Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00880/09.4BECBR |
![]() | ![]() |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 03/14/2023 |
![]() | ![]() |
Tribunal: | TAF de Coimbra |
![]() | ![]() |
Relator: | Irene Isabel Gomes das Neves |
![]() | ![]() |
Descritores: | EBF; AUDIÊNCIA PRÉVIA; PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO |
![]() | ![]() |
Sumário: | I. A falta da audição prévia dos interessados, quando não esteja dispensada, constitui um vício de forma do acto final do procedimento tributário, resultante da preterição de formalidade essencial para a sua prática, que conduz à anulabilidade. II. A intervenção das partes em sede de audiência prévia sobre projecto de relatório final do procedimento inspectivo cujo âmbito e incidência apenas reflecte a cessação da isenção concedida em sede IRC e, em momento algum alude a cessação da isenção concedida em sede de IMI não opera para efeitos de se haver como efectivada a participação do contribuinte no processo de formação do acto de cessação do benefício fiscal em sede de IMI e das subsequentes liquidações do imposto, dado que as questões do alcance material e temporal da não manutenção dos pressupostos da isenção não foram apreciadas no referido processo inspectivo. III. A possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do acto exige um exame casuístico, com vista a aferir se se está, ou não, perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento ser influenciada pela participação da requerente.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. «Fundação X» (Recorrente) notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação judicial em sequência do indeferimento das reclamações graciosas deduzidas contra as liquidações de IMI, relativas aos anos de 2004 a 2008, no valor global de € 20.554,37 euros, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «1) Os atos de liquidação impugnados referentes aos anos de 2005 a 2008 deviam ser anulados, por preterição da audição prévia prevista no artigo 60.º da LGT, na redação aplicável à data dos factos; 2) Complementarmente, neste concreto segmento, a decisão “sub judice” está em clara e flagrante oposição com outra decisão, proferida pelo mesmo tribunal, datada de 4/7/2014, tirada no âmbito do processo n.º 211/11.3BECBR que, com trânsito em julgado, anulou a liquidação do IMI referente ao ano de 2009, relativamente ao mesmo prédio, à mesma contribuinte e com base na procedência do vício de preterição de audição; 3) Verifica-se, portanto, uma exceção de caso julgado material, devendo ser aplicada a decisão que em primeiro lugar transitou em julgado, ou seja, a referida em 2) das conclusões e por isso, deve ser revogada a sentença na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial. 4) A sentença “sub judice” padece de insuficiência de matéria de facto provada para a decisão proferida, pois dos pontos V), W) e X) não há referência ao período temporal de alegada cedência de 4 salas a salas a entidade terceira, mormente no período compreendido entre 2005 e 2008, salientando-se que inexiste qualquer presunção de veracidade dos factos constantes do(s) relatórios de inspeção (princípio este violado na sentença ao conexionar com alegadas obras no edifício afeto à Escola ...); 5) E mesmo com referência ao ano de 2007 (cfr. ponto X) da matéria de facto considerada provada), a 1.ª instância não considerou provada qualquer conexão, muito menos direta, com o imóvel cujas liquidações de IMI foram impugnadas e o documento constante de fls. 345 e 346 do P.A.; 6) De acordo com a própria matéria de facto considerada provada, as instalações estiveram sempre destinados diretamente à prossecução dos fins da IPSS, ora recorrente, no segmento de apoio a crianças e jovens no âmbito de atividades educativas (com respaldo estatutário) e por conseguinte, mal andou a sentença “sub judice” na interpretação e aplicação do referido normativo, violando a alínea f) do n.º 1 do artigo 40.º do EBF. 7) Sem prescindir, pugnando a AT e o tribunal que se verificou uma afetação parcial das instalações da IPSS a terceira entidade (ainda que para benefício de alunos do 1.º ciclo), a alínea f) do n.º 1 do artigo 40.º do EBF permite/impunha que a tributação fosse apenas parcial e com referência às 4 salas, continuando a «Fundação X», ora recorrente, a beneficiar da isenção do IMI relativamente ao remanescente das instalações; 8) Por conseguinte, deve a sentença “sub judice” ser revogada, substituindo-a por outra que julgue totalmente procedente a impugnação judicial atravessada nos autos. Face ao exposto e por tudo o mais que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser admitido presente recurso, revogando-se a sentença “sub judice” e julgando-se totalmente procedente a impugnação judicial, também no segmento das liquidações de IMI referentes aos anos de 2005 a 2008, com todas as consequências legais.» 1.2. A Recorrida Fazenda Pública, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 476 SITAF, no sentido da improcedência do recurso. 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes: Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito (i) ao ter considerado que não ocorreu preterição da audiência prévia prevista no artigo 60º da LGT, a não ser assim considerado, (ii)da verificação de excepção do caso julgado, atento o decidido nos autos nº 211/11.3BEBCR, (iii) da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão proferida ao não concretizar temporalmente a utilização das 4 salas fundamento da cessação da isenção e subsequente, (iv) erro de julgamento de direito ao não considerar a cessação parcial ; 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1.