Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00687/18.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/25/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL; EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS; MODELO DE AVALIAÇÃO DAS PROPOSTAS – ARTIGOS 132º Nº 1 AL. N) E 139º DO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS (CCP) – FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO;
Sumário:I– Em matéria de procedimentos pré-contratuais, os modelos de avaliação de propostas devem também permitir «“acomodar” as inovações e as “surpresas” constantes das propostas, e valorizá-las devidamente, o que só sucederá com recurso a expressões que concedam ao júri uma margem de livre apreciação», importando que “da norma ou do concurso de normas que regem o ato administrativo” [se possa] (…) extrair o núcleo essencial de situação sobre a qual incidirá o exercício do poder”.
II- No caso concreto do uso de uma escala densificada e gradativa com recurso as expressões do tipo “descrição muito detalhada” ou mesmo do tipo “descrição detalhada” dos elementos a considerar pelo júri concursal no domínio avaliativo atinge-se tal compreensão, pois a mesma permite aos destinatários, segundo o critério do homem médio colocado na situação concreta dos candidatos, perceber a diferente pontuação no sentido de diferença de grau de detalhe na descrição da obra e demais elementos enunciados, correspondendo, assim, a primeira situação às propostas que descrevam com muito detalhe ou exaustivamente tais elementos e a segunda àquelas que os descrevem de forma detalhada ou desenvolvida, mas com menor grau de detalhe, não fulminando, por isso, o procedimento concursal visado com violação do bloco legal constantes dos artigos 132º nº 1 al. n) e 139º do CCP.
III – No domínio dos procedimentos concursais, o preenchimento de uma grelha classificativa, em que se definem os fatores de avaliação", a que se fazem corresponder vários graus valorativos, com recurso a menções qualitativos e notações quantitativos, com a respetiva explicitação standardizada embora, proporciona ao interessado um conhecimento adequado das razões pelas quais o júri optou concursal pela valoração adotada, corporizando, assim, fundamentação suficiente no domínio da avaliação propriamente dita. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de V…
Recorrido 1:ABB, S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar improcedente a acção
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
M&F, S.A., e Município de V…, devidamente identificados nos autos, vêm interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 07.05.2018, pela qual foi julgada procedente a ação de contencioso pré-contratual intentada por ABB, S.A., para invalidação do modelo de avaliação das propostas previsto no Programa de Procedimento e do ato de adjudicação da empreitada de obra pública à Contrainteressada M&F, S.A.
Em alegações, a primeira Recorrente M&F, S.A. formula as conclusões que ora se reproduzem:
I. Conforme resulta do ponto 17 do concurso, foi adotado o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com dois fatores, o preço, a que se atribuiu uma ponderação de 70%, e a valia técnica a que se atribuiu uma ponderação de 30%. Sendo que, o fator valia técnica foi dividido em dois subfatores, com igual ponderação, a memória descritiva e justificativa do modo de execução da empreitada (MDJ) e o programa de trabalhos (PT).
II. Quanto aos dois subfatores da valia técnica, o modelo de avaliação faz uma remissão expressa para os elementos indicados nas alíneas f) (MDJ) e g) (PT) do ponto 11 do programa de concurso, procedendo a uma clara determinação e densificação desses subfatores de avaliação.
III. Tendo definido uma escala de pontuação qualitativa, a que fez corresponder uma pontuação percentual, em cinco intervalos (90%-100%, 70%-90%, 50%-70%, 30%-50%, 0%-30%), que variava em função da qualidade da proposta (MDJ - descrição muito detalhada e muito adequada, descrição bem detalhada e bem adequada, descrição detalhada e adequada, descrição pouco detalhada e adequada, descrição muito pouco detalhada e desadequada; PT - com detalhe muito elevado e perfeitamente adequado, bem detalhado e bem adequado, detalhado e adequado, pouco detalhado e adequado, pouco detalhado e desadequado).
IV. Na ótica do Tribunal a quo, tal escala deveria ter sido definida de forma integralmente objetiva, sem margem para qualquer valoração discricionária, prevendo-se no programa de concurso atributos a que corresponderia necessariamente uma certa pontuação.
V. Tem, no entanto, sido entendimento sufragado quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que “não parece desejável que a tarefa de avaliação das propostas se aproxime de uma tarefa automática de recondução dos atributos da proposta à pontuação”, pois o “risco de modelos de avaliação fechados antes de o concurso se iniciar é de os mesmos não permitirem à entidade adjudicante valorizar devidamente as qualidades de algumas propostas apresentadas”, o que só poderá ser evitado através do “recurso a expressões que concedam ao júri uma margem de livre apreciação” – cfr. Margarida Olazabal Cabral, O concurso público no CPP, in Estudos de Contratação Pública, pp. 208 e 209.
VI. Podendo, estipular-se, no modelo de avaliação das propostas, que, no fator relativo à “valia técnica”, a apreciação e valorização das propostas será feita com base em determinados parâmetros de avaliação, segundo uma escala de pontuação assim organizadas: i) insuficiente – desajustada (0 a 4 pontos); ii) incompleta – não cumpre ou não preenche alguns aspetos essenciais exigidos (4 a 8 pontos); iii) suficiente – cumpre razoavelmente os aspetos essenciais, embora com algumas lacunas (9 a 13 pontos); iv) boa – cumpre com qualidade a quase totalidade dos aspetos essenciais (14 a 16 pontos); v) muito boa – cumpre integralmente, de forma clara e com pormenorização, os aspetos essenciais (mais de 17 a 20 pontos).” – cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, 2011, p. 973.
VII. Se, em juízos valorativos técnicos, fosse obrigatório um modelo fechado, “tal levaria a negar não só o exercício da competência de avaliação técnico- qualitativa pelo júri concursal como, no exercício das respetivas funções, negar um espaço de liberdade de atuação administrativa à entidade adjudicante, na forma da margem de livre apreciação da qualidade das propostas” – cfr. Ac. do TCAS de 20/03/2014, processo 10782/14, in www.dgsi.pt.
VIII. De resto, recentemente, para um modelo de avaliação, também, em tudo idêntico ao modelo dos presentes autos, concluiu este Tribunal Central Administrativo Norte pela sua regularidade, considerando que, na avaliação do fator “Avaliação Técnica” intervém o que por excelência é momento de discricionariedade ou de exercício de poderes discricionários, campo do domínio da denominada “justiça administrativa”; e se os modelos de avaliação devem prosseguir objetividade e transparência, eliminando puro subjetivismo, devem também permitir «“acomodar” as inovações e as “surpresas” constantes das propostas, e valorizá-las devidamente, o que só sucederá com recurso a expressões que concedam ao júri uma margem de livre apreciação»; cada descritor, em cada nível, é padrão aproximativo, sendo de admitir que cada um deles possa ter intervalo oscilatório, em adequação ao contributo dado por diferentes propostas; é perfeitamente percetível que a uma maior pontuação corresponde a uma maior valorização do seu mérito – cfr. Ac. do TCAN de 04/07/2017, processo 00305/16.9BEMDL, in www.dgsi.pt.
IX. Naquela que é a orientação doutrinária e jurisprudencial dominante, deve, pois, reconhecer-se que a lei não impede que a escala de pontuação seja construída com base em elementos conceptuais que conferem maior amplitude ao exercício discricionário do júri. Estando em causa a avaliação de uma memória descritiva e justificativa do modo de execução da obra e do programa de trabalhos, a avaliação desses atributos, não sendo totalmente objetivável, será até recomendável que seja qualitativa. Inexistindo, deste modo, qualquer vício formal ou material do modelo de avaliação.
X. Tendo considerado o Tribunal a quo que o modelo de avaliação era ilegal, parte desse pressuposto para o vício de falta de fundamentação. A questão do vício de falta de fundamentação não tem aqui uma verdadeira autonomia, mesclando-se com aqueloutra.
XI. Cumpre, de todo o modo, salientar que, contrariamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, no momento da avaliação não foram fixados, ex novo, quaisquer critérios de avaliação de propostas. Conforme se referiu supra, a grelha de avaliação dos subfatores da valia técnica da proposta utilizou um modelo qualitativo. Ora, dentro do modelo concursal, exigia-se que a avaliação qualitativa de cada um desses subfatores apreciasse os elementos referidos nas alíneas f) e g) do ponto 11 do concurso. Daí que, a fundamentação houvesse de passar, necessariamente, pela análise crítica a esses elementos.
