ou seja, desacompanhada de outros elementos de prova, dificilmente servirá para convencer já justeza da decisão sob recurso. Muito menos servirá se contrariam a argumentação na impugnante/ recorrida produzida previamente ao desfecho do procedimento inspectivo, que permitiram para além do mais à AT, com legitimidade equacionar que os actos que deram causa à liquidação impugnada, eram susceptiveis de poderem ser inscritos numa actividade comercial, com carácter especulativo e geradora de lucro.
E. É cerro que, a prova testemunhal é apreciada livremente pelo Tribunal - cf. art. 396º do Código Civil, mas também é certo que se deve apreciar a prova produzida no seu todo, e perante a factualidade dada como provada e como não provada, deve decidir de acordo com as regras da experiência comum, o que sucedeu,
F. Pois, o Tribunal a quo desconsiderou o peso da prova produzida, no seu todo, na decisão de manter ou não a liquidação em crise.
G. Consiste a questão controvertida em saber se os ganhos realizados com a alienação dos imóveis que a impugnante adquiriu, no dizer da douta Sentença, “ao longo da sua vida, alguns ainda como menor, outros por sucessão e alguns enquanto casada” têm enquadramento na categoria C, como rendimento proveniente da actividade comercial ou industrial, ou na categoria G, como rendimentos de mais-valias, por se tratar de ganhos ocasionais ou fortuitos.
H. Considera o Tribunal a quo que tais proventos caem sob a alçada da categoria G, por entender que para estarem relacionados com qualquer actividade comercial a aquisição daqueles teria que ser “feita com o objectivo, o propósito preestabelecido de revenda, de alienação (…) que as vendas ocorreram não para realizar lucro, mas para fazer face ao pagamento de dividas.”
I. Diversamente, entende a Fazenda Pública, pois, da conjugação dos preceitos legais aplicáveis - os art.s 3.º e 10.º do CIRS -, extrai-se que nas alíneas dos nºs. 1 e 2 do art. 3.º são descritas as actividades de natureza empresarial e profissional cujos rendimentos integram a Categoria B que têm como objecto a prática de actos decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, nas quais se incluem algumas cuja qualificação poderia suscitar dúvidas, e que o art. 10.º tem carácter residual na medida em que exclui da tributação na categoria G os ganhos obtidos mediante alienação onerosa dos bens e direitos referidos nas suas alíneas que devem ser considerados proveitos na determinação do lucro tributável das actividades comerciais, industriais ou agrícolas, conforme resulta do próprio preâmbulo do CIRS.
J. Nos termos do art. 2º do Código Comercial “serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste código...” estes actos são, pois, os actos objectivamente comerciais, já que a sua comercialidade reside neles próprios, não está na pessoa que os pratica: é in re, objectiva.
K. Daqui resulta que, a compra e revenda dos bens imóveis em causa, são objectivamente comerciais, uma vez que se acham especialmente regulado no Código Comercial. Mormente, na previsão do predito art. 463.º em que, “4.º As compras e revendas de bens imóveis ou de direitos a eles inerentes, quando aquelas, para estas, houverem sido feitas.”.
L. Contudo, como se colige na jurisprudência, designadamente a citada pelo Tribunal a quo, e no Acórdão do STA de 02.02.2005, in rec. 371/04-30, a legislação tributária não fornece, um conceito de acto de natureza comercial ou industrial. Assim, na falta de uma definição legal do conceito de actividade comercial ou industrial, para efeitos tributários, tem vindo a doutrina e a jurisprudência a entender como aplicável o conceito económico de comércio e indústria, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividades de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos, os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros.
M. Importa, ainda, ter presente que a referência a actos de natureza comercial não corresponde a uma remissão, obrigatória, para a noção de acto de comércio, inscrita no citado art. 2.º Código Comercial, encerrando, sim, a ideia de actos não inseridos em qualquer actividade, mas, caso o fosses, originariam uma actividade comercial ou industrial
N. Ora, para caracterizar, convenientemente, os actos que a Administração Tributária considerou como “resultantes do desenvolvimento da actividade de promoção imobiliária”, perscrutou-se ainda a intenção que presidiu à prática, dos actos que foram sujeitos a tributação e, a constatação emergiu dos dados factuais disponíveis e, das potencialidades que daí advieram: (i) do intuito de revenda que esteve presente no momento das aquisições efectuadas, pela impugnante ou, por ela e o outro comproprietário - o ex-marido da impugnante, «BB», como aliás é expressamente referido aquando do exercício do direito de audição em momento prévio ao culminar da inspecção, (ii) do número de imóveis alienados - fracções destinadas a habitação, um prédio misto, uma garagem e três estabelecimentos comerciais -, num total de nove, num período que mediou entre 13.03.2002 e 26.04.2002, segundo as datas apostas nas relações de Registo Notarial remetidas pelo Cartório Notarial ... e ... à Direcção de Finanças ..., (iii) do facto de grande parte dos bens adquiridos e alienados. serem estabelecimentos comerciais e respectivas garagens, para além de terem sido adquiridos dois estabelecimentos comerciais, não alienados naquele ano - fracção C.., adquirida em 06.11.1991 e fracção G.., adquirida em 19.09.1985, (iv) ainda de todos os imóveis se situarem no prédio localizado na Avenida ..., designado por Centro Comercial ..., da freguesia ..., concelho ..., onde se encontram instaladas as sedes de três empresas, em que o ex-marido, consta como sócio e administrador.