ª instância e respectiva fundamentação: «A) Os Serviços de Inspeção da Direção de Finanças ... realizaram uma ação inspetiva à Impugnante – conforme documento a folhas 2 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; B) No âmbito da ação inspetiva a que se alude em A) foi elaborado documento com a menção “Acta n.º ...68”, datado de 25.06.2008, sob o assunto: “Verificação de Pressupostos de Isenção de IRC – Artº 10º do Código do IRC, nos termos do artº 6º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e do cumprimento de obrigações fiscais”, do qual consta conforme segue: «(...) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)» – conforme documento a folhas 194 a 210 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; C) Sobre o documento a que se alude em B) foi exarado despacho do chefe da Divisão de Inspeção Tributária I, datado de 07.07.2008, do qual consta conforme segue: «Visto. Dos controlos efectuados pela Inspecção Tributária não se confirmaram as condições para que o S.P. beneficie da isenção do IRC previsto no art.º 10.º do CIRC. Assim, resultando actos desfavoráveis ao S.P., designadamente por “aplicação de contra-ordenação” deve o contribuinte ser notificado para efeitos de audição prévia, prevista no Art.º 60.º da L.G.T. e do Art.º 60.º do RCPIT, para o que se fixa o prazo de 10 dias (...)» – conforme documento a folhas 194 a 210 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; D) Em 22.07.2008 foi recebido na Direção de Finanças ..., requerimento em nome da Impugnante com vista a “responder” ao teor do documento a que se alude em B) – conforme documentos a folhas 211 a 215 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; E) No âmbito da ação inspetiva a que se alude em A) foi elaborado documento com a menção “Acta n.º ...68”, datado de 28.07.2008, sob o assunto: “Verificação de Pressupostos de Isenção de IRC – Artº 10º do Código do IRC, nos termos do artº 6º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e do cumprimento de obrigações fiscais”, do qual consta conforme segue: «(...) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)» – conforme documentos a folhas 217 a 346 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; F) O documento a que se alude em E) é integrado pelos seguintes anexos: «(...) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)» – conforme documentos a folhas 236 a 346 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; G) Do documento denominado “Estatutos da «Fundação X»” sob o Anexo II a que se alude em F), consta conforme segue: «(...) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)» – conforme documento a folhas 266 a 272 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; H) Sobre o documento a que se alude em E) foi exarado despacho do chefe da Divisão de Inspeção Tributária I, datado de 04.08.2008, do qual consta conforme segue: «Visto. Concordo com o proposto. Notifique-se o contribuinte por remessa de cópia deste Relatório Final (...)» – conforme documentos a folhas 217 a 346 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; I) A Direção de Finanças ... dirigiu à Impugnante ofício datado de 06.08.2008, do qual consta conforme segue: «(...) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)» – conforme documento a folhas 216 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; J) A Autoridade Tributária emitiu em nome da Impugnante liquidações de IMI relativas aos anos de 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008 (a pagar em duas prestações), no valor global de 20.554,37 euros – conforme documentos a folhas 17 a 21 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; K) Em 27.04.2009 foi recebida no Serviço de Finanças ..., “Reclamação Graciosa” em nome da Impugnante, contra as liquidações a que se alude em J) – conforme documentos a folhas 13 a 110 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; L) A “reclamação” a que se alude em K) deu origem à instauração dos processos de reclamação graciosa n.os ...20, ...38, ...46, ...54 e ...62, todos do Serviço de Finanças ... – conforme documentos a folhas 2, 8 e 127 a 138 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; M) Em 08.10.2009 foi prestada, no âmbito dos processos a que se alude em L), informação da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças ..., da qual consta conforme segue: «(...) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)» – conforme documento a folhas 117 a 120 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; N) Sobre a informação a que se alude em M) foi exarado despacho do chefe da Divisão de Justiça Tributária, datado de 20.10.2009, do qual consta conforme segue: «Confirmo o sentido proposto do pedido da R. ser indeferido, nos termos e fundamentos constantes da informação e parecer que seguem. Notifique-se nos termos e para efeitos do art. 60º da LGT. (...)» – conforme documento a folhas 117 a 120 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; O) A Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças ..., remeteu à Impugnante, no âmbito dos processos a que se alude em L), ofício datado de 21.10.2009, do qual consta conforme segue: «(...) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)» – conforme documentos a folhas 121 e 121-verso do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; P) Em 10.11.2009 foi recebido na Direção de Finanças ..., requerimento em nome da Impugnante, com vista a “responder” à “proposta de indeferimento à reclamação graciosa apresentada” – conforme documento a folhas 122 e 123 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; Q) Em 11.11.2009 foi prestada, no âmbito dos processos a que se alude em L), informação da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças ..., da qual consta conforme segue: «(...) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)» – conforme documento a folhas 124 e 125 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; R) Sobre a informação a que se alude em Q) foi exarado despacho do chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças ..., datado de 16.11.2009, do qual consta conforme segue: «Concordo, pelo que atento o direito de audição exercido pela R., nos mesmos e precisos termos que sustentaram o projecto de decisão notificado, tornando-o agora definitivo INDEFIRO o pedido, como vem promovido. Procedimentos consequentes. (...)» – conforme documento a folhas 124 e 125 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; S) A Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças ..., remeteu à Impugnante, no âmbito dos processos a que se alude em L), ofício datado de 16.11.2009, do qual consta conforme segue: «(...) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)» – conforme documentos a folhas 126 e 126-verso do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; T) O ofício a que se alude em S) foi recebido em 18.11.2009 – conforme documentos a folhas 126 e 126-verso do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; U) A atividade da Impugnante inclui as valências de creche, pré-escolar, ATL e academia de música; V) A Impugnante cedeu à Escola ... quatro salas sitas no 1.º piso do edifício onde se situam as suas instalações, com vista à instalação de quatro turmas do 1.º ciclo – por admissão; W) A cedência das salas a que se alude em V) ocorreu durante a realização de obras no edifício sede da Escola ..., localizado em prédio distinto daquele onde a Impugnante possui as suas instalações; X) A Impugnante emitiu em nome da Escola ... documento denominado “recibo nº ...23”, datado de 12.01.2007, com as menções “Comodato de instalações escolares – ano 2007 Cheque ...11 – Total 10.000,00 €” – conforme documentos a folhas 345 3 346 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; Y) A petição inicial da impugnação foi recebida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 02.12.2009 – conforme registo do SITAF a folhas 1 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido. * III.2. FACTOS NÃO PROVADOS Inexistem. * III.3. MOTIVAÇÃO O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados. Quanto aos factos sob as alíneas U) a W) dos factos provados, a convicção do Tribunal formou-se com base no depoimento das três testemunhas inquiridas, as quais depuseram com segurança e coerência tendo-se, por isso, e atenta a respetiva razão de ciência, mostrado credíveis e convincentes ao Tribunal.» 2.2. De direito Menciona a Recorrente, em primeira linha, a incorrecção do julgamento ao considerar que « (...) em face da cessação “ope legis” do benefício em causa, da qual resulta a desnecessidade de declaração prévia/revogação nesse sentido queda, sem mais, por prejudicado, tudo quanto foi invocado pela Impugnante no pressuposto da prática pela Autoridade Tributária de um ato administrativo prévio à extinção do benefício fiscal em causa e, consequentemente, tudo quanto foi invocado no sentido da preterição da respetiva audição previamente a tal (pressuposto) ato.», reiterando que “Os atos de liquidação impugnados referentes aos anos de 2005 a 2008 deviam ser anulados, por preterição da audição prévia prevista no artigo 60.º da LGT, na redação aplicável à data dos factos;” (vide conclusão 1)) e chamando à colacção a decisão proferida pelo TAF de Coimbra, datada de 04.07.2014, proferida no âmbito do processo n.º 211/11.3BECBR, transitada em julgado, a qual anulou a liquidação do IMI referente ao ano de 2009, relativamente ao mesmo prédio, à aqui Recorrente com base na procedência do vício de preterição de audição. Vejamos. Alicerça a sentença em recurso a desnecessidade da aplicação do princípio da participação (audiência prévia), sustentada em suma no facto de estarmos perante um beneficio fiscal sujeito a reconhecimento em que assim que deixam de verificar-se os pressupostos que o determinaram, ocorre a cessação ope legis dos efeitos do acto de reconhecimento, não se exigindo declaração administrativa nesse sentido, nem acto revogatório, afirmando ser esse o entendimento que decorre do estatuído no citado artigo 40.º, n.º 8 do EBF em adesão à recente jurisprudência do acórdão do STA de 22.05.2019, proferido no processo n.º 169/16.2BEMDL. Uma primeira nota se impõe, qual seja a da contextualização e interpretação do citado acórdão fundamento. Ora desde logo, cumpre atentar que naqueles autos estava em causa a extinção de um benefício fiscal dependente de reconhecimento da administração tributária, consubstanciado na isenção de um tributo periódico sobre o património (IMI), estatuído no artigo 44.