XII. Ao contrário do sufragado pelo Tribunal a quo, temos que os relatórios do Júri se configuram como dotados de fundamentação suficiente de modo a que um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato, ficasse em condições de saber as razões porque se decidiu daquela forma em termos de classificação e ordenação final de cada um dos candidatos ao concurso. Pois, do relatório do Júri constam os factos e as razões que motivaram a classificação de cada candidato. É possível da motivação saber não só porque cada candidato teve determinada pontuação, mas também se percebe a sua classificação no confronto com os outros candidatos
XIII. Claro que, estando em causa uma avaliação qualitativa e com uma maior margem de subjetividade, poderá ser sempre questionável o porquê de uma maior ou menor avaliação de determinado parâmetro. Mas trata-se, não de um problema de fundamentação, mas antes de uma característica de um modelo de avaliação sujeito a critérios de discricionariedade técnica.
XIV. “É evidente que na avaliação e classificação das propostas pode haver lugar à formulação de juízos ou valorações características do exercício da função administrativa, isto é, a momentos “discricionários” ou, mais propriamente, a momento de “discricionariedade” técnica ou conceitual de liberdade probatória, digamos assim, com algum parentesco com os momentos verdadeiramente discricionários – nos quais os critérios da decisão administrativa é unicamente o fim ou interesse que através dela se prossegue. Mas sendo esse um espaço reservado da Administração, não pode, contrariamente ao sufragado pelo Tribunal a quo, nele haver interferências ou sindicabilidade pelo poder judicial – cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, 2011, p. 978 e 979.
TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a decisão do Tribunal a quo, considerando-se válido o modelo de avaliação, bem como a avaliação das propostas e a adjudicação. “.
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Por sua vez, o segundo Recorrente Município de V… rematou as correspondente motivação com as seguintes conclusões:
A) Ao contrário do entendimento que veio a ser acolhido na douta sentença recorrida, não ocorre qualquer ilegalidade relativamente ao modelo de avaliação das propostas a concurso, não se verificando uma qualquer indeterminabilidade ao nível desse modelo, pelo que o Recorrente deu, nomeadamente, cumprimento ao disposto no art. 139º do Código dos Contratos Públicos.
B) A formulação dos fatores e subfatores no contexto do procedimento concursal em apreço cumpre com os ditames legais, o que, aliás, permitiu à Recorrida oferecer a sua Proposta em consonância com os critérios exigidos no âmbito do concurso e, por sua vez, possibilitou ao Recorrente realizar de forma correta a avaliação das propostas apresentadas a concurso.
C) Ainda que assim não sucedesse, deveria soçobrar a argumentação da Recorrida e, assim, concomitantemente, o douto aresto, em virtude de aquela não haver agilizado, antes da apresentação da sua Proposta, a faculdade de pedir esclarecimentos no âmbito do disposto nos arts. 50º, 116º e 166º do Código dos Contratos Públicos.
D) Ao contrário do que ficou consignado no douto aresto aqui sob escrutínio, o critério de adjudicação (Ponto 17. do Programa de Concurso), continha a cabal explicitação acerca dos aspetos das Propostas sobre os quais recairia a avaliação do júri do concurso.
E) Recorrendo à denominada teoria da impressão do "normal destinatário", ínsito no artigo 236º, nº 1 do Código Civil, e isto ainda que a Recorrida não possa ser qualificada como uma "pessoa normal" (em virtude da sua consabida convivência com os procedimentos concursais), sempre se deveriam ter como percetíveis, "cumpríveis" e sindicáveis aqueles critérios e as avaliações concretizados pelo júri do concurso.
F) Nesse sentido concorre - também - a circunstância de o Tribunal de Contas, debruçando-se sobre os mesmíssimos "Critérios de adjudicação" que têm vindo a ser utilizados pelo Recorrente no âmbito de outros concursos públicos, tê-los por legais, conferindo o seu Visto aos respetivos contratos.
G) Quiçá mais determinante é o facto do ponto 17. (Critério de adjudicação) do Programa de Concurso, ao abordar o fator "Valia Técnica da Proposta", e ao fazer enunciação da fórmula que permitiria a sua aferição (VT= 0,5 x MDJ + 0,5 x PT), remeter, expressamente, no que aos subfatores diz respeito, ou seja, «Memória descritiva e justificativa» do modo de execução da empreitada e «Programa de Trabalho», para os documento solicitados aos concorrentes nas alíneas f) e g), do ponto 11. deste Programa de Concurso.
H) Ou seja, aquelas alíneas do ponto 11. do Programa de Concurso, chamadas, expressamente, à colação no capítulo (17.) do Critério de adjudicação (integrando-o), constituíam uma referência explicitadora, consignando os conteúdos que seriam alvo de avaliação pelo júri do concurso.
I) A Recorrida sabe, perfeitamente, que assim é, o que se demonstra, à saciedade, pelo facto de a sua Memória Descritiva e Justificativa (MDJ, bem como o seu Plano de Trabalhos (PT) terem sido elaborados tendo, precisamente, por referência o conteúdo daquelas alíneas e) e f) do ponto 11. do Programa de concurso, e em estrita consonância com as mesmas (cujos conteúdos aqui se dão por integralmente reproduzidos - Ponto 21 supra).
J) Ou seja, foi possível, à Autora/Recorrida, saber, a montante, com que "linhas se cozia" e, a jusante, na sequência da Fundamentação concretizada pelo Júri do concurso, também lhe foi possível aferir e sindicar o porquê da distinção valorativa entre cada uma das Propostas.
K) Comparando-se as Propostas em apreço, mormente as da Recorrida e a da candidata colocada em primeiro lugar, compreende-se, atentando-se nas indicações fornecidas pelos mencionados Pontos 17. e 11, alíneas f) e g) do Programa de Concurso, o porquê da diferenciação verificada entre ambas.
L) O que se vem de esgrimir, dada a respetiva relação umbilical, vale também para impugnar a douta Decisão recorrida na parte em que considerada verificado o vício de ilegalidade da decisão adjudicatória, por défice ou falta de fundamentação.
M) A fundamentação da escolha realizada pelo júri do concurso, que a decisão adjudicatória acolheu como sua, pela qual se valorou e quantificou cada uma das Propostas a concurso, foi realizada em obediência às exigências legais, mormente aquelas contidas nos artigos 152º e 153º do C.P.A.
N) Essa fundamentação resulta, assim, expressa ou implicitamente, da remissão para os critérios enunciados nos Pontos 17. e 11. do Programa de Concurso, relativamente aos quais o Recorrente não abdica de pensar, ao contrário do que se consignou no douto aresto recorrido, que foram consignados em estrita obediência legal, mormente do referido artigo 152º (e 153º) do Código do Procedimento Administrativo e 268º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa.
O) Por outro lado, deverá ser o júri do concurso, que se encontra tecnicamente habilitado para o efeito, que analisando cada uma das propostas aquilatará da valia qualitativa (depois quantitativa) de cada uma delas, devendo essas conclusões serem respeitadas pelo poder judicial, exceto na hipótese, não verificada nem suscitada no presente caso, de ocorrer um qualquer erro grosseiro de análise, sob pena, tal como se verifica no caso vertente, de ter lugar uma violação do princípio da separação de poderes - artigo 3º, nº 1 do Código dos Contratos Públicos e 111º, nº 1 da CRP.
P) Apesar de se afigurar que a fundamentação expressa pelo júri do concurso é apreensível para o homem comum (homem médio), certo é que a mesma sempre beneficiaria da prerrogativa vinda de abordar, decorrente da denominada discricionariedade técnica da administração.
Q) Certo é que o Júri do procedimento explicitou, com clareza, a valoração da Proposta da aqui Recorrida, apontando os seus defeitos (poucos) e virtudes (muitas), sendo da ponderação destes dois substantivos que veio a concluir que no conjunto dos concorrentes, a aqui recorrida alcançara a segunda posição de entre os nove concorrentes, desse modo ficando sobejamente explicitado o iter lógico-cognitivo dessa valoração.
R) O apontado vício de défice ou falta de fundamentação, concomitantemente com o da imputada ilegalidade do modelo de avaliação, vem, com o devido respeito, a resultar de um défice de análise, mais concretamente de um erro de julgamento, resultante, salvo melhor opinião, da circunstância de a Meritíssima Juíza a quo não haver atentado no facto de o Critério de adjudicação enunciado no ponto 17. do Programa de Concurso coenvolver, expressamente, a chamada a terreiro do anterior Ponto 11., e em particular das suas alíneas f) e g).
S) Todavia e ainda que não fosse essa a situação, sempre se deveria ter concluído no douto aresto recorrido que tal vício de falta de fundamentação não se poderia ter por verificado, em virtude de sempre ter que se considerar que a totalidade do Programa de Concurso deverá ser mobilizado para a tarefa de compreensão das regras concursais.
T) Além disso, ao não se descortinar um qualquer erro grosseiro na fundamentação do ato adjudicatório, sempre haveria que acolher a apreciação operada pelo júri do concurso no âmbito da denominada (insindicável) discricionariedade técnica da administração.