O. Deste conjunto argumentativo, percebe-se o desempenho das actuações prosseguidas pela impugnante, ou dito de outro modo, a prossecução de uma finalidade especiosa, com o escopo objectivo do percebimento de lucro que, para efeitos tributários, corresponde ao resultado da “diferença entre ganhos obtidos e despesas incorridas”, a busca de aumento patrimonial.
P. É que, para poder funcionar a incidência do versado art. 3.º n.º 1 al. a) do CIRS, na situação sub judice, foi necessário encontrar a intenção, ainda que de forma indiciária, de exercer a actividade de natureza comercial - com carácter especulativo e geradora de lucro -, concluindo a Administração Tributária que a impugnante/ recorrida actuou de molde a alcançar a maior disponibilidade financeira possível.
Q. Concomitantemente, não se verificando a(s) apontada(s) ilegalidade(s), inexistem os motivos conducentes à anulação do acto tributário de liquidação, devendo este permanecer na sua estabilidade e vigência no ordenamento jurídico.
R. Decidindo como decidiu, é nossa convicção que a douta Sentença incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais referidos ao longo desta peça processual.
S. A douta Sentença sob recurso violou as disposições legais supra citadas.
Termina pedindo:
Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA.
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os vistos foram dispensados com a prévia concordância das Ex.mas Juízes Desembargadoras-Adjuntas, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
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Questões a decidir no recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pela Recorrente.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
III - DOS FACTOS.
A- Dos factos provados. com relevância para a decisão da causa:
1.º - Por acção inspectiva interna, a administração fiscal procedeu a alterações à declaração mod.3 de IRS, do ano de 2002, que a Impugnante havia apresentado, dando origem à liquidação adicional objecto dos autos.
2.º - Para fundamenar tais correcções a administração fiscal alega o seguinte:
“Tendo por base as relações de 13-03-2002 e 26-04-2002, dos ... e ..., verificou-se que no ano de 2002, alienou em compropriedade com «BB», pelo preço de 176.07930 euros, correspondendo-lhe 1/2 no montante de 88.039165 euros, os prédios urbanos sitos em ..., inscritos na respectiva matriz ...51, fracções B e C, ...52, ..62 e um prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...54.
Tendo por base a relação de registo notarial de 23.04.2002, do Cartório Notarial ..., verificou-se que no ano de 2002, alienou em compropriedade pelo preço de 56. 854,00 euros, a que lhe coube o montante de 28.427,00 euros, um prédio urbano sito em ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...03, fracções BZ, BX, AU e GA. Após consulta ao Sistema Informático Central, verificou-se que declarou parte das vendas mencionadas, conforme estava obrigada pela conjugação do disposto nos artigos 1.º, 3.º, 15º e 17.º todos do CIRS, considerando-a como rendimentos da categoria G, porém, e atento o número de prédios alienados, verificou-se que os ganhos obtidos, constituem no caso em análise rendimentos de natureza empresarial/profissional - Categoria B - conforme o disposto na al. a) n.º 1 do art. 3.º do CIRS.”
3.º - A ora Impugnante exerce exclusivamente a profissão de professora primária, há mais de vinte anos - cf. prova testemunhal.
4.º - Os imóveis alienados foram adquiridos ao longo de uma vida de trabalho, para garantir o futuro dos filhos – cf. prova testemunhal.
5.º - As vendas dos imóveis por parte da Impugnante resultaram da necessidade da. mesma pagar as dívidas contraídas pelo ex-marido, durante o seu casamento - cfr. prova testemunhal.
