Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01295/09.0BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/09/2010
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Drº Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Descritores:CONTENCIOSO ELEITORAL
NULIDADE DO ACTO ELEITORAL
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO
ANULAÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário:1 - A eleição por listas em vez da eleição uninominal prevista na lei gera a nulidade do acto eleitoral
2 - O prazo de sete dias previsto no nº 2 do artigo 98º aplica-se também aos actos eleitorais nulos e à impugnação pelo Ministério Público.
3 - O decurso do prazo de sete dias não impede a revogação dos actos eleitorais baseada na inconveniência.
4 - O prazo da impugnação de acto eleitoral conta-se a partir do possível conhecimento do acto, desde que ele seja eficaz.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:04/23/2010
Recorrente:A... e outros
Recorrido 1:Freguesia de Barcos
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso Eleitoral (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – A…, J… e H…, todos identificados nos autos, interpõem recurso jurisdicional da sentença proferida em 12/02/2010 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente o pedido de anulação dos actos eleitorais realizados pela Assembleia de Freguesia de Barcos, concelho de Tabuaço, na sua reunião de 19 de Novembro de 2009.
Nas alegações, concluem o seguinte:
1. Os recorrentes entendem que a data da prática do acto, a partir de cujo conhecimento se conta o prazo de sete dias para a respectiva impugnação, foi o dia 2 de Novembro, data da efectiva realização do acto eleitoral;
2. A produção do acto, e a consequente possibilidade do seu imediato conhecimento, não ocorreu quando a acta da deliberação foi aprovada (19 de Novembro), mas sim quando o acto se tornou eficaz (2 de Novembro), tanto mais que, para este caso, a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, determina, no seu artigo 9.º, n.º 5, que «a substituição dos membros da assembleia que irão integrar a junta seguir-se-á imediatamente à eleição dos vogais desta, procedendo-se depois à verificação da identidade e legitimidade dos substitutos e à eleição da mesa», como ocorreu na referida primeira reunião da assembleia de freguesia de 2 de Novembro. Para tal foi até a acta, que constitui o doc. n.º 3 junto à PI, aprovada em minuta e assinada por todos os membros, logo durante a reunião da assembleia.
3. Assim, a aludida eleição dos vogais tornou-se num acto administrativo válido, por sanação da respectiva anulabilidade, no dia 10 de Novembro, em virtude de no dia 9 de Novembro ter caducado o prazo do n.º 2 do artigo 98.º do CPTA, para a propositura da acção para a sua impugnação;
4. Por outro lado, a conclusão da sentença recorrida quanto à possibilidade de, ao abrigo do disposto no artigo 140.º do CPA, os actos válidos ou convalidados poderem ser livremente revogados é, no entender dos recorrentes, irrepreensível para os diversos e normais actos administrativos da competência da assembleia de freguesia, não se aplicando, todavia, à eleição dos vogais da junta de freguesia, pois um segundo acto eleitoral dos vogais da junta, no período do mesmo mandato autárquico, não é possível, no nosso sistema, por vontade exclusiva da assembleia de freguesia;
5. Com efeito, tal segunda eleição, revogatória da primeira, pressuporia, no caso vertente, que a assembleia pudesse destituir os vogais antes eleitos e tal não é possível, pois o mandato dos vogais, conferido na primeira reunião do mandato do órgão deliberativo da freguesia, só cessa por renúncia, por morte ou incapacidade, ou ainda por aplicação jurisdicional administrativa da sanção tutelar de perda de mandato;
6. A assembleia confere o mandato aos vogais da junta, mas não lho pode, em caso algum, desde a jurisdicionalização da aplicação de todas as perdas de mandato pela Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, retirar, ou seja, resulta da lei a irrevogabilidade da eleição;
7. Assim, a eleição de vogais, revogatória de anterior eleição válida, originariamente ou por convalidação, é inválida, à face do disposto no n.º 1, alínea a), do artigo 140.º do CPA, em virtude de a irrevogabilidade do acto revogado resultar de vinculação legal;
8. Decidindo em conformidade com o pedido dos Autores, aplicando o direito pela forma aqui defendida pelos Recorrentes, farão V. Ex.ªs, Senhores Juízes-Desembargadores, a costumada Justiça.

Nas contra-alegações, a Freguesia de Barcos pugna pela improcedência do recurso.

O Ministério Público junto deste tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º, nº1 do CPTA, não se pronunciou.