U) Ao não ter considerado que os fundamentos em apreço satisfazem os comandos inerentes ao dever de fundamentação, o douto aresto faz uma incorreta interpretação do disposto nos arts. 152º e 153º do Código de Procedimento Administrativo e 268º, nº 3, da CRP, violando tais comandos.
V) O entendimento expresso na sentença recorrida pressupõe, igualmente, uma errada interpretação e aplicação do art. 132º, nº 1, alínea n) e 139º, nºs 2, 3 e 5 do Código dos Contratos Públicos, ferindo esses preceitos legais.
W) Assim, e muito humildemente, deveria a Meritíssima Juíza a quo ter operado uma leitura dos factos em apreço que lhe suscitasse uma outra interpretação da juridicidade que lhes subjaz, concluindo, nessa conformidade, em consonância com a tese do Recorrente, que, com o devido respeito, será a mais conforme com o Direito, considerando, consequentemente, que o ato adjudicatório não padece de qualquer dos vícios apontados na douta sentença recorrida.
PELO EXPOSTO, por tudo quanto se vem de expender e sempre com o douto suprimento de Vªs Exªs, deverá ser dado provimento ao presente recurso, dessa forma se fazendo JUSTIÇA”.
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Notificada que foi para o efeito, a Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Com dispensa de vistos prévios – artigo 36.º n.º 2 do C.P.T.A. – cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do CPTA e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se a sentença recorrida faz uma incorreta interpretação e aplicação do art. 132º, nº 1, alínea n) e 139º, nºs 2, 3 e 5 do Código dos Contratos Públicos, bem como do disposto nos arts. 152º e 153º do Código de Procedimento Administrativo e 268º, nº 3, da CRP.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.

III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
1. Por anúncio do procedimento n.º 1558/2017, publicado na parte L da 2ª Série do Diário da República, em 27 de fevereiro de 2017, foi lançado um concurso público para a adjudicação da construção da "Rede de saneamento da Vila P…";
2. Resulta do Programa do Procedimento o seguinte critério de adjudicação – cfr. fls. 356 do PA apenso:
17. Critério de adjudicação
A adjudicação será feita segundo o critério; proposta economicamente mais vantajosa, considerando-se os fatores "preço - P" e "Valsa técnica da proposta - VT", aplicando-se para o efeito, a fórmula: PF = 0,70 x P + 0,30 x VT, recaindo a intenção de adjudicação sobre a proposta com mais elevada pontuação.
          Fator
          Subfator
          Ponderação
          Preço - P
          70%
          100%
          Valia Técnica - VT
          Memória descritiva e justificativa do modo de execução da empreitada - MDJ
          50%
          30%
          Programa de trabalhos - PT
          50%
1. Descritor do fator "Preço — P"
A análise das propostas em face do fator preço será operacionalizada através da aplicação da fórmula seguidamente indicada, sendo considerada mais vantajosa a que apresentar a pontuação mais elevada:

Em que
P - Pontuação do preço da proposta do concorrente
PB - Preço Base do Concurso - 877 854.53 €
PP - Preço da proposta em análise
2. Descritor do fator "Valia técnica da proposta — VT"
A análise das propostas em face do fator valia técnica da proposta será operacionalizada através da aplicação da fórmula seguidamente indicada sendo considerada mais vantajosa a que apresentar a pontuação mais elevada.
VT= 0,5 x MDJ + 0,5 x PT
Em que:
MDJ - Memória descritiva e Justificativa do modo de execução da empreitada (documento solicitado na alínea f) da ponto 11 deste programa de concurso)
PT - Programa de trabalhos (documenta solicitado na alínea g) do minto 11 deste programa de concurso)
MDJ - Escala de pontuação:
a. Descrição muito detalhada e muito adequada relativa à empreitada a levar a efeito (entre [90% e 100%]).
b. Descrição bem detalhada e bem adequada relativa á empreitada a levar a efeito (entre [70% e 90%]).
c. Descrição detalhada e adequada à empreitada a levar a efeito (entre [50% e 70%])
d. Descrição pouco detalhada e adequada à empreitada a levar a efeito (entre [30% e 50%])
e. Descrição muito pouco detalhada e desadequada à empreitada a levar a efeito (entre [0% e 30%])
PT — Escala de pontuação:
i) Plano de trabalhos apresentado com detalhe muito elevado, determinação do caminho crítico e perfeitamente adequado á execução da empreitada. (entre [90% e 100%]),
ii) Plano de trabalhos apresentado bem detalhado, determinação do caminho crítico e bem adequado á execução da empreitada (entre [70% e 90%])
iii) Plano de trabalhos apresentado detalhado, determinação do caminho crítico e adequado à execução da empreitada (entre (50% e 70%]).
iv) Plano de trabalhos apresentado pouco detalhado, com determinação do carmim crítico e adequado á execução da empreitada (entre [30% e 50%]).
v) Plano de trabalhos apresentado pouco detalhado, sem determinação do caminho crítico e desadequado a execução da empreitada (entre (0% e 30%]).
3. Regras de arredondamento
Os cálculos matemáticos implicados nas operações de avaliação das propostas serão efetuados sempre considerando quatro casas decimais, processando-se o arredondamento da pontuação final do critério de adjudicação até à terceira casa decimal.
4. Critérios de desempate
Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão as mesmas classificadas em função das seguintes regras aplicadas de forma sucessiva e enquanto houver necessidade de desempate
a. Pontuação que cada uma delas obteve nos sucessivos fatores a começar pelo de maior ponderação,
b. A manter-se o empate técnico, a classificação das propostas resultará da apreciação global relativa preconizada pelo Júri.
3. A Autora apresentou a sua proposta;
4. Decorrida a fase procedimental necessária, em 18.09.2017, o Júri elaborou Relatório Preliminar e propôs a adjudicação à proposta da Contrainteressada M&F, S.A., propondo a graduação da proposta da Autora em 2° lugar - cfr. fls. 303 a 311 do PA apenso:
No que se refere ao fator Valia Técnica da Proposta - VT e subfatores Memória Descritiva e Justificativa do Modo de Execução da Empreitada - MDJ e Programa de Trabalhos - PT suscetíveis de apreciação, a análise de mérito das propostas é apresentada de seguida, e diz respeito á avaliação das mesmas de acordo com as escalas de pontuação previstas no ponto 2 do artigo 17°.
ABB, S.A.
Apresenta uma memória descritiva e justificativa do modo de execução da empreitada bem detalhada e bem adequada relativamente á empreitada a levar a efeito. Indica a organização prevista para a execução dos trabalhos, descreve os métodos construtivos a aplicar, faz referência a alguns aspetos técnicos ou outros que considera essenciais à execução da empreitada. Apresenta uma análise global da obra e dos locais onde esta irá decorrer. 80,00%
Apresenta um programa de trabalhos detalhado e adequado á execução da empreitada e com determinação do caminho crítico. Executa o plano de trabalhos em diagrama de barras, com escala temporal de uma semana, indicando a data de assinatura do contrato e da receção provisória. Não executa o plano de mão de obra e plano de equipamentos em diagrama de barras, inclui todos os trabalhos previstos no mapa de quantidades de trabalho, indica as interdependências, datas de inicio e conclusão, duração e caminho critico, embora com algumas incorreções na determinação do caminho critico. Identifica o número de frentes de trabalho, sua natureza, constituição e locais de execução. Não caracteriza as interdependências e o encadeamento das atividades. Não apresenta a constituição das equipas de trabalho nem a respetiva produtividade. 65,00%.
5. Após notificação, foi efetuada a pronúncia pela Autora ao abrigo do direito de audiência prévia, tendo a Autora pugnado pela ilegalidade das propostas de avaliação e graduação vertidas no Relatório Preliminar, nomeadamente por padecer do vício de falta de fundamentação e ilegalidade do Modelo de Avaliação - cfr. fls. 313 a 327 do PA apenso;
6. Após o exercício de audiência prévia, o Júri elaborou Relatório Final, mantendo a graduação das propostas e a adjudicação à Contrainteressada, tendo, contudo, alterado a pontuação da Autora no subfator MDJ - cfr. fls. 328 a 331 do PA apenso:
No seguimento da elaboração do Relatório Preliminar de análise de propostas do procedimento "Rede de Saneamento da Freguesia de P…", foi concedido o prazo de cinco dias úteis para a realização da audiência prévia aos interessados, nos termos do disposto no artigo 123.°, n.º 1. do CCP, a fim dos concorrentes, querendo, se pronunciarem por escrito.
Decorrido esse prazo, verifica-se a apresentação de uma pronúncia, apresentada pela concorrente ABB, S.A., tendo em vista a anulação do Relatório Preliminar, por insuficiente fundamentação, e a anulação do presente procedimento, por ilegalidade do modelo de avaliação.