6.º - Os prédios que a Impugnante vendeu foram adquiridos nas seguintes datas:
- Os prédios inscritos na matriz ...51, fracções B e C, da freguesia ...; que se encontra dividido em fracções, foi adquirido em 28 de Outubro de 1976, por escritura celebrada no Cartório Notarial ..., sendo a compra outorgada pelo pai da Impugnante, em nome desta, ao tempo menor.
- O prédio inscrito na matriz urbana de ..., sob o artigo ...52, foi adquirido por herança de sua mãe, «CC», falecida em .../.../1980.
- O prédio inscrito na matriz urbana de ..., Concelho ..., sob o artigo ...62 e na rústica da mesma freguesia sob o·artigo ..54, foi adquirido em 10/03/1992, por arrematação em hasta pública feita pela Direcção de Finanças ..., pelo ex-marido.
- As fracções autónomas designadas pelas letras BZ e BX, do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...03, foram adquiridas em 14 de Maio de 1991, por escritura celebrada no ... Cartório Notarial ....
- A fracção autónoma designada pelas letras AU, do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...03, foi adquirida cm 06 de Novembro de 1991, por escritura celebrada no ... Cartório Notarial ....
- A fracção autónoma designada pelas letras GA, do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...03, toi adquirida em 19 de Setembro de 1985, por escritura celebrada no Cartório Notarial ... - cfr. docs. 2 a 7, juntos aos autos pela Impugnante.
7.º - A ora Impugnante foi casada com «BB», de quem se divorciou em 2000 - cfr. processo de divórcio litigioso, que correu termos com o n.º ...8/1999, do ... Juízo do Tribunal Judicial de ....
B- Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
*
II.2. Aditamento oficioso à fundamentação de facto:
Atento o disposto no art. 712.º, n.º 1, alínea a), primeira parte do CPC, na redação aplicável ao caso ex vi art. 281.º do CPPT, o alegado pela Recorrente e a prova documental produzida nos autos, procede-se ao seguinte aditamento à fundamentação de facto:
1A. Em data que não é possível precisar, deu entrada nos serviços da Administração fiscal um fax, do qual consta o seguinte (cf. cópia do fax a fls. 78 do PAT apenso aos autos):
(…)
«AA» (…), tendo sido notificada para exercer o direito de audição prévia, num projecto de decisão de irs/2002, vem dizer:
- Ao longo do tempo foi adquirindo bens, de conformidade com as suas possibilidades e no sentido de assegurar o seu futuro e o dos seus filhos,
- Já ao tempo de casada, continuou com a mesma política de aforramento/poupança,
- Quis o destino que a actividade comercial de seu ex-marido acabasse num grande desastre financeiro,
- Que a obrigou a desfazer-se de todo os bens e economias de muitos anos,
(…)
2A. Da informação emitida em 13 de novembro de 2006 pelos serviços da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Sobre a Despesa da Direção-Geral dos Impostos referida no ponto 2, consta ainda o seguinte (cf. fls. 24-25 do PAT e fls. 65-66 do proc. de reclamação graciosa, ambos apensos aos autos):
(…)
2 – Determinação do Lucro Tributável
Face ao que ficou anteriormente exposto, e na falta de outros elementos, vão estes Serviços propor a alteração dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação, nos termos dos artigos 65.º e 66.º do Código do IRS, pelos proveitos no montante de € 116.466,65, resultantes do desenvolvimento da actividade de promoção imobiliária, que de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 31.º do CIRC originará um rendimento colectável de € 23.293,22, resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao rendimento de € 116.466,65.
3 – Direito de Audição
Foi enviada ao contribuinte notificação para exercer o Direito de Audição através do ofício número ...12 de 20-10-2006 desta divisão, para o endereço constante do Cadastro da DGCI, ao que este veio exercer referindo que as vendas supra referidas, não decorreram de uma actividade comercial desenvolvida, contudo refere igualmente que estes imóveis foram adquiridos ao longo do tempo tendo em vista uma política de aforramento/poupança no sentido de assegurar o seu futuro. Pelo exposto e não se podendo descurar o facto de terem sido alienados 8 prédios, verifica-se que o caso em apreço se caracteriza como um acto de comércio, não revestindo o caráter fortuito que caracteriza as mais valias enquadráveis na categoria G.
(…)
6A. A fração autónoma designada pelas letras “CA” do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...03, foi adquirida em 14 de maio de 1991, por escritura celebrada no ... Cartório Notarial ... (cf. cópia da escritura de compra e venda, a fls. 28-31 dos autos, e a fls. 52-55 do PAT apenso).
8. As frações autónomas designadas pelas letras “BX”, “BZ” e “CA” correspondiam a estabelecimentos comerciais (cf. cópia da escritura de compra e venda, a fls. 28-31 dos autos, e a fls. 52-55 do PAT apenso).