2. O aresto recorrido deu como provado os seguintes factos:
a) Na sequência das eleições autárquicas realizadas em 11 de Outubro de 2009, reuniu a assembleia de freguesia de Barcos, do concelho de Tabuaço, para instalação da mesma assembleia de freguesia eleita nas referidas eleições e, bem assim, para eleição dos vogais da Junta de Freguesia da mesma freguesia;
b) Às referidas eleições autárquicas e para os órgãos da mencionada freguesia concorreram cidadãos integrados nas listas partidárias do PSD (Partido Social Democrata), do PS (Partido Socialista) e da CDU (Coligação Democrática Unitária), tendo sido eleitos quatro (4) cidadãos que integravam a lista do PSD (sendo esta lista a vencedora por ser a mais votada) e três (3) cidadãos que integravam a lista do PS, e a CDU não elegeu qualquer cidadão que integrava a sua lista;
c) A lista vencedora (PSD) era encabeçada pelo cidadão A… e, como tal, nos termos da lei (cfr. artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 169/99, de 18/9, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11/1), eleito Presidente da Junta de Freguesia de Barcos;
d) Para além daquele cidadão que encabeçava a lista concorrente do PSD, foram eleitos nesta lista mais os seguintes cidadãos: J…, J… e E…; e pela lista do PS foram eleitos os seguintes cidadãos: A…, J… e H…;
d) Tendo sido convocada a nova assembleia de freguesia eleita para a mesma ser instalada e, bem assim, para a eleição dos vogais da Junta de freguesia, a mesma realizou-se em 2 de Novembro de 2009, pelas 19:00 horas, na sede da mesma junta de freguesia, em Barcos;
e) Na referida reunião, e com vista à eleição dos vogais da Junta de Freguesia, foram apresentadas duas listas, ou seja, uma proposta pelo eleito Presidente da Junta, referido A…, propondo para vogais da junta os eleitos para a assembleia de freguesia J… e J… e apresentada como lista “A”, e outra proposta pelo cidadão que encabeçou a lista vencida (PS), com os eleitos para a assembleia de freguesia E… e H…, apresentada como lista “B”;
f) Tendo-se procedido à votação das duas propostas dos nomes propostos para integrarem a junta de freguesia, como vogais, e com as funções de secretário e tesoureiro, a lista “B” proposta pelo eleito A…, obteve a votação de 4 (quatro) votos, enquanto a lista “A” proposta pelo Presidente da Junta eleito obteve apenas 3 (três) votos e, assim, sendo considerados eleitos para vogais da junta de freguesia os referidos elementos da lista “B” apresentada à votação;
g) Seguidamente procedeu-se ao chamamento dos elementos integrantes das respectivas listas concorrentes à eleição do dia 11/10/2009 para substituírem respectivamente os elementos eleitos como vogais da junta de freguesia e, como tal, investidos como membros da assembleia de freguesia, tudo nos termos constantes da respectiva acta junta aos autos;
h) E, ainda, seguidamente, procedeu-se também à eleição dos membros da mesa da assembleia de freguesia, nos termos constantes da respectiva acta junta aos autos;
i) Porém, no dia 5 de Novembro de 2009, o Presidente da Junta de Freguesia eleito, A… F...., dado lhe terem surgido dúvidas relativamente à legalidade da eleição efectuada para os vogais que integraram a mesma junta de freguesia, solicitou um parecer ao Governo Civil de Viseu, no sentido de ser esclarecido se para além do cidadão que encabeçou a lista mais votada (vencedora) na eleição realizada em 11 de Outubro de 2009, se mais alguém de entre os demais eleitos para a assembleia de freguesia poderia fazer qualquer proposta para a eleição dos vogais para integrarem a junta de freguesia;
j) Em resposta a tal solicitação, o Sr. Secretário do Governo Civil informou, por incumbência do Sr. Governador Civil de Viseu, que nos termos da lei, e no que releva, que a lista dos vogais par integrarem a junta de freguesia só pode ser proposta pelo Presidente da Junta de Freguesia eleito;
k) Em face de tal informação, o Presidente da Junta de Freguesia eleito, A…, efectuou nova convocatória para a instalação da assembleia de freguesia de Barcos e, bem assim, para proceder a nova eleição dos vogais, com as funções de secretário e tesoureiro, que haveriam de integrar a junta da mesma freguesia, a realizar no dia 19 de Novembro de 2009, pelas 19:00 horas;
l) No início desta reunião da assembleia de freguesia de Barcos, convocada e que se veio a realizar no dia 19 de Novembro de 2009, foi lavrada e assinada acta da reunião da mesma assembleia de freguesia realizada no dia 2 de Novembro de 2009 e atrás mencionada;