º/1 h) do EBF, decorrendo do probatório, que por decisão de 24.02.2012 o SLF de Ponta Delgada deferiu pedido de isenção de IMI relativamente ao imóvel a que os autos se reportam, ao abrigo do disposto no citado artigo 44º (estabelecimento de ensino particular integrado no sistema educativo) e, que no exercício de 2014, a impugnante/recorrida não entregou os montantes retidos na fonte, a título de IRS, sendo certo que tais montantes vieram a ser, entretanto, pagos em 02/2015. Acresce, com pertinência para nós, que após o exercício do direito de audição prévia, facultado em expresso para o efeito, em 03.12.2015 o SF de Ponta Delgada considerando improcedente argumentação deduzida em sede de audição prévia manteve o sentido e alcance da proposta de cessação dos benefícios fiscais (artigo 14º do EBF), referente à liquidação de IMI relativa ao ano de 2014. Ora, expostos os factos, temos que a decisão levada a apreciação do Tribunal Superior se prendia em estabelecer se perante uma cessão de isenção, a mesma implicava um novo acto de reconhecimento, ou uma simples suspensão, que por si determinaria que com o pagamento do IRS no ano de 2015, o levantamento da mesma operaria, ou seja, sobre o alcance dos efeitos da cessão do beneficio fiscal. É neste contexto que no acórdão do STA se considerou que : «(...) o legislador, usando da liberdade de conformação da lei que lhe assiste, para os casos em que os interessados que estavam a fruir de benefícios fiscais incorrerem em situação irregular relativamente às suas obrigações tributárias de pagamento, que se mantinha nas datas fixadas no n.º 7 do art. 14.º, estabeleceu consequências diversas consoante os benefícios fiscais sejam automáticos ou sujeitos a reconhecimento: suspensão dos efeitos do benefício fiscal, no primeiro caso, e cessação dos efeitos do acto de reconhecimento, no segundo caso. No caso sub judice, porque a ora Recorrida se mantinha em situação tributária irregular em 31 de Dezembro de 2014, os efeitos do acto de reconhecimento do benefício fiscal cessaram nessa data por mero efeito da lei (ope legis), não sendo necessária declaração alguma da AT nesse sentido e, muito menos, qualquer acto de revogação. Nessa data, 31 de Dezembro de 2014, os efeitos do acto de reconhecimento do benefício fiscal cessaram. Assim, não pode sustentar-se a manutenção dos efeitos desse acto no ano de 2015, reconduzindo a situação a uma suspensão dos benefícios, como a que o n.º 6 do art. 14.º prevê para os benefícios fiscais automáticos. É esta a única interpretação que salvaguarda a diferença estabelecida pelos n.ºs 5 e 6 do art. 14.ºdo EBF. Na verdade, como bem salientou a Recorrente, a tese adoptada pela sentença e pela Recorrida significaria, afinal, a existência de um único regime, quer para os benefícios fiscais automáticos quer para os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, pois a situação tributária irregular do interessado sempre teria como consequência a suspensão dos efeitos do benefício fiscal enquanto se mantivesse aquela situação. Não se pretenda extrair argumento algum em sentido contrário da parte final da alínea a) do n.º 5 do art. 14.º do EBF («e se mantiver a situação de incumprimento»). É que esse segmento da norma deve ser interpretado conjugadamente com o n.º 7 do mesmo artigo. O que significa que, no caso sub judice, a situação de incumprimento só irrelevaria caso já não se mantivesse em 31 de Dezembro do ano em que se iniciou (ou seja, no caso, 2014), o que não ocorreu.» (fim de citação do acórdão do STA de 22.05.2019) Após este aparte, cientes de que o presente recurso se cinge ao julgamento efectuado na sentença recorrida, cumpre a este Tribunal ad quem apreciar e decidir se a emissão dos actos de liquidação de IMI ocorreu com preterição de audição prévia da Fundação e, se sim, da sua eficácia invalidante. Vejamos: Avançando para o enquadramento jurídico relevante, em suma, temos que consagra o artigo 267º, nº.5, da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou, inicialmente, este direito no artigo 100º, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo dec.lei n.º 442/91, de 15.11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artigo 60º, da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17.12 (cf. ainda artigo 45º, do Código de Procedimento e Processo Tributário). O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cf. acórdão do S.T.A, 02.07.2003, in recurso n.º 684/03; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.). A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr. artigo 135º, do CPA; Diogo Leite de Campos e Outros, ob. cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437). Assim, há data dos factos, dispunha o art.º 60.º da LGT que: Princípio da participação 1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) Direito de audição antes da liquidação; b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições; c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal; d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção; e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária. 2 - É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável. 3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado. 4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte. 5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação. 6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias. 7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão. Como se referiu no Acórdão do STA de 23.01.2008, proferido no recurso n.º 837/07: “(… ) O direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da administração que lhes disserem respeito está hoje constitucionalmente consagrado no n.º 5 do artigo 267.º da CRP e concretizado nos artigos 100.º do CPA e 60.