Relativamente à anulação do Relatório Preliminar, por falta de fundação, não poderá o Júri do Procedimento estar de acordo com aquela que é a pretensão da concorrente. Não só por entender que o Relatório Preliminar está suficientemente fundamentado, como ainda por considerar que este não é um motivo válido para a sua anulação.
Tivesse a concorrente razão, isto é, houvesse falta de fundamentação, e a anulação do Relatório Preliminar não seria ainda assim premente, podendo o Júri do Procedimento elaborar o Relatório Final, onde, no abrigo do artigo 148°, n°. 1, do CCP, procederia á densificação da fundamentação das conclusões do Relatório Preliminar.
De facto, a anulação do Relatório Preliminar prejudicaria demasiado a concorrente ordenada em primeiro lugar, por atos que a reclamante imputa em exclusivo ao Júri do Procedimento.
Exceção disso mesmo, e por isso merecedores de uma outra análise, são os nº.s 32 e 33 da reclamação do concorrente ABB, S.A., onde se entende que a pontuação atribuída ao subfator "MIM' deverá ser corrigida, passando a sua pontuação no fator "MDJ ­Memória Descritiva e Justificativa" a ser de 85%, porque esta foi a pontuação atribuída pelo Júri, a um texto de avaliado idêntico (ver texto do relatório preliminar correspondente à concorrente M&F S.A.).
Salvo esta exceção, entende-se que a avaliação da proposta da reclamante se encontra suficientemente fundamentada, sendo perfeitamente estendível ao abrigo do critério de adjudicação e, indissociavelmente, do n.º 11 do Programa de Procedimento, onde, ao contrário do que a concorrente pretende dar a entender, se descrevem detalhadamente quais os atributos das propostas: a observar nos subfatores "MDJ" e "PT"
Relativamente á anulação do presente procedimento, por ilegalidade do modelo de avaliação, não poderá uma vez mais, o Júri do Procedimento estar de acordo com aquela que é a pretensão da ABB, S.A., O critério de adjudicação, e o modelo de avaliação que lhe é implícito, encontra-se perfeitamente definido no Programa de Concurso, incidindo sobre dois fatores considerados essenciais para a ordenação final das propostas: o "preço" e a "valia técnica da proposta".
O "preço", com uma ponderação de 70%, é o fator de maior relevância, sendo pontuado de acordo com a expressão matemática definida no n.º 17 do Programa de Concurso. A avaliação deste fator é meramente quantitativa, não suscitando, por isso, qualquer reparo por parte da reclamante.
Por sua vez, a "valia técnica da proposta", com uma ponderação de 30%, é o fator de menor relevância, encontrando-se dividido em dois subfatores: "MDJ" e "PT". Cada um destes subfatores é pontuado de acordo com a escala de pontuação definida no n.º 17 do Programa de Concurso. Essa escala implica, inevitavelmente, uma análise de mérito, qualitativa, dos atributos das propostas que, por isso, suscitou maiores reparos por parte da reclamante.
De facto, o Júri do Procedimento entende que assim seja. A pontuação obtida no fator "valia técnica da proposta", por resultar de uma análise qualitativa é passível de suscitar maiores dúvidas, que, e bem, poderão ser reclamadas em sede de audiência prévia.
Acontece, porém, que a reclamante não duvida da equidade com que o modelo de avaliação foi aplicado, mas sim do próprio modelo de avaliação.
O critério de adjudicação e parte do Programa de Concurso, pelo que, entende o Júri do Procedimento, as questões que o modelo de avaliação pudesse eventualmente suscitar deveriam ter sido colocadas antes mesmo da apresentação das propostas, dando ao Júri do Procedimento a oportunidade de esclarecer em simultâneo todos os interessados no procedimento.
A audiência prévia do Relatório Preliminar deve, por fim, incidir sobre as propostas apresentadas a concurso e os seus méritos, não se considerando que isso mesmo tenha suscitado dúvidas à reclamante.
A correção referida, no que diz respeito á pontuação do subfator "MDJ - Memória descritiva e justificativa" do concorrente ABB, S.A., agora pontuada pelo Júri com o valor de 85%. é transposta para o seguinte quadro resumo:
CONCORRENTESFator Valia Técnica (VT)
MDJPTPontuação VT
0,50 x MDJ + 0,50 x PT
ABB, S.A.85,0065,0075,0000
CC&J, Lda.75,0070,0072,5000
CTG, Lda.80,0060,0070,0000
DCOP, S.A.80,0070,0075,0000
ETD, Lda.75.0055,0065,0000
JCEC, Lda.70,0060,0065,0000
M&F, S.A.85,0075,0080,0000
R&C, S.A.80,0065,0072,5000
SM&F, S.A.80,0060,0070,0000
Com a alteração referida anteriormente, o resultado final da análise e ponderação das propostas apresentadas pelos concorrentes admitidos a concurso consta do quadro seguinte, o qual traduz a aplicação das diferentes fórmulas constantes do programa de concurso.
CONCORRENTESFator Preço (P)Fator Valia Técnica (VT)Pontuação Final (PF) 0,70 x P + 0,30 x VT
ABB, S.A.75,121575,000073,085
CC&J, Lda.73,414072,500073,140
CTG, Lda.73,499270,000072,449
DCOP, S.A.73,499275.000073,949
ETD, Lda.67,363565,000066,654
JCEC, Lda.73,499265,000070,949
M&F, S.A.73,499280,000075,449
R&C, SA71,125272,500071,538
SM&F, S.A.63,657170,000065,560
Assim, o júri propõe a seguinte ordenação dos concorrentes para a adjudicação da empreitada:
PosiçãoCONCORRENTESPontuação Final
(PP)
Valor Proposta
1M&F, S.A.75.449702 283,63 €
2ABB, S.A.75,085680 000,00 €
3DCOP, S.A.73,949702 283,62 €
4 CC&J, Lda.73,140703 400,05 €
5CTG, Lda.72,449702 283,63 €
5R&C, S.A.71,538731 433,26 €
7JCEC. Lda.70,949702 283,62 €
8ETD, Lda.86,654770 000,00 €
9SM&F, S.A.85,580800 000,00 €
Em consequência, não obstante a pontuação final atribuída ao concorrente ABB, S.A. seja, agora, de 75.085 (PF), permanece inalterada a lista de ordenação de propostas para efeitos de adjudicação.
Face ao exposto, submete-se o presente Relatório Final ao órgão competente para efeitos de decisão de adjudicação, no qual se propõe que recaia sobre a proposta apresentada pelo concorrente M&F, S.A., pelo valor de 702.283,63€.
Nada mais havendo a tratar, foi o presente relatório lido, tido por conforme e assinado pelos membros do júri do concurso.
7. Em 05.02.2018, foi deliberado adjudicar à Contrainteressada o contrato a concurso, do que a Autora foi notificada em 06.02.2018 - cfr. fls. 356 do PA apenso e doc. 1 junto com a petição inicial;
8. O contrato foi assinado em 08.03.2018 - cfr. fls. 395 a 398 do PA apenso;
9. A petição inicial que origina os presentes autos foi remetida a este Tribunal, via SITAF, em 06.03.2018 - cfr. fls. 2 dos autos em suporte físico.
Nos termos do artigo 662º do CPC, aplicável ex vi artigos 1º e 140º do CPTA, adita-se a seguinte factualidade que se mostra documentalmente comprovada:
10. É o seguinte o teor das alíneas e) g) do ponto 12 do Programa de Concurso, epigrafado “Documentos que instruem a proposta”: “ A proposta será instruída com os seguintes documentos:
(…)
e) Memória descritiva e justificativa do modo de execução de obra, que incluirá a identificação do número de frentes de trabalho, sua natureza, constituição em termos de mão-de-obra e equipamentos e locais de execução, a caracterização das interdependências e encadeamentos das diferentes atividades e, em geral, todos os elementos necessários para demonstrar a garantia do cumprimento dos prazos parcelares e do prazo global da empreitada.
f) Programa de trabalhos, tal como definido no artigo 361º do Código de Contratação Pública [CCP], que procederá à fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e à especificação dos meios com que o concorrente se propõe executá-los, bem como à definição do correspondente plano de pagamento. Este programa de trabalhos deverá incluir plano de trabalhos, plano de mão-de-obra, plano de equipamento e plano de pagamentos a afetar à obra (…)”.
*
III.2 - DO DIREITO
Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas nos recursos jurisdicionais em análise.
