Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00449/18.2BEPRT-S1
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:RECURSO EM SEPARADO;AMPLIAÇÃO DO PEDIDO;
ART.º 63º DO CPTA;
DECISÃO PROCEDIMENTO DE REVISÃO MATÉRIA COLECTÁVEL;
Sumário:
I. A sentença é nula quando os «fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que tome a decisão ininteligível». O que significa que esta nulidade ocorre quando a construção da sentença é viciosa, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto, por outras palavras, a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.

II. A instância fixa-se com a propositura da acção e esta considera-se proposta logo que a petição inicial seja recebida na secretaria do respectivo tribunal, na qual deve o Autor, entre outros elementos, expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção e formular o pedido – cf. artigo 108º do CPPT.

III. Em processo de impugnação judicial, a ampliação do pedido e da causa de pedir, nos termos do disposto no artigo 63.º do CPTA, ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, é admissível, sempre que se verifiquem factos supervenientes para o impugnante que lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia conhecer no momento da apresentação da petição inicial, assim permitindo ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado.

IV. O que não se verifica quando é proferida decisão no âmbito do procedimento de revisão da matéria colectável, na pendência da impugnação, e naquela não tenham sido apreciados vícios à liquidação ex novo e não tenha sido emitido novo acto tributário.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. Os Recorrentes («AA» e outros), vem interpor recurso separado do despacho, datado de 18.10.2021, proferido no âmbito da acção de Impugnação Judicial n.º 449/18.2BEPRT, proposta contra a Autoridade Tributária Aduaneira, intentada contra as liquidações de IRC e IVA, dos anos de 2008, que indeferiu a modificação objectiva da instância requerida ao abrigo do artigo 63.º do CPTA, visando a ampliação do objecto do processo no que concerne à decisão do Director de Finanças ..., proferida em 24.11.2020, em sede de procedimento de revisão da matéria coletável, inconformados vem apresentar o presente recurso.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
« (...)
i. Está em causa no presente recurso o despacho através do qual foi indeferida, pelo Tribunal a quo, a ampliação do objecto de impugnação requerida pelo Recorrente ao abrigo do disposto no art. 63.º do CPTA ex vi art. 2.º c) do CPPT e, ainda que o articulado superveniente em que tal pedido foi formulado não tenha sido rejeitado, através da decisão ora recorrida o Tribunal a quo acaba por retirar ao pedido de ampliação do objecto do processo a utilidade a que se destinava – mormente porque através daquela ampliação do pedido, se pretendia que fosse apreciada, como objecto mediato do processo impugnatório, a legalidade da decisão que manteve a fixação da matéria tributável subjacente às liquidações aqui impugnadas como objecto imediato – pois que obsta a apreciação, no processo impugnatório, dos vícios imputados àquela decisão de fixação da matéria tributável por métodos indirectos.
ii. A decisão de rejeição da pretendida (e devida) ampliação do objecto do processo constitui, do ponto de vista do Recorrente, uma decisão judicial lesiva dos seus direitos de defesa, na qualidade de responsável subsidiário, com influência indelével na solicitada tutela jurisdicional e, por conseguinte, o despacho ora recorrido é passível de recurso por meio de impugnação autónoma ao abrigo do disposto nos arts. 281.º do CPPT e 644.º n.º 2 d) do CPC.
Sem prescindir:
iii. Ainda que assim não se entendesse, o que não se concede, sempre o presente recurso de apelação autónoma terá de ser admitido como tal ao abrigo do disposto no art. 644.º n.º 2 h) do CPC ex vi 281.º do CPPT, pois que a apreciação do mesmo apenas a final, com o eventual recurso da decisão final, tornaria o recurso absolutamente inútil.
iv. Aquando do recurso da decisão final a proferir nos presentes autos de impugnação, não teria qualquer utilidade aferir se deveria ou não ter sido admitida, em momento anterior, a ampliação do objecto de impugnação de modo a abranger também o despacho que manteve inalterada a quantificação da matéria tributável da devedora originária (proferido em procedimento de revisão da matéria tributável instaurado por iniciativa do revertido), porquanto, por força do despacho em causa, naquele eventual recurso da decisão final, o Recorrente jamais poderia colocar em causa, precisamente como objecto mediato da impugnação, a ilegalidade da decisão administrativa dada no procedimento de revisão da matéria tributável e, por conseguinte, ser-lhe-ia vedado invocar o respectivo efeito invalidade nas liquidações impugnadas (onde foi considerada a matéria tributável fixada no aludido procedimento).
v. Nomeadamente, e porque o Tribunal a quo considera que tal decisão não deve integrar o objecto da impugnação, ficaria o Recorrente limitado na concretização da base factual atinente à demonstração, feita perante a Comissão de Revisão, do excesso de quantificação.
Isto posto:
vi. O presente recurso vem interposto do despacho, de 18-10-2021, pelo qual o Tribunal a quo decidiu indeferir o requerimento do Recorrente, de 01-10-2021, formulado em articulado superveniente, para ampliação do objecto de impugnação, para que na impugnação fosse abrangida também, além dos actos de liquidação já impugnados, a decisão da Senhora Directora de Finanças ..., de 24-11-2020, proferida no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos instaurado por iniciativa do Recorrente na qualidade de revertido.
vii. Salvo o devido respeito, aquela decisão administrativa, como objecto mediato, padece de vícios próprios, mormente o erro nos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável e o excesso de quantificação, que não podem deixar de ter também reflexo na ilegalidade dos actos que daquele dependem necessariamente - maxime as liquidações impugnadas e que constituem o objecto imediato dos presentes autos.