II.2. Fundamentação de Direito
A Recorrente começa por alegar que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto, pelo que devem ser aditados factos ao probatório nos termos do disposto no art. 712.º, n.º 1 alínea a) do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, por se encontrarem documentalmente provados nos autos.
Mais alega, a este propósito, que a prova produzida “em audiência”, desacompanhada de outros elementos de prova, dificilmente servirá para convencer da justeza da decisão sob recurso.
Antes de mais, e no que toca à fundamentação de facto da sentença sustentada no depoimento das testemunhas ouvidas em juízo, não tendo a aqui Recorrente cumprido com o ónus que lhe era imposto nos termos do disposto no então art. 685.º-B, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, uma vez que não identificou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, as testemunhas cujo depoimento entende que não podia ter sido considerado, nem indicou com exatidão as passagens da gravação em que se funda, o seu recurso é desde já rejeitado neste segmento, tal como decorre do disposto na citada disposição.
Quanto ao pedido de aditamento de factos que considera pertinentes e que se encontram documentalmente provados, o mesmo é deferido, encontrando-se este deferimento já refletido no aditamento supra efetuado à fundamentação de facto da decisão sob recurso.
Quanto ao erro de julgamento de direito que imputa à sentença, argumenta a Recorrente, e em síntese, que foi ali efetuada uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto nos arts. 3.º e 10.º do CIRS, tendo o Tribunal a quo assente numa incorreta qualificação dos factos tributários, ao concluir que as vendas de imóveis em causa se qualificam como rendimentos da categoria G, e não, como defende, rendimentos enquadráveis na categoria B.
Vejamos então.
Dispunha-se o seguinte na redação aplicável à data dos arts. 3.º e 10 do CIRS (conferida pelo DL 198/01, 03/07), na parte pertinente para a resolução do caso:
Artigo 3.º
Rendimentos da Categoria B
1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:
a) Os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;
b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, ainda que conexas com qualquer actividade mencionada na alínea anterior;
c) Os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário.
2 - Consideram-se ainda rendimentos desta categoria:
a) Os rendimentos prediais imputáveis a actividades empresariais e profissionais;
b) Os rendimentos de capitais imputáveis a actividades empresariais e profissionais;
c) As mais-valias apuradas no âmbito das actividades empresariais e profissionais, definidas nos termos do Código do IRC, designadamente as resultantes da transferência para o património particular dos empresários de quaisquer bens afectos ao activo da empresa;
d) As importâncias auferidas, a título de indemnização, conexas com a actividade exercida, nomeadamente a sua redução, suspensão e cessação, assim como pela mudança do local do respectivo exercício;
e) As importâncias relativas à cessão temporária de exploração de estabelecimento;
f) Os subsídios ou subvenções no âmbito do exercício de actividade abrangida na alínea a) do n.º 1;
g) Os subsídios ou subvenções no âmbito do exercício de actividade abrangida na alínea b) do n.º 1;
h) Os provenientes da prática de actos isolados referentes a actividade abrangida na alínea a) do n.º 1;
i) Os provenientes da prática de actos isolados referentes a actividade abrangida na alínea b) do n.º 1.
3 - Para efeitos do disposto nas alíneas h) e i) do número anterior, consideram-se rendimentos provenientes de actos isolados os que, não representando mais de 50% dos rendimentos do sujeito passivo, não resultem de uma prática previsível ou reiterada.
(…)
Artigo 10.º
Rendimentos da categoria G
1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário,
(…)
Por sua vez, dispunha-se no n.º 4 do art. 463.º do Código Comercial, então como agora, que “São consideradas comerciais (…) As compras e revendas de bens imóveis ou de direitos a eles inerentes, quando aquelas, para estas, houverem sido feitas”.
Como é sabido, a categoria B de rendimentos empresariais e profissionais resultou da aglutinação de três categorias inicialmente previstas no CIRS, a saber, categoria B de rendimentos do trabalho independente, categoria C, de rendimentos comerciais e industriais, e categoria D, de rendimentos agrícolas.
Por outro lado, a categoria B goza de um caráter predominante, ou como também é designado, de um “poder de atração” dos rendimentos que em circunstâncias normais caberiam noutras categorias de rendimentos, mas que são “atraídos” para a categoria B desde que sejam imputáveis a atividades geradoras de rendimentos empresariais ou profissionais.
No caso, e como decorre da factualidade dada como provada, a Administração fiscal requalificou na categoria B os rendimentos decorrentes da alienação em 2002 de vários imóveis que a Recorrida tinha declarado como rendimentos da categoria G, por ter considerado que os mesmos se enquadravam no disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 3.º do CIRS.