Examinados os termos em que os Recorrentes ancoram o presente recurso jurisdicional, é pacífico que os mesmos vêm afrontar a interpretação perfilhada pelo Tribunal a quo no tocante ao preceituado no art. 132º, nº 1, alínea n) e 139º, nºs 2, 3 e 5 do Código dos Contratos Públicos, bem como do estatuído nos arts. 152º e 153º do Código de Procedimento Administrativo e 268º, nº 3, da CRP.
Vemos neles, por isso, a necessidade de responder às seguintes questões:
Em primeiro lugar, determinar se é [ou não] patente a indeterminabilidade do modelo de avaliação de propostas previsto no Programa de Concurso, mormente no que tange à estipulação do fator Valia Técnica [com os subfatores memória descritiva e justificativa e programa de trabalhos].
Em segundo lugar, e em último lugar, apurar que se a decisão que atribuiu a pontuação à proposta apresentada pela Recorrida ABB, S.A. e subsequentemente adjudicou o procedimento concursal visado nos autos padece [ou não] do vício de falta de fundamentação.
Vejamos detalhadamente cada destes pontos.

I- Indeterminabilidade do modelo de avaliação de propostas
Sob a primeira questão decidenda suscitada em juízo, importa que se comece por convocar, na parte que interessa, aquilo que se discorreu em 1ª instância: “(…)
Analisado o programa de concurso, sem dificuldade se constata que nada mais é esclarecido quanto a este critério, ficando por saber em que consiste, quanto à memória descritiva e justificativa, uma descrição muito detalhada e muito adequada e o que a distingue de uma proposta bem detalhada e bem adequada, por exemplo. E o mesmo se diga quanto ao fator plano de trabalhos (sendo usados conceitos como detalhe muito elevado, determinação do caminho crítico e perfeitamente adequado à execução da empreitada e bem detalhado e bem adequado, por exemplo). Na verdade, estes critérios, tal como vêm apresentados, não consagram em si, as regras de determinabilidade e certeza quanto ao seu conteúdo, não permitindo a um qualquer homem médio proceder à subsunção de uma qualquer proposta e à avaliação, em termos matemáticos.
Aliás, tal é patente na própria avaliação da proposta da Autora, aquando do relatório preliminar, em que são estabelecidos pontos que favorecem a avaliação e pontos que a desfavorecem. Veja-se que o júri refere que a proposta da Autora, na parte da memória descritiva e justificativa, descreve métodos construtivos a aplicar, faz referência a alguns aspetos técnicos ou outros que considera essenciais à execução da empreitada, apresenta análise global da obra e locais onde esta irá decorrer, quanto ao plano de trabalhos, executa o plano de trabalhos em diagrama de barras, com escala temporal de uma semana, indicando a data de assinatura do contrato e da receção provisória; não executa o plano de mão-de-obra e o plano de equipamentos em diagrama de barras; inclui todos os trabalhos previstos no mapa de quantidades de trabalho, indica as interdependências, datas de início e conclusão, duração e caminho crítico; identifica o número de frentes de trabalho, sua natureza, constituição e locais de execução; não carateriza as interdependências e o encadeamento das atividades; não apresenta a constituição das equipas de trabalho nem a respetiva produtividade.
Mas, na verdade, no programa do concurso nada é concretizado quanto aos aspetos a valorar sendo que essa concretização (passando a repetição) é efetuada posteriormente, em sede de análise e avaliação das propostas. O júri do procedimento, apenas nesta fase, estabelece uma série de aspetos que a Autora ora incluiu, ora não, e que influem na sua pontuação. Portanto, há uma densificação de critérios feita a posteriori, concretizando-se só na fase da avaliação da proposta, por exemplo, quanto à memória descritiva, com a descrição dos métodos construtivos a aplicar, a referência a alguns aspetos técnicos ou outros que considera essenciais à execução da empreitada, a apresentação de análise global da obra e locais onde esta irá decorrer.
O que daqui decorre é que os concorrentes não sabem, ab initio, com que linhas se cosem, apresentando uma proposta às escuras, pois que não sabem, concretamente, que aspetos serão valorados. Note-se que não importa para o caso a circunstância de a Autora ser experiente neste tipo de procedimentos e conhecer a metodologia do Réu neste domínio, pois que o concurso é aberto para todas as empresas que queiram participar, sejam elas experientes ou inexperientes neste âmbito. Ou seja, o concurso tem que ser estruturado de modo a que qualquer empresa saiba, antecipadamente, quais os critérios que serão aplicáveis, com vista a decidir se quer participar e, participando, saber que regras devem orientar a sua proposta, para que a mesma seja escolhida a final (…)”.
E mais adiante: “(…) Acolhendo estes ensinamentos, com efetiva aplicação no caso concreto, com facilidade se conclui que tal como a norma concursal está elaborada, a análise do júri e a consequente decisão do Réu (de adjudicação) apresenta-se como insindicável. Não há qualquer possibilidade de, mediante a referida norma, analisar e avaliar as propostas apresentadas, objetivamente, percebendo o raciocínio encetado pelo júri, de modo a tê-lo como certo ou errado (na perspetiva do critério definido).
Destarte, face à previsão normativa em causa (que, como se demonstrou supra, padece de indeterminação e falta de clareza total), não é dado cumprimento quer ao artigo 139° do C.C.P. como aos demais princípios vigentes em sede de contratação, pelo que procede esta invocação da Autora (…)”.
Espraiada a fundamentação vertida na sentença recorrida, adiante-se, desde já, que divergimos do sentido da decisão adotado pelo Tribunal a quo no domínio da causa de invalidade em análise.
Explicitemos pormenorizadamente este nosso juízo.
O procedimento concursal visado nos autos é regulado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro [na sua redação mais atual], que aprova o Código dos Contratos Públicos (CCP), que estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo.
Ora, estabelece o nº. 4 do artigo 1º do C.C.P que:” (...) À contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência (...)”.
Por sua vez, determina o artigo 74º do mesmo diploma legal que a adjudicação é feita segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa ou o do mais baixo preço, sendo que os fatores e os eventuais subfatores que densificam o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa devem abranger todos, e apenas, os aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, não podendo dizer respeito, direta ou indiretamente, a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes [nº.1 do artigo 75º].
Por outra banda, estatui a alínea n) do artigo 132º do Código dos Contratos Públicos que “(...) O critério de adjudicação, bem como, quando for adotado o da proposta economicamente mais vantajosa, o modelo de avaliação das propostas, explicitando claramente os fatores e os eventuais subfatores relativos aos aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, os valores dos respetivos coeficientes de ponderação e, relativamente a cada um dos fatores ou subfatores elementares, a respetiva escala de pontuação, bem como a expressão matemática ou o conjunto ordenado de diferentes atributos suscetíveis de serem propostos que permita a atribuição das pontuações parciais (...)”.
Finalmente, preceitua o artigo 139.º do mesmo diploma legal: “(...) 1 - No caso de o critério de adjudicação adotado ser o da proposta economicamente mais vantajosa, o modelo de avaliação das propostas deve ser elaborado de acordo com o disposto nos nº.s 2 a 4.
2- A pontuação global de cada proposta, expressa numericamente, corresponde ao resultado da soma das pontuações parciais obtidas em cada fator ou subfator elementar, multiplicadas pelos valores dos respetivos coeficientes de ponderação.
3 - Para cada fator ou subfator elementar deve ser definida uma escala de pontuação através de uma expressão matemática ou em função de um conjunto ordenado de diferentes atributos suscetíveis de serem propostos para o aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos respeitante a esse fator ou subfator.
4 - Na elaboração do modelo de avaliação das propostas não podem ser utilizados quaisquer dados que dependam, direta ou indiretamente, dos atributos das propostas a apresentar, com exceção dos da proposta a avaliar.
5 - As pontuações parciais de cada proposta são atribuídas pelo júri através da aplicação da expressão matemática referida no n.º 3 ou, quando esta não existir, através de um juízo de comparação do respetivo atributo com o conjunto ordenado referido no mesmo número (...)”.
Ora, do que vem de se transcrever grassa à evidência que o modelo de avaliação das propostas a integrar no Programa de Procedimento, conterá, a fim de assegurar a observância dos princípios da contratação pública e da atividade administrativa em geral [transparência, igualdade e concorrência], a elencagem e densificação de fatores e eventuais subfatores de avaliação considerados indispensáveis à boa estruturação do critério de adjudicação, sendo que estes deverão reportar-se a aspetos do contrato a celebrar e serem submetidos à concorrência mediante o caderno de encargos.
O modelo de avaliação deverá ser ainda integrado por certa e rigorosa valoração dos coeficientes de ponderação dos fatores e subfatores indicados e por escalas de pontuação dos fatores e/ou subfatores [tais escalas deverão assumir uma expressão matemática ou materializar-se num conjunto ordenado de atributos diversos passiveis de integrar a execução do contrato].
