Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01167/18.7BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/11/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMI DE 2014, INSCRIÇÃO OFICIOSA NA MATRIZ, ART. 37.º, N.º 4 CIMI, ART. 113.º, N.º 3 CIMI
Sumário:Em face da inscrição oficiosa na matriz nos termos do disposto na alínea a) do n.º 3, do art. 13.º do CIMI, por a mesma não ter sido feita pelo sujeito passivo aquando da conclusão das obras que determinaram a variação do valor patrimonial tributário do prédio, como resultava do disposto na alínea d) do n.º 1 do art. 13.º do CIMI, não podia o Tribunal a quo ter concluído pela legalidade da liquidação de imposto em causa, efetuada nos termos do disposto no n.º 3 do art. 113.º conjugado com o disposto no n.º 4 do art. 37.º do mesmo CIMI, atendendo a que da liquidação não consta a indicação da data que foi considerada pela Administração como sendo a relevante para a conclusão das obras.

Com efeito, não podia o Tribunal a quo ter ignorado esta circunstância, pelo que a requalificação jurídica dos factos efetuada, nos termos do disposto no art. 5.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, deveria tê-lo levado a conclusão diversa, no caso, à anulação da liquidação por manifesto erro de facto e direito nos pressupostos, o primeiro, por omissão da indicação do facto que permitia à Administração fiscal ter efetuado a liquidação, e o segundo, por assim interpretar erradamente, não só as citadas disposições do CIMI, como ainda, o disposto no art. 58.º da LGT.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:I., SA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I. Relatório

I., S.A., inconformada com a sentença proferida em 2019-06-30 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a impugnação judicial por si interposta tendo por objeto despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa proferido pela Autoridade Tributária e Aduaneira – Direcção de Finanças de Aveiro referente à liquidação de IMI nº 2014 684555803 relativa ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia (...) sob o artigo urbano 2151, no montante de € 6.921,73, no âmbito do Processo n.º 0027201804000226, interpôs o presente recurso perante o Supremo Tribunal Administrativo.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