º da LGT. O exercício desse direito constitui uma importante manifestação do princípio do contraditório e uma sólida garantia de defesa dos direitos do administrado, sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência como um princípio estruturante da actividade administrativa cuja violação ou incorrecta realização se traduz numa violação de uma formalidade essencial que, em princípio, é determinante da ilegalidade do próprio acto. Todavia, nem sempre assim acontece, pois em casos excepcionais a lei dispensa o seu cumprimento e noutros a mesma pode degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, ser omitida sem que daí resulte ilegalidade determinante da anulação do acto. É o que sucede, por exemplo, quando está em causa uma actividade vinculada da administração em que a decisão não poderia ser outra que não a efectivamente tomada. Há, nessas situações, e não padecendo o acto de outros vícios, designadamente o de violação de lei, a aplicação do princípio do aproveitamento do acto, entendendo-se que não se justifica a anulação do acto, apesar da preterição do direito de audição, na medida em que a decisão tomada seria a única c oncretamente possível (… )”. Volvendo aos autos, temos que a Recorrente, à semelhança do que havia sustentado em sede de Reclamação Graciosa, refere que houve preterição do dever de audiência prévia da Fundação e, consequentemente, violação do seu direito à participação, por sua vez a Recorrida na apreciação e decisão de Reclamação graciosa estriba o seu cumprimento no facto de a Impugnante/recorrente ter sido notificada do “(...) projecto de indeferimento, com incidência mais abrangente que o pedido de isenção de IRC, englobando também os benefícios fiscais em sede de IMI, tendo mesmo exercido o direito de audição em 2004.10.08/ Como foi referido, o facto de ter exercido o direito de audição é que ocasionou nova intervenção dos Serviços de inspecção e a elaboração da Adenda ao despacho n.º ...07, de 2007/07/09, do Sr. Secretário Estado Assuntos Fiscais, onde se mantém a cessação de IMI, Sendo o Despacho de 2007-07-09, concordante com a informação que lhe foi subjaz e esta no seu ponto “D” expressamente propor o fim do Beneficio Fiscal em sede de IMI, deixa de fazer sentido o argumento do ponto 4) expresso no direito de audição.” (cf. item Q) do probatório). Atenhamo-nos aos factos que relevam, ou seja, aqueles que antecedem as liquidações de IMI impugnadas, nomeadamente a acção inspectiva que lhe está subjacente. Os serviços de inspecção da Direcção de Finanças ... realizaram uma inspecção à Recorrente com o âmbito de “Verificação de Pressupostos de Isenção de IRC – artigo 10º do Código do IRC, nos termos do artigo 6º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e do cumprimento de obrigações fiscais” (item B) do probatório), em 07.07.2008 foi proferido despacho do Chefe da Divisão de Inspecção Tributária do seguinte teor “«Visto. /Dos controlos efectuados pela Inspecção Tributária não se confirmaram as condições para que o S.P. beneficie da isenção do IRC previsto no art.º 10.º do CIRC./ Assim, resultando actos desfavoráveis ao S.P., designadamente por “aplicação de contra-ordenação” deve o contribuinte ser notificado para efeitos de audição prévia, prevista no Art.º 60.º da L.G.T. e do Art.º 60.º do RCPIT, para o que se fixa o prazo de 10 dias (...)» (conforme documento a folhas 194 a 210 do P.A., item c) do probatório). Pela Recorrente foi exercido o seu direito de resposta por via do requerimento apresentado em 22.07.2008 (vide item D) do probatório). Porém, no aludido relatório apenas se faz referência à questão da isenção de IRC de que a Impugnante/recorrente alegadamente não terá (teria) direito, sendo que relativamente ao IMI a únicas alusões que constam do projecto são “(...) Refira-se que este prédio está a aproveitar da isenção permanente de IMI, ao abrigo do n.º 1 al. f), do art. 40 do EBF, desde 2005....Da visita efectuada ao edifício da Fundação, (....) a) 4 salas do 1º andar estão arrendadas à Escola ... para funcionamento do 1º ciclo (...)” para em sede de conclusões se concluir “(...) não reúne os pressupostos para lhe ser concedida a isenção em sede de IRC (...)” e quanto ao IMI se referir que “(...) as obras de ampliação do edifício inicial foram participadas em 2005 através da entrega da respectiva Modelo 1 em 7 de Março daquele ano”, nada se determinando. Acresce que o despacho que concordando com o projecto de relatório e actos desfavoráveis daí advindos, ordena a notificação do sujeito passivo para efeitos de audição prévia, é antecedido do seguinte parecer que se nos releva pertinente “ Em face do relatado, e atento o disposto do artigo 6º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, confirmo o teor do presente relatório, concluindo que a Fundação não reúne os pressupostos para beneficiar da isenção prevista no artigo 10º do Código de IRC, sendo que, de resto, já se encontra enquadrada no regime geral de IRC, não propondo correcções aos valores declarados./ Em termos de IMI, já procedeu à entrega de Modelo 1 relativamente às alterações efectuadas ao edifício onde funcionam as suas instalações....”. Dos factos descritos, bem como da resposta exercida pela Fundação e Decisão final proferida que se lhe sucedeu, a conclusão final é tão só no sentido de que aquela não reúne os pressupostos de isenção de IRC – artigo 10º, n.