Quer isto tanto significar que a melhor e legal definição do critério de adjudicação a prever no Programa do Concurso, para além de pressupor coerência entre os elementos que substanciam o modelo de avaliação, exigirá que os fatores se diferenciem entre si e sejam complementares [deverão, também, incidir sobre atributos a apresentar em sede de propostas] e que os subfatores expressem um desenvolvimento lógico dos fatores, obrigará a que os coeficientes de ponderação atribuídos a fatores e subfatores se articulem, de modo progressivo, e que as escalas de pontuação assumam um desenvolvimento proporcional por forma a permitir a valoração de todas as propostas e a respetiva diferenciação, e, em suma, pressuporá que os fatores, subfatores e escalas de pontuação não contrariam a essência do critério de adjudicação eleito, o qual, «in casu», se traduz em “proposta economicamente mais vantajosa”.
Cientes destes considerandos de enquadramento, e revertendo ao caso sujeito, temos que ficou demonstrado, para o que ora nos interessa, que o Programa de Concurso visado nos autos prevê, taxativamente, que a determinação da proposta economicamente mais vantajosa [critério adotado] é realizada de acordo a seguinte fórmula: Preço Final = [Preço * 0,70] + [Valia Técnica * 0,30], em que, para o que ora nos interessa, VT = [Memória descritiva e justificativa do modo de execução da empreitada * 0,50]+ [Programa de Trabalhos * 0,50%].
É também consensual que, no domínio do primeiro subcritério do Fator Valia Técnica - Memória Descritiva e Justificativa do Modo de Execução da Empreitada - alude-se à possibilidade de a classificação variar entre a pontuação de entre 90%-100%, 70%-90%, 50%-70%, 30%-50% e 0%-30%, consoante as propostas apresentem uma descrição muito detalhada e muito adequada; bem detalhada e bem adequada; detalhada e adequada; pouco detalhada e adequada; e pouco detalhada e desadequada, respetivamente, tudo relativo à empreitada a levar a efeito.
O mesmo sucedendo no domínio do segundo subcritério – Plano de Trabalhos - da Valia Técnica consoante as propostas apresentem um Plano de trabalhos apresentado com detalhe muito elevado, determinação do caminho crítico e perfeitamente adequado á execução da empreitada (entre [90% e 100%]); bem detalhado, determinação do caminho crítico e bem adequado á execução da empreitada (entre [70% e 90%]); detalhado, determinação do caminho crítico e adequado à execução da empreitada (entre (50% e 70%]); pouco detalhado, com determinação do carmim crítico e adequado á execução da empreitada (entre [30% e 50%]); e pouco detalhado, sem determinação do caminho crítico e desadequado a execução da empreitada (entre (0% e 30%]).
Finalmente, resulta também provado que, quanto aos dois subfatores da valia técnica, o modelo de avaliação faz uma remissão expressa para os elementos indicados nas alíneas e) [refere-se alínea g), mas, evidentemente, trata-se de mero lapso] (MDJ) e f) (PT) do ponto 11 do programa de concurso.
Assente a realidade fáctica ora exposta, assoma como evidente que, desde logo, não se pode sustentar que o Programa de Concurso não adianta qualquer densificação no domínio do subfatores estabelecidos em sede de Valia Técnica.
Na verdade, para a explicitação e melhor compreensão do primeiro subfator da Valia Técnica, o Programa de Concurso claramente estabelece que a Memória Descritiva e Justificativa do modo de execução de obra “(…) incluirá a identificação do número de frentes de trabalho, sua natureza, constituição em termos de mão-de-obra e equipamentos e locais de execução, a caracterização das interdependências e encadeamentos das diferentes atividades e, em geral, todos os elementos necessários para demonstrar a garantia do cumprimento dos prazos parcelares e do prazo global da empreitada (…)” [cfr. alínea e) do artigo 12º].
De igual, e com o mesmo propósito, prevê expressamente que o Programa de Trabalhos, “(…) tal como definido no artigo 361º do Código de Contratação Pública [CCP], (…) procederá à fixação da sequência e dos prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas e à especificação dos meios com que o concorrente se propõe executá-los, bem como à definição do correspondente plano de pagamento. Este programa de trabalhos deverá incluir plano de trabalhos, plano de mão-de-obra, plano de equipamento e plano de pagamentos a afetar à obra (…)”.
O que conduz à constatação que o Programa de Concurso procede a uma clara determinação e densificação desses subfatores de avaliação, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação ao defendido neste domínio pelo Tribunal a quo.
Idêntica conclusão é atingível no que tange à indeterminabilidade dos critérios de graduação escorada na sentença recorrida.
Nesta sede, entendemos reproduzir, na parte que releva, o teor da recentíssima Jurisprudência firmada pelo Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão editado em 14.09.2018, no processo n.º 686/18.0BEBRG, porque esclarecedora da matéria em análise:” (…)
Os Recorrentes discordam da decisão recorrida sustentando, em suma, que o modelo de avaliação previamente fixada no programa concursal não violou a lei, mormente os artigos 132º nº 1 al. n) e 139º do CCP, no especifico ponto censurado pela sentença, e que ainda que assim fosse, sem conceder, caberia aplicar o princípio do aproveitamento do ato administrativo por irrelevância da alegada ilegalidade na graduação dos candidatos.
Vejamos.
Como se retira do Programa do Procedimento Concursal - PP (ponto 12 e anexo), o critério de adjudicação fixado foi o da proposta economicamente mais vantajosa, baseado em dois fatores: o preço, a que se atribuiu uma ponderação de 70%, e a valia técnica a que se atribuiu uma ponderação de 30%; e no que agora interessa, a valia técnica foi desdobrada em subfatores “Memória descritiva e justificativa; Programa de trabalhos” (com uma ponderação respetiva de 50%, dos 30% atribuídos à valia técnica e garantia da proposta) a avaliar segundo 4 Parâmetros/critérios – Conhecimento do Local (CL) – 15%; Descrição da Obra a realizar- (DO) – 30%; Metodologia de execução (ME) – 35% ENSAIOS (ENS) – 20% – e respetivas escalas de pontuação explicitadas e gradativas, destinadas a permitir a atribuição das diferentes pontuações parciais; definindo-se assim os valores dos coeficientes de ponderação dos fatores e subfatores, bem como, em relação aos subfactores/parâmetros elementares, a referida escala de pontuação.
Sabendo-se já que a exigência de o modelo de avaliação das propostas ser previamente fixado no PP e de acordo com o disposto nos artigos 132.º nº 1 al. n) e 139º nº 2, 3 e 5 do CCP, visa prosseguir os princípios da concorrência, da transparência, da imparcialidade, da igualdade, da boa fé e do interesse público, entre outros – afigura-se-nos que tal modelo cumpriu a lei.
Aliás, a censura da decisão recorrida quanto ao modelo de avaliação em causa cingiu-se aos dois primeiros descritores do quadro/escala de pontuação relativa ao sub-critério ou parâmetro “Conhecimento do Local” (valorado em 15%), do item da Memória Descritiva e Justificativa (MDJ) avaliada em função da metodologia de execução que cada concorrente se propõe na execução da obra, e da sua compatibilidade com os meios a afetar, atendendo ao prazo de execução previsto” (com uma ponderação de 50%, dos 30% atribuídos à valia técnica e garantia da proposta) pelo facto de os referidos descritores, ainda que com reporte a “descrição muito detalhada” e “descrição detalhada” não densificarem elementos diferenciadores, justificativos da diferente pontuação: 100, para a descrição muito detalhada, 80, para a descrição detalhada.
Ora, e como já resulta do atrás exposto, o item MDJ foi densificado em 4 sub-critérios ou parâmetros destinados a constatar e avaliar “o conhecimento revelado pelos concorrentes, por se considerar que a sua análise detalhada e aprofundada confere uma maior qualidade e fiabilidade à proposta global, nomeadamente o do “Conhecimento do Local (CL)” nos termos do quadro em questão:
Descrição muito detalhada: do local da obra, sua envolvente e situação existente incluindo registo fotográfico, apresentação de plantas e ou fotografias aéreas, descrição exaustiva do terreno e das pré existências 100
Descrição detalhada: do local da obra, sua envolvente e situação existente incluindo registo fotográfico, apresentação de plantas e ou fotografias aéreas, descrição exaustiva do terreno e das pré existências 85
Descrição suficiente: do local da obra, sua envolvente e situação existente incluindo registo fotográfico, apresentação de plantas e ou fotografias aéreas, descrição sumária do terreno e das pré existências 75
Descrição sucinta do local da obra, sua envolvente e situação existente, sem registo fotográfico, ou apresentação de plantas e ou fotografias aéreas 50
Não descreve o conhecimento do local 0
Ou seja, no caso, pretendeu-se, mediante uma escala densificada e gradativa dotar o júri de elementos respeitantes ao conhecimento revelado pelos concorrentes sobre o local onde a obra será implantada, sua envolvente e situação existente, a avaliar e a quantificar segundo o tipo de descrição efetuada e documentação apresentada (Muito detalhada - 100; Detalhada - 85; Suficiente - 75; Sucinta - 50; Inexistente - 0).