Por sua vez, na sentença sob recurso considerou-se que não se provando nos autos que os imóveis tivessem sido adquiridos para revenda, não era possível concluir pelo exercício de qualquer atividade comercial, nos termos e para os efeitos do disposto da alínea a) do n.º 1 do art. 3.º do CIRS.
Ora, tal como se deixou já clarificado, o primeiro segmento do recurso da Recorrente tendo por objeto a fundamentação de facto da sentença, foi rejeitado, dado o total incumprimento dos respetivos requisitos, tendo a sentença transitado no que se refere à fundamentação de facto assente na prova testemunhal.
Donde, ficou totalmente provada nos autos a versão dos factos apresentada pela Recorrida, a saber, que a mesma exercia exclusivamente a profissão de professora primária há mais de vinte anos, e que as vendas dos imóveis resultaram da necessidade com que se viu confrontada de pagar as dívidas contraídas pelo ex-marido – de quem se divorciou em 2000 - durante o seu casamento.
Por outro lado, e ao contrário do pretendido pela Recorrente, da circunstância de a Recorrida na sua intervenção em sede de audiência prévia ter afirmado que “Ao longo do tempo foi adquirindo bens, de conformidade com as suas possibilidades e no sentido de assegurar o seu futuro e o dos seus filhos, - Já ao tempo de casada, continuou com a mesma política de aforramento/poupança(cf. ponto 1A, da fundamentação de facto aditada), não é possível retirar a conclusão de que, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do art. 463.º do Código Comercial, os referidos imóveis foram adquiridos para revenda, motivação que em momento algum foi assumida pela Recorrente, sendo tal conclusão, de resto, infirmada pelo facto de pelo menos um dos imóveis ter sido herdado, por morte da mãe da Recorrida, e um outro, adquirido por seu pai em seu nome, quando ainda era menor (cf. ponto 6, da fundamentação de facto).
O mesmo se diga da circunstância de 3 dos 8 imóveis vendidos serem estabelecimentos comerciais.
Há ainda que recordar que o único fundamento em que repousou o ato de liquidação adicional impugnado foi a circunstância de a Recorrida ter vendido 8 imóveis, ou seja, a Administração fiscal para concluir pelo enquadramento das vendas de imóveis na categoria B, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1, do art. 3.º do CIRS, sustentou-se unicamente no “número de prédios alienados(cf. pontos 2, e 2A aditado, da fundamentação de facto).
Ora, e não se pondo em causa que “o número de atos envolvidos” poderá ser um indicador da existência de algum tipo de atividade comercial (cf. neste sentido PEREIRA, Paula Rosado - Manual de IRS. 2.ª Edição. Coimbra: Almedina, 2019, p. 216), no caso em apreço a Recorrida apresentou uma explicação que oferece um contexto credível para as referidas vendas que não o exercício de uma atividade comercial, tendo, como já aqui foi sublinhado, logrado provar nos autos a sua versão dos acontecimentos, sendo certo, por outro lado, que a Recorrente não provou que os imóveis tenham sido adquiridos para revenda, de modo a preencher o requisito eleito pela lei comercial para que se pudesse concluir que em causa estavam atos de comércio, não decorrendo, por outro lado, do ato de liquidação impugnado, a referência qualquer facto que permita chegar a tal conclusão.
Assim sendo, e em face do exposto, há que concluir que na sentença sob recurso é feita uma correta interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto nos arts. 3.º e 10.º do CIRS, e, em consequência, julgar o presente recurso totalmente improcedente.
***
Atento o decaimento da Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.
***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
I. Não se pondo em causa que o número de atos envolvidos poderá ser um indicador da existência de algum tipo de atividade comercial, no caso em apreço, tendo a Recorrida apresentado e provado uma explicação que oferece um contexto credível para as vendas dos 8 imóveis em causa que não o exercício de uma atividade comercial, e não tendo a Recorrida, por sua vez, logrado provar que os imóveis tenham sido adquiridos para revenda, de modo a preencher o requisito eleito pela lei comercial para que se pudesse concluir que em causa estavam atos de comércio, não era possível qualificar os rendimentos resultantes como enquadráveis na categoria B, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 3.º do CIRS.
II. Há por isso que concluir que na sentença sob recurso é feita uma correta interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto nos arts. 3.º e 10.º do CIRS.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 25 de janeiro de 2024 - Margarida Reis (relatora) – Cristina da Nova – Ana Paula Coelho dos Santos