- Conclusões –
A) A sentença ad quo decidiu pela improcedência da impugnação judicial apresentada pela Recorrente, considerando que a Autoridade Tributária e Aduaneira podia fazer-se valer de um VPT fixado em 2016 para determinar o IMI referente ano de 2014.
B) A Recorrente não aceita esta decisão, desde logo por entender que a mesma viola normas constitucionais, em especial os arts. º 2º e 103º, n.º 3 da CRP, referentes aos princípios da segurança e certeza jurídicas e o princípio da proibição de aplicação retroativa de normas fiscais
C) A certeza e a segurança jurídica, corolários do Estado de Direito Democrático consagrado no art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa, são princípios estruturantes da relação dos indivíduos em sociedade e assumem especial importância em áreas como o direito fiscal, pois que este tem consequências imediatas sobre o património do ser humano.
D) O princípio da irretroatividade de normas fiscais, que encontra assento constitucional no art.º 103º, 3 da CRP visa obstar a que, no domínio fiscal, as expetativas legitimamente criadas pelos cidadãos sejam postas em causa, estando por isso fortemente associado a este princípio uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado.
E) Não pode, por isso, a Recorrente, deixar de olhar com perplexidade para a sentença recorrida, na parte em que esta consente em fazer retroagir o VPT fixado em 2016 para efeitos de determinação do adicional de imposto a pagar referente ao ano de 2014.
F) Aceitar este entendimento, importaria assumir que as liquidações de IMI nunca estariam consolidadas, bastando uma alteração da matriz para que as liquidações anteriores a esse imposto fossem alteradas, votando o contribuinte à constante incerteza de saber se teria valores a pagar ou valores a receber por parte da AT.
G) Entende, por força disso, a Recorrente que o entendimento firmado pelo Juiz ad quo, ao possibilitar uma retroatividade para efeitos de incidência de imposto relativo a anos anteriores, sem norma que o permita, viola o princípio da legalidade e da proibição da retroatividade de normas de incidência tributária.
H) Cumulativamente, discorda a Recorrente do facto de o Tribunal ad quo ter feito retroagir o VPT fixado em 2016 à data de conclusão das obras de melhoramento do prédio (art.º 113º, nº 3 do Código do IMI), por não entender com base em que factualidade o fez.
I) Não dispunha o Mmo. Juiz de elementos probatórios que lhe permitissem com segurança concluir que as referidas obras de melhoramento do prédio haviam terminado antes do final de 2014, porquanto nem das Alegações das partes, nem dos factos constantes do processo tal se pode retirar.
J) Não se ficam, porém, por aqui, os vícios de que enferma esta decisão, pois que ao admitir a aplicação retroativa do VPT fixado em 2016, o douto Tribunal nega aplicar esse mesmo raciocínio quando tal implique reembolsar o contribuinte de valores anteriores indevidamente pagos.
K) É certo que a Recorrente não apresentou, em tempo, requerimento para que fosse levada a cabo pela AT uma segunda avaliação, mas de tal facto apenas se poderá retirar a conclusão segundo a qual o primeiro VPT se consolidou na ordem jurídica durante os três meses que mediaram a notificação à Recorrente do VPT fixado na avaliação oficiosa e o pedido de correção oficiosa da referida avaliação, já que a própria AT aceitou posteriormente as áreas e medições do prédio apresentadas pelo Recorrente, fixando um VPT duas vezes inferior ao anterior.
L) Como tal, sempre teria o Juiz ad quo de decidir no sentido de que o adicional de imposto referente ao ano de 2014 se fizesse tendo por base o VPT fixado pela AT na correção oficiosa requerida pelo Recorrente e NUNCA o VPT incorretamente fixado aquando da avaliação oficiosa.
M) Não pode a Recorrente, nem pode a própria ordem jurídica, consentir na aplicação retroativa de leis fiscais apenas quando tal resulte no dever jurídico de o contribuinte pagar adicionais de impostos, mas não já quando o mesmo importe a restituição ao contribuinte de valores liquidados.
N) Em suma, não pode o Estado, com a condescendência dos órgãos de administração da Justiça, motivado pela necessidade de obtenção de impostos (a sua principal fonte de rendimento), postergar princípios constitucionais como o da irretroatividade de leis fiscais, por tal colidir diametralmente com as mais elementares razões de segurança e estabilidade nas relações jurídicas dos cidadãos.

Termina pedindo:
Termos em que se requer que seja declarado procedente o presente recurso e anulada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que determine:
a) A anulação da liquidação de adicional de imposto sobre imóveis respeitante ao ano de 2014, no valor de 6.921,73€;
b) A restituição do imposto pago pela recorrente no valor de 6.921,73€, acrescido de juros contabilizados desde a data do pagamento até à data da efetiva e integral restituição.
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A Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Supremo Tribunal Administrativo declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional, com os fundamentos vertidos no acórdão constante a fls. 164 e segs. dos autos (numeração do SITAF).
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A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso, defendendo que a sentença deverá ser anulada e determinada a remessa dos autos à 1.ª instância, para produção de meios de prova que permitam complementar a matéria de facto quando à data da conclusão das obras de melhoramento/ampliação, e subsequente nova decisão, nos termos do previsto no art. 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC.
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Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.
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Questões a decidir no recurso

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.

Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são imputados pela Recorrente, ou seja, erro de julgamento de direito por ter considerado que a Administração tributária podia determinar o IMI de 2014 com base numa avaliação efetuada em 2016, o que entende violar o princípio a retroatividade das normas fiscais e o princípio da certeza jurídica, plasmados nos arts. 2.º e 103.º da CRP e erro de direito por ali se ter entendido ser possível fazer retroagir o VPT fixado em 2016 à data da conclusão das obras de melhoramento do prédio, nos termos do n.º 3 do art. 113.º do CIMI, se ter apurado a base factual para tanto, pois o Tribunal não dispunha de elementos probatórios que lhe permitissem concluir que as referidas obras terminaram antes do final de 2014.