m) Assim, no dia 19 de Novembro de 2009, procedeu-se a nova instalação da assembleia de freguesia de Barcos e, bem assim, à eleição dos novos vogais que deveriam integrar a respectiva Junta de Freguesia e, ainda, a eleição dos membros da mesa daquela assembleia de freguesia;
n) Nesta reunião última e 2.ª reunião da assembleia de freguesia de Barcos, só o Presidente da Junta eleito apresentou uma lista de cidadãos eleitos para a assembleia de freguesia para integrarem a junta de freguesia como vogais, e com as funções de secretário e tesoureiro, constituída pelos nomes dos cidadãos J… e J…, ambos eleitos pela lista do PSD, os quais foram eleitos com 4 (quatro) votos a favor;
o) Para esta eleição os cidadãos eleitos A…, J… e H…, todos eleitos pelo PS, recusaram-se a participar nesta eleição nos termos das respectivas e denominadas “declarações de voto” juntas aos autos e ao PA;
p) Seguidamente procedeu-se sucessivamente à substituição na respectiva lista (PSD) concorrente às eleições daqueles elementos que passaram a integrar a junta de freguesia como vogais, de dois elementos seguintes que a integravam no acto eleitoral e, assim passarem a integrar a assembleia de freguesia, como seus membros efectivos e, ainda, à eleição da mesa da mesma assembleia geral, tudo conforme consta da respectiva acta junta aos autos e ao PA e aqui se dá por reproduzida.
q) Todavia, previamente aos actos eleitorais para os órgãos em causa realizada na referida assembleia de freguesia, pelo Presidente da Junta de freguesia eleito, A…, foi explicada razão de ser da nova reunião e da repetição das eleições anteriormente havidas na reunião anterior de 2 de Novembro de 2009, precisamente pelo facto de não ter sido cumprida a lei e por isso tais eleições para os órgãos em causa de forma ilegal nos termos do parecer que havia sido dado pelo Governador Civil de Viseu e supra referido, uma vez que os vogais para integrarem a junta só deveriam ser propostos por, como presidente da junta eleito, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 2, da Lei n.º 169/99, de 18/9 e, por isso, se iria fazer uma nova eleição em conformidade com a referida lei e, assim, ficando anulada a eleição efectuada naquele dia 2 de Novembro de 2009, o que foi aceite pelo menos pela maioria dos presentes.
3.1 Na primeira reunião de funcionamento da Assembleia de Freguesia de Barcos foram eleitos os vogais da Junta de Freguesia, sem que tivesse sido o presidente da junta a propor a sua eleição. Por este facto, foi convocada nova reunião da Assembleia de Freguesia que procedeu à eleição dos vogais propostos pelo presidente.
Os recorrentes entendem que a nova eleição, por ter ocorrido após os sete dias previstos no nº 2 do artigo 98º do CPTA para impugnação de actos eleitorais, constitui uma revogação ilegal do anterior acto eleitoral, por violar o nº 1 do artigo 141º do CPTA.
Na sentença recorrida, considerou-se que a primeira eleição foi ilegal, por desconformidade com o artigo 24º, nº 2 da Lei nº 169/99 de 18/9 (na redacção dada pelo Lei nº 5-A/ 2002 de 11/1); que esse vício gera anulabilidade; que à data da segunda eleição ainda não havia terminado o prazo de recurso do primeiro acto eleitoral porque, pelo menos, o Ministério Público não tinha conhecimento dela, por não ter ainda sido publicada nos termos do artigo 91º daquela lei; e que, mesmo a entender-se que a ilegalidade se sanou pelo decurso do prazo de sete dias, ainda assim o acto eleitoral podia ser revogado por conveniência, segundo o regime dos actos válidos.
Os recorrentes assim não consideram, defendendo antes que a eleição foi aprovada em minuta na própria reunião, correndo desde logo o prazo de impugnação, e como acto válido também não poder ser objecto de revogação, porque a irrevogabilidade resulta de “vinculação legal”, nomeadamente do artigo 10º da Lei nº 169/99.
As questões jurídicas levantadas por este caso são várias: a invalidade do acto eleitoral é sancionada com a nulidade ou com a anulabilidade?; o curto prazo de impugnação do acto eleitoral abrange também os actos nulos?; a anulação oficiosa do acto eleitoral apenas pode ocorrer até ao prazo de impugnação?; o prazo de impugnação pode iniciar-se antes da aprovação da acta da reunião e da publicação das deliberações? .