º 3, alínea c), devendo, por conseguinte, manter-se no regime geral de tributação em que se encontra enquadrada (vide itens D), F) e H) do probatório). No que releva quanto à questão do IMI, ou cessação do respectivo benefício de que usufruía nada se diz e nada se projecta, antes pelo contrário alude-se ao mesmo em sede de projecto, mas em sentido oposto, ou seja, de que sendo reportada a situação de 4 salas estarem a ser ocupadas, daí não foram retiradas quaisquer ilações pelos SIT, antes pelo contrário, para um destinatário normal e em sede de IMI, o que releva é que AT valorizou o pedido de alterações apresentado para o efeito em 2005 e que nenhuma correção se impunha nesta sede. Pelo que nesta parte, não nos revemos na decisão sob recurso quando afasta a necessidade de audiência prévia assente no pressuposto que a cessação da isenção ocorre ope legis, não dependendo de qualquer acto revogatório ou expresso da administração. Acompanhamos as afirmações retiradas no acórdão do STA supra referenciado de 22.05.2019, mas o facto de não ser necessário um acto administrativo expresso ou revogatório da isenção concedida, assente que estamos no âmbito de uma isenção de caractér estrutural que opera por reconhecimento do Chefe de Serviço de Finanças da verificação dos seus pressupostos (art. 44º, n.º 1, al. f) do EBF), não invalida que a liquidação dos IMI(s), porque é disso que se trata, emitidas na sequência de um procedimento inspectivo se considerem tout court dispensadas do cumprimento do artigo 60º da LGT. Mais, atente-se que findo esse procedimento inspectivo foi determinado o cumprimento do artigo 60º da LGT atenta a existência de actos desfavoráveis, porém sobre o acto desfavorável que viria a ocorrer - cessação da isenção do IMI por deixarem de estar reunidos os pressupostos e inerentes liquidações de IMI de 2005 a 2008 – no projecto de relatório notificado para esse efeito, nada constava e nada nele existia conducente às liquidações impugnadas. Assim, contrariamente ao objectado na sentença sob recurso, somos de concluir que as liquidações impugnadas o foram em manifesta violação do principio da participação, por ausência de audiência prévia sobre as mesmas e sua fundamentação. Não restam dúvidas de que a operatividade da cessação do benefício fiscal reconhecido por Despacho do Chefe de Serviço de Finanças, depende de um procedimento inspectivo, in casu, e da constatação no mesmo de que não se mantinham os pressupostos da sua concessão a legitimar a emissão das liquidações na falta de um acto expresso administrativo a comunicar a cessação dos efeitos daquele reconhecimento de isenção. Porém, no caso que nos ocupa, não ocorreu um acto expresso de extinção ou cessação, sendo que tal acto não impedia a liquidação do IMI, desde que o sujeito passivo (a Fundação) fosse ouvida sobre as razões da cessação do benefício fiscal em causa ou sobre os termos das liquidações de IMI ora impugnadas. A preterição de audição prévia da contribuinte constitui fundamento de anulação do acto tributário em exame (artigo 60.º da LGT e artigo 135.º do CPA, então vigente). Mais se refere que não se verificam os pressupostos para a sua dispensa (artigo 60.º/3, da LGT), dado que a intervenção da parte no processo inspectivo para efeitos da cessação do fim da isenção em sede de IRC não opera, como vimos, para efeitos da participação do contribuinte no processo de formação do acto de cessação do benefício fiscal e de subsequente liquidação do imposto, dado que as questões do alcance material e temporal da cessação do benefício fiscal do IMI não foram apreciadas no referido procedimento inspectivo, muito pelo contrário as afirmações nele contidas são legitimamente susceptíveis de conduzirem à existência de pressupostos no sentido da sua manutenção. Ora, a falta da audição prévia dos interessados, quando não esteja dispensada, constitui um vício de forma do acto final do procedimento tributário, resultante da preterição de formalidade essencial para a sua prática, que conduz à anulabilidade. Temos, assim, a primeira questão, centrada na alegada preterição do direito de audição, resolvida em termos favoráveis à pretensão da Recorrente em sede recursiva, não se mostrando necessário acrescentar qualquer outro considerando ao que ficou dito. Apesar de não terem sido apresentadas contra-alegações, não podemos deixar de apreciar oficiosamente de qual o efeito invalidante da preterição do direito de participação in casu por contraposição ao principio do aproveitamento do acto. Não suscita dúvidas que a audiência dos interessados se destina, no essencial, a possibilitar a participação destes nas decisões que lhes digam respeito, o que permite que os mesmos contribuam para o completo esclarecimento dos factos e, nessa medida, para uma decisão mais ponderada e justa. Assim, em princípio, a omissão da audição dos interessados constitui uma preterição de formalidade legal determinante da anulabilidade do acto. Dizemos em princípio porque podemos considerar situações em que seja manifesto e evidente que a decisão eivada do vício de preterição de audição prévia, só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto. A jurisprudência do STA tem vindo a decidir que, não obstante a audiência prévia constituir uma importante manifestação do princípio do contraditório e visar associar o administrado à tarefa de preparar a decisão final e permitir-lhe participar e influenciar a formação da vontade da Administração, a degradação daquela formalidade em formalidade não essencial só ocorrerá quando, atentas as circunstâncias, a intervenção do interessado se tornar inútil – cfr. o Acórdão do STA, de 03.03.04, no recurso n.º 1240/02. Ou seja, como se disse no Acórdão do STA, de 24.10.2007, proferido no recurso n.