É certo que os elementos a considerar na “descrição muito detalhada” e na “descrição detalhada” estão repetidos: local da obra, sua envolvente e situação existente; - registo fotográfico; - plantas e ou fotografias aéreas; - descrição exaustiva do terreno e das pré-existências (sem prejuízo de, quando ao último ponto, se poder entender, segundo as regras da experiência comum e da lógica que o uso da palavra “exaustiva” no segundo descritor configura um erro material).
No entanto, o uso das expressões “descrição muito detalhada” e “descrição detalhada” dos elementos a considerar – seguida de “descrição suficiente” de tais elementos (3º descritor) – não é, neste contexto, irrelevante, permitindo aos destinatários, segundo o critério do homem médio colocado na situação concreta dos candidatos, perceber a diferente pontuação no sentido de diferença de grau de detalhe na descrição da obra e demais elementos enunciados, correspondendo, assim, a primeira situação às propostas que descrevam com muito detalhe ou exaustivamente tais elementos e a segunda àquelas que os descrevem de forma detalhada ou desenvolvida, mas com menor grau de detalhe.
De resto, e como já se viu, as demais escalas gradativas dos outros parâmetros que densificam a valia da MDJ, designadamente os da “Descrição da Obra a realizar” e da “Metodologia de execução”, seguiram, em geral, o mesmo método avaliativo, ainda que com mais clara diferenciação dos atributos avaliáveis, ponderados em 5 patamares de avaliação, com 100, 85, 75, 50 e 0, correspondentes a descrição muito detalhada, detalhada, suficiente, muito sucinta e ausência de descrição (note-se, ainda, que no caso dos dois primeiros pontos do patamar Metodologia de execução “Descrição muito detalhada…” e “Descrição detalhada o seu conteúdo é igual com a diferença de, neste caso, a parte relativa a “Apresenta proposta de escalonamento das diferentes tarefas/trabalhos” ter sido adjetivada de exaustiva apenas na “Descrição muito detalhada”.)
Vale isto por dizer que não se vislumbra que o modelo de avaliação em causa possa ter impedido os candidatos de, nos pontos censurados pelo TAF, ajustar os termos das respetivas propostas ao pretendido pela entidade adjudicante (…)”.
Ressalte-se, também, o expendido por esta mesma Instância no Acórdão prolatado em 04.07.2017, no processo 00305/16.9BEMDL, aliás, em processo de contornos fácticos muitos similares à situação em judice:
“(…)
I) – Legalidade ou ilegalidade do modelo de avaliação
Neste ponto a sentença recorrida concluiu pela ilegalidade.
Nos seguintes termos:
«(…)
Conforme resulta da matéria de facto, à avaliação qualitativa correspondia uma pontuação quantitativa valorada em função de vários patamares avaliativos: entre 0-5, 6-9, 10-13, 14-16, 17-20.
Ora, afigura-se que tal modelo de avaliação é ilegal, por não fazer corresponder à avaliação qualitativa uma avaliação quantitativa certa, atribuindo ao júri um verdadeiro poder arbitrário, já que nenhum critério foi definido para que o júri pudesse valorar entre, por exemplo, entre 14-16, pelo que a atribuição de 14, 15 ou 16 é meramente arbitrária, não encontrando no próprio modelo de valoração qualquer elemento definidor.
O facto da valoração das propostas se situar no campo da discricionariedade, não significa que possam ser atribuídos poderes ao júri que são arbitrários. A quantificação da análise qualitativa das propostas deve conduzir a uma situação em que duas propostas com a mesma análise qualitativa tenham necessariamente a mesma valoração.
Ora, no caso em apreço, o modelo, tal como definido permite, por exemplo, que duas propostas consideradas pelo júri como contendo uma memória justificativa e descritiva do modo de execução da Obra quer revela «um estudo aprofundado do processo de concurso com uma descrição detalhada dos trabalhos a desenvolver e adequada à Obra em questão» sejam valoradas com 3 pontuações distintas: 14, 15 ou 16, sem que exista qualquer critério previamente definido. Estamos, portanto, já no campo do mero arbítrio do júri e não no âmbito da discricionariedade.
Esta situação é a agrava pela forma como as situações tipo previstas estão descritas: os primeiros patamares dos vários subfatores fazem mera referência a critérios que pela sua subjetividade não permitem uma graduação efetiva, de que são exemplos a distinção entre “estudo muito aprofundado do processo de concurso”, “estudo aprofundado do processo de concurso” e “estudo do processo do concurso” ou “muito bem adequada à Obra”, “bem adequada à Obra” e “adequada à Obra”.
Muito embora a valoração se faça com base em valorações que tem, necessariamente um pendor subjetivo, é necessário que sejam definidos alguns critérios objetivos de distinção que permitam por um lado ao júri exteriorizar convenientemente as razões que o levaram a atribuir determinada pontuação e que possibilitem aos concorrentes e ao Tribunal controlar aspetos centrais da valoração.
Afigura-se, portanto, que este modelo não cumpre as imposições dos artigos 139.º, n.º 3 e 1.º, n.º 4 do CCP porque não é estabelecida uma escala de pontuação que respeite o princípio da transparência e da concorrência, pelo que é de declarar a ilegalidade do modelo de avaliação definido.
(…)».
Como se vê, tudo se reconduz a saber se o modelo de avaliação poderia, ou não, assentar nas grelhas classificativas previstas para os subcritérios do fator “Valia Técnica”, nos modos em que foi feita sua previsão.
O uso de grelhas classificativas com enunciações de juízos avaliativos sempre foi de recurso comum nos procedimentos concursais, com compreensíveis vantagens, mas que também podem dar lugar a objeções.
(…)
A decisão recorrida encarou que “afigura-se que tal modelo de avaliação é ilegal, por não fazer corresponder à avaliação qualitativa uma avaliação quantitativa certa (…) os primeiros patamares dos vários subfatores fazem mera referência a critérios que pela sua subjetividade não permitem uma graduação efetiva”.
Mas não nos parece.
Não podemos esquecer que na avaliação do fator “Avaliação Técnica” intervém o que por excelência é momento de discricionariedade ou de exercício de poderes discricionários, campo do domínio da denominada “justiça administrativa”.
Se os modelos de avaliação devem prosseguir objetividade e transparência, eliminando puro subjetivismo, devem também permitir «“acomodar” as inovações e as “surpresas” constantes das propostas, e valorizá-las devidamente, o que só sucederá com recurso a expressões que concedam ao júri uma margem de livre apreciação» (Margarida Olazabal Cabral, O concurso público no CCP, in Estudos de Contratação Pública, CEDIPRE -I, Coimbra Editora, 2008, pág. 208).
Importa que “da norma ou do concurso de normas que regem o ato administrativo tem de poder extrair-se o núcleo essencial do tipo de situação sobre a qual poderá incidir o exercício do poder” (Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, Almedina, 1987, pág. 492).
E, no caso, atinge-se essa compreensão.
Não só pela menção isolada, também pelo plano gradativo em que em cada grelha se decompõe previsão do juízo.
Cada descritor, em cada nível, é padrão aproximativo.
Sendo de admitir que cada um deles possa ter intervalo oscilatório, em adequação ao contributo dado por diferentes propostas; é perfeitamente percetível que a uma maior pontuação corresponde a uma maior valorização do seu mérito (…)”.
Examinando os Arestos ora parcialmente transcritos, verifica-se, sem qualquer margem para dúvida, que os mesmos versam sobre a problemática em análise.
Conforme emerge grandemente do que se vem de expor, os modelos de avaliação de propostas devem também permitir «“acomodar” as inovações e as “surpresas” constantes das propostas, e valorizá-las devidamente, o que só sucederá com recurso a expressões que concedam ao júri uma margem de livre apreciação», importando que da norma ou do concurso de normas que regem o ato administrativo se possa extrair o núcleo essencial de situação sobre a qual incidirá o exercício do poder.
No caso concreto do uso de uma escala densificada e gradativa com recurso as expressões do tipo “descrição muito detalhada” ou mesmo do tipo “descrição detalhada” dos elementos a considerar pelo júri concursal no domínio avaliativo atinge-se tal compreensão, pois a mesma permite aos destinatários, segundo o critério do homem médio colocado na situação concreta dos candidatos, perceber a diferente pontuação no sentido de diferença de grau de detalhe na descrição da obra e demais elementos enunciados, correspondendo, assim, a primeira situação às propostas que descrevam com muito detalhe ou exaustivamente tais elementos e a segunda àquelas que os descrevem de forma detalhada ou desenvolvida, mas com menor grau de detalhe, não fulminando, por isso, o procedimento concursal visado com violação do bloco legal constantes dos artigos 132º nº 1 al. n) e 139º do CCP.