viii. Tal como invocado perante o Tribunal a quo, aquando da citação do Recorrente como responsável subsidiário, este encetou o procedimento de revisão da matéria tributável – o qual, tendo sido recusado pela AT, apenas veio a ser tramitado por ordem judicial – e daí que, na pendência do aludido processo judicial, não tenha restado ao Recorrente outra alternativa senão intentar os presentes autos de impugnação judicial contra as liquidações de imposto originadas pela determinação da matéria tributável por métodos indirectos na esfera da devedora originária e com base no procedimento de revisão por esta encetado – o qual tem contornos factuais e jurídicos diversos.
ix. Decorrido e findado o procedimento de revisão da matéria tributável encetado pelo próprio Recorrente, e na medida em que tem convicção de que naquele procedimento logrou demonstrar o excesso de quantificação da matéria colectável considerada nas liquidações impugnadas nos presentes autos, pretende o Recorrente, legitimamente, que seja considerada e apreciada, como objeto dos presentes autos, a decisão administrativa tomada naquele procedimento – na medida em que, mantendo incólume a matéria tributável que subjaz às liquidações em causa nos autos, padece de ilegalidade que as inquina.
x. Visto detalhadamente o devir dos factos, tornar-se-á claro que, como é convicção do Recorrente, o despacho proferido deverá ser revogado na parte em que não admite a ampliação do objecto de impugnação, não bastando, para salvaguarda dos direitos de defesa do Recorrente, a confirmação dada pelo Tribunal a quo no despacho recorrido no sentido de que, para o julgamento da impugnação e da apreciação da validade das liquidações impugnadas, será tido em consideração o teor da decisão administrativa dada no procedimento de revisão da matéria tributável.
xi. Está em causa a impugnação judicial de liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2008, respeitante à devedora originária, [SCom01...] LDA., que teve origem em procedimento inspectivo incidente sobre aquela sociedade e no âmbito do qual fora efectuada a quantificação da respectiva matéria tributável por recurso a métodos indirectos.
xii. Aquela sociedade, como devedora originária do referido imposto liquidado adicionalmente, encetou o procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos nos termos do disposto nos arts. 91.º e ss. da LGT, que correu os respectivos termos e, na sequência da falta de verificação de acordo entre os peritos nomeados pela AT e pela devedora originária, foi proferida decisão nos termos previstos no art. 92.º n.º 6 da LGT que manteve inalterada a quantificação apurada no procedimento inspectivo.
Ulteriormente:
xiii. No âmbito do processo de execução fiscal instaurado para cobrança daquele imposto, veio a ser determinada a reversão daquela execução contra o ora Recorrente e, nessa sequência, os Impugnantes requereram, como era seu direito, a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos de quantificação, usando dos meios de defesa que lhes são legalmente concedidos – vgr. os mesmos de que dispunha a devedora originária.
xiv. A AT entendeu indeferir a abertura desse procedimento de revisão requerido pelo Recorrente, o que levou a que este se visse na contingência de, primeiro, recorrer hierarquicamente dessa decisão e, depois, intentar acção administrativa (que correu sob o número de processo 2030/17.4BEPRT junto da Unidade Orgânica 3 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto) para efeito de impugnação dessa decisão, como tudo expressamente foi invocado nos presentes autos (vide pontos 27. a 31. da petição de impugnação).
xv. Com efeito, o Recorrente teve o ensejo de invocar nos presentes autos, ab initio, que a decisão que haveria de ser proferida naquela acção administrativa, mormente julgando pela anulação da decisão administrativa e consequente tramitação do procedimento de revisão da matéria tributável fixada em sede inspectiva, teria necessárias e directas consequências para a sindicância da presente impugnação (vide ponto 32. da petição de impugnação), uma vez que, dado o curso do respectivo prazo, o Recorrente viu-se na contingência de, entretanto, reagir contra às liquidações adicionais que constituem também objecto na presente impugnação.
xvi. Para o devedor originário a tramitação do procedimento de revisão da matéria tributável suspende a própria liquidação do imposto, nos termos do artigo 91.º n.º 2 da LGT, precisamente porque tal liquidação pressupõe a concretização, a jusante, dessa mesma matéria tributável, pelo que, sendo reconhecidos ao responsável subsidiário os mesmos meios de defesa à disposição do devedor originário, a circunstância de poder encetar o procedimento de revisão da matéria tributável quando, naturalmente, já existe um acto de liquidação prévio, acarreta que, nos mesmos termos, a impugnação judicial tenha como objecto mediato a decisão dada naquele procedimento e, como objecto imediato, a liquidação de imposto onde foi considerada a matéria tributável em discussão.
xvii. No caso em apreço, e já na pendência da presente impugnação, veio a ser proferida decisão judicial ordenando a tramitação do procedimento de revisão da matéria tributável prevista no artigo 91.º e sgs da LGT e, deste modo (ainda que tardiamente), foi aberto procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos de quantificação, onde o Recorrente teve o ensejo de invocar não apenas a falta de pressupostos para a avaliação indirecta, mas, igualmente, a falta de fundamentação e, sobretudo, o excesso de quantificação.
xviii. De facto, apesar da reunião havida entre os peritos da AT e do Contribuinte, das posições expressadas por estes e dos elementos levados ao procedimento, não foi possível obter acordo quanto à quantificação da matéria tributável – o que conduziu a que fosse proferida, pelo órgão competente, a decisão prevista no artigo 92.º n.º 6 da LGT – mas o procedimento de revisão encetado pelo Recorrente, como responsável subsidiário, bem como a respectiva tramitação, difere necessariamente do procedimento encetado pelo responsável originário – pois, de outro modo, não se compreenderia a prerrogativa legal conferida ao revertido e constante do artigo 22.º n.º 4 da LGT.
xix. O Recorrente viu-se na contingência de trazer aos presentes autos notícia daqueles actos praticados (instauração, tramitação e decisão proferida no procedimento de revisão da matéria tributável a pedido dos revertidos) – porque a AT, contrariando o que lhe competida, não notícia daqueles – ao mesmo tempo que, como é seu direito, requerer, ao abrigo do disposto no art. 63.º do CPTA ex vi art. 2.º c) do CPPT, a ampliação do objecto da impugnação, de modo a que aí se incluísse também a apreciação da validade da decisão emitida no procedimento de revisão da matéria tributável.
xx. O acto tributário impugnado, na integral dimensão de (i)legalidade que se pretende sindicar em sede judicial, pressupõe não apenas a correcção efectuada em sede inspectiva, e respectivos pressupostos, mas igualmente a decisão administrativa proferida no procedimento de revisão da matéria tributável encetada pelo responsável subsidiário e, por conseguinte, deve operar-se a modificação objectiva da instância por forma a que o processo impugnatório, como contencioso de plena jurisdição, inclua a apreciação da legalidade da decisão dada no procedimento administrativo onde a AT manteve a quantificação da matéria tributável que subjaz à liquidação imposta ao revertido.
xxi. De outro modo, e salvo o devido respeito, a possibilidade conferida ao revertido de encetar tal procedimento redundaria num mero proforma sem qualquer propósito ou sentido útil – dado que, para todos os efeitos, e na medida em que aquela decisão administrativa não constituisse objecto do processo de impugnação, os seus vícios nunca acarretariam a anulação da liquidação.
xxii. Inversamente, como se compreende, a validade da decisão administrativa que, em sede de Comissão de Revisão, manteve a quantificação vinda do procedimento inspectivo é, também, pressuposto e condição de validade das liquidações impugnadas, pois que a validade destas depende, além do mais, da validade daquela decisão – o que tudo milita no sentido de que tal decisão seja também incluída no objecto da presente impugnação.
xxiii. De resto, o próprio Tribunal a quo parece evidenciar a aludida relação, embora dela não retire, salvo o devido respeito, a consequência que se impunha, eventualmente face ao próprio devir processual que, fruto da actuação da AT levou a que só agora fosse praticado acto que se pretende seja também objecto dos presentes autos mediante a ampliação do respectivo objecto, já muito posteriormente à instauração da impugnação.
xxiv. Embora o Tribunal a quo reconheça, por um lado, (i) que o Recorrente, no requerimento de ampliação do objecto de impugnação «[…] pretendem a anulação da decisão proferida no procedimento de revisão, por entenderem que esta mantém o excesso de quantificação da matéria coletável, padecendo de erro quanto aos pressupostos de facto e de direito, bem como, de vício de falta de fundamentação.», e que o Recorrente concluir até «[…] argumentando que, “(…) também por essa via têm de ser anuladas as liquidações impugnadas nestes autos, por dependerem daquela.”.» e, por outro, que (ii) nos presentes autos «[…] os Impugnantes, colocam em causa a liquidação de IRC e IVA relativa ao exercício de 2008 […]» e, ainda, que (iii) a impugnação judicial «[…] é o meio adequado para apreciação do ato tributário impugnado, bem como, dos seus fundamentos e pressupostos, como é o caso da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão da matéria coletável, proferida em 24/11/2020.» (sic despacho recorrido) (sublinhado destacado nosso), embora na decisão recorrida se chegue mesmo a reconhecer expressamente (iv) «[…] ser premente a apreciação do procedimento de revisão da matéria coletável e respetiva decisão supra mencionados, para uma justa composição do litígio e para a justa decisão da causa, elementos que o Tribunal irá determinar que sejam carreados para os autos.» (idem, ibidem), constata-se que, salvo o devido respeito, e na medida em que indefere a ampliação do objecto do processo, o Tribunal a quo infirma frontalmente o que vinha de asseverar, privando o Recorrente da tutela jurisdicional – mormente para sindicância (e anulação) da decisão dada no procedimento de revisão da matéria tributável, como fundamento da inerente anulação da liquidação impugnada.
xxv. Reconhecendo embora o Tribunal a quo (i) QUE o Recorrente assacou àquela decisão, proferida no novo procedimento de revisão instaurado por sua iniciativa, vícios próprios dessa decisão; (ii) QUE essa decisão é fundamento e pressuposto das liquidações impugnadas e que a presente impugnação é o meio próprio para atacar as liquidações e seus pressupostos e fundamentos; (iii) QUE é premente a apreciação do procedimento de revisão e da decisão aí proferida e que, por isso, irá apreciar os fundamentos invocados a esse propósito pelo Recorrente; o Tribunal a quo conclui, no sentido exactamente oposto, pelo indeferimento da requerida ampliação do objecto de impugnação – o que constitui contradição entre os fundamentos e a decisão recorrida, e acarreta a nulidade do despacho impugnado, ou, pelo menos, constitui erro de julgamento, e acarreta a anulação do despacho recorrido e a sua substituição por decisão que admita a ampliação do objecto de impugnação nos termos requeridos pelo Recorrente.
xxvi. A decisão proferida no procedimento de revisão, que o Recorrente pretendeu fosse incluída no objecto de impugnação, é superveniente não apenas em relação às liquidações impugnadas mas, igualmente, em relação à própria apresentação da impugnação judicial, razão pela qual, aquela decisão e procedimento (ou, melhor dito, os respectivos vícios) não puderam constituir objecto da presente impugnação ab initio – o que determinou a peticionada (e devida) ampliação do respectivo objecto, conforme requerido pelo Recorrente.
xxvii. Os vícios daquele procedimento e acto que lhe pôs termo - como implicitamente reconhece o Tribunal a quo - são efectivamente essenciais à aferição da validade das liquidações aqui também impugnadas, pois que também aquele acto (que mantém a quantificação da matéria tributável fixada por métodos indirectos praticado no procedimento instaurado por iniciativa do Recorrente), é também pressuposto daquelas liquidações.
xxviii. SE o responsável subsidiário encetou o procedimento de revisão do acto tributário com o fito de demonstrar i) a falta de verificação dos pressupostos da avaliação indirecta, ii) a falta de fundamentação dessa avaliação e iii) o excesso de quantificação, e SE a AT decidiu tal procedimento contra a pretensão do responsável subsidiário, mantendo incólume a matéria tributável em que se baseiam as liquidações de imposto pelas quais é chamado a responder, ENTÃO, o processo judicial encetado para impugnação de tais liquidações há-de incluir no seu objecto, necessariamente, a decisão dada no procedimento de revisão da matéria tributável, pois, de outro modo, o responsável subsidiário não logrará convocar, no processo, toda a factualidade levada ao procedimento para consideração da AT e tendente a demonstrar o excesso de quantificação da matéria tributável.
Ora,
xxix. Exactamente para os casos como os dos presentes autos em que, na pendência da impugnação, foi proferido acto surgido no âmbito de procedimento que – pelas razões explicitadas – embora instaurado posteriormente aos autos de impugnação, corresponde a procedimento em que também as liquidações impugnadas se inserem, ou, pelo menos, em procedimento conexo com o procedimento que levou àquelas liquidações e que, no mínimo, permitiu que estas se mantivessem qua tale, prevê o art. 63.º n.º 1 do CPTA que «Até ao encerramento da discussão em primeira instância, o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o ato impugnado se insere […]» (sic, sublinhado e destaque nossos), e daí que, no n.º 3 da mesma norma, se disponha expressamente que «[…] deve a Administração trazer ao processo a informação da existência dos eventuais atos conexos com o ato impugnado que venham a ser praticados na pendência do mesmo.» (sic, sublinhado e destaque nossos).
xxx. Para tornar ainda mais evidente a referida conexão e relação de dependência, ou de pressuposto, entre as liquidações impugnadas e o acto que poe termos ao procedimento de revisão que se pretende passe também a integrar o objecto dos presentes autos, basta pensar que, se tivesse sido diferente a decisão no procedimento de revisão, ou o resultado aí alcançado (por exemplo, havendo acordo, ou, na falta deste, o acto que lhe pusesse termo tivesse aderido à posição do Recorrente ou do perito por este nomeado), manifestamente desapareceriam os pressupostos das liquidações impugnadas e as próprias liquidações, pela emissão de novas liquidações daí decorrentes, com base em matéria tributável com quantificação diversa.
xxxi. Mesmo esta decisão que se pretende que passe a integrar o objecto de impugnação (pela respectiva ampliação) não é naturalmente idêntica à decisão proferida no procedimento de revisão da matéria tributável instaurado por iniciativa da devedora originária, nem os respectivos pressupostos e fundamentos são os mesmos - e isto ainda que a respectiva quantificação se tenha mantido - o que se manifesta, desde logo, quando na respectiva fundamentação se remete, transcrevendo, para o parecer do perito da AT que, como é óbvio, também não é idêntico ao parecer dado no procedimento de revisão que pendeu por iniciativa da devedora originária.
xxxii. Diga-se ainda que, como se evidencia na leitura dos requerimentos de revisão da matéria tributável apresentados pela devedora originária e o apresentado pelo responsável subsidiário, aqui Recorrente, os fundamentos para um e outro não são os mesmos, nomeadamente no que respeita à quantificação da matéria tributável alcançada (cfr. pedido de revisão da matéria tributável formulado pela devedora originária com o pedido de revisão da matéria tributável formulado pelos revertidos Impugnantes nos presentes autos), nem o perito da AT é o mesmos, nem o conteúdo e objecto da reunião entre peritos foram idênticos, como o Recorrente, como revertido, juntou ao procedimento diversos elementos documentais, desde logo um parecer emitido pela entidade produtora do programa informático utilizado pela devedora originária, que não consta, obviamente, do procedimento de revisão solicitado pela devedora originária.
xxxiii. Destarte, o conteúdo das declarações dos peritos nomeados pela AT e pelos contribuintes é distinto, os fundamentos invocados para essas tomadas de posição também são distintos, e também a decisão proferida no procedimento de revisão da iniciativa da devedora originária é distinta da decisão proferida no procedimento de revisão da iniciativa dos revertidos.
xxxiv. A decisão administrativa que se pretende seja englobada no objecto do processo, pela respectiva ampliação, padece, ela própria, de vícios que lhe são imputados pelo Recorrente e dos quais potencialmente resulta, como o Tribunal a quo reconhece na decisão recorrida, a invalidade das liquidações que são também impugnadas nestes autos, pelo que em cumprimento do art. 22.º n.º 5 da LGT, o Recorrente, como revertido, viu ser-lhe judicialmente (na decisão judicial dada no processo n.º 2030/17.4BEPRT da Unidade Orgânica 3 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto) reconhecido o direito a encetar o procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos de quantificação previsto nos art. 91.º e ss da LGT – onde foi proferida a decisão que se pretende incluir no objecto da presente impugnação.
xxxv. Admitir aquele procedimento de revisão para, depois, no âmbito da impugnação, não admitir que constitua também objecto de impugnação, corresponderia à eliminação do efeito prático daquela norma do art. 22.º n.º 5 da LGT, com a sua consequente violação, pelo que, sob pena de violação do disposto no art. 63.º do CPTA e do disposto nos arts. 22.º n.º 5, 86.º n.º 5 e 5 da LGT e 117.º do CPPT, não podia o Tribunal a quo ter indeferido a ampliação do objecto da impugnação conforme requerido pelo Recorrente, com o que o despacho recorrido incorre em erro de julgamento, devendo ser anulado e substituído por outro que admita a requerida ampliação.
xxxvi. De resto, o artigo 22.º n.º 5 da LGT, se interpretado no sentido de que a impugnação judicial não pode conter, como objecto mediato, a decisão administrativa dada no procedimento de revisão da matéria tributável encetada pelo responsável subsidiário, com o inerente (e potencial) efeito de anulação das liquidações de imposto impugnadas que se baseiam, precisamente, em matéria tributável fixada por métodos indirectos, padeceria de inconstitucionalidade material por violação do princípio do acesso à tutela jurisdicional efectiva.
Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas., julgando procedente o presente recurso e, consequentemente, revogando o despacho proferido na parte em que não admite a ampliação do objecto de impugnação ou eliminando-a nessa parte da ordem jurídica, substituindo-a por outra que admita aquela ampliação e inclua no objecto da presente impugnação também o acto da Directora de Finanças ..., de 24-11-2020, que manteve a quantificação da matéria tributável da devedora originária fixada por métodos indirectos, farão V.Exa. cumprir a
LEI e JUSTIÇA.»
1.2. A Recorrida, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso – fls. 467 do processo SITAF.
1.5. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir: nos limites das conclusões das alegações do recurso – artigos 5.º, 608.º/2 635º/3/4 637º/2 639º/1/2 e 640º do CPC, cabe apreciar e decidir se o despacho recorrido padece de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 644.º n.º 2 d) e h), 645.º n.º 2 e 647.º n.º 1 do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, por entender que existe contradição entre os fundamentos da decisão recorrida, ou ainda que assim não se entenda, em erro de julgamento de direito.



2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Ocorrências processuais relevantes resultantes do processo 449/18.2BEPRT e do presente recurso em separado apenso:
1. Em 05.03.2018, os Recorrentes «AA» e «BB» apresentaram impugnação judicial contra Autoridade Tributária e Aduaneira, mais concretamente da liquidação adicional, acrescido e compensação em IRC, exercício de 2008, no montante global de €49.904,48, na qualidade de revertidos da dívida originariamente instaurada contra a [SCom01...], Ld.ª, a que coube o n.º 449/18.2BEPRT, peticionando que a mesma seja julgada provada e procedente e, em consequência que se declare que:
«a) serem anuladas as liquidações adicionais de IRC ora impugnadas e a decisão que indeferiu a reclamação graciosa apresentada;
b) ser a Fazenda Pública condenada a pagar custas e demais encargos com o processo, porque ao mesmo deu causa.»

2. Em 01.10.2021, os Recorrentes apresentaram articulado superveniente, com requerimento de ampliação do objecto da instância, ao abrigo do artigo 63º do CPTA, ex vi artigo 2º al. c) do CPPT, peticionado que:
«Termos em que se conclui como na petição inicial, requerendo a ampliação do objecto da impugnação, e correspondente pedido, de modo a englobar a anulação da decisão proferida no procedimento de revisão e, também por consequência, das liquidações impugnadas – com todos os efeitos legais.» (certidão constantes dos presentes autos fls. 112 a 157 do processo SITAF cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
3. O referido requerimento foi indeferido nos termos constantes do despacho objecto do presente recurso, cujo teor aqui se reproduz na íntegra:
« Os Impugnantes apresentaram articulado a fls. 1133 do Sitaf, peticionando a ampliação do objeto dos presentes autos de impugnação, ao abrigo do disposto no art. 63.º do CPTA ex vi art. 2.º alínea c), do CPPT, quanto à decisão do Diretor de Finanças ..., proferida em 24/11/2020, em sede de procedimento de revisão da matéria coletável, que manteve inalterada a quantificação da matéria tributável determinada por métodos indiretos, fundamento da liquidação de IRC e IVA, do ano de 2008 aqui impugnada.
Neste sentido, pretendem a anulação da decisão proferida no procedimento de revisão, por entenderem que esta mantém o excesso de quantificação da matéria coletável, padecendo de erro quanto aos pressupostos de facto e de direito, bem como, de vício de falta de fundamentação. Concluem, argumentando que, “(…) também por essa via têm de ser anuladas as liquidações impugnadas nestes autos, por dependerem daquela.”.
Vejamos.
A revisão da matéria coletável, previsto no art. 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, enquanto “apreciação pericial da quantificação da matéria tributável, mediante um debate entre os peritos do contribuinte e da administração tributária”, visa sindicar a avaliação indireta, ficando afastada quanto às correções técnicas e às questões de direito. (ver J.M. Fernandes Pires e outros, Lei Geral Tributária, pág. 842, e anotação ao artigo 91.º pág. 966 e ss).
O pedido de revisão em causa, apresenta-se como um mecanismo tendente a evitar que a discussão transite imediatamente para sede contenciosa e judicial, quando ainda há hipótese de, em sede administrativa, haver acordo entre a Autoridade Tributária e o sujeito passivo, acerca da matéria tributável. Em boa verdade, o procedimento de revisão está vocacionado para a resolução de meras questões técnicas e não jurídicas, sem prejuízo da apreciação das questões de direito que se refiram aos pressupostos da utilização dos métodos indiretos, que estão profundamente conexionadas com a verificação dos respetivos pressupostos de facto. (cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, nota 5 ao art. 86.º, pág. 746.).
Com efeito, o pedido de revisão da matéria tributável é, ao abrigo do art. 86.º n.º 5 da LGT e art. 117.º do CPPT, pressuposto ou condição de procedibilidade da impugnação do ato tributário, no caso de o seu fundamento ser o erro nos pressupostos da utilização da avaliação indireta ou o erro na sua quantificação, traduzindo-se num requisito cuja verificação a lei exige para que o Tribunal possa pronunciar-se sobre o mérito da causa.
Assim sendo, o ato de liquidação é condição da revisão da matéria tributável, e objeto da impugnação judicial, pois é o ato que produz efeitos diretos na esfera jurídica do contribuinte, e como tal, é potencialmente lesivo dos seus direitos.
In casu, os Impugnantes, colocam em causa a liquidação de IRC e IVA relativa ao exercício de 2008. Pois bem, a impugnação judicial, prevista no art. 97.º do CPPT (cfr. art. 95.º n.º 2 alínea c) da LGT), é o meio adequado para apreciação do ato tributário impugnado, bem como, dos seus fundamentos e pressupostos, como é o caso da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão da matéria coletável, proferida em 24/11/2020.
Ora, do articulado apresentado pelos Impugnantes afere-se existir alguma imprecisão quanto à requerida “ampliação do objeto” dos presentes autos, pois que, em sede de impugnação judicial, o ato tributário a sindicar é a liquidação, não obstante, para o efeito, no caso concreto, ser premente a apreciação do procedimento de revisão da matéria coletável e respetiva decisão supra mencionados, para uma justa composição do litígio e para a justa decisão da causa, elementos que o Tribunal irá determinar que sejam carreados para os autos.
Por conseguinte, sempre serão apreciados os fundamentos invocados pelos Impugnantes, para decidir sobre o pedido de anulação das liquidações em apreço, objeto dos presentes autos.
Em face do expendido, indefere-se o pedido nos termos expostos pelos Impugnantes.
Notifique.»

2.2. De direito
O despacho recorrido indeferiu o requerimento apresentado pelo Recorrente em 01.10.2021, em que na sequência da decisão emitida no pedido de revisão da matéria tributável que manteve inalterada a quantificação da matéria tributável determinada por métodos indirectos, fundamento das liquidações de IRC e IVA, do ano de 2008, solicitou a ampliação objectiva da instância no processo de impugnação n.º 449/18.2BEPRT, “requerendo a ampliação do objecto da impugnação, e correspondente pedido, de modo a englobar a anulação da decisão proferida no procedimento de revisão e, também por consequência, das liquidações impugnadas – com todos os efeitos legais”.
Inconformados, os Recorrentes insurgem-se contra aquele indeferimento, constante do despacho datado de 18.10.2021 supratranscrito no item 3. da fundamentação de facto.
Como já se referiu, no momento próprio, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes, não podendo este tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4, todos do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), in casu, esgrimidas as vastas conclusões apresentadas, as questões a conhecer resumem-se a: (i) a inferir da nulidade assacada ao despacho por contradição entre os fundamentos e o decidido e, (ii) se o mesmo enferma de erro de julgamento.
Cumpre apreciar e decidir.
2.2.1. Da nulidade do despacho por contradição entre os fundamentos e o decidido
Os Recorrente iniciam o seu dissídio dirigido à sentença imputando-lhe a nulidade prevista no artigo 615º, alínea c) do CPC, por considerar que a mesma enferma de contradição entre os fundamentos e o decidido.
Para tanto argumentam que, tendo o despacho recorrido reconhecido que os Recorrentes pretendem a anulação da decisão proferida no procedimento de revisão por entenderem que esta mantem o excesso de quantificação da matéria coletável, sucedendo nos vícios de fundamentação e de erro nos pressupostos de direito, e ser a impugnação judicial o meio adequado para apreciação da liquidação adicional de IRC de 2008, bem como dos seus fundamentos e pressupostos, e perfilhado como relevante a apreciação do procedimento de revisão da matéria coletável para uma justa composição do litígio e justa decisão da causa, contradiz-se ao decidir pelo indeferimento do pedido de ampliação formulado pelo Recorrentes, sustentando que enferma de nulidade ao abrigo do artigo 615.º n.º 1 alínea c) do CPC.
Vejamos.
A nulidade prevista na 1.ª parte da alínea c) do referido preceito legal remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.
Como escrevem Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, in “Dos Recursos”, Quid Júris, pág. 117: “A observação da realidade judiciária mostra que é vulgar a arguição da nulidade da decisão … E a verdade é que por vezes se torna difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, como é aquele que está na origem da decisão”. No mesmo veja-se o acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 30.09.2010, proferido no âmbito do processo n.º 341/08.9TCGMR.G1.S2, quando aí se refere “(...) o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error júris), para que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa”.
Podemos, pois, afirmar, que as nulidades da decisão, são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença e/ou despacho que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjetivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito.
Nos termos do referido preceito legal, a sentença é nula quando os «fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que tome a decisão ininteligível». O que significa que esta nulidade ocorre quando a construção da sentença é viciosa, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto. Isto é, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma decisão oposta à que logicamente deveria ter extraído: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.
Entende a mais autorizada doutrina (v. Prof. J. A. Reis, CPC Anotado, vol. V, pág. 141 e A. Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, CPC Anotado, pág. 686) que este vício afecta a estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão: - os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam logicamente, isso sim, a resultado oposto. Ou seja: - existe aqui um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão que se analisa em que a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente.
No mesmo sentido se pronunciava o Prof. Alberto dos Reis Ob. cit. pág. 141., ao escrever a propósito de tal vício “...a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.
Importa, por isso, determinar se os fundamentos invocados pelo Mª Juiz a quo no seu despacho impunham logicamente a condução de um resultado oposto, aquele que efectivamente foi expresso, no sentido do indeferimento da requerida ampliação.
No caso concreto dos autos, o despacho recorrido após elaborar um breve introito sobre o enquadramento jurídico e doutrinal do pedido de revisão da matéria colectável previsto nos artigos 91º e 92º da LGT, reconhece que o acto de liquidação, enquanto pressuposto ou condição de procedibilidade da impugnação do acto tributário (artigos 86º, n.º 5 da LGT e 117º do CPPT) que assente no erro nos pressupostos da utilização da avaliação indirecta ou erro na sua quantificação, o acto de liquidação assume-se enquanto condição, resultado, da revisão da matéria tributável e, como tal, objecto da impugnação nos casos em que aquele pedido de revisão antecede a impugnação, subentenda-se.
Para de seguida, se bem que de modo um pouco confuso, referir que o meio processual a impugnação judicial utilizada pelos Recorrente é adequada para apreciação do acto tributário (liquidações IRC e IVA do ano 2008) dos seus fundamentos e pressupostos, nos mesmos termos que os Recorrente fizeram ao apresentar o seu pedido de revisão da matéria colectável.
Termina a concluir que o Tribunal irá determinar que sejam carreados para os autos todos os elementos constantes da apreciação do procedimento de revisão da matéria coletável e respetiva decisão, em consonância com a pretensão dos requerentes se bem que não sejam tidos como ampliação do objecto a sindicar o qual já comporta em si a liquidação, e esta se manteve nos exactos termos.
Como decorre do exposto, a decisão que constitui o objecto da presente instância recursiva, mostra-se enquadrada e os seus fundamentos reconduzem à decisão assumida, de que apesar de ser premente e a considerar nos autos, a mesma não releva autonomamente para efeitos de ampliação do instância, a qual se reconduz à impugnação das liquidações de IRC e IVA do exercício de 2008, o que ressalta das densas alegações e conclusões apresentadas, é o inconformismo dos Recorrentes em relação à decisão do requerido, ao não ampliar o objeto da ação de impugnação à decisão sobre o pedido de revisão da matéria coletável emitida em 24.11.2020. Inconformismo esse que será apreciado em sede de erro de julgamento de direito, de imediato.
Assim sendo, somos de concluir que não padece da nulidade que lhe vem assacada o despacho recorrido.
2.2.2. Do erro de julgamento
Por via de denominado articulado superveniente os Recorrente requerem a ampliação do objecto da instância, ao abrigo do artigo 63º do CPTA, ex vi artigo 2º al. c) do CPPT, referindo a final «Termos em que se conclui como na petição inicial, requerendo a ampliação do objecto da impugnação, e correspondente pedido, de modo a englobar a anulação da decisão proferida no procedimento de revisão e, também por consequência, das liquidações impugnadas – com todos os efeitos legais
Vejamos:
Diz o artigo 108º do Código de Procedimento e Processo Tributário, com a epígrafe “Requisitos da petição inicial".
“1 - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.
2 - Na petição indicar-se-á o valor do processo ou a forma como se pretende a sua determinação a efetuar pelos serviços competentes da administração tributária.
3 - Com a petição, o impugnante oferece os documentos de que dispuser, arrola testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes.”

Ou seja, na petição deve o(a) Autor(a), identificar o acto jurídico impugnado, expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção e formular o pedido.
Por outro lado, em relação à pretensa "ampliação da instância", diz-se no artigo 63º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 2º do CPPT, que:
"1- Até ao encerramento da discussão em primeira instância, o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o ato impugnado se insere assim como à formulação de novas pretensões que com aquela possam ser cumuladas.
2- O disposto no número anterior é extensivo ao caso de o ato impugnado ser relativo à formação de um contrato e este vir a ser celebrado na pendência do processo, como também às situações em que sobrevenham atos administrativos cuja validade dependa da existência ou validade do ato impugnado, ou cujos efeitos se oponham à utilidade pretendida no processo.
3- Para o efeito do disposto nos números anteriores, deve a Administração trazer ao processo a informação da existência dos eventuais atos conexos com o ato impugnado que venham a ser praticados na pendência do mesmo.
4- A ampliação do objecto é requerida pelo autor em articulado próprio, que é notificado à entidade demandada e aos contrainteressados, para que se pronunciem no prazo de 10 dias.”
Temos assim, por assente, que a instância fixa-se com a propositura da acção e esta considera-se proposta logo que a petição inicial seja recebida na secretaria do respectivo tribunal, na qual deve o Autor, entre outros elementos, expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção e formular o pedido, podendo os fundamentos reconduzirem-se aos enunciados no artigo 99º a 101º do CPPT e nela poder cumular pedidos de acordo com o disposto no artigo 104º do CPPT.
Em atenção ao princípio da flexibilidade do processo, a modificação da instância (objectiva e subjectiva) é permitida nos casos legalmente previstos.
Neste contexto, o artigo 63.º do CPTA, com a epígrafe “Modificação objectiva de instância”, admite, em geral, a impugnação de novos actos administrativos que tenham sido proferidos no âmbito do mesmo procedimento, na pendência do processo impugnatório, bem como a formulação, em acumulação, de outro tipo de pretensões derivadas daquela impugnação ou de factos supervenientes.
Além disso, nos termos da parte final do disposto no nº 2 do artigo 63º do CPTA é possível impugnar o acto que, praticado na pendência do processo impugnatório, impede a satisfação do interesse do impugnante ou cujos efeitos se oponham à utilidade pretendida no processo [vide para maiores desenvolvimentos, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, pp 430 e ss; e., entre outros Acórdão do TCAS de 23.05.2013, proferido no âmbito do Processo n.º 07252/11].
E, com enfoque no contencioso tributário, chamamos à colacção o sumário do acórdão do STA de 29.06.2011, in processo n.º 030/11, “ I - É admissível, em processo de impugnação judicial, a ampliação do pedido e da causa de pedir, nos termos do disposto no artigo 63.º do CPTA, ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, sempre que se verifiquem factos supervenientes para o impugnante que lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia conhecer no momento da apresentação da petição inicial, assim permitindo ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado.”.
A possibilidade de modificação da instância em sede de processo tributário tem também sido admitida pela doutrina para quem, “quando se esteja perante questões de conhecimento oficioso ou quando factos subjectivamente supervenientes para o impugnante lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia conhecer no momento da apresentação da petição, será permitido ao impugnante invocar novos vícios ao acto impugnado, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 506.º do CPC, sobre a admissibilidade de articulados supervenientes, que deve ser subsidiariamente aplicável, com adaptações, ao processo de impugnação judicial, por força do disposto na alínea e) do art.º 2.º do CPPT” – cf. neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, Áreas Editora, Lisboa, 2006, pág. 783.
No caso em apreço, temos que, os Recorrentes impugnaram judicialmente (em 05.03.2018) o despacho de indeferimento de reclamação graciosa apresentado contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 2008, na sequência da citação por reversão do Recorrente «AA», peticionando a final anulação “(...) das liquidações adicionais de IRC ora impugnadas e a decisão que indeferiu a reclamação graciosa apresentada”.
Por via do denominado “articulado superveniente” apresentado em 01.10.2021, requerem a ampliação do objecto da impugnação e correspondente pedido de modo a englobar a anulação da decisão proferida no procedimento de revisão da matéria tributável e, em consequência, das liquidações impugnadas.
Cumpre revelar, que o procedimento de revisão da matéria tributável, inclusive a sua decisão datada de 24.11.2020, manteve inalterada a quantificação da matéria tributável determinada por métodos indirectos, o que facilmente se depreende da afirmação dos próprios Recorrentes no seu “articulado superveniente” ao afirmarem que a decisão emitida em tal procedimento “(...) é, em si mesma, anulável, por manter o vício de excesso de quantificação, de vício de fundamentação e de erros quantos aos respectivos pressupostos de facto e de direito. / 23. E, por consequência, também por essa via têm de ser anuladas as liquidações impugnadas nestes autos (...)”.
Em suma, temos por certo, e os Recorrentes disso também estão conscientes, de que da decisão proferida sobre o procedimento de revisão da matéria tributável não foi constituído qualquer acto tributário susceptível de ampliar o pedido já existente de anulação das liquidações.
Mais se diga, que à luz do disposto no artigo 63º do CPTA, não vislumbramos nenhum facto superveniente e que do mesmo decorra a enunciação de qualquer vício ex novo que os Recorrente não tivessem conhecimento no momento da apresentação da petição inicial. A decisão que recaiu sobre o procedimento de revisão da matéria tributável surge como um “acto conexo” do acto impugnado (as liquidações), usando a terminologia do citado artigo 63º e, como tal e disso dão nota os Recorrentes no seu “articulado superveniente”, ao mencionarem que sobre o órgão decisor recai a obrigação de juntar aos autos aquele procedimento decidido após a instauração dos autos principais.
E, como bem alude o Digno Procurador da República junto deste TCA Norte:
«Dispõe do artigo 260º do CPC aplicável, ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT, sobre a estabilidade da instância: “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e á causa de pedir, salva as possibilidades de modificações consignadas na lei”.
O pedido dos Recorrentes é a anulação das referidas liquidações de IVA e IRC.
No que concerne á causa de pedir referem-se na nossa lei os artigos 581º, n.º 4 e 522º, n.º 1 alínea d) do CPC, normativos dos quais se extrai a ideia de que ela se traduz no acto ou facto jurídico do qual procede a pretensão trazida ao tribunal e em relação à qual se defende tenha dado origem ao direito que é objecto da acção.
A causam pretendi é o facto jurídico que constitui o fundamento legal do beneficio ou do direito objecto do pedido e o princípio gerador do direito, a sua causa eficiente, sendo constituída pelos factos necessários para individualizar a situação jurídica alegada pela parte e para fundamentar o pedido formulado para essa situação.
Os factos que o foram o fundamento essencial do procedimento de revisão já se encontravam enunciados na p.i. – v. articulado n.º 301 e segs., não sendo uma novidade trazida para o processo, ou sejam, não são supervenientes.
A decisão do procedimento de revisão nada veio modificar no que concerne aos actos impugnados, que foram mantidos. Como referiu a Mm.ª Juiz no despacho de 18 de outubro, “... serão sempre apreciados os fundamentos invocados pelos impugnantes para decidir sobre o pedido de anulação das liquidações em apreço...”».
Por todo o exposto, consideramos que o despacho recorrido não enferma de erro de julgamento de acordo com os fundamentos acima aduzido, o que determina a necessária improcedência do presente recurso.
Sentido em que se decidirá seguidamente.

2.3. Conclusões
I. A sentença é nula quando os «fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que tome a decisão ininteligível». O que significa que esta nulidade ocorre quando a construção da sentença é viciosa, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto, por outras palavras, a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.

II. A instância fixa-se com a propositura da acção e esta considera-se proposta logo que a petição inicial seja recebida na secretaria do respectivo tribunal, na qual deve o Autor, entre outros elementos, expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção e formular o pedido – cf. artigo 108º do CPPT.

III. Em processo de impugnação judicial, a ampliação do pedido e da causa de pedir, nos termos do disposto no artigo 63.º do CPTA, ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, é admissível, sempre que se verifiquem factos supervenientes para o impugnante que lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia conhecer no momento da apresentação da petição inicial, assim permitindo ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado.

IV. O que não se verifica quando é proferida decisão no âmbito do procedimento de revisão da matéria colectável, na pendência da impugnação, e naquela não tenham sido apreciados vícios à liquidação ex novo e não tenha sido emitido novo acto tributário.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pelos Recorrentes.

Porto, 23 de novembro de 2023

Irene Isabel das Neves
Margarida Reis
Paula Moura