º 429/07, “(…) nem sempre a omissão da audiência conduz à anulação do acto a que se reporta. Designadamente, deverá entender-se que não se justifica a anulação, apesar da preterição do direito de audição, nos casos em que se apure no processo contencioso que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final sobre as quais não tivesse já tido oportunidade de se pronunciar.” No entanto, como se acrescenta no aresto citado, “o princípio do aproveitamento do acto apenas poderá ser aplicado em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto, o que conduz, na prática, à sua restrição aos casos em que não esteja em causa a fixação de matéria de facto relevante para a decisão.” Como se assinala no acórdão do Pleno STA, de 22.01.14, proferido no processo nº 441/13, “… a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se podem degradar em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las. Consequentemente, e tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur”. Por isso, aquele direito não poderá deixar de ser assegurado sempre que não seja de afastar a possibilidade de a decisão do procedimento tributário ser influenciado pela intervenção do interessado e não haja outros valores constitucionalmente relevantes que se lhe contraponham – cfr. Acórdão do STA, de 24.09.2008, proferido no âmbito do processo n.º 0489/08. E, como ficou, ainda, consignado no Acórdão do STA, de 30.03.2011, processo n.º 877/09, referindo-se à aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, “(…) apenas nas situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto pode ser efectuada aplicação daquele princípio”. “O que exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso” - cfr. o Acórdão do Pleno supracitado. A referência para a aplicação do referido princípio deve ser a insusceptibilidade de a participação do interessado influenciar a decisão final, seja no seu sentido seja nos seus fundamentos – Acórdão do STA, de 25.06.2015, proferido no âmbito do processo n.º 01391/14. Certo é que, enquanto manifestação do direito de participação, constitucionalmente consagrado (Cfr. artigo 267.º, n.º 5, da CRP, que reza: «O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito»), a audiência prévia destina-se a assegurar esse direito, que deve poder exercer-se não só sobre a quantificação da matéria tributável, mas também sobre todas as outras questões de facto e de direito susceptíveis de influir na decisão do procedimento. E, mais se diga, que não colhe argumentar-se a favor do aproveitamento do acto a natureza dos vícios invocados em sede de impugnação judicial ou sequer com a sorte que tal invocação venha a merecer. Como também já esclareceu o STA, «[n]ão será pelos fundamentos invocados em sede de impugnação contenciosa do acto que se poderá aferir da relevância ou não do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto, mas antes pela sua susceptibilidade de influir sobre o conteúdo decisório do acto, motivo por que aquele direito não poderá deixar de ser assegurado sempre que não seja de afastar a possibilidade de a decisão do procedimento tributário ser influenciada pela intervenção do interessado» e, se é certo que a aplicação do princípio do aproveitamento do acto implica necessariamente um juízo a posteriori, «este deve ser um juízo de prognose póstuma, pelo que não pode nem deve ser influenciado pela improcedência dos demais vícios (para além da preterição do direito de audiência) invocados no processo em que o acto foi impugnado, sob pena de esvaziamento do direito de participação e de impossibilidade prática de verificação do vício resultante da preterição desse direito» - cfr. o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 15.10.2014, proferido no processo n.º 1374/13. No caso dos autos, atentos os seus contornos, poderia questionar-se se a circunstância de estarmos perante um acto vinculado, a decisão sempre teria que ser a mesma, independentemente da participação da Recorrente. Salientamos estar em causa a impugnação do acto emitido em 2008, que determinou a cessação da isenção de IMI de 2005 a 2008, de que então a Fundação nessa qualidade beneficiava na integra quanto ao prédio em questão. Ora, conforme consta do processo inspectivo (nomeadamente do seu projecto e parecer que recaiu sobre o mesmo), e bem assim da decisão emitida em sede de Reclamação Graciosa onde foi expressamente avançado o facto de “(f)uturamente com a entrega da modelo 1 de IMI, para modificação do prédio com partes susceptíveis de utilização em separado, nada obsta, em nosso entender, que a parte de prédio que directamente se destina à realização dos fins foi criada a Fundação, possa beneficiar de isenção nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 44 do EBF (vide item M) do probatório). Aliás, menção esta considerada no parecer aposto no projecto de oratório a que já aludimos “Em termos de IMI, já procedeu à entrega de Modelo 1 relativamente às alterações efectuadas ao edifício onde funcionam as suas instalações....”. Ora, indubitavelmente, a aqui Recorrida não teve em conta o Modelo 1 apresentado, a data em que foi, o estado do pedido efectuado. O que não aconteceria se a audiência tivesse sido realizada, e permitido ao interessado apresentar novos elementos e alertar para a existência da entrega atempada do Modelo 1, pedido de alterações e de ao abrigo da mesma poder manter parcialmente a isenção de IMI que lhe fora concedida. Ou seja, atentos os factos provados, podemos, com a segurança e certeza exigíveis, afirmar que, embora o acto impugnado possa ter sido praticado no âmbito de poderes vinculados, poderia a decisão não ser a mesma, na medida em que não foi tido em conta o Modelo 1 já apresentado quanto as alterações do edifício aquando do procedimento. Logo, pelo menos, a decisão em crise poderia não abranger a totalidade do edifício desde da data da entrega do Modelo. Não tendo sido assegurado o exercício do direito de audição, de modo a acautelar a reponderação da concreta situação tributária à luz dos elementos e das considerações que o contribuinte pudesse eventualmente trazer, nos termos do artigo 60.º da LGT, preteriu-se formalidade essencial do procedimento tributário, determinante da anulação do acto aqui impugnado. Importa apenas salientar que os actos administrativos praticados em sede de procedimento inspectivo e sem sede de Reclamação Graciosa não são os mesmos, existindo um direito de participação na formação de cada decisão, distinguindo-se das situações em que se considera haver convalidação do acto primário que enferme de vício de violação do direito de audição e o interessado veio a utilizar meios de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) e neles acabou por ter oportunidade de se pronunciar sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau. «Em situações deste tipo, quer o acto primário tenha sido mantido quer tenha sido revogado e substituído pelo acto de segundo grau, a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau, pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação. Porém, se a reclamação graciosa e o recurso hierárquico são facultativos e o interessado impugna contenciosamente o acto primário, não ocorrerá qualquer convalidação, subsistindo o vício de preterição do direito de audição, se o acto primário enfermava dele. Isto é, não é apenas por o interessado ter a possibilidade de impugnar administrativamente o acto primário, mas apenas quando tenha deduzido efectivamente uma impugnação e nela se tenha pronunciado sobre as questões sobre as quais era necessário dar-lhe oportunidade de se pronunciar, que se pode considerar convalidado o acto, por ter sido atingida, antes de ser concluída a actividade administrativa, a finalidade visada por lei com a concessão daquele direito» (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in ob.cit.). Assim, a preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só poderia considerar-se não essencial se se demonstrasse que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente; e, como vimos, poderia, eventualmente, ser diversa por força do Modelo 1 apresentado (atenta a fundamentação constante do acto impugnado). Nestas circunstâncias e no caso em apreço, não pode afirmar-se que a audiência prévia da impugnante fosse irrelevante ou inoportuna. No presente caso, havia que em procedimento próprio projectar uma decisão de alteração do benefício fiscal em sede de IMI até então concedido à Impugnante, sujeitando tal apontada intenção a audiência prévia daquela. Esta formalidade, in casu, não era irrelevante ou sequer ultrapassável, uma vez que a isenção em causa poderia ser aplicável ao prédio ou apenas a parte dele e era necessário aferir do destino daquele (ou parte daquele) por referência à realização dos fins do sujeito passivo, conforme resultava da alínea b) do n.º 1 do art.º 44.º do EBF da redacção então vigente. Em suma, porque a audiência dos interessados se destina essencialmente a permitir-lhes contribuir para um cabal esclarecimento dos factos e uma mais adequada e justa decisão, a omissão dessa audição constitui preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade dessa decisão. E uma vez que, no caso vertente, não é de todo manifesto que a decisão viciada só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto, impõe-se revogar, por essa razão, a decisão de improcedência da acção com esse fundamento. Pelo que deixámos dito, entendemos que a sentença recorrida não fez correcto julgamento da preterição da audiência prévia que vinha invocada, pelo que, concedendo-se, nesta parte, provimento ao recurso, será revogada, mostrando-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso. 2.3. Conclusões I. A falta da audição prévia dos interessados, quando não esteja dispensada, constitui um vício de forma do acto final do procedimento tributário, resultante da preterição de formalidade essencial para a sua prática, que conduz à anulabilidade. II. A intervenção das partes em sede de audiência prévia sobre projecto de relatório final do procedimento inspectivo cujo âmbito e incidência apenas reflecte a cessação da isenção concedida em sede IRC e, em momento algum alude a cessação da isenção concedida em sede de IMI não opera para efeitos de se haver como efectivada a participação do contribuinte no processo de formação do acto de cessação do benefício fiscal em sede de IMI e das subsequentes liquidações do imposto, dado que as questões do alcance material e temporal da não manutenção dos pressupostos da isenção não foram apreciadas no referido processo inspectivo. III. A possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do acto exige um exame casuístico, com vista a aferir se se está, ou não, perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento ser influenciada pela participação da requerente 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar acção procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação das liquidações de IMI sindicadas. Custas pela Recorrida, nesta sede e em 1ª instância. Porto, 14 de março de 2023 Irene Isabel das Neves Ana Paula Santos Margarida Reis |