3.2. A primeira eleição dos vogais da junta de freguesia foi um acto inválido por desconformidade com o prescrito no nº 2 do artigo 24º da Lei nº 169/99, que diz que os «vogais são eleitos pela assembleia de freguesia … mediante proposta do presidente da junta». Com efeito, elegeram-se membros do órgão executivo da freguesia que, por não terem sido propostos pelo presidente da junta, não podiam ser eleitos.
O acto eleitoral consistiu na votação de dois membros da assembleia de freguesia que não eram elegíveis por falta da proposta do presidente da junta. A eleição de quem não podia ser ilegível, mais propriamente, de quem não tinha capacidade eleitoral passiva, conduziu à constituição indevida do órgão executivo colegial.
Deste modo, o interesse público visado com a exigência legal de que os vogais sejam eleitos apenas mediante proposta do presidente da junta, e que se consubstancia no regular funcionamento do órgão executivo, não podia ser alcançado. Se o fim em vista era constituir um órgão executivo capaz de funcionar com normalidade, no caso concreto, isso foi totalmente inviabilizado. O órgão é constituído por três elementos, um presidente e dois vogais, e como estes não foram escolhidos por aquele, facilmente se advinha as dificuldades que o órgão terá para funcionar. Basta olhar para as competências da junta e de cada um dos membros que a compõem, para se prognosticar uma situação de grande dificuldade de funcionamento: por um lado, se é o presidente quem distribui funções pelos vogais, (nº 2 do art. 38º da Lei 169/99), só a junta pode delegar no presidente um número importante de competências (art. 35º do DL nº 169/99); por outro, sendo as deliberações tomadas à pluralidade de votos, o presidente corre o risco de nenhuma das suas propostas ser aprovada e de ver constantemente aprovadas as propostas dos vogais.
Pergunta-se então se a lesão desse interesse público não é particularmente grave que justifique ser sancionada com a nulidade.
Deve começar por se dizer que a invalidade é uma sanção especial que a ordem jurídica dispõe para garantir a protecção do interesse público lesado pelo acto ilegal. Como refere Rogério Soares, o conceito de invalidade «não é um conceito meramente instrumental, adjectivo, mas pretende exprimir uma particular consideração do acto sob o ponto de vista do interesse público» (cfr. Interesse Público Legalidade e Mérito, pág. 355).
No nosso direito, em via de regra, a lesão do interesse público visado na norma é cominada com a anulabilidade, o que permite ao acto produzir os seus efeitos, desde logo, até ao momento em que contra ele seja usado um meio reactivo (cfr. 127º nº 2 do CPA). Nas situações de lesão mais profunda e substancial do interesse público tutelado pelo preceito violado, a sanção é a nulidade, em que o acto é imediatamente inidóneo para a produção dos efeitos a que se dirige (cfr. art. 133º do CPA).
Como o artigo 133º não indica de forma taxativa as actos nulos, tarefa que lhe era impossível fazer, caberá à jurisprudência e à doutrina a delicada tarefa de descobrir as situações de ilegalidade e de antijuridicidade que devam ser cominadas com a sanção da nulidade.
As situações exemplificadas no artigo 133º, quer o princípio geral referido no nº 1, quer a enumeração casuística do nº 2, indicam que é por referência à gravidade e evidência da lesão provocada nos interesses públicos e privados protegidos pelas normas jurídicas violadas que se deve apurar as situações de nulidade. Só uma lesão insuportável dos interesses acolhidos na norma violada poderá tornar o acto incapaz de produzir imediatamente os efeitos jurídicos a que se destinava. A referência que naquele artigo se faz à falta de “elementos essenciais” não se pode limitar aos elementos de existência do acto administrativo, caso em que não existe sequer um comportamento individualizado como acto, e por isso mesmo não se coloca aí um problema de validade, mas pretende sobretudo atender à essencialidade e gravidade da lesão causada aos interesses que a norma violada promove ou protege em cada tipo concreto de acto.
O que caracteriza o acto eleitoral previsto no nº 2 do artigo 24º do Lei 169/99 é a designação de um certo número de vogais à pluralidade de votos, os quais, juntamente com o presidente, constituem o corpo administrativo da freguesia. A escolha dos vogais é feita por um colégio eleitoral formado pelos membros da assembleia de freguesia e tem por objecto o sufrágio dos nomes propostos pelo presidente da junta. A designação é, pois, imputada a um acto unitário, composto das várias manifestações de vontade dos membros do colégio eleitoral, ou pelo menos, das que se orientam em determinado sentido. Trata-se, pois, de um acto complexo de carácter colegial, praticado no âmbito dum procedimento deliberativo.
Nem todos os membros da assembleia de freguesia têm aptidão para serem escolhidos mediante sufrágio. A elegibilidade é um atributo apenas daqueles que forem propostos pelo presidente da junta, pois só eles é que podem ir a sufrágio. Se a escolha se faz por listas, que incluem membros inelegíveis, o acto deixa de corresponder ao tipo de acto configurado na lei. A eleição, naquilo que tem de mais essencial, que é a escolha de quem é ilegível, fica totalmente viciada, pois a escolha fez-se entre membros que não podiam ser eleitos, conduzindo desse modo à constituição irregular de um órgãos colegial.
A eleição por listas é um acto eleitoral estruturalmente diferente da eleição uninominal, ainda que sob proposta de um membro. O processo de candidatura é muito diferente: enquanto no sufrágio por listas a liberdade dos eleitores encontra-se limitada por listas (lista A, B, etc.), no sufrágio individual está limitada pela proposta apresentada por um dos membros do colégio eleitoral. Além disso, se nada constar do regimento ou for deliberado em contrário, enquanto no sufrágio por listas o apuramento da manifestação de votos é proporcional, segundo o qual da cada lista será escolhido, em princípio, um número de candidatos correspondente à percentagem de votos obtida pela mesma lista, no sufrágio individual apenas se apura o resultado final.
Como se vê, a violação da lei foi particularmente evidente e grave: onde se previa uma eleição uninominal, fez-se uma eleição por listas. O acto não serviu o interesse público visado pela lei, que era o de promover o regular funcionamento do órgão executivo da freguesia, causando uma lesão profunda e substancial do artigo 24º, nº 2 do DL nº 169/99, em face do qual, tudo se passou como não tivesse havido a eleição nele prevista. Trata-se de uma ilegalidade grave e evidente, que atingiu o momento mais essencial do acto eleitoral, que era a escolha legitimada por prévia proposta do presidente da junta.
A essencialidade e a gravidade deste vício impõem que a invalidade do acto eleitoral seja cominada com a sanção de nulidade prevista no nº 1 do art. 133º do CPA.

3.3. Outra questão problemática é saber se os actos eleitorais nulos também estão sujeitos ao curto prazo de impugnação previsto no nº 2 do art. 98º do CPTA.
De acordo com essa norma, «na falta de disposição especial, o prazo de propositura é de sete dias a contar da data em que seja possível o conhecimento do acto ou da omissão».
Tratando-se de um processo urgente, é uma questão delicada apurar se o prazo de sete dias para a propositura das acções do contencioso eleitoral deve prevalecer ou não sobre o regime de impugnação dos actos feridos de nulidade.
No domínio da LPTA, o STA pronunciou-se no sentido de que o prazo de sete dias só se aplicava aos actos meramente anuláveis e não aos actos nulos: «não vemos, com efeito, qualquer razão para não entender o prazo especial do art. 59º, nº 2 da LPTA como um prazo especial relativamente aos prazos-regra daquele art. 28º, especialidade traduzida em ser um prazo mais curto, mas que tem o mesmo campo objectivo de aplicação dos prazos-regra, ou seja, de aplicação reportada apenas à impugnação de actos meramente anuláveis, sem prejuízo da observância do regime de impugnação dos actos nulos ou inexistentes» (cfr. Ac. do STA de 21/6/2001, rec. nº 046739).
Já no âmbito da CPTA, o STA admitiu um recurso de revista para que esta questão fosse conhecida, por se tratar de uma “operação exegética de evidente melindre”, mas o julgamento da revista acabou por não a conhecer, por ter decidido previamente a questão da inimpugnabilidade do acto eleitoral (cfr. Acs do STA de 5/12/2007 e de 13/2/2008, rec. nº 0984/07)
Se considerarmos a posição que a jurisprudência tem tido sobre o mesma questão no processo urgente do contencioso pré-contratual, em que se defende que o prazo de um mês previsto no artigo 101º do CPTA se aplica também aos actos nulos (cfr. Acs. do Pleno da Secção de 12/12/2006, rec. nº 0528/06 e de 6/2/07, rec. nº 0598/06), pela igualdade com os argumentos que apoiam essa tese, haveria de considera-se que também os actos eleitorais nulos estão sujeitos ao mesmo prazo de impugnação que os demais actos. Na verdade, também aqui o regime especial criado não distingue as formas de invalidade, e as razões que se prendem com as finalidades do prazo curto e com a natureza dos interesses em confronto, para além da própria essência da matéria eleitoral, são pouco consentâneas com as consequências associadas ao regime geral da nulidade.
Não deve contudo esquecer-se que a nulidade é uma forma de invalidade que se caracteriza pela ineficácia total do acto, insanável pelo decurso do prazo, não carece de revogação, invocável a todo o tempo e que pode ser ignorado por todos. Este regime substantivo, constante do artigo 134º do CPA, não pode ser modificado pelo jogo das regras processuais. A sujeição dos actos eleitorais nulos ao curto prazo de impugnação estabelecido nº 2 do art.98º do CPTA não pode desvirtuar o regime que a lei substantiva lhe apontou.
Para que tal não aconteça, e na hipótese de se admitir a inclusão dos actos nulos no âmbito do nº 2 do art. 98º, torna-se então necessário distinguir invalidade que traduz uma qualidade intrínseca do acto, da inopugnabilidade, que é uma qualidade do acto em relação ao qual o particular não tem qualquer meio de reacção. Como a inopugnabilidade tem um recorte exclusivamente adjectivo, que funciona apenas em face do particular, tem que se considerar que não é pelo facto do particular ter deixado de impugnar que o acto nulo se transformou em acto válido. Portanto, em relação aos actos nulos, de modo algum se pode considerar que no momento em que ele se torna impugnável se transforma também num acto válido. Se a lei retirar do acto nulo a característica de impugnabilidade a todo o tempo, tal limitação só pode valer para os particulares que o podiam fazer extinguir com recurso à via contenciosa, ficando de pé todas as outras possibilidades de o eliminar, designadamente a declaração de nulidade pelo próprio órgão que o praticou. O decurso do prazo de impugnação não impede, por isso, que em processos ou procedimentos que não tenham por objecto o acto eleitoral se invoque a nulidade da constituição do órgão colegial. Por exemplo, nada impede que essa nulidade seja invocada para fundamentar a declaração da nulidade (ou inexistência, com preferia alguma doutrina) das deliberações por ele tomadas (cfr. Marcello Caetano, Manual, vol. I pág. 430, Sérvulo Correia, in Noções de Direito Administrativo, pág. 293 e Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, pág. 230 e 534).

3.4 Com esta questão prende-se aquela outra de saber se a anulação oficiosa do acto eleitoral apenas pode ocorrer até ao prazo de impugnação.
Colocam-se aqui três problemas distintos: se o nº 1 do artigo 141º do CPA está em vigor; se o prazo de sete dias também se aplica ao Ministério Público; se a sanação do acto pelo decurso do prazo legitima a revogação por actos válidos.
Naturalmente que estas questões só se levantam em face dos actos anuláveis, uma vez que, relativamente aos actos nulos, como vimos, o decurso do prazo não os torna válidos, mas apenas inatacáveis pelo particular, sem exclusão do controlo administrativo, além de que são insusceptíveis de revogação por natureza (cfr. al. a) do nº 1 do art. 139º do CPA).
Da interpretação conjugada das duas normas do artigo 141º do CPA resulta que os actos administrativos inválidos apenas podem ser revogados, com fundamento em ilegalidade, dentro do prazo da respectiva impugnação contenciosa, devendo atender-se ao prazo mais longo de um ano (cfr. al. b) do nº 2 do art. 58º do CPTA) ou até à contestação da entidade recorrida. Todavia, perante o que se actualmente dispõe nos artigos 64º e 65º do CPTA, que permitem que a revogação ocorra na «pendência do processo», questiona-se se tal incompatibilidade não constitui uma revogação implícita daquela regra.
A doutrina divide-se quanto ao limite temporal para a possibilidade da Administração proceder à revogação dos actos inválidos: enquanto alguns autores consideram que o artigo 141º está revogado, devendo admitir-se a revogação de actos ilegais para além do prazo de impugnação (cfr. Robin de Andrade, Revogação Administrativa e a revisão do Código do Procedimento Administrativo, CJA, nº 28º, pág. 48; Paulo Otero, Impugnações administrativas, CJA nº 28, pág. 53; e Filipa Urbano Calvão, Revogação dos Actos Administrativos no contexto da Reforma do Código de Procedimento Administrativo, CJA, nº 54, pág. 39), outros, pese embora propugnem pela revisão do CPA nessa parte, continuam a defender a solução tradicional da revogabilidade dos actos inválidos até ao prazo da contestação (cfr. Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentários ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos, 2ª ed. pág. 384).
Seja como for, a questão tem a ver com os poderes de revogação da Administração na pendência do processo e, por isso, não tem incidência directa no caso dos autos, em que a “anulação oficiosa” ocorreu fora do processo impugnatório. Mas, a primeira das posições, com as quais se concorda, não deixa de servir de argumento à tese de que nas situações em que a segurança jurídica não se possa sobrepor ao princípio da legalidade, por não haver confiança legítima a proteger, justifica-se a revogação para além do prazo de impugnação.
Por via de regra, o prazo mais longo para se impugnar um acto ilegal é o prazo de um ano previsto na al. a) do nº 1 do art. 58º para as impugnações do Ministério Público. Mas, também aqui se discute se os prazos curtos estabelecidos para os processos urgentes também se aplicam ao Ministério Público, incluindo as situações de actos nulos. Assim defendem Vieira de Andrade e Pedro Gonçalves relativamente ao prazo do artigo 101º dos processos do contencioso pré-contratual. (cfr. A Justiça Administrativa, 10ª ed. pág. 269º, nota 611 e Contencioso administrativo pré-contratual, CJA. nº 44, pág. 7, respectivamente). Diferente opinião teve o Conselho Consultivo da PGR, no Parecer nº 95/2002, anterior à Reforma, onde admite a impugnação pelo MP e revogação anulatória no prazo de um ano em relação aos processos urgentes.
A circunstância do Ministério Público apenas poder impugnar o acto eleitoral no prazo de sete dias e, portanto, para ele ser inimpugnável após o decurso desse prazo, tem como consequência que a revogação anulatória também não possa ocorrer para além desse prazo, por aplicação do art. 141º do CPA. Mas esse facto não inviabiliza a revogação como acto que se tornou inimpugnável pelo decurso do tempo.
O regime de actos válidos estabelecido no artigo 140º também inclui os actos ilegais, cuja anulabilidade não foi invocada no prazo legalmente fixado e, que, por isso, se tornaram inatacáveis com base na ilegalidade. O acto ilegal pode também ser revogado por inconveniência, mesmo quando se torne inimpugnável. O auto-controlo por via da inconveniência efectua-se livremente, dentro das limitações estabelecidas no artigo 140º. Como escreve Robin de Andrade, «os próprios factores da ilegalidade podem porém ser considerados, uma vez sanada a ilegalidade, motivos da lesão do interesse público, e nessa medida fundamentos de revogação» (cfr. A Revogação dos actos administrativos, 2ª ed. pág. 233).
A sentença recorrido, para além de admitir a anulação administrativa, no prazo de um ano, considerou também a possibilidade de revogação com fundamento na inconveniência. A única objecção que os recorrentes lhe fazem é a da alínea a) do nº 1 do artigo 140º, considerando que a irrevogabilidade resulta de vinculação legal, mais propriamente por interpretação a contrario do artigo 10º da Lei nº 169/99 que, no seu entender, impede a assembleia de freguesia de destituir os vogais da junta. Mas essa excepção à livre revogabilidade dos actos válidos nunca poderá ser aplicada às situações em que o acto ilegal se tornou inimpugnável pelo decurso do tempo. Aquela alínea contempla as situações em que os actos válidos foram praticados no exercício de poderes vinculados e em obediência a uma imposição legal. Tais actos não devem ser revogados porque, sob pena de ilegalidade da revogação, isso iria inevitavelmente originar a violação da lei inicialmente cumprida. Ora, se o acto é ilegal ab initio, e só o decurso do tempo o tornou “válido”, naturalmente que sua revogação não está coberta por essa proibição. Bem pelo contrário: na medida em que foi praticado contra disposição legal, não é o rodar do tempo que lhe vai alterar a fisionomia, como se a sanatória tivesse a virtualidade de o conformar com a imposição legal.
Nesta parte, e no pressuposto de que o acto eleitoral é meramente anulável, admite-se o acerto da decisão recorrida ao considerar a possibilidade da assembleia municipal, movida pelo interesse público que serve a constituição do órgão executivo, pudesse substituir o anterior acto eleitoral.

3.5 Por fim, temos o problema do início do prazo de impugnação do acto eleitoral, mais propriamente se ele se inicia com o conhecimento da prática do acto ou com a aprovação da acta da reunião em que teve lugar a eleição.
O nº 2 do artigo 98º prescreve que o prazo de sete dias para a propositura da acção impugnatória conta-se «da data em seja possível o conhecimento do acto ou da omissão». A fixação do termo a quo da contagem do prazo a partir da possibilidade de conhecimento do acto eleitoral, à primeira vista, pode legitimar a impugnação de um acto ineficaz. Nas situações em que há obstáculos que impedem o acto de desenvolver os seus efeitos, como acontece com as cláusulas acessórias de natureza suspensiva e com os actos da fase integrativa de eficácia (v.g aprovações, homologação, vistos, actas etc.), pode haver conhecimento do acto sem haver eficácia imediata.
Assim ocorre com as deliberações dos órgãos colegiais, que têm os efeitos comprometidos enquanto não for aprovada a acta da reunião onde foram tomadas (cfr. arts. 27º, nº 4, 122º, nº 2, 129º, al. c) do CPA e art. 92º, nº 4 do DL nº 169/99). Sendo a acta uma condição de eficácia, enquanto as deliberações tomadas na reunião não forem reduzidas a escrito jamais poderão produzir os seus efeitos directos.
Em princípio, os actos ineficazes não precisam de ser impugnados contenciosamente: por um lado, os interesses públicos e privados que o acto serve ainda não se mostram lesados, porque a produção dos seus efeitos está dependente de ulteriores actos ou eventos; por outro, a impugnação contenciosa correria o risco de inutilidade, se a ineficácia se tornasse definitiva por falta do acto integrativo de eficácia ou da ocorrência do evento.
Portanto, o conhecimento do acto, como o momento a partir do qual ele se torna (in) impugnável, pressupõe a eficácia. Só quando o acto esteja apto a desenvolver os seus efeitos é que há necessidade de impugnação contenciosa. Isso não significa que em determinadas situações o acto carecido de eficácia não possa ser sujeito a impugnação, como acontece nos casos de eficácia diferida referidos na alínea b) do artigo 54º do CPTA. Nestas situações, o acto «pode» ser impugnado, desde que «seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos». Mas repare-se que esta impugnabilidade não exclui ou impede que o prazo de impugnação só se desencadeie no momento em que o acto se torna eficaz.
Deste modo, o nº 2 do artigo 98º tem que ser interpretado em conjugação com os artigos 51º, 54º, nº 1, al. b), 59º, nº 3, al. c), donde resulta que o conhecimento que faz desencadear o prazo de impugnação pressupõe, em princípio, que o acto tenha eficácia externa e interna: eficácia externa, porque o interessado dele teve conhecimento e eficácia interna, porque o seu conteúdo se tornou obrigatório, na medida em que seus efeitos se começaram a produzir (sobre a distinção, cfr. Colaço Antunes, Anulação administrativa ou nulla annullatio sine juditio, in CJA, nº 79. pág. 4 e ss.). Neste sentido tem a jurisprudência o STA decidido relativamente aos actos eleitorais carecidos de homologação (cfr. Acs. de 2/7/98, rec. nº 39233, de 8/7/99, rec. nº 38.228, de 21/6/2001, rec. nº 46.739, e de 13/2/2008, rec. nº 0984/07. in www. dgsi. pt).
No caso dos autos, está provado na alínea l) da matéria de facto que “no início desta reunião da assembleia de freguesia de Barcos, convocada e que se veio a realizar no dia 19 de Novembro de 2009, foi lavrada e assinada acta da reunião da mesma assembleia de freguesia realizada no dia 2 de Novembro de 2009 e atrás mencionada”. Os recorrentes aludem a uma minuta da primeira reunião, mas a existência da mesma não consta dos autos, para além de não dispensar a aprovação posterior da acta. Digamos que, sem a aprovação da acta, o processo eleitoral não está findo.
Admitindo que o conhecimento do acto pressupõe a eficácia, como se referiu, então, quando se procedeu à nova eleição dos vogais, substituindo a anterior, ainda não havia decorrido o prazo de sete dias para a impugnação. Isto, sempre no pressuposto de que o acto era meramente anulável, pois, sendo nulo, como acima também consideramos, nenhum problema se põe quanto à nova eleição, uma vez que a anterior era ineficaz ab initio.

4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e, com fundamentos diversos, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas.
Notifique.
TCAN, 09 de Junho de 2010
Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Antero Pires Salvador