II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
III. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Dos autos considera-se como assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir:
1) A impugnante é proprietária de um prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia (...), concelho de Albergaria-a-Velha sob o artigo 2151 – por acordo [artigo 5.º da petição inicial, doravante PI e artigo 4.º da contestação];
2) Aquando da avaliação geral foi, em 2013, atribuído ao prédio identificado no ponto anterior o valor de € 835.260,00 – por acordo [artigo 6.º da PI e 4.º da contestação] e fls. 33 dos autos, numeração SITAF;
3) Tal prédio foi objecto de obras de ampliação/melhoramento e não tendo sido apresentada a declaração Modelo 1, a AT procedeu à avaliação oficiosa daquele prédio, tendo fixado o VPT de € 3.142.520,00 – por acordo [artigo 7.º da PI e 5.º da contestação] e fls. 34 dos autos, numeração SITAF;
4) Em 27-09-2016 foi a ora impugnante notificada da avaliação mencionada no ponto anterior – por acordo [artigo 11.º da PI e 5.º da contestação] e fls. 35 dos autos, numeração SITAF;
5) Em 29-12-2016 a impugnante apresentou no SF de Albergaria-a-Velha um pedido de correcção oficiosa da referida avaliação, por entender que as áreas constantes da avaliação mencionada em 3) não estavam correctas, apresentando declaração Modelo 1 do IMI – por acordo [artigo 8.º da PI e 6.º da contestação];
6) Na sequência do pedido anterior, foram aceites as áreas indicadas pela ora impugnante, tendo sido fixado o VPT de € 1.534.540,00 – por acordo [artigo 9.º da PI e 6.º da contestação] e fls. 36 dos autos, numeração SITAF;
7) A AT procedeu à liquidação adicional de IMI, referente ao ano de 2014, incidente sobre o prédio identificado em 1) e tendo por referência o VPT mencionado em 3), tendo resultado imposto a pagar, até ao dia 31-01-2018, no total de € 6.921,73 – cfr. fls. 46 dos autos, numeração SITAF;
8) A ora impugnante procedeu ao pagamento da liquidação mencionada na alínea antecedente – cfr. resulta de fls. 68 a 71 dos autos, numeração SITAF;
9) Em 01-03-2018 a ora impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação mencionada no ponto anterior – cfr. fls. 42 dos autos, numeração SITAF;
10) A reclamação graciosa aludida na alínea antecedente foi indeferida por despacho de 23-07-2018, tendo como fundamentação que a ora impugnante deveria ter reagido contra o VPT de € 3.142.520,00, requerendo, no prazo de 30 dias, após a sua notificação, uma segunda avaliação, pelo que o valor dessa avaliação oficiosa consolidou-se, tornando-se definitiva e, ainda, que quanto à avaliação solicitada no requerimento apresentado em 29-12-2016 e realizada em 2017, em que foi atribuído o VPT de € 1.534.540,00 só produz efeitos para futuro a partir da data da sua apresentação – cfr. fls. 54 a 56 [projecto de decisão]; fls. 64 [informação que antecede o despacho de indeferimento] e fls. 63 [despacho de indeferimento, que remete para a informação que o antecede e para o projecto de decisão], todas dos autos, numeração SITAF;
11) Do indeferimento da reclamação graciosa foi a ora impugnante notificada pelo ofício n.º 200522, datado de 13-07-2018 e expedido sob registo postal nesse mesmo dia – cfr. fls. 65 e 66 dos autos, numeração SITAF;
12) Em 08-10-2018 foi apresentada a presente impugnação judicial – cfr. fls. 1 dos autos, numeração SITAF.
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Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.
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O Tribunal alicerçou a sua convicção com base na posição assumida pelas partes bem como no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos e ao PA apenso.
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II.2. Fundamentação de Direito

Importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de direito que lhe são imputados pelo Recorrente.

A Recorrente argumenta, em síntese, que a sentença padece de erro de julgamento de direito por ter considerado que a Administração tributária podia determinar o IMI de 2014 com base numa avaliação efetuada em 2016, o que entende violar o princípio da retroatividade das normas fiscais e o princípio da certeza jurídica, plasmados nos arts. 2.º e 103.º da CRP, e por ali se se ter entendido ser possível fazer retroagir o VPT fixado em 2016 à data da conclusão das obras de melhoramento do prédio, nos termos do n.º 3 do art. 113.º do CIMI, sem se ter apurado a base factual para tanto, pois o Tribunal não dispunha de elementos probatórios que lhe permitissem concluir que as referidas obras terminaram antes do final de 2014.

Com relevância para a decisão a proferir neste recurso, lê-se o seguinte na sentença proferida pelo Tribunal a quo:
(…)
Ora, para aferir se a AT podia (ou não) fazer-se valer de um VPT fixado em 2016 para determinação do IMI referente ao ano de 2014, importa ter em atenção o seguinte enquadramento jurídico.
Estatui o artigo 13.º, do Código do IMI que:
«1 – A inscrição de prédios na matriz e actualização desta são efectuados com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo, no prazo de 60 dias contados a partir da ocorrência de qualquer um dos seguintes factos:
(…)
d) Concluírem-se obras de edificação, de melhoramento ou outras alterações que possam determinar variação do valor patrimonial tributário do prédio;
(…)
3 – O chefe de finanças competente procede, oficiosamente:
a) À inscrição de um prédio na matriz, bem como às necessárias actualizações, quando não se mostra cumprido o disposto no n.º 1;
Daqui decorre que o sujeito passivo tem a obrigação de apresentar declaração de actualização matricial de um determinado prédio sempre que se concluírem obras de melhoramento, sendo que, no caso versado, concluídas as obras de melhoramento/ampliação o sujeito passivo não apresentou, dentro do prazo legal, a respectiva declaração de actualização da inscrição matricial do prédio em questão.
Nesta conformidade, a AT, oficiosamente, promoveu a inscrição na matriz dessa actualização do prédio, em conformidade com o disposto no artigo 13.º, n.º 3, alínea a), do Código do IMI.
Promovida essa actualização, impunha-se, subsequentemente, que a AT procedesse a nova avaliação do prédio em questão, atenta a conclusão das obras de melhoramento/ampliação, o que assim fez, vindo, em 2016, a atribuir o VPT de € 3.142.520,00.
Importa salientar que, segundo o artigo 37.º, n.º 4, do Código do IMI a avaliação reporta-se à data do pedido de inscrição ou actualização do prédio na matriz [ou da data em que tal pedido de inscrição ou actualização do prédio na matriz deveria ter sido apresentado].
Ou seja, no caso versado, a avaliação será reportada ao momento da conclusão das obras de melhoramento/ampliação do prédio, que, no caso versado, nem sequer vem alegado que não foram concluídas antes de 2014.
Por sua vez, cumpre, ainda, chamar à colação o disposto no artigo 113.º, n.º 3, do Código do IMI que dispõe que, «Logo que a avaliação de prédio omisso, melhorado, modificado ou ampliado se torne definitiva, liquida-se o imposto a que houver lugar, com observância do disposto no n.º 1 do artigo 116.º.», ou seja, com respeito pelo instituto da caducidade do direito à liquidação previsto nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT).
Sobressai daqui que, consolidando-se na ordem jurídica a avaliação efectuada a um prédio na sequência de obras de melhoramento/ampliação, a Administração Tributária procederá à liquidação do IMI devido desde o ano da conclusão das obras de melhoramento/ampliação até ao momento em que forem efectuadas essas liquidações, com respeito, naturalmente, pela caducidade do direito à liquidação.
Posto isto, considerando que a impugnante nem sequer alegou que as obras de melhoramento/ampliação não foram concluídas antes de 2014, a avaliação que foi efectuada na sequência dessas obras reportar-se-á à data da sua conclusão e, considerando que o VPT fixado em 2016, no montante de € 3.142.520,00, tornou-se definitivo, em virtude de não ter sido, em tempo, requerida uma segunda avaliação, passou a AT a poder proceder à liquidação de IMI com data reportada à da conclusão das obras [uma vez que é a essa data que se reporta a avaliação], desde que cumprindo o vertido nos artigos 45.º e 46.º, da LGT, o que, efectivamente, se verifica, pois que, para que tal assim não fosse, em relação a IMI/2014, necessário seria que o sujeito passivo fosse notificado dessa liquidação depois de 31-12-2018, o que não sucedeu, tendo sido, bastante antes, notificada do acto de liquidação impugnado.
(…)

Ou seja, e em síntese, o Tribunal a quo decidiu que não tendo a Recorrente procedido à atualização da matriz quando o devia ter feito – ou seja, uma vez concluídas as obras que determinaram a variação do valor patrimonial tributário do prédio, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do art. 13.º do CIMI -, cabia ao Chefe de Finanças proceder oficiosamente à mesma [nos termos do disposto na alínea a) do n.º 3, do mesmo art. 13.º], reportando-se a avaliação à data em que o pedido de atualização deveria ter sido apresentado (cf. n.º 4 do art. 37.º do CIMI), o que, conjugado com o disposto no n.º 3 do art. 113.º do mesmo CIMI (no qual se dispõe que logo que a avaliação de prédio omisso, melhorado, modificado ou ampliado se torne definitiva, liquida-se o imposto a que houver lugar”) legitimava a entidade Recorrida a efetuar a liquidação em crise, que assim seria válida.

Ora, o Tribunal a quo chega a esta conclusão sem ter apurado em que data foram concluídas as obras que determinaram a variação do valor patrimonial tributário do prédio, escudando-se para tanto no facto de a Recorrente não ter alegado que as obras não tinham sido concluídas antes de 2014.

Sucede, no entanto, que a Administração tributária não está autorizada a efetuar liquidações de imposto que extravasem os estritos contornos da lei, a que deve obediência, tal como resulta do disposto no n.º 3 do art. 103.º, in fine, da Constituição da República Portuguesa.

No procedimento administrativo tributário, esta diretriz constitucional tem concretização também no art. 58.º da LGT, no qual se dispõe que “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido” (destacado nosso).

De facto, “dizer que não há imposto sem lei significa, também, dizer que só pode haver lugar a tributação na medida em que seja feita prova da verificação dos factos previstos na hipótese da norma. Importa, pois que a verdade apurada no procedimento corresponda, o mais possível, à verdade material”, motivo pelo qual, na supracitada disposição se consagra a obrigação de no procedimento a Administração obedecer ao princípio do inquisitório, verificando da existência dos pressupostos fácticos do preenchimento das normas que impõem a tributação e “ainda que de tal resulta a cobrança de menos imposto” (cf. MORAIS, Rui Duarte – Manual de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra: Almedina, 2012, pág. 63), pois só assim atuará dentro dos parâmetros da legalidade.

Ora, perscrutada a demonstração de liquidação adicional de IMI referente a 2014 em questão (cf. fls. 68 a 71, do PAT, numeração do SITAF), em parte alguma se encontra a informação referente à data da conclusão das obras, que, nos termos das várias disposições legais aqui citadas, era o fundamento factual que legitimaria a Administração fiscal a proceder à atualização oficiosa da matriz, por um lado, atento o disposto na alínea a) do n.º 3, conjugada com o disposto na alínea d) do n.º 1, ambas do art. 13.º do CIMI, e a fazer reportar a liquidação oficiosa ao ano de 2014, nos termos do disposto no art. 37.º, n.º 4 (do qual decorria, no caso em apreço, que a avaliação se reportava ao momento da conclusão das obras de melhoramento/ampliação do prédio) conjugado com o disposto no art. n.º 3 do art. 113.º do mesmo CIMI (que fazia depender a liquidação da consolidação da avaliação, que no caso ocorrida no momento da conclusão das obras).

De sublinhar ainda o facto de no n.º 4 do art. 13.º do CIMI resultar ainda que as inscrições ou atualizações matriciais devem referir não apenas o ano em que tenham sido efetuadas, como também os elementos que as justifiquem.

Assim sendo, não podia o Tribunal a quo ter concluído pela legalidade da liquidação de imposto em causa, sendo que antes deveria ter dado razão à Impugnante, aqui Recorrente, atendendo a que, e independentemente da qualificação jurídica que a mesma faz das circunstâncias em que a liquidação foi efetuada, o que se constata é que não se conforma com a circunstância de a Administração fiscal ter feito retroagir ao ano de 2014, uma avaliação oficiosa efetuada em 2016.

Donde, e com os elementos de facto que possuía, de entre os quais sobressai a inexistência de indicação na liquidação oficiosa de IMI da data que foi considerada pela Administração como sendo a relevante para a conclusão das obras, e que a legitimaria, nos termos expostos, a efetuar a referida liquidação, a requalificação jurídica dos factos de que dispunha efetuada pelo Tribunal a quo, nos termos do disposto no art. 5.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, na qual se consagra o princípio iura novit curia, deveria tê-lo levado a conclusão diversa, no caso, à anulação da liquidação por manifesto erro de facto e direito nos pressupostos, o primeiro, por omissão da indicação do facto que permitia à Administração fiscal ter efetuado a liquidação, e o segundo, por assim interpretar erradamente, não só as citadas disposições do CIMI, como ainda, o disposto no art. 58.º da LGT.

Tanto é quanto basta para que se julgue procedente o presente recurso, e se anule o ato impugnado, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões invocadas pela Recorrente [cf. n.º 2 do art. 608.º ex vi n.º 2 do art. 663.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].

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Em face do seu decaimento, é a entidade Recorrida condenada em custas [cf. art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT], em ambas as instâncias.
No entanto, não lhe é devida a taxa de justiça pelo impulso processual, visto que não contra-alegou (cf. art. 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais – RCP -, ex vi art. 189.º, n.º 2 do CPTA), nada sendo também devido a título de encargos, por não se terem verificado.
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

Em face da inscrição oficiosa na matriz nos termos do disposto na alínea a) do n.º 3, do art. 13.º do CIMI, por a mesma não ter sido feita pelo sujeito passivo aquando da conclusão das obras que determinaram a variação do valor patrimonial tributário do prédio, como resultava do disposto na alínea d) do n.º 1 do art. 13.º do CIMI, não podia o Tribunal a quo ter concluído pela legalidade da liquidação de imposto em causa, efetuada nos termos do disposto no n.º 3 do art. 113.º conjugado com o disposto no n.º 4 do art. 37.º do mesmo CIMI, atendendo a que da liquidação não consta a indicação da data que foi considerada pela Administração como sendo a relevante para a conclusão das obras.

Com efeito, não podia o Tribunal a quo ter ignorado esta circunstância, pelo que a requalificação jurídica dos factos efetuada, nos termos do disposto no art. 5.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, deveria tê-lo levado a conclusão diversa, no caso, à anulação da liquidação por manifesto erro de facto e direito nos pressupostos, o primeiro, por omissão da indicação do facto que permitia à Administração fiscal ter efetuado a liquidação, e o segundo, por assim interpretar erradamente, não só as citadas disposições do CIMI, como ainda, o disposto no art. 58.º da LGT.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, e em consequência, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente, anulando o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa proferido pela Autoridade Tributária e Aduaneira – Direção de Finanças de Aveiro, referente à liquidação de IMI de 2004 em causa.
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Custas pela Fazenda Pública, em ambas as instâncias.
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Porto, 11 de março de 2021
Margarida Reis (relatora) - Maria do Rosário Pais (em substituição) – Paulo Moura.