Não se vislumbra, nem descortina, qualquer argumento de natureza jurídica ou prática para inverter a direção seguida nos referidos processos, assomando a mesma, a nosso ver, como a mais concordante e consentânea com o bloco legal aplicável ao caso versado nos autos, sendo ainda de referir o facto dos demais elementos probatórios postos à disposição do Tribunal nada aportarem de relevante no sentido da aquisição processual de que a Recorrida solicitou esclarecimentos ou retificações das peças do procedimento, no primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas, nos termos do número 1 do artigo 50º do CCP, ou mesmo que ao Recorrente Município de V… foi apresentada qualquer lista identificadora de erros ou omissões detetadas no Caderno de Encargos, até ao termo do quinto sexto do prazo fixado para a apresentação das propostas, nos termos do número 1 do artigo 61º do CCP, o que também contribuiu para a posição assumida pelo Tribunal no que diz respeito à matéria acima indicada.
Assim, inexistindo quaisquer razões ou circunstâncias específicas que justifiquem diverso procedimento, não vemos razões sustentáveis para divergir da jurisprudência produzida pelos ditos Acórdãos, antes a eles aderimos.
Daí que, no âmbito do fundamento em análise, a atuação da Administração em análise não encerre qualquer errónea interpretação e aplicação do art. 132º, nº 1, alínea n) e 139º, nºs 2, 3 e 5 do Código dos Contratos Públicos
Por tudo quanto foi exposto, resulta cristalino que o ato de adjudicação do procedimento concursal visado nos autos, também sob escrutínio, não padece das ilegalidades que são lhe imputadas nos autos.
Assim sendo, conclui-se ser de proceder as questões trazidas a recurso nos itens I) a IX) e A) a K) dos Recorrentes, respetivamente.

II- Falta de fundamentação
Resta-nos, pois, a questão de saber se a decisão que atribuiu a pontuação à proposta apresentada pela Recorrida ABB, S.A., e, subsequentemente, adjudicou o procedimento concursal visado nos autos, padece do vício de falta de fundamentação.
Vejamos.
Sobre a questão do cumprimento do imperativo da fundamentação obrigatória [como é imposto pelo artº 268º, nº 3, da CRP e artºs 124º e 125º do CPA], a mais alta Instância desta Jurisdição desde há muito entende que, tendo em vista que a fundamentação do ato administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, e como é assinalado em abundante jurisprudência deste STA [citam-se por mais recentes os seguintes acórdãos do Pleno da Secção: de 25-01-2005 (Rec. 01423/02), de 13-10-2004 (Rec. 047836), de 17-06-2004 (Rec. 0706/02), e de 06-05-2004 (Rec. 047790), de 03-11-2004 (Rec. nº 0561/04), de 11-01-2005 (Rec. nº 0605/04), de 26-04-2005 (Rec. nº 01198/04, de 20-01-2005 (Rec. nº 0857/04), de 20-11-2002 (Rec. nº 01178/02), de 05-12-2002 (Rec. nº 01130/02) e de 12-07-2005 (Rec. 512/05], o ponto de vista relevante para avaliar se o conteúdo da fundamentação é adequado àquele imperativo, é o da compreensibilidade por parte do destinatário normal, colocado na situação concreta, de modo que deve dar-se por cumprido tal dever se a motivação contextualmente externada lhe permitir perceber quais as razões de facto e de direito que determinaram o autor do ato a agir ou a escolher a medida adotada.
O mesmo é dizer, como se afirma no Acórdão de 25-01-2005, prolatado no recurso nº.01423/02, disponível in www.dgsi.pt: “primeiro, que o dever de fundamentação se cumpre sempre que o discurso justificativo da decisão administrativa seja apto a realizar aquele esclarecimento e, segundo, que a fundamentação tem uma dimensão formal autónoma que se satisfaz com tal objetivo, ainda que, porventura, as razões aduzidas não sejam exatas, indiscutíveis ou convincentes. Esta é outra vertente, que tem já a ver com a legitimidade material do ato administrativo (vide, neste sentido, Vieira de Andrade, “O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos”, pp. 11 e 236 e acórdão STA de 2002.07.04 – recº nº 616/02)”.
Assim, o acerto dos fundamentos do ato não se prende com o cumprimento de tal dever, antes sim com a sua conformidade à respetiva situação factual, como também não o tem o cumprimento de outras formalidades que ao caso coubessem.
Atentando agora no que decorre da factualidade levada ao probatório, pode afirmar-se que a graduação da proposta da Recorrida ABB, S.A. e a subsequente decisão de adjudicação do procedimento concursal mostram-se devidamente fundamentadas.
Efetivamente, do teor do Relatório Preliminar, resulta que o júri considerou que a proposta da Recorrida ABB, S.A. “(…) Apresenta uma memória descritiva e justificativa do modo de execução da empreitada bem detalhada e bem adequada relativamente á empreitada a levar a efeito. Indica a organização prevista para a execução dos trabalhos, descreve os métodos construtivos a aplicar, faz referência a alguns aspetos técnicos ou outros que considera essenciais à execução da empreitada. Apresenta uma análise global da obra e dos locais onde esta irá decorrer. 80,00%. Apresenta um programa de trabalhos detalhado e adequado á execução da empreitada e com determinação do caminho crítico. Executa o plano de trabalhos em diagrama de barras, com escala temporal de uma semana, indicando a data de assinatura do contrato e da receção provisória. Não executa o plano de mão de obra e plano de equipamentos em diagrama de barras, inclui todos os trabalhos previstos no mapa de quantidades de trabalho, indica as interdependências, datas de inicio e conclusão, duração e caminho critico, embora com algumas incorreções na determinação do caminho critico. Identifica o número de frentes de trabalho, sua natureza, constituição e locais de execução. Não caracteriza as interdependências e o encadeamento das atividades. Não apresenta a constituição das equipas de trabalho nem a respetiva produtividade. 65,00%. (…)”.
Posteriormente, em sede de Relatório Final, o júri do concurso entendeu corrigir pontuação atribuída à Recorrida ABB, S.A., no domínio do fator "MDJ - Memória Descritiva e Justificativa, que passou agora a ser de “(…) de 85%, porque esta foi a pontuação atribuída pelo Júri, a um texto de avaliado idêntico (ver texto do relatório preliminar correspondente à concorrente M&F S.A.) (…)”.
Analisada a fundamentação em causa, concluímos que esta não padece de obscuridade, contradição ou insuficiência; bem pelo contrário, mostram-se claramente expressas as razões pelas quais foi valorizada nos termos em que foi a proposta da Recorrida ABB, S.A.
Por outra banda, e quanto à avaliação das propostas em si mesma, sabe-se que a mesma tem como critério de base a avaliação de dois fatores, como sejam, o Fator Preço e o Fator Valia Técnica [este composto por dois subcritérios], sendo que cada um desses Fatores e respetiva ponderação constituem uma grelha classificativa que consta do referido Relatório Final.
Visto o teor da referida grelha, logo se constata que ali se explicitam as subdivisões de cada um dos referidos dois Fatores, atribuindo-lhes pontuações máximas e níveis de ponderação para a atribuição das pontuações.
Neste quadro de referência, somos a considerar que o preenchimento da grelha classificativa, em que se definem os fatores de avaliação", a que se fazem corresponder vários graus valorativos, com recurso a menções qualitativos e notações quantitativos, com a respetiva explicitação standardizada embora, proporciona ao interessado um conhecimento adequado das razões pelas quais o júri optou concursal pela valoração adotada.
E, como “(…) há muito a jurisprudência vem entendo, tal preenchimento corporiza fundamentação suficiente [cfr. a propósito, a título exemplificativo, o Acórdão de 26-04-2006-Rec. nº 02083/03, com citação de outra jurisprudência, disponível in www.dgsi.pt].”
Procede, portanto, o erro de julgamento imputado à decisão recorrida no domínio em análise.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido provimento integral aos recursos jurisdicionais em análise, e, em conformidade, revogada a sentença recorrida e julgada improcedente a ação de contencioso pré-contratual.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
***
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em conceder provimento aos recursos jurisdicionais “sub judice” e, em conformidade, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a ação de contencioso pré-contratual.
Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias, ficando esta, porém, exonerada do pagamento da taxa de justiça que seria devida pelo impulso processual nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado.
Notifique-se.
Porto, 25 de janeiro de 2019,
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco